Jornal de Toronto Doug Ford: O bufão do norte Seu discurso falha em
Animais malignos da fauna brasileira – parte 2
conteúdo intelectual, tem forte conotação populista-fundamentalista e pouca fidelidade com a verdade. p. 4
p. 7
O futuro é agora!
Meu medo é não me importar com o presente. Eu gosto de matemática e sei que o futuro é a soma dos presentes. Em finanças, se você erra, perde dinheiro. p. 4
frans post
edição # 17 | ano # 2 | novembro 2018 | www.jornaldetoronto.ca | info@jornaldetoronto.ca | ISSN 2560-7855
Os desafios das mulheres no mercado de trabalho
Pesquisa realizada no Rio de Janeiro e em Montreal revela como Brasil e Canadá lidam com a equidade de gênero p. 5
Minha incrível experiência musical Martin nos no Brasilconta Sarah sobre sua viagem
Panorama da cidade de Montreal.
john erickvs
Moscando _ Will Tirando
Sou contra o que escolhi
p. 3
musical pelo Nordeste p. 6
funffec
Orquestra FUNFFEC se apresentando em Teresina, no Piauí.
Acompanhe nosso website com vídeos e matérias complementares www.jornaldetoronto.ca
THE MORBECK TEAM realtors
Ana Morbeck sales representative 647.274.4575 info@morbeckteam.com
www.morbeckteam.com 1697 Lakeshore Rd W. Mississauga
905.855.2200
www.jornaldetoronto.ca
Jornal de Toronto www.jornaldetoronto.ca o melhor conteĂşdo, a melhor qualidade e o melhor pĂşblico
2
Editorial
“Navegamos pelo mapa que fazemos”, já dizia Fernando Pessoa. Há, sem dúvida, mil fatores que influenciam nossa vida, mas certamente somos nós que atuamos no mundo, e mudamos ele com nossas escolhas. O povo brasileiro escolheu seu novo governo e terá seu caminho a percorrer. Boa sorte a todos nós. Para os que ficam, há muita coisa legal nessa edição: a canadense Sarah Martin nos conta sua experiência musical pelo Nordeste do Brasil; Christiano dá seguimento ao seu bestiário de animais brasileiros; Schuster fala da diferença de expectativas dos imigrantes que escolhem o Canadá, ao invés dos Estados Unidos, para morar; Érica Bernardo nos apresenta a pesquisa feita em Montreal e no Rio sobre os desafios das mulheres no mercado de trabalho; e Erika Tavares faz um leve balanço dos primeiros meses do governo Ford. E há muito mais. Como se vê, nem tudo são flores; mas uma coisa é certa, todos os obstáculos pelos quais temos de passar nos fortalecem e nos fazem ver o mundo de forma diferente. E todos somos agentes dessas transformações. Editor-chefe: Alexandre Dias Ramos Gerente de mídia social: Luiza Sobral Especialista de marketing: Jesiane Queiroz Revisor: Eduardo Castanhos Fotógrafos: Alex Guibord, John Erickvs & Vincent Lafond Colunistas: Alexandre Rocha, Cristiano de Oliveira & José Francisco Schuster Colaboradores dessa edição: Ana Ligia Malavazi, Érica Bernardo, Erika Sendra Tavares, Frans Post, Johan Nieuhof, Sarah Martin & Will Leite Agradecimento especial para: Carolina Albernaz, Nathalie Daoust & Stéphanie Verner Agências, fontes e parceiros: BCCC, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, BPW, CHIN Radio, CIUT Radio, Edward Jones, FUNFFEC, Musée Canadien de l’Histoire Conselho editorial: Camila Garcia, Nilson Peixoto, Rosana Entler & Sonia Cintra © Jornal de Toronto. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de qualquer trecho desta edição sem a prévia autorização do jornal. O Jornal de Toronto não é responsável pelas opiniões e conteúdos dos anúncios publicados. Circulação: O Jornal de Toronto é mensal e distribuído em Toronto, Mississauga, Brampton, Oakville, Montreal, Calgary e Vancouver. Contato: info@jornaldetoronto.ca Subscription: $0.50/cada, $50.00/ano Siga nossa página no Facebook, Twitter, Instagram e matérias complementares, durante todo o mês, em nosso site: www.jornaldetoronto.ca Edição #17, ano #2, novembro 2018 ISSN 2560-7855
Cotidiano
www.jornaldetoronto.ca
Painel expositivo no Musée Canadien de l’Histoire, em Gatineau, QC.
