PARA NÃO ESQUECER | Ano 7 - Edição nº 77 - Setembro de 2022 | Distribuição gratuita A SIRENE
Escreva para: jornalasirene@gmail.com @Acesse: www.facebook.com/JornalSirenewww.jornalasirene.com.brjornalasirene Newsletter do Jornal A SIRENE
Para ajudar a manter o jornal, acesse: https://evoe.cc/jornalasirene AGRADECIMENTO ESPECIAL A SIRENE PRESENTE EM ENCONTRO DE PESQUISA E EXTENSÃO 21 de agosto O editor-chefe do Jornal A SIRENE, Sérgio Papagaio, participou, com integrantes da Frente Mineira de Luta das Atingidas e dos Atingidos pela Mineração (FLAMaMG), de atividade de pesquisa e extensão coordenada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O encontro ocorreu no campus do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), em Mariana.
NãoATENÇÃO!assinenada
MINERADORA TERÁ DE FORNE CER ÁGUA A QUILOMBOLAS DE DEGREDO 29 de agosto A Justiça Federal condenou a Samarco/Vale/ BHP a manter o fornecimento de água potável para a comunidade quilombola de Degredo, em Linhares-ES. A decisão foi tomada pela 5a Turma do TRF-1 e modifica decisão tomada anteriormente pelo juiz anterior da 12a Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Junior. Além do fornecimento de água, a mineradora pagará multa de R$ 50 mil em caso de descumprimento, mais R$ 10 mil diários por dia de atraso.
Mariana - MG A SIRENE2 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
EXPEDIENTE Realização: Atingidos e atingidas pela Barragem de Fundão, UFOP | Conselho Editorial: André Luís Carvalho, Ellen Barros, Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Karina Gomes Barbosa | Diagramação: Eduardo Salles Filho | Reportagem e Fotografia: André Luís Carvalho, Crislen Machado, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Maria Eduarda Alves Valgas, Stephanie Locker, Tatiane Análio | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Eduardo Salles Filho | Apoio: Cáritas MG, Programa de extensão Sujeitos de suas histórias (UFOP), Curso de Jornalismo (UFOP), Pró-Reitoria de Extensão da UFOP e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Foto de capa: André Luís Carvalho | Fonte de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A Sirene. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP.
Todos os meses, o Jornal A SIRENE faz uma curadoria de informações relacio nadas ao rompimento da barragem de Fundão e à mineração. Se quiser receber nossa newsletter mensal, A SIRENE IN FORMA, https://jornalasirene.substack.com/inscreva-se:
Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos. Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista.
Para reproduzir qualquer conteúdo deste jornal, entre em contato e faça uma solicitação.
GOVERNO DE MINAS ABANDONA REPACTUAÇÃO 24 de agosto Após a última reunião da mesa da repactuação dos acordos judiciais do crimedesastre, em Brasília, o governo de Minas Gerais anunciou que não irá mais participar das negociações conduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sem a participação das pessoas atingidas. O motivo da saída foram as ofertas feitas pelas mineradoras Samarco/Vale/BHP de dividir o pagamento dos danos em 20 anos. Com a medida, o estado de Minas Gerais vai acionar as empresas na Justiça.
NOSSA SENHORA DAS MERCÊS 24 de setembro A comunidade do Bento vai celebrar Nossa Senhora das Mercês com uma procissão saindo da casa de Terezinha e passando pelas principais ruas do território de origem. Em seguida, ocorre uma missa com hasteamento da bandeira. A celebração terá início às 16h. Agradecemos a todos e todas que apoia ram a campanha de financiamento cole tivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edi ção acontecer, especialmente, Ana Elisa Novais, Antenora Maria da Mata Siqueira, Bruno Milanez, Camila, Daniel Rondi nelli, Elke Beatriz Felix Pena, Garimpeiros tradicionais de Antônio Pereira, Geraldo Martins, Jussara Jéssica Pereira, Leleco Pi mentel, Padre João, Priscila Santos, Valeria Amorim do Carmo e Virgínia Buarque.
Papo de Cumadres: guerra de exportação
– Cumadre Clemilda, tô aqui rezanu, minha fia, pala sua recuperação, ocê me fez muita farta nestes dois urtimus dia de reunião. Sem ocê eu ficu fraca, perciso da fouça de todus, e de nossa –união.Cumade, minha fia de Deus, me conte cumé que foi em Linhares a reunião da CT IPCT, pa mode eu podê sabê.
