A SIRENE
PARA NÃO ESQUECER | Ano 3 - Edição nº 30 - Setembro de 2018 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Setembro de 2018 Mariana - MG
Aconteceu na reunião AUDIÊNCIA PÚBLICA: APROVAÇÃO DO TAC GOVERNANÇA 08 de agosto , Belo Horizonte
OFICINAS DE REPÓRTERES POPULARES DO JORNAL A SIRENE Gesteira, 08 e 09 de setembro Rio Doce, 29 e 30 de setembro O Jornal A SIRENE convida a todos(as) moradores(as) de Gesteira e Rio Doce para as próximas Oficinas de Repórteres Populares. A participação é gratuita, voltada para os(as) atingidos(as) pelo rompimento da Barragem de Fundão. As vagas são limitadas. Quer participar? Envie seu nome, idade, telefone e comunidade para o e-mail jornalasirene@gmail.com.
Manobra contra os nossos direitos! O juiz titular da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, Mário de Paula Franco Júnior, homologou o TAC Governança - que define alterações na administração do processo de reparação dos atingidos(as) pelo rompimento da Barragem de Fundão. O documento, apesar de apresentar alguns avanços em relação a participação, recebeu também muitas críticas por novamente ter sido construído sem o diálogo com as vítimas. Entretanto, mais grave do que manter os(as) atingidos(as) como sujeitos minoritários em todas as instâncias de decisão foi a manobra feita pelo magistrado. Ao acrescentar suas observações no TAC, ele adicionou um termo aditivo que impede a vinculação “político-partidária”, de movimentos sociais, ongs e instituições religiosas no processo de escolha das entidades que devem prestar Assessoria Técnica. Essa decisão não só viola a livre associação dos(as) atingidos(as), como também deixa clara uma intenção de beneficiar as empresas criminosas. Luzia Queiroz (atingida de Paracatu de Baixo): Entendo que com isso querem limitar a participação de pessoas que são solidárias à causa. Sabemos bem que é uma rede de apoio, até com pessoas que não nos cobram e, assim, enriquecem o conteúdo dos mais diversos temas. Essas entidades poderiam receber verbas para serem revertidas em aprendizados e teses. Em contrapartida teríamos orientações ricas, porque se depender das empresas.
ATENÇÃO! Não assine nada Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.
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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Cristiano José Sales, Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Juçara Brittes, Lucimar Aparecida Muniz dos Santos, Manoel Marcos Muniz, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Rafael Drumond, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista responsável: Silmara Filgueiras | Editor Multimídia: Flávio Ribeiro | Editora de Texto: Miriã Bonifácio | Editor Audiovisual: Eduardo Moreira | Editora Visual: Larissa Pinto | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva, Tainara Torres e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Brazil Foundation, MICA (Coletivo Mídia, Identidade e Comunicação e Arte) e Grupo Observatório C.A.F.É. | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Eduardo Moreira | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).
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Opinião:
Papo de cumadres: TAC Governança Consebida e Clemilda assustadas com o novo TAC Governança, sem entender tantas mudanças. Por Sérgio Papagaio
- Cumadre pra sirvi de guia desta confusão ês tinha feitu um tar TTAC quês chamava de acórdão. - Istu tá valenu ainda? - Num sei, diz que tá mais não, agora é o TAC Governança pra resolvê essa danança; - Essa mudança miora ô piora a isperança? - Sei lá se milhora essa confusão, só sei que disseru que o atingidu vai ter participação. - Nós tudu vai participá? Vai um muncadu ô só uns gatu pingadu? - Dês é um monte, a maioria. Nós é uns treis pra toda a bacia. - Cruz credu, Ave Maria! Esse troçu tá parecenu armadia. - Nós tem qui ficá isperta. Treis de nós nu meio de tanta gente formada é comu diz inhá Derfonsa, catitu fora da manada é papa de onça. - Diz que o juiz meteu a cuié de pau na cumida que tava pronta, e com essa afronta ele proteje us assassinu. Que triste distinu! - Agora óia só se a cabeça da gente num dá um nó; é paper du juiz cuzinhá a cumida ô discascá ô jiló? - É cada coisa que vem de lá que só serve pra nus enganá. - E as assessuria pra toda bacia? - Intão minha fia, antes era nós que iscuia quem é que nós quiria, agora, com a cuierada do juiz, é ele que diz. - Num intendi o que quis esse senhor juiz. - Quem fô compô assessuria num pode tê involvimentu com pulítica nem movimentu sociá. - Num pode tê ligação com igreja, daqui a poucu num vão podê nem rezá. - Credu em cruz, num pode manifestá, num pode votá, num pode rezá, mió intão é mandá uns robô pra nus assessoriá. - Só tenho medu de que u controle desses robô fique nas mão do criminoso que todu o crime carzou.
