Jornal de Toronto #28

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Jornall de Toronto

Turistando no Brasil

Um olhar para o empreendedorismo imigrante brasileiro no Canadá

Quem não quer? Mas quase caí para trás pesquisando os preços do pacote de réveillon. p. 2

Castas geladas e com espuma

O autoemprego e o empreendedorismo têm se mostrado importantes meios de avanços econômicos. O empreendedor imigrante organiza sua atuação a depender da determinação do seu público-alvo, da mão de obra, do acesso ao crédito etc. p. 4

Houve um tempo em que o copo de cerveja foi testemunha ocular de grandes encontros, discussões e planejamentos. Em torno de ...

valf

edição # 28 | ano # 3 | novembro 2019 | www.jornaldetoronto.ca | info@jornaldetoronto.ca | ISSN 2560-7855

Justin Trudeau reeleito e a nova dinâmica da democracia no Canadá

Resultado das Eleições Federais 2019 / Assentos:

Alberta 33 1

Conservatives 121

Yves-François Blanchet

Bloc Québécois 32

Maxime Bernier Nunavut 1

Manitoba 7 4 Saskatch. 3 14

Green Party

3

Independent

1

People’s Party

0

Um cheiro de Jânio no ar

Quebec 35 32 10 1

p. 5

PEI 4

NB 6 Nova Scotia 3 10 1 1

butação dos “ultra-ricos”. Essa aliança poderá trazer benefícios e avanços na área social. p. 5

6 dúvidas sobre intolerância à lactose Muito se fala sobre intolerância à lactose. Várias pessoas não conseguem digerir bem os alimentos que contêm a substância. Nós conversamos com a nutricionista Marise Bandeira, que esclareceu seis dúvidas sobre o assunto. p. 7

O edifício invisível

p. 6

Atuamos nas áreas de Direito Empresarial, Trabalhista, de Família, Testamentário, Sucessório, Imobiliário, Criminal e Civil

24

Newfoundland and Labrador 6 1 Ontario 79 36 6

157

NDP

Jody Wilson-Raybould

gressistas – como por exemplo o NDP, que pretende avançar a sua agenda em seis pastas principais: mudanças climáticas, acesso a medicamentos, empréstimos estudantis sem juros, contas de celular, moradias acessíveis e tri-

Nosso cartunista Will Tirando ganha o 310 HQMIX 2019! p. 3

Andrew Scheer

Elizabeth May

Northwest Territories 1

Em 21 de outubro de 2019, Justin Trudeau foi reeleito primeiro-ministro do Canadá, dessa vez, em condições de governo muito diferentes do seu primeiro mandato, iniciado em 2015. O partido liberal formou um governo minoritário, o que exigirá do seu líder jogo de cintura, paciência e muita capacidade de negociação. Por outro lado, para os liberais esse momento também significa a oportunidade de aprender a ouvir e ceder, ao trabalhar em parceira com outros partidos pro-

Liberals

Jagmeet Singh

Yukon 1

BC 17 11 11 2 1

Justin Trudeau

... uma cerveja, discutia-se o futuro, a política, os empreendimentos; nasciam grandes ideias e também aquelas cuja grandeza só durava até a ressaca passar; forjavam-se amizades, recordava-se o passado. A cerveja era o combustível da discussão. p. 3

fabio ludesi

Uma teoria nova

por Machado de Assis

p. 4

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Editorial Peraí que dá. É por pouco que as coisas não desandam, e é preciso ver como cada pequena ação conta. Nesse mundo maluco, vence quem prestar atenção.

Escapamos dos Conservadores por pouco e vimos o Bloc Québécois crescer, mas agora, com o governo Trudeau minoritário, partidos como o NDP e Verde serão mais ouvidos, e isso beneficiará a todos nós imigrantes. Férias pro Brasil pela hora da morte?, sempre tem um jeito, aqui ou lá. Cerveja gelada pra jogar conversa fora?, depende da marca. Um olhar sobre o empreendedorismo brasileiro no Canadá. Tire seis dúvidas sobre intolerância à lactose. E relembre, dependendo da tolerância, os tempos de Jânio Quadros, e seu mundo alienado. Tudo meio junto e separado, no fundo somos todos alienistas.