PorOpinião:Sérgio
Papagaio Fotos: Arquivo A Sirene Consebida e Clemilda estão atentas a reparação, nesta nova forma de buscar uma solução.
Mariana - MG A SIRENE 3PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
– Intonce eu vô te dizê, foi mais uma da Reno va, comu ocê já deve sabê. Compareçamu quas todu mundo, us atingidu foi sô Tuzinho sem Antônio, e foi eu sem ocê. Antônio, comu ocê, também por vidiu conferência, então deru suas coloaboração. Ocê num pode continuá a palti cipá pois tinha u médicu da coluna pumode te consutá. Dispois que ocê saiu u trem começo a –isquentá.Cumadre, eu tô aflita, comece a me dizê u que eu tô querenu sabê.
– Isprica este trem direitu pá miorá minha –compreenção.Noisquetava fora de nossa cidade, confome disse Che Guevara, numa guerra de expoltação, comecemu a recramá da forma mardosa que sempre a Renova usô pamode num repará e a curpa ni nois colocá, dizenu que nossas queixa de quase 7 anu, sem que eles de veldade tivesse reparanu, fosse culpa nossa. Até ai sem niuma novidade, sempre com aquela mardade, mas u que carsou ni nois revorta e muitu ispantu, foi quandu a Renova disse que ia embora. Quan du eu puz sintidu eu percebi que ês fingia de ofindidu, foi quandu eu trepei nu tamanca, e fui muitu franca, disse sem pestanejá a quaze 7 anu du ropimentu que carsô dor, morte e muitu turmento, mudô nossus modu de vida e des se modu a vida nunca mais vortô e nem vorta mais a cê u que era, com tanta gente nossa que a dor a tristeza e outras mazelas que vieram com u rompimentu levanu ês pra morá dibaxu da terra, e nois com pêsames, cansaço e negação, rodemus 500 km pá tá na reunião. E ês, se faze nu de vítima, sentadu nu sofá de casa, queria saí da reunião neganu a cara naquele telão, dexanu sem consideração nois com u sufridu coração e as mão duenu de tantu carregá pela arça essa muntueira de caixão, tendu a molte creditada na conta da samalcu e também da fundação. – Que coisa mais feia essa folma da Renova num fazê reparação, discumprinu u TTAC res ponsável pela sua desastrosa criação.
– conforme a direção da CT iscreveu, a Renova num compareceu, ficô de longe de fatu, confor me nunca teve de pertu. Ficaru falanu nu telão que parece televisão, diferente de ocê mais An tônio, que num tava presente de corpu mas tava de coração.
Se não bastassem tantos problemas, a Vale chamou a Polícia Federal para os garimpei ros. É o que sempre nos diz dona Ivone, uma das garimpeiras tradicionais abordada e le vada à delegacia pela polícia: segundo ela, o delegado lhe disse, durante as averiguações, que a denúncia partiu da Vale. Com isso, a cada dia, cresce o número de pes soas com queixas de doenças ou agravamen tos, sendo a saúde mental o carro-chefe das enfermidades, conforme relatos e números de atendimentos da UBS de Antônio Pereira, que demonstram um aumento significativo.
Por Por Maria Helena Rocha Ferreira, moradora de Antônio Pereira O que é a revitimização? Trata-se de um fenômeno decorrente do sofrimento continuado ou repetido.
Antônio Pereira, que era um lugar pacato e tranquilo de se viver, passou a ser um lugar agitado, quando teve início as remoções dos moradores da ZAS (zona de autossalvamen to) para moradias provisórias, que ocorre ram no início do ano de 2020, e as obras de construção do vertedouro. Foi uma época bastante turbulenta, com remoções ocorrendo em tempo de pan demia. E, desde então, temos sofrido vio lências diárias, das mais diversas espécies, desde o descumprimento de decisões judi ciais até a falta de comunicação (diálogo) com a comunidade, negando inclusive in Osformações.conflitos são inevitáveis, o que enseja manifestações das mais diversas formas, in cluindo o fechamento da MG-129, trecho que liga Mariana às mineradoras, na tentati va de chamar atenção, provocar um diálogo entre moradores e dirigentes da Vale. Infeliz mente, em vão.
Pela segunda vez, estamos sendo vítimas da lama invisível, dessa vez, da barragem de Doutor, do complexo Timbopeba-Vale, que causa dor, sofrimento e morte.”
Foto: FLAMa
Mariana - MG A SIRENE4 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
Surge aí mais um capítulo de terror, até que, em 2019, uma decisão liminar da juíza Ana Paula Lobo Pereira de Freitas determinou a imediata paralisação das obras de alteamento da barragem de Doutor e a proibição de de positar rejeitos.