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Danos não são negociáveis
A Matriz de Danos é um instrumento base para o pagamento de indenização construído a partir dos danos identificados no Cadastro, e no processo de levantamento de perdas declaradas pelos(as) atingidos(as). Essa Matriz traz uma lista com os danos materiais: perda da casa, do carro, bens pessoais, por exemplo; e com os danos morais: perda dos laços familiares, comunitários e até mesmo os quase três anos enfrentando incansáveis reuniões. Sendo assim, o primeiro passo para a construção dessa Matriz justa é reivindicar que a Fundação Renova/Samarco, Vale e BHP reconheçam judicialmente que devem indenizar cada um dos prejuízos declarados no Cadastro. Assim, haverá mais certeza de que as vítimas serão indenizadas e de maneira justa, já que a proposta inicial apresentada pela fundação/empresas não considera muitos dos danos sofridos. Por Maria do Carmo D’Angelo, Marino D’Angelo e Mauro da Silva Com o apoio de Genival Pascoal, Flávio Ribeiro, Tainara Torres e Assessoria Técnica Cáritas
“A Renova/Samarco não mostra todos os danos que foram causados, porque ela foi contratada para excluir direitos, e o menor número de prejuízos que ela puder reconhecer, pra ela, é melhor. A fundação/empresas assumiu 19 danos na Matriz dela, mas, quando fizemos a nossa, foram levantados mais de 900, mas que, quando você para pra pensar, parecem ser milhões na cabeça da gente. Se existe dano, a Renova/Samarco não teria que reconhecer não, teria que ser obrigada a pagar por eles. E o reconhecimento dos nossos danos não deveria estar sendo negociado.” Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima “Todas as famílias estão desestruturadas, e a gente perde muito com isso, porque os nossos filhos também ficam desorientados. No meu caso e do Marino, por exemplo, a gente deixa eles todos os dias. Às vezes, levamos eles pra casa da minha mãe, em Mariana, ou a minha sogra tem que se deslocar pra vir aqui, por causa das nossas reuniões. Muitas vezes, acabamos faltando com eles, porque temos que cumprir com isso para garantir o direito de todos. É muito desgastante pra gente.” Maria do Carmo D’Angelo, moradora de Paracatu de Cima Para a Renova/Samarco, o tempo que os(as) atingidos(as) são obrigados a passar em reuniões não deve ser indenizado. A fundação/empresas ainda diz que a participação dos(as) atingidos(as) nesses espaços é “voluntária”. Além disso, para elas, a perda e/ou restrição de acesso aos bens coletivos, como a igreja, a escola, o posto de saúde e o cemitério, não devem ser indenizadas de forma individual, mas sim coletivamente, o que não é justo.
“Uma pessoa que ia à missa para a celebração uma vez por semana, a perda dela, em relação ao tempo religioso, é totalmente diferente daquela pessoa que estava ali todos os dias participando de alguma celebração, uma reza, um terço, ou o que quer que seja. O meu pai é um exemplo disso, porque, além de participar de tudo o que acontecia na igreja, ele cuidava de lá, lavando, fazendo reparos. O dia a dia dele era, além de participar das celebrações, fazer manutenções. E essa era uma coisa que vinha passando de geração para geração, dos meus bisavós para os meus avós, até chegar nele. Então, a perda do bem coletivo afeta individualmente uns mais que os outros.” Mauro da Silva, morador de Bento Rodrigues Lutar por valores justos “Não tem dinheiro no mundo que vai pagar o que nós estamos passando, mas precisa ter uma forma de sermos reparadospor isso. São dois anos de laços quebrados, vidas que a gente é obrigado a viver.” Maria do Carmo D’Angelo, moradora de Paracatu de Cima “Discutimos, há alguns meses, uma proposta de valoração dos danos por baixo, sendo o mínimo do mínimo, mas a gente não quer o mínimo, e sim o justo. Em conjunto com a Assessoria Técnica dos(as) atingidos(as), vimos que, primeiro, tínhamos que elencar os danos para serem reconhecidos pela Renova/Samarco, e só depois construir como seria a valoração desses danos. Com o método do PIM (Programa de Indenização Mediada), a Renova/Samarco já tem uma Matriz de Danos com valores Fotos: Acervo pessoal Mauro da Silva
Entre 2013 e 2014, Mauro registrou como o pés de jabuticabas eram fartos em Bento.
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Foto: Acervo pessoal Marino D'ângelo
prontos, mas ela não repara dano nenhum. Um exemplo é que eles colocam que o pé de mandioca é R$ 1,90, sendo que um quilo de mandioca deve ser uns R$ 3,00, e o pé deve dar de 6 quilos pra mais. Então, se a gente estiver unido e reivindicar todos os nossos direitos, a gente pode conquistar o que é justo.” Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima “Se a gente for falar, metodologia é o estudo dos caminhos para chegar a um objetivo, ou seja, se a Renova/Samarco quiser pagar o mínimo possível, ela vai utilizar uma metodologia para se pagar o mínimo. A nossa metodologia lá pra roça, principalmente com relação a jabuticaba, que é uma cultura muito utilizada em Bento, é da gente arrumar um lugar num distrito e que tenha pés de jabuticaba, convidar a fundação/empresas e os advogados delas, num trabalho voluntário, para alugar esse pé de jabuticaba e colher. E aí a gente vai contar quantas caixas esse pé vai produzir e eles fazem a valoração do tempo de produção a partir disso. A metodologia nossa é simples e objetiva, não é nada complicado, não é nenhuma fórmula matemática que ninguém entende, porque a metodologia, para nós, é a vida simples.” Mauro da Silva, morador de Bento Rodrigues “Primeiro a fundação/empresas têm que reconhecer o direito dos(as) atingidos(as) de receber indenização por aquilo que declararam no Cadastro. Depois que resolver isso na justiça vamos discutir sobre o valor dessas indenizações. Só é possível valorar o que existe, então, quando o Cadastro estiver pronto, vai ser possível iniciar o processo de negociação e acordo dos valores da Matriz de Danos, e como a ação coletiva já foi ajuizada em 2015, ela não prescreve. Mas sabemos também que sempre foi intenção da Renova/Samarco querer pagar a indenização individual antes, e no valor mais baixo, para desmobilizar as pessoas e elas não manterem o estado de alerta e de luta pelo reassentamento. Quanto mais gente estiver pressionando coletivamente é mais fácil conquistar valores justos no acordo judicial.” Caromi Oseas, assessora técnica da Cáritas Foto: Acervo pessoal Simária Quintão
Marino e o filho Arthur, na igreja de Paracatu de Baixo.