E nosso cartunista Will Leite ganhou o 310 HQMIX 2019. Parabéns, Will!

Em nossa penúltima edição do ano, o Jornal de Toronto continua sendo seu oásis de reflexão mensal – e o nosso contínuo prazer em compartilhar conteúdo com vocês. Como disse, toda pequena ação conta. Editor-chefe: Alexandre Dias Ramos Revisor: Eduardo Castanhos Fotógrafos: Gabriela Paixão, Luiza Sobral & Sonja Paetow Colunistas: Camila Garcia, Cristiano de Oliveira, José Francisco Schuster, Luiza Sobral & Rodrigo Toniol Colaboradores dessa edição: Ana Paula Buttelli, Fabio Ludesi, Fabrício Santana, Machado de Assis, Marise Bandeira, Michel Mott Machado, Valf & Will Leite Agradecimento especial para: Mariane Arruda de Oliveira Agências, fontes e parceiros: CHIN Radio, Mary's Brigadeiro Conselho editorial: Camila Garcia, Cristina Tozzi, Nilson Peixoto & Rosana Entler © Jornal de Toronto. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de qualquer trecho desta edição sem a prévia autorização do jornal. O Jornal de Toronto não é responsável pelas opiniões e conteúdos dos anúncios publicados. Circulação: O Jornal de Toronto é mensal e distribuído em Toronto, Mississauga, Brampton, Oakville e Montreal. Contato: info@jornaldetoronto.ca Subscription: $0.50/cada, $50.00/ano Siga nossa página no Facebook, Twitter, Instagram e matérias complementares, durante todo o mês, em nosso site: www.jornaldetoronto.ca Edição #28, ano #3, novembro 2019 ISSN 2560-7855

Viagem

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Turistando no Brasil Luiza Sobral Imagina entrar na nova década vestido de branco, rodeado por coqueiros, em uma festa open bar. Tudo isso em frente ao mar, pé na areia, com o sorriso contagiante das pessoas alegrando o ambiente. Você está pensando no que eu estou pensando? Brasil, óbvio. Mais especificamente, esse cenário incrível de ano novo é o típico das praias mais badaladas do Nordeste. Na lista, estão: São Miguel dos Milagres, Jericoacoara, Fernando de Noronha, Trancoso, Caraíva, Espelho, entre outros. Quem não quer?

Eu quero, mas essa felicidade... só dinheiro, mesmo, compra. Quase caí para trás pesquisando os preços do pacote de réveillon na vilazinha “rústica”, “de pescadores”, de Caraíva, no sul da Bahia. Vamos lá: quarto em pousada, por noite, fica entre R$1000 e R$1500; a festa da virada, R$750. Mais passagens, que super inflam nessa época: de São Paulo à Porto Seguro, ida e volta, o melhor preço que encontrei foi R$2200. Dez dias de viagem, e lá se vão vinte mil reais a menos na sua poupança. “Ah, mas amiga, você ganha em dólar!”, são as coisas que a gente escuta dos amigos brasileiros. Sim, mas o meu salário e custo de vida aqui também condiz com a média canadense. Resumindo, gastar $6 mil dólares em férias não está fácil. A boa notícia? O Brasil fora

de época está saindo bem em conta, sim. Fui em outubro para o Rio de Janeiro, e foi maravilhoso. Água de coco no quiosque da praia: $5 reais. Combo mate + biscoito Globo: $8 reais. Café da manhã para dois em um restaurante novo e badalado em Ipanema: converteu para $27 dólares na fatura do cartão! Nada como voltar ao Canadá bronzeada, e de quebra ainda checar o internet banking e perceber que saiu tudo baratinho. A maioria das viagens de Uber saíram mais barato do que pegar o transporte público aqui! Realmente, é demais morar aqui e turistar lá.

Quando lá, vendo a sujeira das cidades e a mal educação de muitos (nem vamos comentar os problemas mais sérios, como a política, a falta de saneamento básico, saúde pública, etc.), dá aquele alívio de morar aqui.

