Jornal de Toronto #31

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Jorna Jornal de Toronto Do sul ao norte: a viagem de D. Pedro II a Toronto de 1876 p. 8 King St. E., por volta de 1876.

Nova cidade, novos costumes Se você chegou em Toronto tem pouco tempo, aqui está uma pequena lista de dicas sobre costumes canadenses. p. 6

Comfort language, bom como comfort food

john h. noverre

p. 6

weibo

edição # 31 | ano # 3 | março 2020 | www.jornaldetoronto.ca | info@jornaldetoronto.ca | ISSN 2560-7855

Exposição Olhares Cruzados chega em Toronto e promove troca cultural entre canadenses e brasileiros

Quem são os evangélicos? Rodrigo Toniol

p. 4

Brasília, sob a visão do fotógrafo canadense Daniel Stanford.

Ottawa, sob a visão do fotógrafo brasileiro Kazuo Okubo.

Aniversários em tempos de cólera Cristiano de Oliveira

Uma lembrança esquisita de infância que eu tenho era da cara de fracasso do coleguinha que virava pra todos e dizia, “pior sou eu, que faço aniversário no dia do Natal”. Na mesma hora, reconhecia-se um cara que, guardadas as proporções que nossa confortável bolha nos proporcionava, vivia um nível diferente e raro de lascação pessoal: ele poderia obter as melhores notas, o pai poderia

ser piloto de corrida, a mãe poderia ser dona de uma rede de fliperamas... mas de nada adiantaria. p. 3

O povo pode errar em suas escolhas políticas? O bolso da cidade p. 8

p. 5

Camila Garcia

fabio ludesi

Canadian International AutoShow Nossa fotógrafa e jornalista Neena Channan esteve no Metro Toronto Convention Centre, onde ocorreu o evento. Dentre os destaques, a McLaren de Emerson Fittipaldi e a Special Edition Canadian Senna, em homenagem a Ayrton Senna. Confira a matéria no nosso site.

neena channan

vem aí

Em 2002 o Brasil comemorava a vitória do pentacampeonato mundial quando assistiu pela televisão uma cena emblemática. Kaká, o mais jovem daquele time e ainda uma promessa, era carregado pelos companheiros, erguendo a taça e vestindo uma camiseta branca com os dizeres “I belong to Jesus”. A imagem de Kaká contrastava com aquela mais difundida do “crente” de cabelos longos e saia comprida. O fato colocava diante dos olhos do mundo que o universo evangélico brasileiro não apenas crescia como também se diversificava. Mas afinal, quem são os evangélicos no Brasil? p. 7

$11,59 bilhões do orçamento operacional de Toronto provêm dos impostos sob propriedade, complementado pelas taxas de água, coleta do lixo, estacionamentos públicos, entre outros. 73% desses impostos são voltados à segurança pública, mobilidade e construção da cidade.

Em um orçamento com capital limitado, priorizar um setor significa optar por não investir em outro. Ao se tratar de política, a gestão financeira revela muito sobre o posicionamento dos dirigentes e suas visões para o futuro da sociedade.