3
vincent lafond
Sou contra o que escolhi José Francisco Schuster Se os colonos britânicos tivessem permanecido unidos, poderiam ter criado na América do Norte o maior país do mundo em extensão territorial, pois Canadá e Estados Unidos somados têm uma área de 19,3 milhões de quilômetros quadrados, contra 17,1 milhões da Rússia. No entanto, os colonos fiéis à coroa britânica viram que isso não valeria a pena e decidiram criar sua própria confederação, em oposição à independência dos Estados Unidos. São, portanto, dois países diferentes, que seguiram igualmente rumos diferentes. Se os Estados Unidos se consolidaram após a Segunda Guerra Mundial como líderes mundiais do capitalismo, a Grã-Bretanha neste período desenvolveu o conceito de “welfare state” (estado de bem-estar), que se estendeu ao Canadá. Por ele, o governo toma a responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar de seus cida-
dãos, especialmente os mais necessitados, através de uma série de benefícios. No Canadá, reformas relativas ao “welfare” foram aprovadas nos anos 1960, garantindo renda mínima e auxílio em dificuldades da vida, como doença, idade e desemprego, além de criar uma série de serviços sociais. É por isso que não temos no Canadá quase ninguém morando embaixo das pontes (e morrendo, literalmente, de frio), a saúde é pública (sem sistema privado paralelo para os mais afortunados, como no Brasil), o seguro-desemprego atende às necessidades básicas, mães solteiras e separadas têm proteção, crianças recebem um “salário-família” que realmente garante o mínimo para sobrevivência, e assim por diante. Os custos são bancados por uma tributação mais elevada aos de renda alta – ao contrário do Brasil, por exemplo, onde ganhos de capital têm uma tributação baixa. Também os Estados Unidos têm impostos mais baixos,
em geral, ao custo de uma saúde pública incipiente. Sendo Canadá e Estados Unidos tão diferentes, portanto, jamais os dois seriam igualmente opções para um potencial imigrante. Pergunte a um cruzeirense ou a um atleticano se aceitariam ser sócios do outro clube, mesmo que o outro ofereça muito mais facilidades e vantagens de ingresso. Há quem discuta acirradamente até pelo sabor da Coca-Cola e da Pepsi, não aceitando a outra marca de jeito nenhum. Entretanto, há uma impressão de que muitos brasileiros continuam com o pesadamente propagandeado “sonho americano”, mas imigram para o Canadá apenas pela dificuldade de conseguir o tal Green Card. O Canadá seria um mero prêmio de consolação, “foi o que consegui”, e não o or-
gulho de juntar-se a uma proposta muito mais avançada de país, uma social-democracia que faz com que a pobreza não seja uma calamidade. Assim, apesar de desfrutarem dos benefícios de um dos melhores países do mundo para se viver, desejam que os que vivem no país onde nasceram continuem na miséria, com mendigos e desemprego por todo lado, discriminados e subjugados por uma polícia militarizada e violenta. Tiveram a sorte de sair de uma sociedade de castas, mas não aprenderam nada: o ódio aos diferentes continua, assim como o desejo, que jamais se concretizará, de pertencer a uma elite. São canadenses mal-agradecidos e brasileiros que não evoluíram ao emigrarem.
Com mais de 35 anos de experiência como jornalista, José Francisco Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Foi, durante 8 anos, âncora do programa Fala Brasil, e agora produz e apresenta o programa Noites da CHIN - Brasil, na CHIN Radio.