Mesmo assim, dorzinha no coração quando chega a hora de partir. Tchau amigos, família, pessoas que me fazem feliz. Passadinha rápida na padaria para um pão francês na chapa, um pão de queijo, um sonho, uma carolina e outras coisinhas (exagerei e gastei $65 reais. Mas

luiza sobral

tudo bem, ficou só $22 dólares).

Voltando para a minha casinha, e minha cama king size com duvet confortabilíssimo, e graças a Deus o papel-toalha de muito melhor qualidade, eu estou feliz com a decisão de imigrar para cá. O Brasil sempre estará lá. Ok, a comemoração da chegada do ano 2020 só tem esse ano. Aqui estaremos congeladinhos, literalmente, e não vai dar para pular as sete ondas. Depois, sofreremos mais um pouco enquanto nossos amigos postam fotos fantasiados para o Carnaval e se divertindo no ala-la-ô.

Socorro! Ainda faltam 7 meses para o tempo esquentar aqui?!

Aiiiiiiiiiiiiii. “Alô, amiga? Me fala melhor sobre Caraíva. Vi uma casa no Espelho, fica $35 mil reais o pacote de dez dias. Mas parece que cabem 12 pessoas. É só arrumar mais 3 casais, e colocamos aquelas amigas solteiras no sofá, e acho que dá pra pagar. Além disso, já peguei o busão até a Bahia e não foi tão ruim? Vamos tentar fazer isso funcionar, please!”

Luiza Sobral é paulista de nascença, baiana de coração, e adoraria morar no Rio. Está em Toronto desde 2011, onde se certificou como jornalista. Ama escrever, principalmente sobre viagens e outras maravilhas da vida. Luiza assina a (super lida) coluna Acontece! toda semana no site do Jornal de Toronto.

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Cultura

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Cofre

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atrás do quadro _ Will Tirando

Nosso cartunista Will Tirando ganha o 310 HQMIX 2019!

Uma imagem vale mais do que mil palavras, e é com imagens que Will Leite, mais conhecido como Will Tirando, tem conquistado cada vez mais público e reconhecimento. O livro Will Tirando nº 2 foi indicado ao Troféu HQ Mix, e estava concorrendo como Melhor Publicação de Tiras de 2018. E adivinha só o que aconteceu? A cerimônia de entrega dos troféus aconteceu no SESC Pompeia, em São Paulo, e Will recebeu o prêmio das mãos de Serginho Groisman, diante de uma plateia com grandes nomes dos quadrinhos nacionais. “Eu estava nervoso como sempre, mas feliz como nunca. Um evento ines-

quecível”, disse Will, “Troféus como este vêm como um grande estímulo para que eu faça sempre o meu melhor”. O Jornal de Toronto fica muito feliz e honrado em ter esse grande artista em nossa equipe. Parabéns, Will!

Castas geladas e com espuma Cristiano de Oliveira Houve um tempo em que o copo de cerveja foi testemunha ocular de grandes encontros, discussões e planejamentos. Em torno de uma cerveja, discutia-se o futuro, a política, os empreendimentos; nasciam grandes ideias e também aquelas cuja grandeza só durava até a ressaca passar; forjavam-se amizades, recordava-se o passado. A cerveja era o combustível da discussão. Mas eis que passa o tempo, ostentar é preciso, ter assunto não é preciso, e a cerveja hoje infelizmente se torna a própria discussão. Em toda situação de cachaçalização, ou seja, confraternização que dispõe de um negocinho pra beber, havia duas opções: cerveja clara e escura. A escura era mais doce. Fim. Era tudo o que você precisava saber sobre a geladeira do bar, além de pequenas verificações, como concluir que Kaiser e Malt 90 eram um pouco mais difíceis de engolir. Mas sem preconceito, afinal toda cerveja era aceita na sociedade sem preconceito de cor, origem ou orientação amargural. Ela era o veículo de comunhão, o bem de consumo que unia democraticamente ricos e pobres em torno de um copo.