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Cultura

Editorial

Quem pulou pulou, quem não pulou não pula mais. Março tem essa sensação de que agora sim as festas terminaram e o ano vai começar. E também é um mês que nos dá esperança de que o inverno vai começar a acabar – veja bem, eu disse esperança – e que teremos uma Primavera longa e colorida. Ano passado nem teve, mas esse ano parece que vai. Quem imigra sabe a diferença enorme entre nossos dois países e como vamos aprendendo, com a língua, com a comida ou com as paisagens, a lidar com esse cruzamento de culturas. Três matérias tratam disso, uma sobre a exposição Olhares Cruzados, a matéria de Schuster sobre comfort language e comfort food, e a matéria de Mari Belham, com dicas para quem acabou de chegar em Toronto. E para quem já vive aqui, sabe bem a importância que tem a aprovação do orçamento operacional da cidade, que vai influenciar desde a melhoria (ou não) do TTC até questões como moradia e segurança pública, e esse é o tema de Camila Garcia. Temos também o esplêndido texto de Eduardo Affonso e a otimista crônica de Cristiano de Oliveira – aliás, parabéns para quem fez aniversário no último dia 29 de fevereiro. O antropólogo Rodrigo Toniol conta sobre o surgimento dos evangélicos no Brasil, Ana Paula Buttelli dá mais uma ótima dica sustentável, André e Rodolfo refletem sobre nossas escolhas políticas, e o historiador André Sena conta sobre quando D. Pedro II visitou o Canadá. Essa edição está imperdível. Editor-chefe: Alexandre Dias Ramos Revisor: Eduardo Castanhos Fotógrafos: Antonio Wolff, Daniel Stanford, John H. Noverre, Kazuo Okubo, Neena Channan, Renaud Philippe, Samuel J. Mason Colunistas: André Oliveira, Camila Garcia, Cristiano de Oliveira, José Francisco Schuster, Rodolfo Marques, Rodrigo Toniol Colaboradores dessa edição: Ana Paula Buttelli, André Sena, Eduardo Affonso, Fabio Ludesi, Mari Belham, Valf, Weibo & Will Leite Agradecimento especial para: Emanoella Leite Agências, fontes e parceiros: Agência Getty Images, Baldwin Collection, Biblioteca Nacional, Câmara de Comércio Brasil-Canadá, ideias&efeito, Roy Export Company, Toronto City, Toronto Reference Library, Wisebox Conselho editorial: Camila Garcia, Cristina Tozzi, Nilson Peixoto & Rosana Entler © Jornal de Toronto. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de qualquer trecho desta edição sem a prévia autorização do jornal. O Jornal de Toronto não é responsável pelas opiniões e conteúdos dos anúncios publicados. Circulação: O Jornal de Toronto é mensal e distribuído em Toronto, Mississauga, Oakville e Montreal. Contato: info@jornaldetoronto.ca Subscription: $0.50/cada, $50.00/ano Siga nossa página no Facebook, Twitter, Instagram e matérias complementares, durante todo o mês, em nosso site: www.jornaldetoronto.ca Edição #31, ano #3, março 2020 ISSN 2560-7855

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Aniversários em tempos de cólera

fabio ludesi

Cristiano de Oliveira Uma lembrança esquisita de infância que eu tenho era da cara de fracasso do coleguinha que virava pra todos e dizia, “pior sou eu, que faço aniversário no dia do Natal”. Na mesma hora, reconhecia-se um cara que, guardadas as proporções que nossa confortável bolha nos proporcionava, vivia um nível diferente e raro de lascação pessoal: ele poderia obter as melhores notas, o pai poderia ser piloto de corrida, a mãe poderia ser dona de uma rede de fliperamas... mas de nada adiantaria. No momento em que botou o pé pra fora do útero, o pequeno coleguinha foi condenado a ganhar só um presente por ano. Que pais ruins eram aqueles que encomendavam filho em março pra nascer no Natal? No meio da quaresma, senhoras e senhores. Vejam a que ponto chegou a depravação da sociedade. O tempo vai passando e isso deixa de ter qualquer importância, afinal, de que adianta ganhar dois presentes por ano se os dois serão roupas? É chegado aquele

Tatuagem

momento da vida em que o cidadão vai só virar pros colegas e dizer simplesmente “pois é, meu aniversário é no dia do Natal”. A reação do resto do povo não passará de uma risadinha, que interessante, amigo, veja só você... no máximo um gaiato vai perguntar se ele é o homem de Nazaré e quanto ele quer pra andar sobre as águas de uma piscina Regan. Fora isso, morreu o assunto.

Éééé mas a hora de todo mundo chega. Eu, ser egoísta e ruim que só, nunca me coloquei no lugar dessas figuras, só ouvia as histórias com curiosidade e não me oferecia em momento algum pra levar dois presentes na festa de aniversário do coleguinha que sofria de eclosão natalina. Se bem que eu fazia uma pequena ideia, pois não nasci em época de plena paz também não. Meu aniversário às vezes caía no Carnaval, mas ora, isso não é nada. Tudo bem, às vezes não tinha como dar festinha porque estavam todos viajando, ou as pessoas às vezes se animavam