Política
O bufão do norte Erika Sendra Tavares é cientista no SickKids Toronto Ontário elegeu Doug Ford como líder da Província no final de junho – o irmão mais velho do prefeito Rob Ford, que ficou conhecido mundialmente por fumar crack e dirigir embriagado durante o mandato. Não dá para evitar o paralelo com o Trump. O discurso de ambos falha em conteúdo intelectual, tem forte conotação populista-fundamentalista e pouca fidelidade com a verdade. Ford conquistou um governo de maioria com 76 dos 124 assentos no parlamento, com a promessa de reduzir impostos, repelir o incentivo econômico para diminuição da poluição (programa Cap-and-trade), diminuir os gastos públicos
e aumentar o acesso às bebidas alcoólicas. Nos primeiros quatro meses, ele já mostrou que vai atingir os objetivos dele de forma autoritária e sem base em estudos e consulta pública – algo que já se reflete nas ações legais acumuladas diariamente contra seu governo. Começou cancelando o Cap-and-trade e, como parte disso, um investimento de $100 milhões para infraestrutura das escolas públicas. Esse investimento seria usado para consertar janelas, melhorar a iluminação e os sistemas de ar condicionado. Até o momento, não apresentou nenhuma iniciativa substituta. Ainda na Educação, Ford
também repeliu o currículo sexual, em vigor desde 2015, o qual introduzia conceitos básicos de sexualidade, diversidade em relacionamentos e, principalmente, consentimento sexual. Essa atitude mobilizou vários pais, professores e até religiosos, que argumentam que o currículo de 2015 foi um dos mais bem consultados do mundo. Esse currículo está sendo substituído por uma versão de 20 anos atrás, que não reflete a realidade na qual os estudantes vivem hoje e reforça a marginalização de
www.jornaldetoronto.ca muitos membros da sociedade. Além disso, ele criou uma linha-dedo-duro para pais entregarem professores que eventualmente se recusem a cumprir o currículo antigo – uma forma autoritária que ignora o diálogo e a diplomacia correntes na comunidade escolar. Em um dos movimentos mais antidemocráticos do seu ainda novo mandato, Ford cortou o Conselho de representantes de Toronto pela metade, de 47 acentos para 25, que já foi implementada na eleição de outubro, apesar da resistência dos moradores de Toronto, do veto inicial pelo poder judiciário e da oposição pelo Toronto District School Board. De acordo com uma pesquisa realizada pela agência Mainstreet, 65% dos moradores de Toronto discordam da diminuição do conselho municipal. O
O Governador de Ontário, Doug Ford.
impacto negativo também será refletido nas escolas públicas e católicas. Mas prioridades são prioridades, e a de Ford é claramente o projeto Buck-a-beer, que oferece incentivos de
4
alex guibord
mercado para cervejarias que conseguirem reduzir o preço da lata para 1 dólar canadense. Ao que parece, os quatro anos mais lentos de Ontário estão só começando.
Economia
Os benefícios de ter um conselheiro e estrategista financeiro Ana Ligia Malavazi é Conselheira e Estrategista Financeira na Edward
Jones, licenciada pela IIROC e com mais de 23 anos de experiência
Os benefícios de ter um conselheiro e estrategista financeiro independente, que crie um plano financeiro, ajuda você a enxergar o seu quadro completo e definir metas de vida de curto e longo prazos – um passo crucial no mapeamento de seu futuro financeiro. Quando você tem um plano financeiro e um profissional independente que faz parceria com você, é mais fácil tomar decisões financeiras e permanecer no caminho certo para atingir suas metas. Além disso, é importante ter alguém que o aconselhe sobre o impacto fiscal de suas decisões financeiras e que também possa ajudá-lo
“Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.” Clarice Lispector
Alexandre Rocha Ahhh... o futuro. Eu nunca tive medo do futuro! Jornais, revistas, internet, políticos, analistas, economistas... Ahhh... os economistas: estes seres exóticos e seus modelos. Quem sabe um dia eles acertem ou deixem de errar. Nunca falam
com estratégias de minimização de impostos – quase todas as decisões financeiras têm impacto fiscal. Se o impacto dos impostos não for levado em consideração ao tomar decisões financeiras ao longo do ano, você poderá pagar mais impostos do que o necessário. É importante que o planejamento tributário não seja visto como separado do planejamento financeiro; em vez disso, ambos devem ser feitos simultaneamente. Incorporar o planejamento tributário em seu plano financeiro aumenta a probabilidade de atingir suas metas, especialmente ao planejar a aposentadoria!
