Matéria Batalha da Gruta

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8 Cultura e sociedade

Batalha da Gruta é o enfrentamento contra a exclusão Através do rap, jovens da periferia conquistam o Centro com desafios de improviso e subvertem a ordem nas rimas e na vida Por Giovanni Giocondo

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ímbolo da contestação de um sistema dominante na música e no cotidiano, a cultura hip-hop tem mostrado no Brasil que sua luta para dar voz aos problemas crônicos das periferias veio para ficar. Em Limeira, o movimento liderado por rappers e MC’s está conquistando espaços antes inimagináveis para a juventude dos bairros pobres e “subvertendo” a ordem em pleno Centro da cidade. O palco é a Praça Toledo Barros, mais especificamente o entorno da Gruta Municipal, onde em todas as noites de sexta-feira, desde outubro de 2013, é travada a “Batalha da Gruta”. Uma caixa de som e dois microfones são a estrutura suficiente para que, em qualquer circunstância, centenas de adolescentes e adultos

Reprodução Facebook

Na batalha, você vai falar basicamente do que você conhece, do que você vive, do que você sente

se desafiem no improviso das rimas e das batidas ritmadas do rap.

Conhecer, viver, sentir Fundador do evento e um dos líderes do movimento, Renan Venâncio, o Dark, de 22 anos, conta como a realidade das periferias se transporta para os versos da galera. “Quem vê uma ‘biqueira’ (ponto de venda de drogas) em cada esquina, quem vê o parente sendo preso e maltratado pela polícia, quem vê a mãe saindo de casa cedo para trabalhar e voltando à noite inevitavelmente vai ter essa influência nas letras”, revela. “Na batalha, você vai falar basicamente do que você conhece, do que você vive, do que você sente”, arremata Dark, lembrando que o rap é quase como uma escola. “Muita gente não gosta dessa comparação, mas eu uso

porque acho que o rap educa, ensina você a ter caráter, te mostra um lado que você nunca tinha visto, te dá asas, não te limita”, reflete. Adepto dos “rolezinhos” durante a adolescência, Dark deixou de lado a ida aos shoppings centers, onde “não fazia nada para disseminar o hip-hop”. Pintor, trabalho que exerce com o pai “desde sempre”, o jovem espera “ganhar o mundo” com o rap. “Mesmo que eu saia [de Limeira], eu quero que a Batalha continue sempre. Mas meu objetivo é esse, viver da música com meu grupo, o Psico Ativo”, afirma.

Levante contra a repressão Na opinião de Daniela Silva, diretora de um documentário sobre a Batalha da Gruta e de outro sobre o encarceramento da juventude, a transgressão dos adolescentes através

do hip-hop abre a possibilidade de superar a lógica punitiva do Estado. “Esses meninos mostram nas rimas que existe no seu dia a dia um contexto de exclusão e de desigualdade social, que durante muito tempo as autoridades insistiram em ignorar e que levaram à falta de oportunidades e ao crime. E como o Estado responde a isso? Com repressão e encarceramento”, explica a documentarista. A relação entre as rimas improvisadas da Batalha da Gruta e a situação social da juventude limeirense de baixa renda é estreita. A cidade tinha em 2014, segundo dados do Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Estado de São Paulo, 285 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em regime fechado, a quarta maior população de jovens da Fundação Casa.


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