Daí em diante, o que deveria ser motivo de alegrias passou a ser um tormento. Com a descoberta que o método de construção da barragem de Doutor era a montante, a estru tura foi inserida pelo MPMG, por meio de um termo de acordo, no rol das barragens a serem descomissionadas. Detalhe: com prio ridade, em virtude da população volumosa existente no entorno da barragem.
Antônio Pereira, território de um povo resiliente, revitimizado pela lama invisível que causa dor, sofrimento e morte
“A partir de 2015, quando ocorreu o rom pimento de Fundão, no distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto (sempre esquecido pelo poder público municipal), com a para lisação das mineradoras falta emprego, che ga a faltar o que comer, o distrito entrou em colapso. Foi muito sofrimento, muita dor, vivenciamos dias difíceis e alternativa outra não há que uns ajudarem aos outros e, assim, a vida seguiu seu curso. Fomos vivendo um dia após o outro. O comércio perdeu renda, a escola Tivemosfechou.asorte de não sermos atingidos pela lama de rejeitos, afinal, o distrito de Antônio Pereira fica geograficamente um pouco mais elevado que a barragem, por isso, estamos tão próximos sem termos sido atingidos pela lama propriamente dita. Inclusive o Rio Gua laxo do Norte, condutor da lama do rejeito, nasce em Antônio Pereira. Com o retorno do funcionamento das mine radoras, o distrito foi voltando, aos poucos, à sua Masrotina.eisque, em 2018, a Vale nos comunicou a redução do desenho da mancha referente às barragens de Doutor, Timbopeba e Nati vidade, sem apresentar justificativa plausível, daí os moradores resolveram buscar infor mações junto às instituições de justiça local.
O que ocorreu foi que a mineradora Vale optou por judicializar ação contra quatro mulheres, manifestantes, em total falta de respeito ao direito constitucional contido no art. 5º, da Constituição Federal (1988): "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, indepen dentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convo cada para o mesmo local, sendo apenas exigi do prévio aviso à autoridade competente”.
A Vale tenta, a todo custo, calar os moradores, impedindo-os de se manifestarem por seus di reitos. Afinal de contas, o direito à manifesta ção é ou não um pilar da democracia, que pode ser ser exercido em qualquer lugar do país?
“No meu caso, eu tinha em torno de 15 a 20 cabeças de animais, porque, até então, eu tava preparando o terreno pra utilizar com vaca de leite, mas, como ainda não tava pronto, tinha só umas éguas, porque a gente também mexe com criação de cavalo. Quando foi no início do ano passado, os representantes da Renova me fize ram uma proposta pra eu começar a fazer parte de um processo pra recuperar a área, plantar capim, aí, de início, eu concordei e eles trouxe ram o papel pra eu assinar. De princípio, eles quiseram plantar um capim que chama tifton, alguma coisa assim, só que o vizinho acima do meu terreno já tinha plantado um capim que pegou muito bem chamado capim-açu. O capim que eles propuseram plantar, na re gião, é muito difícil de cuidar e eu falei pra eles plantarem desse capim-açu. Eles levaram a proposta e me trouxeram a resposta de que não dava pra fazer aquilo não, que o máximo que podiam me atender seria usar um hectare do terreno e plantar do outro no resto. Eu pedi pra eles verem isso melhor e me atender no que eu tô precisando, enfim. O que eles me falaram é que do jeito que eu queria não tinha como fa zer, aí eu falei pra eles que ia analisar também a proposta que eles fizeram.
Eu falei que dessa forma eu não queria fazer parte do projeto. Mandaram eu assinar um papel e eu assinei pra constar que não queria fazer parte do projeto daquela forma, mas aquilo era pratica mente uma armadilha pra se livrarem do forne cimento que estavam fazendo pra mim, do tra to dos animais. Quando foi o ano passado, logo após isso daí, fizeram uma notificação via cartó rio e disseram que não iam oferecer mais o trato.
Negligência que vitima
Em 2021, a Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, junto das comunidades atingidas, apresentou um documento ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) e a órgãos competentes, com o objetivo de denunciar casos de maus tratos aos animais das famílias Oatingidas.resultado da denúncia foi um acordo realizado em 24 de setembro do mesmo ano. A resolução previu o fornecimento de alimentação em qualidade e quantidade adequada aos animais das pessoas atingidas. Além disso, seria livre a escolha pela prestação do benefício em dinheiro ou a entrega dos alimentos. Após quase um ano da decisão judicial, as pessoas seguem sem acesso ao auxílio e enfrentam desafios que vão além da perda dos animais.