O sumário da Matriz de Danos foi apresentado à Fundação Renova/Samarco, por meio do Ministério Público, no dia 15 de agosto de 2018. Porém, a fundação/empresa encaminhou a resposta para as comunidades apenas um dia antes do Grupo de Trabalho onde aconteceria a negociação, ocorrida no Centro de Convenções de Mariana, no dia 28. Por isso, os(as) atingidos(as) não tiveram tempo para discutir sobre como seriam prejudicados com os danos que não estavam sendo reconhecidos. Então, as comunidades formaram, junto com sua Assessoria , grupos para discutir as propostas e reivindicar o reconhecimento daqueles ítens que não haviam sido aceitos, especialmente, aqueles estabelecidos nos eixos 3 e 4 do Cadastro. Como é formada a Matriz de Danos: 1) Perdas e danos materiais individuais ou familiares: terreno, edificação, bens domésticos e pessoais (como dinheiro, documentos e objetos) e veículos, entre outros. 2) Perdas e danos referentes às atividades econômicas, incluindo bens materiais correspondentes e lucro cessante: trabalho assalariado, atividades agrícolas, de pesca, comerciais, perda de máquinas e equipamentos, entre outros. 3) Perdas e danos materiais e morais coletivos relacionados aos bens coletivos: espaços de lazer, escola, igreja e cemitério, entre outros.
O pé de jabuticaba de Dona Marta, considerado o maior do Bento, rendia frutas para a comunidade.
4) Perdas e danos extrapatrimoniais: demora nos processos de restituição do direito à moradia, perdas humanas e desaparecimentos, e alterações dos modos de vida, entre outros.
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Resultado da nossa luta
Depois de quase um ano, a comunidade de Paracatu de Baixo conseguiu que as crianças e adolescentes atingidos(as) fossem transferidos(as) para uma escola mais adequada, no centro de Mariana. Inaugurada no dia 20 de agosto, a conquista só foi possível porque os(as) moradores(as) reivindicaram que a Fundação Renova/Samarco fizesse a mudança de local. Após o rompimento da Barragem de Fundão, 47 alunos, de 4 a 16 anos, passaram a estudar no bairro Morro Santana (Gogô), distante dos lugares onde estão morando. Foto: Flávio Ribeiro
Por Ana Paula Carneiro, Arlinda da Silva, Angélica Peixoto, Izolina Isaías, Luzia Queiroz e Romeu Geraldo Com o apoio de Flávio Ribeiro e Ludmila Guimarães
“Em novembro de 2017, a Renova/Samarco, a Assessoria Técnica e a Comissão foram convocadas no Centro de Convenções e lá apresentamos as demandas. Fomos nos GT’s falando que, se tinha gente reclamando demais, tinha coisa errada. Fizemos também uma reunião geral dos pais e mães, porque, às vezes, as crianças adoeciam e não tinha ônibus pra ir buscar, e aí tinha que pagar táxi.” Luzia Queiroz, representante da Comissão de Paracatu de Baixo “Em todos os GTs (Grupos de Trabalho) de Paracatu, sempre pedíamos melhorias nas condições da escola no Gogô e a Renova/Samarco sempre dizia que eles estavam procurando um novo local. Mas nunca que achavam esse lugar. O pessoal cansou de tanto esperar e falou assim: ‘Então a gente vai achar um local’. Selecionaram as casas, foram à imobiliária, pegaram as chaves e olharam vários imóveis na cidade.” Ludmila Guimarães, arquiteta e colaboradora da comunidade “Procuramos outra escola porque a antiga estava ruim. Molhava tudo e também estava longe. As crianças estavam descontentes, porque a realidade de Paracatu era muito diferente da escola em que elas estavam. O espaço ali parecia muito provisório pra elas.” Arlinda da Silva e Luzia Queiroz, moradoras de Paracatu de Baixo
“Se o espaço em que as crianças estavam fosse tão bom como a Renova/Samarco dizia, por que a Prefeitura também mudou os alunos da cidade antes disso tudo? A Prefeitura fez outra escola e deixaram aquela lá, porque ela não servia. E aí a Renova/Samarco pegou as crianças de Paracatu e colocaram elas lá nessa escola.” Romeu Geraldo, morador de Paracatu de Baixo “A gente saiu, como se diz, de porta em porta, rua em rua, procurando um novo lugar para as crianças. A gente sabia que não ia achar uma escola, mas queríamos, pelo menos, um lugar com um pouquinho de proteção para os meninos. Foram muitos dias andando até que a gente conseguiu esse novo local mais perto do centro. E a maioria dos pais e mães gostou.” Ana Paula Carneiro, moradora de Paracatu de Baixo Recriar laços “Demorou, porque dois anos já se passaram. Mas as crianças ficando mais unidas ajuda na educação delas, porque aqui fica mais no centro.” Izolina Isaías, moradora de Paracatu de Baixo “Essa nova escola dá a dimensão, para essas crianças, de que a luta ainda não está encerrada e que esse local é apenas um recomeço. Lá, no outro espaço, acho que
a barreira mais visível era a da identidade da gente. Como era em um bairro afastado, ficava ainda mais difícil para nós nos reconhecermos. Mas o que sempre colocamos era que estávamos juntos. Manter os mesmos professores com as crianças nesse apoio foi muito importante. O que deve ser levado, daqui pra frente, é que devemos nos unir. Tanto nós professores estamos nos apoiando, quanto as crianças também nos apoiam, porque, quando você olha para elas, você tem a certeza de que vale a pena, que a gente precisa seguir e ser forte. Precisamos lutar para que elas possam ter um futuro tranquilo, já que o presente anda tão turbulento.” Angélica Peixoto, moradora e professora da escola de Paracatu de Baixo “A luta agora é conseguirmos o tempo integral, principalmente para as mães que trabalham e poderiam deixar os filhos na escola. Hoje, como não tem onde deixar, muitas estão em casa, desempregadas. Lá em Paracatu, a gente tinha tempo integral e os meninos brincavam, tinham aula de dança e arte, e agora eles ficam mais em casa sem ter o que fazer. Agora é televisão, telefone, não tem espaço pra brincar e a rua é perigosa.” Arlinda da Silva e Ana Paula Carneiro, moradoras de Paracatu de Baixo
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O que fazer com a minha indenização?