Mas a igualdade incomoda. O cara faz beicinho se tiver que beber a mesma coisa que o sujeito da casta inferior está bebendo. Ele precisa arrumar alguma coisa para separá-lo do restante, e no máximo fundar um clube de apreciadores para ter com quem conversar dentro do seu mundinho diferenciado de conhecedor supremo dos mistérios do mundo. Soma-se a isso um rastilho de veneno que já permeava o mundo das cervejas nos anos 80: os boatos. Tal cerveja agora ficou ruim, tal cerveja tá sendo fabricada ao lado de um rio onde o povo lava a roupa... Várias historinhas que desfavoreciam uma marca pra favorecer a outra. De onde saíam as histórias, eu não sei, mas as cervejas todas continuavam exatamente iguais, embora o povo jurasse que elas passavam a ter Emulsão Scott na fórmula ou coisa do gênero. A evolução desses boatos vai ao encontro dos desejos do diferenciadão: hoje o boato é que toda cerveja nacional tem milho, piolho de cobra, caruncho ou coisa que o valha, e ele usa isso para alimentar sua crença doidona de que as importadas são todas lindas e sensacionais.

fuleiro, diga-se de passagem) riu da minha cara quando eu pedi uma marquinha local das antigas – aqui é só badiuáize. A Heineken no Brasil nasceu via Kaiser e hoje é Schincariol com roupa de grife, mas o bonitão delícia de mamãe fica bravinho se você fala mal de Heineken! Você sabe que a banalidade tomou conta quando cerveja passa a ter torcida. E enxada pra capinar um quintalzinho, alguém aceita? Continuo me recusando a ser o velho babão que vive repetindo que “no meu tempo é que era bom”. Não, não era bom. Você acha que era bom porque só se lembra do bolinho da vovó e dos palitim de picolé premiado da Kibon, e sua memória apagou tudo que havia de ruim. Mas o bom é o agora. Assim sendo, que bom que hoje há opções pra todos os gostos. Que bom que há diferentes sabores e consistências, há notas amadeiradas e notas de boldo russo digeridas pela civeta da Nova Guiné... Não me oponho a nada disso. A gente só precisa saber desfrutar disso sem encher muito o saco do próximo. Adeus, cinco letras que choram.

valf

Meu irmão, brasileiro trata Budweiser como cerveja premium! O povo num samba (muito do

Cristiano de Oliveira é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Famigerado colunista de jornal em Toronto há mais de 14 anos. É um grande cronista do samba e das letras.


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Uma teoria nova Machado de Assis (1839-1908) foi o maior escritor da

literatura brasileira

Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha buscando o Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por todos os lados uma certa ideia arrojada e nova, própria a alargar as bases da psicologia. Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde era pouco para andar na rua, ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heroicos. Um dia de manhã – eram passadas três semanas –, estando Crispim Soares ocupado em temperar um medicamento, vieram dizer-lhe que o alienista o mandava chamar.

– Trata-se de negócio importante, segundo ele me disse, acrescentou o portador.

Crispim empalideceu. Que negócio importante podia ser, se não alguma notícia da comitiva, e especialmente da mulher? Porque este tópico deve ficar claramente definido, visto insistirem nele os cronistas: Crispim amava a mulher, e, desde trinta anos, nunca estiveram separados um só dia. (...). Daqui a imaginar o efeito do recado é um nada. Tão depressa ele o recebeu como abriu mão das drogas e voou à Casa Verde. Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria de um sábio, uma alegria abotoada de circunspeção

Machado de Assis.