Com o apoio de Crislen Machado “Eu me machuquei dia 1º de julho, já vai fazer dois meses. Tô fazendo fisioterapia agora pelo SUS e eu não tenho contato com a Renova. Aconteceu o seguinte: a jumenta tava parida, com um jumentinho, minha esposa viu o ju mentinho correndo pra lá e pra cá, procurando a mãe, e me avisou. Eu esperei chegar o rapaz que trabalha comigo pra procurar, aí quando ele foi procurar, ela tava atolada. Eu falei pra ele ir procurar o rapaz que trabalha com máquina pra gente desatolar, mas o rapaz não tava lá. A gente pegou umas cordas, amar rou no burro pra puxar, mas toda hora a corda quebrava. Aí eu falei pra gente buscar uma cor da mais forte e mais comprida que ele ia ganhar um embalo e ia dar certo. A gente amarrou, mas o burro já tava estressado e saiu andando depressa, comigo segurando ele pelo cabresto.
Depois disso, eu já perdi alguns animais, mas, antes, também perdi pela má qualidade do trato.
Eu sou aposentado hoje e tô tendo que usar mi nha aposentadoria pra tratar dos animais. Pra vender tá difícil, porque ninguém tem pasto e tem que comprar o trato, ninguém tá queren do mexer com isso não. Eu também não sou comerciante de animais não. Na época, eu tava na ativa, trabalhando e tinha mais condição pra manter os animais. Agora que eu tô só com a aposentadoria, estou me sacrificando. A única coisa que a gente recebia era o trato para os animais, pra mantê-los vivos. O tra to que eles forneciam, por si só, não dava pra manter eles lá, mas eu inteirava e comprava ração e remédio. Agora eu tô vendo que eu tô chegando a um ponto que vou ter que vender ou doar, porque, só por amor à natureza e aos animais, não tem como continuar.”
Francisco Miranda, morador de Pedras
Os animais ficam comigo no sítio e a Renova me oferece uma alimentação que nunca foi suficiente nem em qualidade, nem em quan tidade. Na realidade, ela tava com fome, tava pastando num lugar muito ruim, eu não tinha alimentação pra dar e ela entrou no brejo por que lá o capim ainda tá verdinho. Nesse tempo de seca, os animais procuram o brejo pra achar uma alimentação com mais qualidade e é por isso que atola. Desde o rompimento, eu já perdi mais de 25 animais. E não é só eu, tem amigo que o gado tá morrendo todo de fome.
Na hora que a corda esticou, ele deu uma roda da com a cabeça, eu caí no chão e ele caiu por cima da minha perna, levantou, quebrou a cor da e foi embora. Saí de lá carregado e, no mes mo dia, o rapaz foi lá com a máquina e tirou a jumenta, mas ela não conseguiu mais levantar, acabou morrendo, e eu quebrei a perna.
Eu expus o que tá acontecendo pra o dr. Gui lherme, ele entrou com uma ação, e nós ga nhamos. A juíza determinou que a Renova ti nha que oferecer alimentação em qualidade e quantidade, mas, mesmo com a determinação da juíza, eles nunca fizeram nada. Os animais continuam morrendo.” Marino D’Ângelo, morador de Paracatu de Cima
Mariana - MG A SIRENE 5PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
Foto: André Carvalho
Por Marino D’Ângelo e Francisco Miranda
Por Luciene Maria da Silveira Alves e Mauro Marques da Silva Com o apoio de Stephanie Geminiani e Tatiane Análio
Mariana - MG A SIRENE6 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
No dia 31 de agosto, aconteceu uma assembleia com o promotor Guilherme Meneghin, do Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), sobre a entrega, pela Renova, das casas para as famílias atingidas no reassentamento de Bento Rodrigues — entre outros temas (leia mais na página 8). O Centro de Convenções de Mariana foi palco de discussões sobre a conclusão das moradias e possíveis indenizações. Quase sete anos após o crime-desastre, 47 é o número de obras “finalizadas” pela Renova, o que não significa que as casas estejam prontas e que seja possível habitá-las neste momento. Até agora, nenhuma moradia foi entregue. No entanto, várias pessoas que estavam presentes na assembleia relataram que receberam ligações e visitas dos funcionários da Renova em que ofereceram a oportunidade de retorno em Meneghindezembro.reforçou a sugestão do MPMG de as pessoas atingidas não aceitarem o retorno parcial das comunidades aos reassentamentos, mas ressaltou que é uma decisão que cabe à cada família. A reunião foi um momento de expor ideias e de reivindicar direitos. Uma das preocupações com a entrega parcial das casas envolve questões de segurança, tendo em vista que o reassentamento ainda é um canteiro de obras, com milhares de trabalhadores, máquinas pesadas, poeira e materiais de construção, espaço pouco adequado a um núcleo comunitário de moradia. Segundo o promotor, o MPMG não irá recomendar oficialmente à Prefeitura de Mariana o retorno das escolas para os reassentamentos até a conclusão de todas as obras Fotos: Joice Valverde
Ministério
Casa ou canteiro de obras?