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O grupo Observatório C.A.F.É., do curso de Administração da UFOP, realizou uma atividade para os(as) atingidos(as) pela Barragem de Fundão sobre como administrar melhor o valor da indenização a que eles(as) têm direito. A partir disso, em parceria com este Jornal A SIRENE, foram listadas algumas dicas a respeito de cuidados financeiros e estratégias de organização para o futuro. Por Ana Flávia Rezende, Amanda Gonçalves, Carol Saraiva e Lilian Gonzaga - da equipe Observatório C.A.F.É. (Grupo de Pesquisa e Extensão em Crítica, Formação e Ensino em Administração da UFOP) Com o apoio de Wandeir Campos e Tainara Torres
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4 Recebi minha indenização e agora? Calma! Antes de investir na sua reparação, sente-se com sua família e converse sobre os seus planos. Quais são os seus projetos? Quanto eles custam? Em quais investir? Descubra qual o valor deles, pesquise e avalie as melhores opções. Como diz a música: “Dinheiro na mão é vendaval!” Guarde o valor em um banco seguro e planeje, faça as contas, descubra quanto você e sua família gastam por mês e por quanto tempo o dinheiro guardado vai dar pra pagar as despesas mensais.
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Com o que eu preciso tomar cuidado na hora de usar o valor da minha indenização? Juros! Os juros são como um aluguel pago pelo uso de um dinheiro que não é nosso. Se vamos morar em uma casa que não é nossa, precisamos pagar aluguel. O mesmo acontece quando usamos um dinheiro que não é nosso. Ao fazermos um empréstimo, ao comprarmos com o cartão de crédito, ao usarmos o cheque especial ou outras operações a prazo, estamos utilizando um dinheiro que é do banco e isso tem um custo adicional que se chama juros. Tomem cuidado com os juros, pois, à medida que eles vão se acumulando, mais difícil fica para quitar as dívidas, o que pode trazer problemas financeiros para a vida de vocês.
O que preciso fazer para economizar? Planejamento! Dinheiro que só sai acaba. Mesmo quando temos um montante muito elevado de recursos, se ele for utilizado sem controle, com certeza, irá chegar ao fim antes do que se imaginava. Ao planejar, criamos estratégias para aperfeiçoar o alcance de um objetivo, isto é, reconhecemos a nossa atual situação financeira e definimos as possibilidades e os caminhos a serem seguidos para alcançar as metas traçadas.
3 Como posso fazer para me planejar com os gastos que virão? Orçamentos! Os orçamentos são previsões de gastos e rendimentos. Ao prever os gastos que virão e considerar os que já existem é possível enxergar qual é o total de dinheiro que será necessário para pagar todas as contas. Além disso, um orçamento mostra qual é o volume de renda que está disponível.
5 Como posso render o valor da minha indenização? Investimento! Os investimentos possuem os mais variados graus de risco. A relação do risco com o retorno da aplicação é inversamente proporcional, ou seja, quanto menor o risco, menor o retorno; e quanto maior o risco, maior o retorno. Existem várias opções de investimentos com risco médio que garantem bons retornos para o(a) investidor(a). É possível encontrar no mercado muitas opções para aplicação, cada uma com suas características. É preciso estudar qual possibilidade melhor se enquadra na sua realidade.
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Fotos: Larissa Pinto
Marlene Agostinha
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As mulheres ati lhadoras. Por is Vera Lúcia Aleixo
Por Dalva Xav Com o apoio d
Dalva Xavier
Rosária Conceição
Solange da Silva
Por que nós, m a fundação/em “A empresa marido e, para do que ele rece eu tinha meu s reconhecida at ciliar, já tinha t Gesteira. Fazia corte, tudo. Iss disseram que n Não se interess Com a lama shampoo, cond tudo novo. A shampoo e um cadeira e uma vou trabalhar? é minha e colo A Renova cr trabalha, mas, to mais mulhe isso porque sab Vera L
“Eu plantav meu marido f gado porque e e eles falaram todo mundo e tado, sem ter o Julita Gomes
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o reconhecidas
ingidas enfrentam o desafio de não serem reconhecidas, pelas empresas causadoras dos danos (Samarco, Vale e BHP Billiton), como trabasso, elas contam como a perda de renda e de outras formas de sustento, desde o rompimento da Barragem de Fundão, faz falta no fim do mês.