tribal _ Will Tirando

com as festividades e tacavam farinha... mas e daí? Desde que o povo se lembrasse de tirar a farinha do saco antes de tacar, estava tudo em paz. O problema foi ter vindo pro Canadá, e descobrir que meu aniversário caía no Dia dos Namorados. Aí, jovens do meu Brasil, a casa caiu. No começo era tranquilo, todo mundo novinho, todo mundo solteiro, então não fazia diferença, mas o tempo vai passando e todo mundo vai se arrumando pra não encarar frio sozinho. Aí acabou festa e comemoração. Você pode até dar cerveja de graça que os casais não aparecerão. Mas não tem problema, certo? Basta entrar na onda e namorar também, saindo só mesmo pra um jantar simples de celebração... Rá! Vá sonhando. Se não fizer reserva com dois meses de antecedência, esqueça. Você chega ao restaurante e dorme na fila. Quando se senta,

as mesas são tão coladas que qualquer movimento pra pegar o celular no bolso pode ser interpretado como assédio sexual por tentativa de fazer glu-glu na perna do vizinho. Um frio medonho, e os restaurantes ainda lhe dizem que o tempo máximo de estada é uma hora. Então você escolhe tudo rápido, pede vinho Chapinha que é o único que vende meia garrafa, pois não dá tempo de tomar uma inteira, come qualquer coisa, e se quiser cantar parabéns, que seja em 78 rotações, tipo disco de historinha. E quer saber da maior? Ó a infância aí voltando pra cobrar os atrasados: você ganha um presente só, e achando bom que ainda arrumou alguém que te aguenta. Adeus, cinco letras que choram.

Cristiano de Oliveira é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Famigerado colunista de jornal em Toronto há mais de 15 anos. É um grande cronista do samba e das letras.


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Exposição Olhares Cruzados chega em Toronto e promove troca cultural entre canadenses e brasileiros Câmara de Comércio Brasil-Canadá _ ideias&efeito A Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC) inaugura mais uma exposição fotográfica do projeto Olhares Cruzados em solo canadense. A iniciativa, que teve início em 2014, busca levar ao público a experiência de “intercâmbio” de ideias, com base na troca de vivências entre dois fotógrafos profissionais: um canadense, que é convidado a registrar sua visão de uma cidade específica no Brasil, enquanto a cidade escolhida no Canadá recebe um artista brasileiro. O resultado são registros recheados de perspectiva e sensibilidade, que são compartilhados em um livro e exposições itinerantes entre os dois países. Para Paulo de Castro Reis, diretor de Relações Institucionais da CCBC, incentivar a cultura vai ao encontro com a proposta da organização de colocar um país no ra-

Quebec, sob a visão do fotógrafo brasileiro Antonio Wolff.

Curitiba, sob a visão do fotógrafo canadense Renaud Philippe.

dar do outro, promovendo assim conhecimento e interesse em ambos. “Brasil e Canadá são países relativamente jovens, formados a partir da constante incorporação de povos, culturas e referências. Por apresentarem similaridades, nada melhor do que fotografias para evidenciar a relação. Além

para o Museu Oscar Niemayer, com a proposta de apresentar a troca de olhares entre as cidades de Curitiba e Quebec City. As imagens mostradas em Toronto são fruto de uma seleção especial de todas as edições anteriores do projeto: São Paulo-Montreal; Florianópolis-Vancouver; Brasília-

disso, o que é diferente e exótico, acaba ganhando visibilidade, assim como respeito, pois de certa forma se torna conhecido para as pessoas. Esta troca de olhares é benéfica para a sociedade como um todo e provoca aproximação entre as nações”, diz Paulo. No Brasil, a mostra irá em abril

-Ottawa; Rio de Janeiro-Toronto; Curitiba-Quebec City.

A mostra Olhares Cruzados, que conta com 40 imagens do acervo da organização, estará disponível para visitação até 13 de março, de segunda a sexta, das 7am às 7pm, no First Canadian Place - 100 King St. West, em Toronto.

Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto – e, despóticas, ainda exigem acento na sílaba tônica! Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito. É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo. O inclinado e o íngreme. O irregular e o áspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pântano. O quieto e o tímido. Uma coisa é estar na ponta – outra, no vértice. Uma coisa é estar no topo – outra, no ápice. Uma coisa é ser fedido – outra é ser fétido. É fácil ser valente, mas é árduo ser intrépido. Ser artesão não é nada, perto de ser artífice. Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice. (Este último parágrafo contém algo raríssimo: proparoxítonas que rimam. Porque elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da gramática.)

Eduardo Affonso é cronista

Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas. É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo. O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido. Da mesma forma, errar é humano. Épico mesmo é cometer um equívoco.

Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto.