Luciene Maria da Silveira Alves, moradora de Bento Rodrigues
“A Renova vem dizendo que tem 47 casas prontas quando, de fato, não existem 47 casas prontas. As casas estão com obras finalizadas. Isso não quer dizer que estão prontas. Todos os dias que a gente vai lá tem movimentação de funcionários nessas casas, estão fazendo um reparo, uma pintura, retocando alguma coisa e, para a casa estar pronta de fato, em condições de ser habitada, ela precisa do Habite-se da prefeitura. Além do Habite-se, a documentação precisa estar ok. É preciso que a documentação do cartório esteja pronta. Eu acredito que as pessoas não podem acei tar uma casa sem a documentação estar no nome delas, e isso demanda tempo. A gente sabe que, no cartório, não é de um dia para o outro que vai fazer a documentação. Há a possibilidade de conseguir uma documen tação provisória, mas isso não é legal, por que uma documentação provisória não quer dizer que a casa seja sua. É a mesma coisa de você comprar um carro, pagar e ter uma documentação provisória. A Renova é mes tre em fazer as coisas pela metade, nunca faz tudo. Ela não é honesta com as pessoas, ela tem feito ruas de lazer, cinema, missas, ati vidades nas escolas. Tudo isso ela diz que faz parte de um plano para as pessoas já irem se habituando com o local, porém o que ela não fala é que, quando as pessoas se mudarem, quando as 47 casas forem entregues, vai ter mais de 3 mil homens trabalhando no can teiro de obras. As crianças, as adolescentes, os jovens e até mesmo os adultos vão ficar expostos a esses 3 mil homens. Dentre esses homens, há pessoas de todos os lados e to das as índoles. Os riscos que isso pode trazer são grandes. Além de que, no ano passado, nós enfrentamos um período de chuva e lá tiveram vários problemas, e é uma coisa que nunca aconteceu no Bento, casas sendo ala gadas por inundação e barrancos caindo. É preciso ver se essas casas realmente estão em condições de serem habitadas. O que a gente insistiu com o promotor é que, se a Renova insistir em levar algumas pessoas para essas casas, que ela assine um termo de responsa bilidade pela vida dessas pessoas. A Renova pressiona as pessoas a se mudarem para a casa nova, porque, se elas não se mudarem, ela corta o aluguel, ou seja, a pessoa fica sem alternativa.”
Mauro Marques da Silva, morador de Bento Rodrigues “No momento, não existe uma resposta. Quando chegar o momento de devolver as casas é que vamos ver como vai estar o reas sentamento, o canteiro de obras, porque, do jeito que o canteiro está, não tem como vol tar. Mas, pelo que falam em reuniões, não vai ter como voltar. O canteiro de obras, o fluxo de veículos, máquinas, homens trabalhando, vai tudo continuar lá e, sem segurança, não tem como. Muitas famílias têm crianças: com as máquinas, veículos, homens trabalhando é inviável. Também queremos esperar passar o período das chuvas pra ver como está a se gurança das obras, das ruas, das casas, aí que vamos ver se vai ter algum problema, por que corremos o risco de ter problemas com chuva e não ter como voltar atrás. A gente tem a ansiedade de voltar pra casa sim, mas parcialmente, do jeito que está, não fico em polgada não. Não adianta mudar pra lá com tantas obras ao mesmo tempo, não vamos ter sossego. Pelo menos 80% das casas deveriam estar prontas pra começar a levar as pessoas de volta. Onde tem homens e máquinas não deve ter terceiros envolvidos. No caso, pra nós, moradores, é perigoso. Me preocupo mais com a segurança mesmo.”