vier Castro, Julita Celestina Gomes, Marlene Agostinha, Rosária Conceição da Silva, Solange da Silva e Vera Lúcia Aleixo de Amanda Gonçalves, Larissa Pinto e Miriã Bonifácio
mulheres, não temos direitos para mpresas? me considera dependente do meu a ela, tenho direito a receber 20% ebe. Eu não vivia de porcentagem, salário e é um absurdo eu não ser té hoje. Eu tinha um salão domitoda a estrutura, e era o único em a escova, hidratação, relaxamento, so está no meu cadastro, mas eles não conheciam a minha história. saram, né? Porque estava tudo lá. a foi embora mais de 30 litros de dicionador, produto de hidratação, empresa me deu só um vidro de m creme de 1 litro, três escovas, uma a chapinha. Mas e o ponto? Onde Vou investir em uma casa que não ocar gente que não conheço aqui? riou essa ideia de que a mulher não na própria equipe deles, tem muieres do que homens. Eles fizeram bem que nós somos maioria.” Lúcia Aleixo, atingida de Gesteira
va só pra despesa. Com essa lama ficou quase dois anos desempreele trabalhava na área da Samarco m que ia segurar, mas mandaram embora. A gente ficou bem apero que comer, o que trazer pra cá e sem lugar de plantar, porque a lama atingiu as partes mais baixas do terreno, que é melhor pra plantar. Tinha banana, jambo, angá, amora. Eu não perdi nada de dentro de casa, mas eu perdi as coisas que eu trazia e o melhor lugar de plantar, né? Agora, eu fiz outra plantação, mas a área é mais alta, no morro. Planto só um pouco para ajudar nas despesas mesmo, como mandioca, milho e feijão. Quando consigo trazer um pouco mais e sobra, dou pros vizinhos e pras pessoas que precisam. Tudo que você tem na sua casa, que você planta, você não precisa comprar. Depois do rompimento, se eu quero mandioca, banana, tudo eu te-
nho que comprar na venda e fica mais caro. Porque se você fica sem, você tem que comprar. Vai ficar sem comer? Vai ficar doente? A gente ficou um tempão sem comer coisa boa, porque, aqui, a gente compra, mas não é a mesma coisa.” Julita Celestina da Cruz Gomes, atingida de Pedras “Eu trabalhava na minha casa. Fazia corte de cabelo, escova, penteado, manicure, pedicure. Eles falaram que eu não tinha direito porque não tinha sido deslocada, mas quem são eles pra falar o que eu tenho direito ou não? A minha renda era pra minha família. Toda vida, eu fui mãe e pai pro meu filho. Era com o meu dinheiro que eu pagava estudo, comprava roupa e calçado pra ele. Tudo era eu que pagava. Antes do rompimento, minha mãe tinha a vida dela lá na roça e eu tinha a minha aqui. Hoje não, eu tenho que ficar por conta dela e do meu irmão. Outra coisa que eu sinto muita falta é que, desde criança, a gente era acostumada a pescar no rio, na lagoa. Aquela lagoa era do tempo dos nossos bisavós. A gente panhava lambari, acará, traíra, bagre. Lá tinha peixe criado, de muito tempo. Agora acabou.” Marlene Agostinha, atingida de Pedras Não fomos lembradas “A gente gostava muito de panhar peixe. Agora, como deu a barragem, não tem jeito mais. Eu pescava pro sustento. Se eu for falar, eu criei meus filhos tudo com peixe. Pegava traíra, bagre, acará, lambari. Passava fubá, fritava e comia aquele peixe torradinho. Hoje, não dá pra comer por conta da lama. Essa falta do peixe aperta no fim do mês, porque a gente não tá aguentando comprar carne. Quando a gente acha uns peixes, eles estão num preço absurdo e não é gostoso igual esses que a gente panhava no rio. A gente fica nessa casa o dia inteiro sozinha. Não é fácil não. Tem hora que eu deito nove, dez horas e, quando dá uma hora da madrugada, já tô acordada. Porque a gente acostumou a levantar de madrugada pra trabalhar na roça e esse costume meu não acabou. Eu comecei a mexer com o Cadastro desde 19 de dezembro do ano passado e nós já estamos em quanto? Quer dizer, todo mundo foi lembrado, eles chamaram, acolheram, eu ainda não fui.” Rosária Conceição da Silva, atingida de Rio Doce
“Perdemos muita coisa, vara, barraca, tudo lá. Desde quando rompeu, eu pus meu nome. Dessa última vez, muita gente pegou formulário, mas eu não peguei ainda. Vai fazer quatro meses já. Eu ligo pra lá e eles falam que não precisa preocupar porque vai chegar. Aí fica nessa espera e nada. A gente ia pro rio, acampava lá. Hoje não tem nada pra gente fazer, perdeu o lazer. Tinha vez que a gente ficava o dia inteiro no rio. É triste. Hoje não tô trabalhando. Dificultou tudo. O peixe ajudava muito. Para substituir fica difícil, porque tá um preço absurdo. A gente compra mais frango. E dá uma diferença grande, né, porque a gente também vendia pros vizinhos. Deixava alguns pra gente e vendia o resto.” Solange da Silva, atingida de Rio Doce “Eu pescava, eu e meu marido, pro sustento do lar, mas, quando sobrava a gente vendia. Era um dinheirinho extra que entrava. Os peixes que a gente pescava ajudava no orçamento da casa. Agora vai fazer o quê? Abalou a gente, foi uma coisa assim, sem esperar. Eu estou tomando remédio de depressão depois disso aí, porque era um lazer que a gente tinha, aquela paisagem para distrair. Agora não tem como, acabou. Eu fiz o Cadastro em dezembro e ainda não fui reconhecida. Eles não dão previsão de quando dar retorno, só ficam enrolando a gente. A minha casa foi levantada com pedra que eu tirei do rio. Antes, o