Urbanismo Agosto 2015

Page 1

4

5

Bauru

Urbanismo

Condomínios fechados se espalham pelo interior de SP

Adriano Kitani

Em busca do sonho de consumo

O

De acordo com a geógrafa argentina Sonia Roitman, citada pela socióloga Caroline de Quadros em sua dissertação de mestrado, “os condomínios fechados têm grandes efeitos na vida de seus habitantes, especialmente nas crianças, que costumam criar uma divisão muito forte entre quem é ‘de dentro’ e os ‘de fora’ (...) e podem desenvolver agorafobia [medo de lugares abertos]”. O psicanalista Cristian Dunker tratou do tema em seu livro Mal-Estar, So-

Por Giovanni Giocondo Esses espaços proliferam de forma veloz e são quase sempre dotados de infraestrutura de lazer, entretenimento, segurança e até mesmo serviços. Para especialistas, tal aparato desestimula as pessoas a deixarem o local para realizar outras atividades ou as força a utilizarem veículo particular para qualquer deslocamento além dos muros.

zano, 40. O casal mora no Residencial Flamboyants, um condomínio fechado na área urbana de Bauru, onde vivem cerca de 1.000 pessoas. “Eu fui assaltada no apartamento onde morava e por isso resolvemos vir para cá. Imaginei que viver em um espaço mais isolado pudesse me dar, ao menos, maior sensação de segurança”, ressalta. Anselmo acredita que essa tendência favorece uma espécie de “feudalização moderna” e colabora para evidenciar desigualdades sociais. “Em Bauru existe um loteamento de alto luxo ao lado de uma favela. As mansões despejam todo o esgoto e lixo que produzem nessa comunidade. Isso é uma afronta à vulnerabilidade de pessoas que já vivem em condições subumanas”, critica.

frimento e Sintoma: Uma Psicopatologia do Brasil entre Muros, lançado em 2015. Na obra, Dunker revela que as pequenas diferenças se amplificam no loteamento fechado, gerando uma guerra de “todos contra todos entre iguais”. O psicanalista atesta que a lógica do condomínio na sociedade brasileira “organiza as maneiras de as pessoas sofrerem” e “inventa uma forma de vida comum sem a existência de uma verdadeira comunidade”.

O avanço desenfreado dessa forma de moradia e as táticas para interrupção

A blindagem e a desigualdade O contador Wilson Morelli, de 48 anos, é síndico da associação que administra o loteamento Jardim dos Flamboyants, em Jaú, desde o início de 2015. O condomínio tem 364 lotes, 60% deles ocupados por casas. Há três anos, ele trocou uma residência na região central da cidade em busca de mais segurança, privacidade e qualidade de vida para sua família. “Nós temos portaria 24 horas, ronda noturna, vigilantes próprios. Eu acredito que seja uma tendência as pessoas irem viver em condomínios fechados por conta da segurança, já que os índices de criminalidade têm crescido muito em nossa região”, esclarece Wilson. A justificativa é a mesma da jornalista Lidiane de Oliveira, 30, e de seu marido, o radialista Anselmo Man-

minha geração brincava”, lamenta. Para ele, as áreas comuns de lazer de um loteamento facilitam a convivência entre os mais novos. “Eu acho que as crianças ficariam mais à vontade em um lugar como esses [loteamentos fechados], sem o risco de serem atropeladas, por exemplo.”

O mal-estar, o sofrimento e o sintoma

Com medo da violência, moradores buscam segurança privada e conforto; especialistas comentam causas e miram soluções para evitar avanço desenfreado dos loteamentos s condomínios ou loteamentos fechados tornaram-se verdadeiros redutos de proteção e exclusividade para as classes média e alta no Brasil. Em São Paulo, moradores apontam esse estilo de vida como a solução diante da violência, que teria migrado da capital para as pequenas e médias cidades do interior.

O analista de e-commerce Bruno Santana, 32, vive em uma casa em Guarulhos, na Grande São Paulo, mas gostaria de se mudar para um loteamento fechado no interior, pensando na criação dos filhos. “Aqui, quase nenhuma rua te dá tranquilidade de deixar as crianças brincarem como a

os condomínios fechados têm grandes efeitos na vida de seus habitantes, especialmente nas crianças, que costumam criar uma divisão muito forte entre quem é ‘de dentro’ e os ‘de fora’

Em Bauru existe um loteamento de alto luxo ao lado de uma favela. As mansões despejam todo o esgoto e lixo que produzem nessa comunidade.

Somente em 2014, o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais (Grapohab) aceitou 514 solicitações para a construção de loteamentos fechados no Estado de São Paulo, em um total de 148.221 lotes. Os dados são da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo (Aelo). Segundo a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp), entre 2009 e 2011 surgiu um condomínio a cada cinco dias em municípios da Grande São Paulo. A urbanista Paula Santoro, em sua pesquisa de mestrado, verificou que 28 em 100 municípios paulistas, entre 2001 e 2008, aprovaram leis que permitiam a existência de “loteamentos fechados”, mesmo sem a existência dessa figura jurídica.

“Os condomínios afetam negativamente a democratização do espaço urbano, privatizando áreas públicas e restringindo seu acesso. A cidade perde seus espaços de encontro, de tolerância e de diversidade em prol de um ‘consenso’ equivocado, de que ‘fechar-se é desenvolver-se’”, explica. Uma das propostas da urbanista para impedir o avanço dos condomínios pelo interior é introduzir instrumentos que limitem o tamanho desses espaços nas leis de zoneamento, similares ao projeto que vem tramitando em São Paulo, ou mesmo exigir dos loteamentos a construção de habitações de interesse social nas proximidades, exemplo que faz parte da revisão do Plano Diretor de Curitiba, no Estado do Paraná.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.