Mariana - MG A SIRENE 7PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
José do Nascimento de Jesus, morador de Bento Rodrigues Mais de 100 pessoas atingidas compareceram a uma assembleia com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), no dia 31 de agosto, no Centro de Convenções em Mariana. A reunião foi conduzida pelo promotor Guilherme Meneghin. Primeiramente foi apresentada uma palestra sobre orientação financeira, conscientizando sobre a importância de investir bem e não cair em golpes, sejam eles por ligações, redes sociais ou boletos falsos. Em outro momento foi repassado às pessoas atingidas que as mineradoras Samarco, Vale e BHP ofereceram, nos processos de negociação da repactuação que ocorrem em Brasília, sem a participação de pessoas atingidas, pagar apenas 50% do valor da multa pelo atraso na repactuação dos acordos judiciais. E o valor ainda seria pago em três vezes. Os presentes não concordaram e pediram que o promotor, como representante legal, tentasse uma negociação melhor, de pelo menos 90% do valor da multa.
Mariana - MG A SIRENE8 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
Por Eneide de Sena Estevão e José do Nascimento de Jesus Com o apoio de Maria Eduarda Alves Valgas
Assembleia discute repactuação e educação financeira
"A palestra do doutor Guilherme foi muito pro veitosa, porque as pessoas agora vão saber como investir o dinheiro e o que fazer com o valor. Mas para alguns a palestra chegou atrasada, porque muitos já receberam e nem sei o que fizeram com o dinheiro. Mas acho que as pessoas que estavam lá aprenderam um pouquinho de finan ças, aprenderam um pouco a fazer seus negócios. Achei muito válida. Sobre a indenização chegar em um acordo de 80%, assim, nada vai substituir o local, Bento, porque sou de lá, e valor nenhum vai trazer as memórias, os momentos que passamos lá. Mas enfim, eles têm que pagar mesmo, o máximo." Eneide de Sena Estevão, moradora de Bento Rodrigues
Fotos: André Carvalho
"A assembleia foi muito produtiva, o momento sobre educação financeira foi ótimo, só não en tende quem não quer. Sobre a multa, acho que 80% do valor seria o suficiente, ou mais. Quanto mais a Renova tiver que pagar, melhor."
Boy, o ereconhecidoartesãopelapopulaçãoignoradopelafundação
Com o apoio de Sérgio Papagaio
E, para viver, tempos depois, tive que enfrentar de moto a estrada do Gesteira para desenvolver algum trabalho que pudesse garantir minha so brevivência. Inalando poeira e, quando chovia, barro com rejeito que, mais tarde, descobri que estava contaminado, isso explica a minha dificul dade respiratória. A Fundação Renova não me reconhece como atingido. O que mais preciso sofrer para ser con siderado atingido?”
Fabiano Mendes, morador de Barra Longa Fabiano Mendes, conhecido na cidade de Barra Longa carinhosamente como Boy, é artesão e teve sua arte de esculpir madeira totalmente prejudicada pelo rompimento da barragem da Samarco, ocorrido em 5 de novembro de 2015.
Hoje não tem mais fruta nas margens dos rios, mas, se tiver, alguém teria coragem de comer? E os peixes, agora contaminados, como consumir? Até o nosso lazer, algo saudável e ba rato, a Samarco nos tirou, mudando por comple to nossos modos de vida e o nosso prazer.
Mariana - MG A SIRENE 9PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022 Por Fabiano Mendes (Boy)
“Como o meu trabalho não é um bem de pri meira necessidade, as pessoas viam minha arte, gostavam, mas não compravam. Todos estavam apavorados com o resultado do rompimento da barragem e ninguém pensava em comprar mi nhas obras, que tinham, como carro-chefe, mó veis e esculturas de madeira. Por um longo pe ríodo de tempo, cheguei a me preocupar com a fome, em como iria sobreviver sem renda. Tive o meu psicológico abalado, o que muito afetou a minha arte criativa. Umas das principais atividades de lazer que de senvolvíamos era acampar nas margens dos rios Carmo e Gualaxo do Norte. Após o rompimento, essa atividade se tornou impossível, dado o medo da contaminação e pela destruição de suas mar gens. Me lembro, com muita saudade, de uma vez que, para mim, foi a mais especial de todas as vezes que acampamos, pois fomos acampar e não levamos comida. Esse era o desafio, ficamos um final de semana sobrevivendo de peixes, ba nana e outras frutas que as margens do rio nos ofereciam.
Em uma conversa com Boy, ele fez um relato emocionado do drama enfrentado após o crime da Samarco, Vale e BHP.
frente, a ser restaurado para fortalecer as lutas da comunidade para retomar, naquele lugar, sua vida e história.