Escapar sem maiores traumas é escapar ileso – tem que ter classe pra escapar incólume.

As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico. Estão para as outras palavras assim como os mamíferos para os artrópodes.

O que você não conhece é só desconhecido. O que você não tem a mínima ideia do que seja – aí já é uma incógnita.

As palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às célebres.

Ao centro qualquer um chega – poucos chegam ao âmago.

valf

Se o idioma fosse um espetáculo, permaneceriam longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo.

O desejo de ser uma proparoxítona é tão atávico que mesmo os vocábulos mais básicos têm o privilégio (efêmero) de pertencer a esse círculo do vernáculo – e são chamados de oxítonos e paroxítonos. Não é o cúmulo?

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Economia O bolso da cidade

$11,59 bilhões

O orçamento aprovado é de $13,53 bilhões, dos quais $11,59 provêm dos impostos sob propriedade, complementado pelas taxas de água, coleta do lixo, estacionamentos públicos, entre outros. O comitê executivo informou ainda que 73% dos impostos são voltados à segurança pública, mobilidade e construção da cidade.

Segurança pública Toronto é considerada uma cidade segura; no entanto, de acordo com dados oficiais da prefeitura, desde 2015 a violência à mão armada está aumentando. De janeiro a novembro de 2018 foram registrados 91

homicídios, 28% a mais quando comparado com o mesmo período em 2017. Neste tópico, a opinião pública também parece estar deslocando-se para o apoio às iniciativas mais combativas ou agressivas, e que de certa forma nascem como reação ao medo e ansiedade. Dentre elas, está a contratação de 300 novos policiais e o investimento de $27,8 milhões para a segurança e proteção municipal.

Como a violência não nasce do nada, o prefeito John Tory diz ser importante trabalhar nos principais motivos pelos quais as populações mais vulneráveis – em especial os jovens – se envolvem em gangues e atividades ilegais. Foram destinados $6 milhões para financiar programas de redução da violência e a abertura de 8 novos centros de juventude dentro de bibliotecas públicas. Uma disparidade nos números que chama a atenção.

Mobilidade Não é de hoje que as discussões em torno do transporte público na cidade de Toronto estão em evidên-

$4,4 bi _ 38,2%

Impostos sobre propriedade

$2,5 bi _ 21,3%

Receita Federal e Provincial Passagens do TTC

$1,3 bi _ 11,6%

Taxas e multas de usuários

$0,9 bi _ 7,5%

Imposto sobre transf. de propriedade

$0,8 bi _ 6,9%

Outros Reservas

$0,6 bi _ 5,6% $0,5 bi _ 4,4%

Renda de investimentos

$0,3 bi _ 2,3%

Transferências sobre capital

$0,3 bi _ 2,3%

Como o dinheiro é investido

Programas socias TTC Serviços de emergência Financ. corporativo e de capital

$3,3 bi _ 28,4% $2,1 bi _ 18,5% $2 bi _ 17% $1 bi _ 8,9%

Outras operações municipais

$0,9 bi _ 8,1%

Governança & Serviços corporativos

$0,7 bi _ 6,4%

Contas corporativas

$0,7 bi _ 5,7%

Transporte

$0,4 bi _ 3,6%

Outras agências

$0,4 bi _ 3,5% fonte: tax operating budget_toronto city

cia. Enquanto ano após ano procrastina-se a construção de novas linhas de metrô ou a atualização da frota de ônibus e streetcars, a vida dos moradores que dependem desses meios de locomoção se torna mais cansa-

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tiva, estressante e instável.

Nas palavras do prefeito John Tory, “o orçamento de 2020 inclui o investimento mais significativo já feito para a atualização do sistema de trânsito na história da cidade”, com novo recurso de $9,5 milhões e fundo de $1,5 bilhões para a expansão da linha Bloor-Yonge.

Construção da cidade O aumento do imposto sob a propriedade (totalizando 4,24%) foi efetivado, e é resultado do acompanhamento da inflação junto com a adição da taxa destinada ao fundo de construção da cidade (City Building

Para os proprietários, isso significa um acréscimo de imposto em torno de $128 dólares para uma casa residencial média. De uma forma geral, o bolso da cidade está apertado, e existe uma lacuna de $77 milhões nos serviços de abrigo e assistência destinados aos refugiados. Um pedido de ajuda foi enviado ao governo federal, que ainda não se comprometeu com a verba em seu próximo orçamento federal.