material de construção era mais barato, a gente pagava 20 reais no metro de areia, hoje já tá 70. Eles estão batendo o pé que não querem reconhecer a gente. Eu acho isso muito errado porque o rio praticamente divide a cidade de Santa Cruz do Escalvado com Rio Doce. Outro dia, eu e meu marido fomos na beira do rio, a gente foi passear, como a gente costumava ir quando pescava. Ah, dá até tristeza! Só vê pedra e aquelas coisas de minério no canto do rio. A gente fica chateada com isso, uma coisa que é da natureza, que a gente perdeu. A gente sabe que nunca mais vai ter o rio de volta. Nós vamos lá fazer o quê? Pegar barro? Eu não tenho coragem de comer esses peixes, acabou. Eles tinham que indenizar todo mundo e parar com essa frescura de ficar enrolando.” Dalva Xavier Castro, atingida de Rio Doce
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Foto: Acervo Juninho Lobo
O passado de Rio Doce A história da cidade de Rio Doce sempre esteve ligada ao rio e à ferrovia. O caminho de ferro, inclusive, foi construído para levar os produtos da mineração. Os trens saíam de Leopoldina trazendo minério. Em agosto de 1971, a ferrovia foi desativada. Agora, desde novembro de 2015, os moradores também perderam o rio, que foi atingido pelos rejeitos da Barragem de Fundão. Por Geraldo Cesar Pinheiro Soares (Dedar), Luiz Carlos Lobo Júnior (Juninho) e Maria da Consolação Com o apoio de Larissa Pinto e Miriã Bonifácio
Rio Doce, uma cidade pititinha. Berço de Odilon Caldeira, grande músico. Lugar de subir na grimpa das árvores, de enxergar a vida da ponte pra cima, no rio, e da ponte pra baixo, nos trilhos de ferro. Terra de clima fresco, de arrumar pra ver. Aqui, mulher não engravida, fica empapuçada. Também não se farta, mas lava a porda. Tem gente boa padaná e muitos causos típicos bons pra rachar o bico. Então, tome nota. De boca em boca, veja como se dá a história: na fazenda do Gambá não pode trabalhar. É canjiquinha no almoço e pela-égua no jantar. Quer dizer, põe os tropicão e depois a janta que se pele. “Rio Doce, doce rio”*, você já não é mais o mesmo. Mexeram com você, criaram uma marafunda, um bitelo de um estrago. Ficamos amoados que agora não dá mais pra comer peixe. Mas tá sem perigo, pois, mesmo esbudegados, ainda temos as memórias. Nenhum revestrés vai impedir a gente de estourar carrapato, de fazer bambá de couve, comer biluca, muito menos fazer um frango com lobrobô. Uma renca de coisas que não vamos esquecer. A gente tá pelejando para encanar a perna, responsabilizar quem bagunçou com o nosso coreto, miou o nosso rio. É tudo gente bamburrada fazendo negociata com a riqueza do nosso lugar. Mas cheguem na praça, Rio Doce, você ainda é forte. Vai na estação do trem, Rio Doce, você ainda é forte. Deixa o pó passar na rua do grupo escolar, Rio Doce, você é mais forte. E, assim, vamos seguindo “Tecendo os fios dos fatos”**, já que tudo isso é a história que contaram pra gente. * Livro de Élcio Pinheiro, autor local ** Livro de Dagmar de Araújo Lima, autora local
Como falamos por aqui Pititinha: pequena Grimpa: Ponto mais alto de uma árvore Arrumar pra ver: experimentar, tentar Lavar a porda: se fartar Padaná: muito Rachar o bico: rir Toma nota: anota aí! Pela égua: canjiquinha com costelinha Marafunda: confusão Bitelo: grande Amoado: quieto, chateado Tá sem perigo: de jeito nenhum Esbudegado: muito cansado, sem forças Revestrés: imprevisto Estourar carrapato: chupar jabuticaba Biluca: pão com salame Lobrobô: ora-pro-nóbis Renca: muitos, vários Peleja: trabalho árduo Encanar a perna: garantir o futuro Bagunçou o coreto: atrapalhou Miou: acabou, encerrou Bamburrada: cheia de dinheiro Negociata: transação comercial
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50 anos da nossa história
No mês de agosto, o casal Balduína Gonçalves e João Caetano (Polonha) comemorou suas Bodas de Ouro, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Mariana. Dos 50 anos em que estão casados, mais de 40 deles foram vividos na comunidade de Paracatu de Baixo. Lá, eles tiveram seis filhos(as) e, hoje, já somam 10 netos(as). Nesta edição, trazemos o álbum da família Gonçalves que, em meio às dificuldades após o rompimento da Barragem de Fundão, busca motivos para se unir e fortalecer as memórias. Por Marta Gonçalves Com o apoio de Wandeir Campos
Balduína Leão Gonçalves e João Caetano Gonçalves são meus pais. Nasceram e foram criados em Paracatu de Baixo. Sempre moraram lá. Eles se casaram no dia 7 de agosto de 1968. Minha mãe sempre foi uma pessoa religiosa e tranquila. Sempre que alguém precisa dela, até hoje, ela ajuda tranquilamente. É um amor de pessoa. As pessoas sentem. Não tem como você reclamar nada dela. Meu pai é desse jeito, brincalhão. Ele sempre trabalhou na roça e, por isso, todo mundo o conhece como Polonha. Eles também criaram a gente tudo lá, né? Só vieram para Mariana porque a barragem estourou e acabou com a casa deles. Foram obrigados a vir para cá, porque se a lama não tivesse atingido a casa, com certeza, eles não iriam sair de lá. De irmãos, somos seis filhos. A mais velha é a Raimunda, que hoje é a monja irmã Marta Beatriz; depois, veio o Antônio, o Arlindo, o José Carlos, a Maria Helena e eu, Marta Maria, a rapa do tacho, como eles dizem.