Economia

Um olhar para o empreendedorismo imigrante brasileiro no Canadá Michel Mott Machado é pós-doutorando em Business & Society pela York University

O debate voltado à imigração tem se tornado cada vez mais relevante e presente. A grande movimentação de refugiados africanos e sírios rumo a Europa, assim como o polêmico discurso do então candidato e agora presidente dos EUA, Donald Trump, dando ênfase à “questão mexicana”, são alguns exemplos de questões que chamam a atenção. No Brasil, questões relacionadas à imigração haitiana e venezuelana também têm despertado interesse. Ademais, no recente/atual cenário brasileiro de instabilidade econômica, política, institucional e de mal-estar social, nota-se

um movimento de intensificação da emigração de brasileiros, sendo o Canadá um importante destino. Considerando-se o contexto dos fluxos migratórios internacionais, alguns estudiosos apontam o empreendedorismo como uma das formas de ascensão econômica do imigrante, bem como de grupos étnicos minoritários. No caso do Canadá, tem emergido o entendimento de que para certos grupos de imigrantes o autoemprego e o empreendedorismo têm se mostrado importantes meios de avanços econômicos. É sabido que o empreendedor imigrante organiza a sua atuação de diferentes maneiras, a

depender do nível da sua identificação com a própria comunidade étnica, da determinação do seu público-alvo, da disponibilidade de mão de obra, do acesso ao crédito etc. Assim, seja numa forma ou noutra, não é incomum a predominância de pequenos negócios associados aos imigrantes. O recente relatório do Innovation, Science and Economic Development Canada, denominado Key small business statistics – January 2019 edition, demonstra claramente a relevância que as small and medium-sized enterprises têm na economia do país, tanto no que se refere à geração de emprego e renda, quanto à participação nas exportações e no Produto Interno Bruto, entre outros indicadores. É plausível considerar, portanto, que

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até o pescoço.

– Estou muito contente, disse ele.

– Notícias do nosso povo? perguntou o boticário com a voz trêmula. O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu:

– Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante. Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.

Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois explicou compridamente a sua ideia. No conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na história e em Itaguaí mas, como um raro espírito que era, reconheceu o perigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim, apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos e pessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridículas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, o alienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa, e até acrescentou sentenciosamente: – A ferocidade, Sr. Soares, é o grotesco a sério.

– Gracioso, muito gracioso! exclamou Crispim Soares levantando as mãos ao céu. Trecho do livro O Alienista, escrito em 1882 por Machado de Assis.

gabriela paixão

os negócios dos empreendedores i m i g r a n t e s brasileiros, majoritariamente, também se inserem nesse contexto, ou seja, numa dinâmica de contribuição efetiva para o desenvolvimento do Mariane Arruda de Oliveira, em frente a sua loja na Danforth Ave, é um excepaís anfitrião. No entanto, re- lente exemplo de empreendedorismo brasileiro em Toronto. ferente ao fenômeno do empreendedorismo damento o projeto de pes- des e as estratégias locais imigrante brasileiro no Ca- quisa Brazilian Immigrant desses empreendedores? nadá, pouco se sabe até o Entrepreneurship in Toronto Instigados por estas e oumomento, para dizer o mí- – apoiado pela Fundação de tras questões, o referido nimo. Assim, ao se consi- Amparo à Pesquisa do Es- projeto procura analisar derar o aumento consisten- tado de São Paulo –, tendo o perfil sociodemográfico te da população brasileira por responsável este “escri- dos empreendedores imiimigrante nesse país, bem ba” e a instituição anfitriã, grantes brasileiros, seus como a ampla lacuna de a York University. traços comportamentais conhecimento sobre suas Afinal, quem são esses voltados ao empreendedoatividades e características empreendedores imigran- rismo, além dos perfis dos empreendedoras, consi- tes brasileiros em Toronto? negócios em si. dera-se relevante analisar Quais têm sido as atividaOxalá alcancemos nossos o assunto, a começar por des empresariais desenvol- objetivos! Toronto e região. Nesta di- vidas por eles? Quais são reção, encontra-se em an- os desafios, as oportunida-