Ao ter um conselheiro e estrategista financeiro independente, analisando suas obrigações fiscais atuais e futuras e utilizando estratégias fiscais para alterar ou minimizar o montante de impostos que você paga ao longo de sua vida útil, você poderá planejar com mais eficiência seu fluxo de caixa atual e futuro. Portanto, o planejamento tributário é um componente essencial da criação de um plano financeiro bem-sucedido e completo. Obter o aconselhamento financeiro adequado é importante para pessoas de todas as idades – quer esteja a iniciar ou a entrar na sua jornada de criação de riqueza, bons conselhos e estratégias financeiras e
acesso a investimentos de qualidade definem os seus objetivos e o caminho para chegar lá. Ele oferece um mapa e suporte contínuo para ajudá-lo a assumir o controle do seu futuro. O aconselhamento financeiro engloba muitas áreas, incluindo investimentos, seguros e planejamento do espólio, onde o testamento e a procuração são necessários. Deve ser independente e sem conflito de interesse, personalizado para a sua situação individual, com base nas suas necessidades e objetivos e, mais importante, na sua tolerância à volatilidade do mercado. O contato com Ana Ligia pode ser feito pelo analigia.malavazi@ edwardjones.com e pelo telefone 416-560-6742.
Prédio da sede da Edward Jones.
O futuro é agora! do que realmente importa: o presente! O grande medo maior é o presente! Você abre os jornais e o que se lê não é o que se vê. Os “futurólogos” tentaram prever as eleições. Criam-se diversas variáveis: com ou sem Lula; com ou sem Bolsonaro... É como um rodízio de pizza... você só lembra da última pizza que comeu. Os bancos giram os seus modelos: dólar, IPCA, PIB, taxa de juros... Uma antiga
gerente me dizia que era fácil acertar os indicadores: “Basta ir ajustando a planilha aos pouquinhos durante a semana”. Fato! O dadivoso e magnânimo presente Se você errar no presente, já era! Isso é falar do que realmente importa. Agora, now!!! Está gastando menos do que ganha? Consegue investir 10% da sua renda em uma carteira de inves-
timentos? Demitiu de vez o seu gerente de banco e deu tchau às altas taxas bancárias? Deixou de lado os “vícios urbanos” e vive uma vida baseada nas suas escolhas e não nas escolhas dos outros? Tem um emprego que te permite se desenvolver profissio-
nalmente? Melhor, você aprende algo novo todos os dias? Esse é o meu medo! Meu medo é não me importar com o presente. Eu gosto de matemática e sei que o futuro é a soma dos presentes. Em finanças, se você erra, perde dinheiro.
Você não vai acertar todas. Deve acertar mais, errar menos e deve fazer isso no presente! A diferença será positiva e a seu favor. Se você realmente estiver preocupado com o futuro, reveja o seu presente. Agora!