Com o apoio de Karina Gomes Barbosa “Foi uma visita que trouxe esperança, espe cialmente para aquela comunidade sofrida, de que haverá uma junção de forças no sen tido de conseguir, para tão logo, a restaura ção completa da Igreja Nossa Senhora das Mercês, no antigo Bento, marco de identi dade humana e cristã e de resistência, em suas lutas por justiça, respeito e dignidade. Uno-me, e comigo a comunidade religiosa, a todos os atingidos e atingidas nessa rei vindicação. Mais que um patrimônio artís tico religioso e histórico, essa igreja que se manteve de pé é extensão de cada família e memorial perene dos que ali viveram e, especialmente, daqueles que foram vítimas com o rompimento da barragem de rejeitos de HaveremosFundão. de cobrar dos órgãos compe tentes e dos principais responsáveis a agili zação necessária seja em relação à aprova ção quanto à execução do projeto. A igreja que permaneceu de pé no antigo Bento é um sinal, um ícone a ser preservado e, para Erguida no século XVIII e a salvo da lama criminosa da Samarco, Vale e BHP, em 2015, porque estava na parte alta de Bento Rodrigues, a Capela de Nossa Senhora das Mercês periga não resistir ao descaso da Renova. Não adiantou nada ter sido tombada, em 2018, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). O estado da construção é de puro abandono, o que coloca em risco a arquitetura colonial, a madeira entalhada e outros detalhes do prédio, uma das poucas memórias que restaram erguidas, no território de origem, à comunidade do Bento. No dia 11 de maio, um grupo de pessoas atingidas acompanhou o então presidente do IEPHA, Felipe Cardoso Vale Pires, ao território para mostrar o estado de desmazelo do templo religioso. O padre Marcelo Santiago, que tem realizado celebrações da comunidade do Bento na sede de Mariana, no território e no reassentamento, participou da vistoria para representar a Arquidiocese de Mariana. Também estiveram presentes representantes do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (Compat), da prefeitura e do IPHAN. Contudo, a mão da mineração interferiu novamente no destino do Bento, dessa vez de maneira indireta. Dias depois de vir à Mariana, Felipe Cardoso foi exonerado do cargo pelo governador Romeu Zema em meio à tentativa de aprovar a mineração na Serra do Curral, após um ofício do IEPHA declarar ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que o projeto da mineradora Tamisa não havia passado pelo órgão — o que tornaria qualquer licença para exploração ilegal.
Mariana - MG A SIRENE10 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
A Igreja das Mercês pede socorro
Enquanto isso, a Renova ignora a situação do bem, que segue deteriorado, às vésperas da festa do Menino Jesus.
A reforma desta igreja e a presença do povo podendo participar dos momentos religiosos e dos momentos que aglutinam toda a comunidade fazem a gente sonhar, para frente, que a comunidade possa vol tar para aquelas terras ainda não definidas, que nós lutamos para que possam ficar na mão dos que são donos delas e que foram retirados à força. Um dia, com o descomis sionamento dessas grandes barragens de rejeitos, quem sabe a comunidade possa voltar. A igreja vai significar, assim, para todos nós, um sinal emblemático, um si nal muito lúcido nesse momento também, para que a resistência seja grande e, um dia, a comunidade do antigo Bento possa retomar, como conquista, suas terras, a sua vida, a sua história, naquele lugar.”
Por Padre Marcelo Santiago
Padre Marcelo Santiago Fotos: André Carvalho
Uma das reclamações da comunidade, e que tem sido ignorada, são as explosões realizadas pela Vale na região, que estariam acelerando a deterioração da construção histórica.
Foto: Benilde Madeira Foto: Benilde Madeira
Mariana - MG A SIRENE 11PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2022
Caminhada por justiça realizada em Mariana no dia 5 de novembro de 2019 Foto: Jornal A SIRENE
A AJ conclui suas atividades com a certeza de ter feito o melhor trabalho possível, de ter estado sempre e incondicionalmente ao lado das pessoas atingidas na luta por uma indenização justa. Convidamos a todos para conhecerem as cartilhas e os documentos elaborados pela equipe nesses quase quatro anos de atuação em Mariana pelo site mg.caritas.org.br/biblioteca e no museu virtual territorioatingido.com.br.ACáritasMGsegue
No dia 2 de setembro de 2022, o projeto de Assessoria Jurídica (AJ) da Cáritas MG aos atingidos e às atingidas pela barragem de Fundão, em Mariana, chegou ao fim. Com legado de compromisso e confiança no assessoramento aos 464 núcleos familiares durante a Fase de Negociações Extrajudiciais (FNE) das indenizações, a AJ deixa sua marca também na consolidação de denúncias das violações cometidas pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, por meio da Fundação Renova, durante a FNE.