Política Um cheiro de Jânio no ar

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Justin Trudeau reeleito e a nova dinâmica da democracia no Canadá Camila Garcia

fabio ludesi

Rodrigo Toniol Há uma poderosa imagem que nos permite descrever a repetição de ciclos na história e na política, a do pêndulo. Balançando ora para um lado, ora para outro, o pêndulo é um eterno retorno a posições marcadas, mas um retorno que não se repete, porque carrega os efeitos do movimento anterior. É por isso que cientistas políticos frequentemente usam a máxima “a novidade na política é sempre uma outra forma de repetir”. Passados 10 meses do governo Bolsonaro, é possível identificar algumas das repetições dessa “nova política” na nossa tradição. Na história mais recente dos presidentes brasileiros o atual se aproxima cada vez mais de um anterior, Jânio Quadros. Jânio era um político, de fato, diferente. Foi eleito pelo PTN, partido minúsculo e sem estrutura, com apoio de outras siglas, incluindo a UDN, partido forte que manejava a política nacional. Ao mesmo tempo,

era um crítico ostensivo dos partidos, assim como dos políticos. A vassoura, símbolo de sua campanha, servia para lembrar da intenção de varrer o país da corrupção, da “politicagem”, termo que sempre repetia. O combate à corrupção é a face mais palpável de um político cujo apelo fundamental do discurso era o moralismo. Em seus primeiros meses de governo suas ações mais celebradas e divulgadas foram a proibição por completo do uso de lança-perfume, de concursos de beleza com maiôs considerados pequenos, de jóquei que não ocorressem entre sexta e domingo e de rinhas de galo. Jogos de azar, roupas e drogas – a base de uma política típica da direita populista. Esses gestos, que pareciam seguros em direção a uma moralização do país, vinham acompanhados de um caos na condução da po-

lítica externa e econômica. Jânio era caos. Mas, para os eleitores que o defendiam, seu caos era integridade. Um homem que se mostra como ele de fato é, sem teatro. O caos era real. Mas era, também, teatro puro. Bradava em cima da retórica da perda, falava para as classes populares e para classe média que se reconheciam na ideia de que o país precisava do retorno da ordem, da previsibilidade, da segurança e da unidade. Não dizia como fazer isso, mas se valia da capacidade de expressar um sentimento difuso. Terminou seu mandato renunciando. Alegou a existência de “forças ocultas” que o teriam obrigado a tal atitude. Parece haver um cheiro de Jânio no ar. No texto do próximo mês voltarei ao Jânio e suas semelhanças com o atual presidente; até porque, foi também a partir de Jânio que religião e política ficaram cada vez mais próximas da política brasileira.

Rodrigo Toniol é doutor em antropologia e professor da Unicamp, tendo realizado estudos de pós-doutorado na Universidade de Utrecht (Holanda); foi também pesquisador-visitante nos Estados Unidos e México. Suas pesquisas e publicações estão principalmente relacionadas com os temas de religião, saúde e ciência.

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Em 21 de outubro de 2019, Justin Trudeau foi reeleito primeiro-ministro do Canadá, dessa vez, em condições de governo muito diferentes do seu primeiro mandato, iniciado em 2015. O partido liberal formou um governo minoritário, o que exigirá do seu líder jogo de cintura, paciência e muita capacidade de negociação. Atualmente, o congresso canadense é composto por 338 assentos ocupados pelos membros do parlamento (MP), onde cada um representa um distrito eleitoral no Canadá. Nesta lógica, são necessários 170 assentos para se estabelecer um governo majoritário. Os resultados dessas eleições revelam movimento na opinião e percepção dos eleitores, seja influenciado pela ascensão da direita no contexto global, seja por decepções em promessas não cumpridas e escândalos no governo Trudeau; ou ainda, preocupação com o futuro em debates sobre mudanças climáticas e acessibilidade ao sistema de saúde e moradia. Após exaustivas semanas de campanha, com os líderes dos principais partidos discordando entre si e trocando inúmeras farpas e acusações, chegar a esse desfecho significa que um novo quadro de desafios surge, e que o quanto antes Justin Trudeau for capaz de articular com os outros partidos melhor – neste contexto, cada voto faz a diferença e o cotidiano pode se transformar em um campo de batalha para aprovação de orçamentos e até menores resoluções. As coalizões podem ser realizadas pelo governo ou pela oposição de maneira formal ou informal, em uma aliança caso a caso. Essa incerteza e constante sensação de que os conservadores estarão esperando qualquer oportunidade para chamar o voto de não-confiança na House of Commons resulta em instabilidade