Alexandre Rocha é trader nos mercados futuros do Brasil, EUA e consultor financeiro independente. Em 2014, deixou o Banco do Brasil para fundar a consultoria Aletinvest. Se formou em economia pela UCAM-RJ e é mestre em Études Internationales pela Université de Montréal. Atualmente mora em Montreal, mas é apaixonado por Toronto. _ www.aletinvest.com
www.jornaldetoronto.ca
5
Os desafios das mulheres no mercado de trabalho Érica Bernardo é jornalista e ex executiva de comunicação
Equidade de gênero e mercado de trabalho são dois elementos que ainda não entraram em consonância, mesmo com a virada do século. Apesar do fortalecimento do feminismo e do engajamento de mulheres na luta por direitos iguais, elas ainda trabalham mais que os homens, ganham menos que eles – embora estudem mais – e são penalizadas pelo fato de poderem engravidar. Essa é a conclusão do estudo realizado pela organização não-governamental Business Professional Women (BPW) com mulheres que atuam em Montreal e no Rio do Janeiro. Originalmente intitulado Study on Feminine Economic Empowerment Executive Summary, o relatório, apresentado em outubro na conferência Doing Business in Brazil, da Brazil-Canada Chamber of Commerce (BCCC), mos-
70%
Falta de apoio e reconhecimento dos executivos homens ou colegas
tra similaridades e diferenças entre o universo profissional de mulheres nas duas cidades. Segundo o estudo, brasileiras e canadenses vivenciam os mesmos desafios, mas com alguma variação em aspectos relativos à participação delas no trabalho doméstico, horas trabalhadas, sucesso profissional, remuneração justa e maternidade. Esses fatores têm relação direta com a adoção de políticas regulatórias pelos respectivos países, além da percepção cultural do papel da mulher e do nível de engajamento feminino em movimentos de inclusão social. Ou seja, quanto mais maduro o país estiver em políticas de equidade de gênero, menos disparidades haverá. O Canadá apresenta um cenário mais favorável às mulheres que o Brasil, ainda que no ranking do Fórum Econômico Mundial ocupe a distante 16a posição na
58% Percepção dos homens em relação às mulheres
Pesquisa realizada no Rio de Janeiro e em Montreal revela como Brasil e Canadá lidam com a equidade de gênero
Nathalie Daoust, na conferência Doing Business in Brazil, realizado pela Brazil-Canada Chamber of Commerce, em Toronto.
lista de países com progressos na igualdade de gênero – perdendo para a Islândia, que ocupa o primeiro lugar. O Brasil aparece na 90a posição, pela carência de leis e acesso à educação. Já o Canadá, possui leis que regulamentam as diferenças de gênero no trabalho, com
53% Falta de apoio e reconhecimento de outras executivas mulheres ou colegas
padrões mínimos de equidade, respeito e segurança contra assédio sexual. Tudo isso resulta na maior presença de mulheres em cargos de liderança. No Canadá, as executivas representam 41%, contra 16% no Brasil.
56% Sentimento de comprometer o tempo com a família
Outra diferença básica é que o Brasil ainda é bastante patriarcal. Tem o maior número de trabalhadoras domésticas do mundo, e é onde mulheres trabalham semanalmente mais que homens nas empresas – acima de 50 horas. As brasileiras também gerenciam times maiores que as canadenses e dedicam mais horas às tarefas domésticas e familiares (trabalham 73% a mais que os homens). O patriarcalismo também impacta as escolhas profissionais das brasileiras. De acordo com a BPW, apenas 42% das mulheres trabalham em tempo integral no Rio de Janeiro. Em Montreal, as profissionais de tempo integral representam 67%. Os índices estão relacionados à condição feminina de ter que escolher entre carreira e vida familiar, já que postos mais altos exigem mais tempo de trabalho e estudo. Se esse parece ser o único caminho, a líder do Projeto Brasil na BPW, Nathalie Daoust, aconselha: “Não trabalhe mais horas, ana-
48% Percepção dos homens em relação às mulheres
lise mais. Desenvolva uma estratégia. Através de mentoring e networking a mulher tem melhores chances de promoção. A educação importa, mas a rede sela o acordo. Dito isto, é claro que as leis ou regulamentos sobre equidade no local de trabalho são essenciais, e é papel da BPW promovê-las”, diz. Por fim, os salários são outra diferença apontada pelo estudo. No Brasil, os rendimentos das mulheres são 42% mais baixos que dos homens, e caem outros 35% se a mulher for negra ou mestiça. Em Montreal, o déficit gira em torno de 28%, sendo que para as imigrantes essa diferença pode chegar a 35,5%. Até aqui, nenhuma novidade. Lá ou cá, a equidade está longe de acontecer. Contudo, o mais intrigante é saber que, no Brasil, apenas 42% das mulheres entrevistadas percebem essas diferenças de salário, enquanto que no Canadá 61% estão mais atentas a essa questão. Isso, sim, é para se pensar.