Em um orçamento com capital limitado, priorizar um setor significa optar por não investir em outro. Ao se tratar de política, a gestão financeira revela muito sobre o posicionamento dos dirigentes e suas visões para o futuro da sociedade. Certas ações resultam em fraturas profundas, por onde os mais necessitados são sugados e esmagados, contribuindo para o aumento da disparidade econômica e social. Uma vez que não é possível agradar a todos, uma das únicas saídas para se quebrar esse ciclo de tapar o sol com a peneira é um investimento corajoso e concreto nos moradores da cidade e na valorização da vida.

Camila Garcia é paulista e já trabalhou com teatro, rádio, televisão e jornalismo. Sempre de olho no universo político, adora trocar suas impressões com os mais chegados, e agora com os leitores do Jornal de Toronto. Atualmente é apresentadora do programa de televisão Focus Portuguese, todos os sábados e domingos, na OMNI TV.

Paola Wortman

Conselheira e Estrategista Financeira

$69 $39 por apenas

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Fund), que este ano teve $6,6 bilhões direcionados a transporte e moradias.

Da onde vem o dinheiro

Camila Garcia Nesta época do ano, geralmente acontece a aprovação do orçamento operacional, o que para uma cidade em constante crescimento como Toronto deve acabar tirando o sono de muitos dos seus governantes. E não é sem razão, afinal, entre tantas questões que demandam atenção, decidir as principais problemáticas, e consequentemente o investimento a elas destinados, não é uma tarefa fácil.

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Cotidiano

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Comfort language, bom como comfort food José Francisco Schuster Não é só a comida: a língua materna também traz muito conforto ao falante. Esta é a minha constatação quando vejo aqui no Canadá encontros casuais entre pessoas que acabam descobrindo ter como interlocutor alguém do mesmo idioma nativo, apesar de falarem inglês fluentemente. A troca para seu primeiro idioma é automática no momento em que se dão conta, e a conversa rola muito mais leve e aprofundada do que ocorria

até então. Até, talvez, pode levar a uma amizade e a resultados mais concretos do que se o diálogo fosse totalmente em inglês. Portanto, o prazer de encontrar suas raízes iria além da alimentação. Relembrando, o termo comfort food foi criado em 1966 pelo jornal Palm Beach Boast, onde um texto afirmava que adultos muito estressados buscavam a comfort food, comidas ligadas à segurança de sua infância. Esses alimentos ativariam mecanismos de recompensa no cérebro humano que provocariam um senso tempo-

rário de prazer e relaxamento. O uso exagerado de comfort food estaria até relacionado à obesidade nos Estados Unidos, mencionaram estudos a respeito realizados posteriormente. Todavia, comfort food começou a ser inclusive oferecida como tratamento a pacientes anoréxicos. Faz sentido, pois o cheirinho do pão de queijo ao chegar em um aeroporto brasileiro ou o aroma deixado por uma churrascaria são não só incapazes de passarem despercebidos como abrem o sorriso de qualquer brasileiro. É aquele cheirinho de Brasil, de casa, de que estamos pisando em territó-

weibo

rio conhecido. Em viagem de férias para o Brasil, é inevitável que façamos refeições mais pesadas do que normalmente realizamos no Canadá, aproveitando a comida feita pela mãe, os bufês a quilo e tantas lojinhas de gostosuras. Da mesma maneira, o papo rola morno aqui no Canadá, quando um deslize de sotaque ou alguma referência traz a pergunta “Você é brasileiro?”, com o sim, parece dar um alívio, um peso sai de cima. Esquecendo do inglês, abre-se um novo mundo, com possibilidades de diálogo muito maiores. Um sentimento de cumplicidade maior permite que o assunto seja estendido muito além do que aconteceria se ficasse restrito ao inglês. Falar com alguém da mesma cultura também permite incluir

referências culturais, como trocadilhos que só existem em seu idioma nativo, citar nomes que só são conhecidos no país de origem, como “Milton” ou “Getúlio”, e mencionar itens praticamente desconhecidos de estrangeiros, como goiabada e guaraná. Assim, quando você entra em um restaurante no Brasil e a TV está ligada, a reação pode não ser muito positiva, mas, aqui no Canadá, se for em um canal brasileiro, para muitos leva a um sorriso de relaxamento, pela identificação da língua que internamente lhe faz referência, sendo, neste caso, uma boa estratégia de recepção para o negócio. Só somos nós mesmos em português; em outra língua, não somos inteiros.