Fotos: Wan d
eir Campo
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Fortalecendo os laços Minha mãe sempre falou que, quando a Bodas de Ouro chegasse, ela e meu pai queriam fazer uma festa. Não queriam nada exagerado, mas queriam con fraternizar e agradecer a Deus por terem chegado aos 50 anos de casados. Pelo fato dela ter mudado para Marian a ficou complicado de realizar esse sonho, porque lá a gente tinha espaço, a casa era maior, tinha quatro quartos e o terr eiro era grande. Era mais fácil tanto a gente poder cozinhar, quanto ter um lugar para receber as pessoas para a festa. A questão da igreja também seria ma is fácil pra gente. A Igreja de Paracatu de Baixo era bem em frente à casa dos meus pais, dois minutos. Era mais tran quilo convidar todas as pessoas que moravam lá. Mas, com o foi aqui, não deu para chamar todo mundo. Não foi aquele festão, mas comemoramos o que ela tanto sonhou, que foi a Bodas de Ouro.
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
O céu de Paracatu
Entre os bens perdidos, há aqueles que não podemos “tocar”. A lama veio e levou com ela a sensação de estar em casa e viver as belezas da nossa terra, do nosso estilo de vida e da natureza que nos cercava. O que se paga pela saudade? Por Antônio Eloi Paiva da Fonseca Com apoio de Eduardo Moreira e Larissa Pinto
Setembro de 2018 Mariana - MG
Setembro de 2018 Mariana - MG
APARASIRENE NÃO ESQUECER
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Fotos; Eduardo Moreira e Larissa Pinto
Eu nasci em Paracatu, trabalhei fora por muito anos, mas não me enraizei em lugar nenhum, sempre pensando em voltar pra lá. Eu amo aquele lugar, ele representa tudo na minha vida. Quando eu estou sozinho em Paracatu, passo as noites olhando o céu. Toda vida, eu curti olhar o céu, as estrelas. Sempre gostei muito. Eu sou atinado pras coisas, sou muito ligado com a natureza e estou sempre procurando entender sobre as estrelas, os planetas. Eu fico sempre procurando ver as belezas dela. Antônio Eloi, morador de Paracatu de Baixo
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Setembro de 2018 Mariana - MG
Fotos: Larissa Pinto
1ª Feira de Saúde de Barra Longa
Por Célia Severino Cupertino, Heberte xxx, Maria da Silva Oliveira (Cota) e Maria Teodora Mendes (Cota) Com o apoio de Eduardo Moreira, Larissa Pinto, Miriã Bonifácio e Simone Silva
“Foi um dia emocionante, pudemos ver concretizar meses de dedicação do Coletivo de Saúde de Barra Longa, da equipe da assessoria técnica dos atingidos e atingidas e de voluntários. De uma forma linda e carinhosa, cerca de 250 pessoas passaram pela Feira, conversaram sobre a saúde dos atingidos e atingidas, viveram momentos de cuidados e se divertiram com as apresentações culturais locais. Com o tema “cuidar do outro é cuidar de mim, cuidar de mim é cuidar do outro” foi possível apresentar práticas integrativas como reiki, auriculoterapia, massoterapia, proporcionar um lugar de escuta com o plantão psicológico e relembrar as funções das ervas e plantas medicinais. Estou muito satisfeita e feliz com o resultado, pois conseguimos, juntos, fazer saúde!” Aline Pacheco, psicóloga da Assessoria Técnica AEDAS
Marmelinho é pra pedras nos rins. Só tomar o chá. Espinheira santa para gastrite, úlcera nervosa. Tira tudo quanto é infecção que você tiver, só que tem que tomar três xícaras por dia só e uma folha seca pra cada xícara. Você tem que lavar e deixar pendurada, quando secar, aí que você pode fazer o chá. Folha nenhuma é boa verde, só boldo e algumas outras. Baba de bode que a gente fala, a folha branca, limpa a pele, pra quem tem espinhas, cravos. Fazer igual chá mate. Tem gente que nunca tomou remédio, só toma chá. Toda terça tem folha aqui na feira.” Célia Cupertino, Maria da Silva (Cota) e Maria Teodora (Cota), moradoras e feirantes de Barra Longa
“Folha de graviola é bom pra câncer. Quem não tem, não faça isso. É só pra quem tá com o câncer que pode tomar esse chá. Para cólica tem folha de cidra. Canela de velho tem de vários tipos. Os médicos estão passando agora. Tem em gota, tem cápsula, e é bom pra dor. Qualquer dor que cê sente: reumatismo, dor no corpo, fibromialgia, pra tudo é canela de velho. Tem que tomar dois meses seguidos. Fragária é bom pra dor também. Cê põe a água pra ferver e coloca as folhas, até com as frutinhas.