Ainda restaram 17 núcleos familiares cuja FNE da indenização não foi concluída, pois, até a data de fechamento deste texto, seguem aguardando uma resposta da Fundação Renova. A demora na apresentação da proposta de indenização e da reanálise de propostas cujos danos declarados pelas famílias não foram todos contemplados é uma das diversas violações cometidas pela Fundação Renova na FNE. Famílias esperam, em média, 129 dias para receber a proposta de indenização, quando o que foi determinado, no acordo de 2018, é que esse prazo para apresentação fosse de 90 dias. Há casos em que a espera chegou a 854 dias, ou seja, mais de dois anos. Quando se trata de reanálise, a demora é ainda maior, isso porque, infelizmente, no acordo de 2 de outubro de 2018, não foi estabelecido um prazo para esse tipo de resposta. A média de espera das famílias que pediram reanálise da proposta é de 225 dias, mas a espera pode chegar a 882 dias. Essas e outras violações foram sistematicamente denunciadas pela AJ ao longo de sua atuação na defesa dos direitos das pessoas atingidas.
A conquista do assessoramento jurídico gratuito ofertado pela Cáritas MG foi alcançada pelas pessoas atingidas ao som de muita luta e reivindicações no dia 2 de outubro de 2018, data em que foi celebrado o acordo que estabeleceu como se dariam as negociações individuais das vítimas no epicentro do maior crime socioambiental da história do país. Desde então, a AJ fez a entrega dos dossiês que contêm as perdas e os danos declarados no cadastro a exatos 1.476 núcleos familiares. Na ocasião, a equipe explicou, para as famílias atingidas, o panorama do funcionamento da FNE das indenizações, tirou dúvidas e se colocou à disposição, caso as famílias desejassem o assessoramento gratuito da Cáritas MG ao longo dessas negociações ou precisassem tirar qualquer nova dúvida sobre o processo.
Pelo menos 895 núcleos familiares foram atendidos pela AJ e, como mencionado, 464 foram efetivamente acompanhados por essa equipe em FNE. Fruto desse assessoramento, a AJ entregou, para cada família, um parecer jurídico, em que apresenta as violações de direitos sofridas na FNE, e um documento de proposta de valoração elaborado com base na Matriz de Danos das pessoas atingidas.
Por Ellen Barros
Assessoria Jurídica da Cáritas MG encerra atividades em Mariana
firme, junto às pessoas atingidas de Mariana, por meio da Assessoria Técnica Independente (ATI), que permanecerá no território e continuará lutando ao lado das atingidas e dos atingidos pela reparação integral. Para falar com a ATI, basta entrar em contato por meio da Central de Informações da Cáritas, em Mariana. O telefone é: (31)992180264.
EDITORIAL
Graças à parceria do curso de Jornalismo e da Pró -Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), A SIRENE retorna a seu projeto editorial, de produzir edições impressas mensais. O gesto mostra o reconhecimento da relevância da batalha das pessoas atingidas pela universidade. Quem nos acompanha desde o início vai notar algumas diferenças, como o papel. É a conquista possível. Nos próximos dias, as edições começam a circular pela cidade, pelos territórios, pelas reuniões das comissões de atingidos e atingidas. O que esperamos é que o jornal chegue a cada vez mais gente e reverbere, como tem feito desde fevereiro de 2016.
Todos os dias alguém profetiza que o jornal impresso vai acabar, que as pessoas só leem pela internet. No en tanto, o jornal impresso resiste. Resiste porque é neces sário, singular, porque é inclusivo. Ao longo desses anos, A SIRENE tem resistido. O papel jornal tem sido espaço afetivo e reconhecido de circulação dos relatos, das nar rativas e reivindicações das pessoas atingidas pelo rompi mento da barragem de Fundão. Temos enfrentado muitas dificuldades para manter o jornal de pé, apurar, fotografar, percorrer os territórios. Temos criado alternativas de financiamento coletivo e contado com o apoio de parceiros individuais e coletivos, que acreditam na nossa luta e caminham conosco. Nesse período, apesar dos obstáculos, nunca deixamos de acreditar que as edições voltariam a ser impressas e distribuídas para as pessoas atingidas. Nunca deixamos de lutar. Agora, em setembro, temos a alegria de noticiar que o jornal vai voltar a ser impresso.
A SIRENE12 Setembro de 2022