Com mais de 35 anos de experiência como jornalista, José Francisco Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Foi, durante 8 anos, âncora do programa Fala Brasil e do programa Noites da CHIN - Brasil, ambos em Toronto.

Felizmente encontramos a melhor marca brasileira de Pão de Queijo aqui no Canadá, em inúmeros pontos de vendas.

Nova cidade, novos costumes Mari Belham é jornalista Quando você chega em um novo país, às vezes é difícil deixar alguns costumes para trás. Mas, mais difícil do que parar de fazer algumas coisas, também é difícil fazer coisas diferentes. Se você chegou em Toronto tem pouco tempo, aqui está uma pequena lista de dicas sobre costumes canadenses:

1. Se você visitar a casa de um canadense, tire os sapatos.

2. Segure a porta depois que você

eles, nem dar comida para os entrar para a pessoa atrás de você. guaxinins.

3. Diga “Sorry”, mesmo se você não tem certeza se esbarrou ou encostou na pessoa. 4.

É bem comum agradecer o motorista de ônibus.

5. Falando em pegar o ônibus na

cidade, o TTC não dá troco! Só dinheiro trocado.

6. Os esquilos na cidade podem até ser fofos, porém, não é recomendado dar comida para

7.

A maneira norte-americana de conversar é bem diferente da brasileira. Enquanto o brasileiro é bem mais dinâmico, e até nos interrompemos com uma certa frequência, fazer isso em Toronto é considerado bem rude.

8.

Dependendo da cidade de onde você veio, lojas e shoppings ficam abertos até tarde. Em Toronto, lojas de rua fecham mais cedo, às 6pm. Shoppings ficam abertos

até mais tarde, 9pm. Isso acontece porque o “fim do dia” é considerado às 6pm – quando as pessoas já estão em casa, jantando.

9. Falando em lojas fechando cedo, a hora do rush também é mais cedo. Espere um tráfego mais pesado começando às 4:30pm.

10. Finalmente, seja pontual! No Brasil, se uma festa começa às 5pm, ela realmente começa às 7pm. Em Toronto não. Estar atrasado é considerado rude. Se acontecer, apenas fale que o TTC atrasou, que todo mundo entende.


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Quem são os evangélicos? Rodrigo Toniol Em 2002 o Brasil comemorava a vitória do pentacampeonato mundial quando assistiu pela televisão uma cena emblemática. Kaká, o mais jovem daquele time e ainda uma promessa, era carregado pelos companheiros, erguendo a taça e vestindo uma camiseta branca com os dizeres “I belong to Jesus”. A ocasião levaria a FIFA a regulamentar manifestações religiosas em seus campeonatos. Mais importante ainda, a cena destoava do perfil dos evangélicos brasileiros. A imagem de Kaká contrastava com aquela mais difundida do “crente” de cabelos longos e saia comprida. O fato colocava diante dos olhos do mundo que o universo evangélico brasileiro não apenas crescia como também se diversificava. Mas afinal, quem são os evangélicos no Brasil? Apesar de algumas variações,

há certo consenso sobre a existência de quatro ondas históricas que marcam a trajetória desse grupo no Brasil. A presença inicial dos evangélicos ocorreu juntamente com a chegada dos imigrantes europeus, sobretudo alemães, no sul e sudeste do país. Ainda que pontualmente seja possível identificar um caso ou outro de luteranos e anglicanos desembarcando no Brasil no início do século XVIII, foi somente a partir de 1824 que esses grupos se estabeleceram massivamente no país. Tratava-se, no entanto, de uma religião de comunidade, restrita às colônias europeias. Foi no início do século XX que esse quadro foi alterado. Em 1910, a Congregação Cristã foi fundada em São Paulo pelo italiano Luigi Francescon, migrado dos Estados Unidos; e em 1911