46% Exigência de mais horas de trabalho
Os principais fatores que limitam o crescimento profissional, em Montreal e no Rio de Janeiro
Anuncie no Jornal de Toronto por apenas
$39
info@jornaldetoronto.ca
Cultura
www.jornaldetoronto.ca
6
Minha incrível experiência musical no Brasil Sarah Martin é canadense e professora de música Eu sou professora de alunos com necessidades especiais e autismo, mas minha primeira formação foi como violoncelista e pedagoga musical. Logo me tornei professora de música. No ano passado, eu tirei um ano sabático e passei 6 meses no Brasil – que sorte! Depois de curtir o Carnaval no Rio de Janeiro, fui para uma tranquila cidadezinha sertaneja. Minha amiga Vanessa Rodrigues, através de sua ONG Brazil Strings, me convidou para ensinar uma turma na orquestra juvenil de cordas, a FUNFFEC, em Luis Gomes, no interior do Rio Grande do Norte. Apesar de ter poucos recursos, a orquestra estava bem-estabelecida e tocava muito bem, mas precisava de apoio pedagógico com os violon-
celistas, por falta de professor. Desde o início, senti incômodo com o conceito de ensinar a música europeia/colonizadora ao povo brasileiro; eu queria muito dar meu apoio respeitando as culturas indígenas e afro-brasileiras. Felizmente, o regente da orquestra, Leandro Oliveira, tinha a mesma preocupação. Seus arranjos eram ligados à música do Brasil nordestino, como o forró e o baião, e com alguns sambas do sul do país. Na minha quarta semana em Luis Gomes, saímos em viagem com a orquestra. Éramos 4 adultos e 23 jovens, com idade de 10 a 18 anos, e viajamos quase 2000km de ônibus, por 3 Estados. Tocamos 6 concertos em 3 cidades; e passamos 4 noites no ônibus. Tivemos uma experiência
À esquerda, Sarah Martin se apresentando em Teresina, no Piauí, junto com integrantes da FUNFFEC.
ótima – musicalmente, pessoalmente e socialmente. Tocamos numa igreja, em dois centros universitários, numa festa de quinze anos e também fizemos duas apresentações no Shopping Teresina. Eu nunca acreditei que tantas crianças e jovens pudessem ser tão bem comportados e profissionais! Foi um prazer enorme viajar, tocar, das boas risadas e conversar com eles. Quando voltamos a Luis Gomes, uma nova turma no FUN-
FFEC começou. Por algumas semanas, oferecemos aulas individuais e em grupo, para iniciantes. Foi muita satisfação poder introduzir a algumas alunas o violoncelo e ouvir, em duas semanas, elas tocando juntas! Também foi muito bom poder dar aulas às violoncelistas mais experientes, aperfeiçoar a técnica delas; e fazer duas sessões da musicoterapia com um jovem com problemas graves de comportamento.
funffec
Depois de uma festa ótima na minha casa com a orquestra – no mesmo período da grande festa dos caboclos da Semana Santa – e com muitas despedidas chorosas, eu embarquei num ônibus para continuar minha jornada brasileira. Continuei a desfrutar da minha região preferida do Brasil, o Nordeste, onde fiz trabalho voluntário ensinando inglês em Salvador e Recife.
www.jornaldetoronto.ca
7
Animais malignos da fauna brasileira – parte 2 Cristiano de Oliveira lado dele, põe a culpa em gay e comunista. Espelho em casa, que é bom, esse bicho não tem.