“Tudo que a gente vai consumir hoje tem algum tipo de substância. Você vai no supermercado e raramente encontra alguma coisa que é orgânica. E o valor sempre é três, quatro, cinco vezes mais caro que aquele outro que tá cheio de agrotóxico. É mais prático produzir com veneno. O produto é muito mais bonito, a estética dele é maravilhosa. Você pega uma cenoura maravilhosa, mas é puro veneno. E tem aqueles que preferem comprar o bonito cheio de veneno do que comprar aquele feio que a gente vende que é orgânico.” Heberte Cupertino, morador de Barra Longa
Setembro de 2018
Mariana - MG
APARASIRENE NÃO ESQUECER
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Fotos: Carol Coelho
Jornal A SIRENE e o Direito à Comunicação Por Gustavo Nolasco, Silmara Filgueiras e Vinícius Lourenço Peixoto
Em parceria com o coletivo MICA e a Brazil Foundation, o Jornal A SIRENE promoveu sua primeira oficina de “Repórteres Populares”. O projeto nasceu com o objetivo de discutir a importância da comunicação como uma ferramenta de luta e de preservação das memórias das comunidades. Em Mariana, nos dias 25 e 26 de agosto, atingidos(as) das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Pedras e Barra Longa, e seus apoiadores, compartilharam experiências e aproveitaram os conhecimentos para refletir sobre o jornalismo do qual se quer fazer parte. No sábado (25), aconteceu uma roda de conversa a respeito do “Direito à Comunicação”. Na sequência, o jornalista e um dos fundadores do Jornal A SIRENE, Gustavo Nolasco, ministrou a oficina de “Produção de textos e pautas jornalísticas”. Ele explicou a linha editorial do jornal e falou sobre a importância do protagonismo dos(as) atingidos(as), que, neste veículo, é fundamentalmente colocado em evidência. “Todo mundo tinha um pouquinho para contar sobre como é escrever um texto, principalmente um texto para os atingidos, que é bem diferente do que fazer um texto para as massas. A gente acaba não pensando nisso, acha que é super tranquilo pegar um texto e mudar, adequar à norma culta e, na verdade, não é. O Gustavo até falou sobre a liberdade da licença poética para poder escrever e achei muito interessante.. É melhor não alterar tanto o texto, deixar bem parecido com a fala da pessoa que deu a entrevista, além de adequar o texto para o entendimento de quem vai ler”. Vinícius Lourenço, morador de Paracatu de Baixo. No domingo (26), os fotógrafos e colaboradores Lucas de Godoy e Luiza Geoffroy, trouxeram conhecimentos da área da fotografia para serem aplicados em dispositivos móveis. Eles contaram que a proposta diferenciada busca aproximar as técnicas da fotografia ao dia a dia das pessoas, entendendo que os celulares são ferramentas de trabalho muito práticas e com grande potencial. “Acho que a oficina é mais uma das incríveis inovações que o Jornal A SIRENE vem promovendo desde a sua própria criação. A luta pelo Direito à Comunicação é complexa e demanda muita organização, foco e, principalmente, braços. Acho que era um bom momento para os próprios atingidos se engajarem mais nessa luta, que não é do jornal, ou dos jornalistas que dão suporte, é de quem foi atingido pelo crime de Fundão.” Gustavo Nolasco, jornalista coordenador de comunicação do Lei.A e um dos fundadores do Jornal A SIRENE
EDITORIAL O “céu de Paracatu”, nossa foto de capa para esta edição, representa uma das magias que podíamos contemplar somente de lá, do nosso lugar. Por incontáveis vezes, falamos sobre esses tipos de experiências que estão guardadas em nossas memórias. É também por elas que lutamos para construir nossa Matriz de Danos, instrumento que obriga a Samarco a reconhecer nossas perdas e a reparar o crime que “nos tirou até o céu”. Tão inumeráveis quanto essas estrelas são os nossos bens perdidos, que somados a todos os detalhes caracterizavam nossas vidas e cotidiano. Vidas de quem tinha o costume de criar galinhas soltas pelo quintal, de quem traçava um propósito diferente para cada uma delas. Então, não admitimos que essas, ou outros tipos de perdas, sejam classificadas do mesmo jeito. Veja, por esse exemplo dá para perceber a injustiça: tem galinha separada para criar, tem galinha que é boa para botar ovos, tem galinha que botava ovos azuis, ou que era produtiva até certo tempo e depois não servia mais. Tem galos e galinhas de raças variadas e que, às vezes, só deixávamos no terreiro para poder ficar olhando e ouvindo o seu “cacarejar”, enquanto o tempo ia passando. É por isso que não conseguimos entender ou aceitar o que a Fundação Renova/Samarco tem nos apresentado como plano de reparação. Inaceitável também é o jeito como as mulheres atingidas precisam provar, às vezes mais dos que os homens atingidos, suas perdas de renda ou formas de sustento. Desse modo, reivindicamos que os nossos direitos não sejam limitados ao gênero ou a qualquer outra regra que nos exclua de alguma forma. Se tudo o que temos conseguido é resultado de muita luta, também lutaremos por igualdade. A inauguração da nova sede da Escola de Paracatu, no centro de Mariana, é mais um exemplo dessa nossa batalha diária. Depois de longos meses, nossas crianças e adolescentes conquistaram um espaço mais adequado para estudar. E isso é muito importante para nós, porque reconhecemos, na escola, um ambiente que proporciona momentos importantes para o futuro, para o recomeço de nossas vidas. Este Jornal A SIRENE também tem sido uma ferramenta significativa para unir nossas comunidades e, assim, nos dar forças contra as empresas causadoras do crime e os seus discursos. É um canal de comunicação aberto exclusivamente para nós, atingidos(as) pelo rompimento da Barragem de Fundão, termos condições de narrar nossas próprias histórias. Por isso, celebramos a realização do projeto “Oficinas de Repórteres Populares”, ocorrido nos mês passado e ainda nesse que se segue, pois, com ele, conseguiremos ampliar a importância da comunicação, além de entender sobre as formas como podemos usar a nossa voz para dar vez aos nossos direitos. Uma maneira também de lembrar a eles que nunca deixaremos de soar a sirene que eles não tocaram!