Dica sustentável Ana Paula Buttelli é jornalista Na correria do dia a dia nem sempre dá tempo de preparar a marmita da semana em casa. A opção mais prática é comer fora. Tem muita gente que escolhe o takeout. Mas aí quando você se dá conta do impacto ambiental de tanta embalagem plástica jogada fora, bate um remorso danado – ainda mais sabendo que o plástico preto, usado para a maioria das refeições prontas, não é reciclado em Toronto. A partir de agora temos uma alternativa sustentável. É um programa piloto de embalagem reutilizável que, por enquanto, tem parceria com quinze restaurantes e cafeterias da cidade. Vai funcionar assim: o cliente que comprar a comida para levar pode alugar o recipiente por $5 e depois é só devolver em qualquer local participante e receber o valor do depósito de volta ou apenas trocar por outro quando comprar comida de novo.

agência getty images

dois suecos fundaram, em Belém do Pará, a Assembleia de Deus – a maior igreja evangélica do país. Juntas, essas duas igrejas foram dominantes até a década de 1940. Tinham como característica um forte anticatolicismo e o estímulo a uma vida consagrada, longe de tentações mundanas. No plano teológico, enfatizavam a relação com o Espírito Santo e o dom de falar em línguas. A terceira onda começou no início dos anos de 1950 e rapidamente se espalhou pelo país, fragmentando-se em muitas igrejas. Entre elas, três se consolidaram com destaque, a Igreja do Evangelho Quadrangular, criada nos Estados Unidos e importada para o Brasil em 1951; a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo, fundada em 1955, pela primeira vez por obra de um brasileiro; e a Igreja Pentecostal

Deus é Amor, criada em 1962, pelo também brasileiro David Miranda. Todas elas têm como traço comum a ênfase teológica na libertação dos espíritos e a cura de enfermidades; além de terem sido pioneiras no uso intensivo do rádio como veículo de pregação. Por fim, a quarta onda, que se consolidou na década de 1970 e cujo principal expoente é a Igreja Universal do Reino de Deus. Sua forma de atuação foi replicada por outras igrejas posteriores a ela: ênfase na prosperidade da vida mundana, testemunhos de conversão, libertação do mal e extenso uso da televisão como meio de evangelização. Se, por um lado, o Brasil é cada vez mais evangélico, por outro, o universo evangélico é cada vez mais brasileiro e diverso.

Rodrigo Toniol é doutor em antropologia e professor da Unicamp, tendo realizado estudos de pós-doutorado na Universidade de Utrecht (Holanda); foi também pesquisadorvisitante nos Estados Unidos e México. Suas pesquisas e publicações estão principalmente relacionadas com os temas de religião, saúde e ciência. wisebox

As idealizadoras do Wisebox, Erika Reyes e Beth Szurpicki, afirmam que se 1% dos moradores utilizarem este programa, pelo menos uma vez por semana durante o ano inteiro, será possível eliminar mais de um milhão de descartáveis anualmente. O maior incentivo para os consumidores que fizerem parte do programa de fidelidade é o desconto de até 15% em cada comida servida na embalagem reutilizável. A segunda etapa do projeto será em junho e terá melhorias de acordo com a experiência dos consumidores. É uma mudança de hábito que vai trazer benefícios para todos. Saiba mais em wisebox.ca e apoie esta iniciativa a fim reduzir o desperdício e ajudar o planeta.


Política

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O povo pode errar em suas escolhas políticas? André Oliveira & Rodolfo Marques

História &

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Charles Chaplin no filme O Grande Ditador, de 1940.

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“Flashes da História Canadense”

O povo pode errar em suas escolhas políticas? O filósofo Karl Popper sustentava que sim, embora ponderasse que o povo era guiado frequentemente por interesses mais generosos do que os governantes. O caso mais emblemático de escolha popular equivocada foi, certamente, o da chegada de Hitler ao poder pela via democrática, em 1933. Hoje, líderes populistas – como o turco Recep Erdogan e o húngaro Viktor Orbán – evocam o argumento de que representam a vontade da maioria, não raro, de toda nação. Ainda que sejam muito popula-

res, governantes precisam ter seus poderes contidos; afinal, como lembra James Madison no Papel Federalista nº 51, “se fossem os anjos a governar os homens, não seriam necessários controles externos nem internos sobre o governo”. A fórmula madisoniana nega que a natureza humana seja angelical e, como remédio, prescreve o fortalecimento das instituições contramajoritárias para conter os excessos – ou tentativas de usurpação – dos governantes. Não por acaso, governantes populistas tentam capturar ou desacreditar o Poder Judiciário e outras instituições de controle, removendo os mecanismos institucionais que freiam

os apetites imoderados pelo poder. Na Venezuela chavista, o governo retirou toda autonomia das instituições de controle, convertendo o país em uma mal disfarçada ditadura, bem como em um dos mais corruptos do planeta, de acordo com relatório de 2019 da Transparência Internacional. Sem controles sobre o governo, a corrupção entra por uma porta e a transparência sai por outra. As instituições organizadas sob o arranjo madisoniano apresentam a vantagem de ter passado pelo teste da história, embora não sejam infalíveis. Podem corrigir ou, quando menos, mitigar más escolhas populares.