Mesmo se, no momento em que escrevo esse texto, eu já soubesse o resultado do segundo turno das eleições, não haveria muito o que falar. Então vamos voltar a apresentar os mais curiosos espécimes originários dessa selva onde um dia existiu uma antiga civilização chamada Brasil.
O Nem-Te-Vi Você sabe que esse bicho mora no Brasil, e você até ouve o canto dele quando vai lá. Mas é impossível encontrá-lo, pois ele não tem interesse absolutamente nenhum em ver você. Quando você avisa que está indo embora, ele pia reclamando que você não se esforçou o bastante para ir vê-lo. O Ibama pede para que evitemos tacar muita pedra nos membros dessa espécie.
O Pássaro Favô-Favô Esse bicho aparece no seu quintal, pousa no seu ombro, come alpiste... e depois some. Passa anos sumido, ou às vezes até passa voando perto da sua casa, mas não dá um pio. Até que um belo dia, ele resolve ir morar no Canadá e “queria umas dicas”. Ah, pronto. Aí ele pousa outra vez à sua porta, como se fosse Roberto chegando pra visitar Erasmo cantando O Portão, e demonstra a disposição de um Pégaso indomável pra sair e tomar uma cerveja outra vez, depois de 800 anos desaparecido. Esse pássaro só consegue cantar quando a melodia é sobre ele mesmo e sobre um Canadá impecável que ele conheceu na internet e jura que existe. Fora isso, ele só emite um piado enjoado. Chame logo o controle de pragas urbanas, e acima de tudo: tranque bem a porta de casa. Se ele entrar, vai passar o inverno inteiro piando aquela musiquinha, “uai, tem que tirar a bota de neve na porta?”. Não,
O Nem-Te-Vi-Nem-Verei
Imagem do livro Memorável viagem marítima e terrestre ao Brasil, escrito por Johan Nieuhof, em 1682. Cortesia: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.
desgraçado, é pra calçar outra por cima! Bicho irritante... O Frango do Cerrado Digital Facilmente encontrado no vasto cerrado das mídias sociais brasileiras, esse animal incha todo e aumenta 400 vezes de tamanho quando entra em discussão. Você acha que é um galo bravo e das esporas afiadas, mas basta sair dali e cruzar com você na rua que se torna fácil verificar que é um
membro do reino Animalia, filo FrangosÆ, classe Borronia, ordem Covardhini: ele se encolhe todo e fica bem quietinho, rezando pra você não se lembrar do que ele te chamou. Não tente pegá-lo, pois sendo um verme invertebrado, ele escapa fácil. O Mico Enrolão Dourado Esse bicho sem-vergonha tem tanta doença que os cientistas ainda estudam se ele não é uma mis-
tura de pomba com guaxinim. O bicho é sujo com força: falou em sujeirada e trambicagem, ele já passou por lá. Curiosamente, apesar do telhadão de vidro, ele tem essa incrível habilidade de sentar no rabo pra falar dos outros, e ainda fala alto! A criatura gosta de aparecer, mesmo estando cheio de esqueletos no armário. Reclama da corrupção, de gay e de comunista, e quando a casa cai para o
Igual ao Nem-Te-Vi, com a diferença de que este nem pia uma desculpazinha por não te ver. Ele fica é quieto no buraco dele até você ir embora, e se bobear está torcendo pra que você, projeto de gringo do meio dos infernos, lasque-se apropriadamente. Cuidado que ele morde. O Urso Nervoso das Montanhas Facílimo de identificar. Basta chegar perto do resto da bicharada e identificar quem é o bonitão que está tocando surdo no samba ou escrevendo colunas pro jornal. Dê cerveja a ele. Adeus, cinco letras que choram.
Cristiano de Oliveira é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.
www.jornaldetoronto.ca
8