André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

Do sul ao norte: a viagem de D. Pedro II a Toronto de 1876 André Sena é doutor em

História Política pela UERJ

O Império do Brasil, que durou de 1822 a 1889, entrava em uma fase histórica importante e complexa na década de 1870. Um novo partido político era fundado e reconfigurava a cena política brasileira: o partido Republicano. Fundado por Quintino Bocaiúva, o manifesto do partido declarava: “Somos da América, queremos ser americanos!”. Pedro II recebeu a onda republicana brasileira sem maiores desconfortos. Em 1876 ele decidiu comemorar em solo norte-americano o centenário da Independência dos Estados Unidos, a convite do presidente Ulysses Grant, consolidando a presença diplomática brasileira na região, algo que havia sido iniciado desde 1850 pelo Barão de Penedo, um dos mais importantes diplomatas brasileiros. O interesse do Imperador por uma possível visita ao Canadá era evidente e também representava um gesto estratégico do Brasil.

14 anos antes da viagem de Pedro II a Ontário, o Brasil havia se envolvido em um incidente gravíssimo com o Império Britânico: a famosa Questão Christie. Pisar em solo canadense em 1876 era um gesto político essencial, que aprofundava a posição brasileira diante de Londres. Afinal, o Canadá visitado por Pedro II em 1876 havia proclamado a União de 1867, fundando o Dominion of Canada e se tornando mais forte e autodeterminado. Com um profundo conhecimento da etnografia canadense, Pedro II visitou um dos berços da civilização Anashinabe (cuja língua hoje faz parte do cerimonial de Estado do Canadá), ao explorar a Manitou Island, localizada próximo ao Lago Huron. Além disso, há uma célebre foto do Imperador e sua comitiva em Niagara Falls, preservada no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Essa foto confirma também o interesse científico da expedição brasileira ao Canadá. O Imperador também deixou registrado em seu

diário de viagem sua visita a Brockville, onde os rebeldes canadenses de 1837 se refugiaram, quando estourou a grande insurgência contra o poder dos ingleses. Liderados pelo franco-canadense Louis-Joseph Papineau, os insurgentes de 1837 acabaram abrindo caminho para o Union Act de 1867, que ainda comemoramos até hoje por aqui. Visitando Toronto, Pedro II assinala a relação tensa entre o Canadá e os EUA, onde as sequelas da Guerra de 1812 ainda se faziam presentes. Com a palavra, o Imperador: “Esqueci-me de dizer que numa praça de Toronto em Queen’s Garden há uma bonita fonte de mármore com peças tomadas aos americanos; desforra das do monumento de Jackson no Lafayette-Park em Washington”. A Toronto de 1876 que Pedro II visitou era uma cidade que começava a desfrutar de uma explosão econômica e comercial sem precedentes na sua história. Certamente o Imperador do Brasil viu as famosas Commerce Houses da Yonge Street, rua já con-

D. Pedro II, Tereza Cristina Maria e comitiva em Niagara Falls, em 1876.

siderada histórica naquele tempo. Lugares que ele visitou nós ainda podemos ver de perto: Osgoode Hall, o Distillery District, Knox e University College estão entre eles. Um outro aspecto que provavelmente impactou Pedro II foi o fato de Toron-

to ser um aquecido centro de atividades do movimento operário canadense. Quando ele esteve aqui, em 1876, faziam apenas 4 anos em que estourara o 9 Hours Movement, que pressionou Ottawa por melhores condições de trabalho, levando a fundação da famosa Cana-

samuel j. mason

dian Labour Union. O Brasil caminhava na direção de mudanças igualmente radicais. Com efeito, Toronto marcou Pedro II, assim como hoje ainda marca e impressiona a todos nós que vivemos nessa cidade fascinante.


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