para o país. Historicamente, a maioria dos governos minoritários tiveram novas eleições federais após 2 anos de tomarem posse. Por outro lado, para os liberais esse momento também significa a oportunidade de aprender a ouvir e ceder, ao trabalhar em parceira com outros partidos progressistas – como por exemplo com o NDP, que pretende avançar a sua agenda em seis pastas principais: mudanças climáticas, acesso a medicamentos, empréstimos estudantis sem juros, contas de celular, moradias acessíveis e tributação dos “ultra-ricos”. Essa aliança inclinaria o governo mais para a esquerda, trazendo benefícios e avanços na área social. O líder do Bloc Québécois, Yves-François Blanchet, conseguiu reavivar e impulsionar o partido de volta ao cenário nacional, conquistando 32 cadeiras e se tornando o terceiro maior partido no congresso. De forma geral, a filosofia do partido possui dois pilares principais: separatismo e valores sociais-democratas. Entretanto, com slogans de campanha como “Quebec somos nós” (le Québec c'est nous) ou escolha um político “que é como você” (quis vous ressemblent), esses pilares foram mascarados e apresentados aos eleitores como nacionalismo, e corte de impostos e de serviços civis, e diminuição nos níveis imigratórios. Um novo sentimento separatista ameaça ressurgir e irá exigir um olhar cauteloso e apaziguador. O NDP obteve 16% do voto popular, que foram traduzidos em apenas 24 MPs, e agora devem pressionar o governo para efetivar a reforma eleitoral para um sistema de representação proporcional, prometida por Justin Trudeau em 2015. O Green Party conquis-

tou um novo assento em Atlantic Canada, e afirmou estarem abertos a trabalhar com qualquer partido que cumprir com a meta estabelecida no Acordo de Paris. Em uma disputa acirrada, Jody Wilson-Raybould garantiu a sua posição como política independente e espera encontrar um novo jeito de fazer política através de uma abordagem não partidária. Ela foi procuradora geral de Justin Trudeau, e deixou o cargo e o partido após se tornar pivô do escândalo da SNC-Lavalin. Em inúmeras situações, mesmo como independente, Jody votou com os liberais. O candidato da ultra-direita Maxime Bernier, líder do People’s Party e representante da onda populista, nacionalista e contra-estabelecimento que se espalhou pela Europa e Américas, não encontrou espaço em território canadense. De fato, a perda em seu próprio distrito eleitoral revela que visões muito conservadoras e extremadas, em especial em relação aos temas imigratórios, não condizem com a mentalidade e discernimento da maior parte dos residentes deste país. Esse empurrão é expressivo e deve dificultar o crescimento da ultra-direita no Canadá. Daqui em diante, as camadas mais jovens da população que se envolveram nestas eleições serão essenciais para os governantes. Na atual conjuntura dividida, a voz das ruas guia e sustenta alianças progressistas. O governo que se inicia deve ser pautado no diálogo com os oponentes e contato com as bases. Como primeiro-ministro, Justin Trudeau precisará desenvolver novas habilidades, viajar menos e fazer de Ottawa sua casa. Há otimismo e leveza no ar, mas só o tempo dirá se o sol irá brilhar.

Camila Garcia é paulista e já trabalhou com teatro, rádio, televisão e jornalismo. Sempre de olho no universo político, adora trocar suas impressões com os mais chegados, e agora com os leitores do Jornal de Toronto. Atualmente é apresentadora do programa de televisão Focus Portuguese, todos os sábados e domingos, na OMNI TV.


Cotidiano

O edifício invisível José Francisco Schuster Como algo com sete andares de altura pode ser invisível? Ainda mais em área nobre de uma das maiores capitais brasileiras? Por 25 anos? Pois, acreditem, isso é possível. Aconteceu com o Edifício Andrea, em Fortaleza, que desabou no último dia 15 de outubro, em um sinal de total ausência do poder público – e isso que não estamos falando de interior de estado ou área rural. Um espertalhão deve ter oferecido a venda dos 13 apartamentos em 1995 a preços muito convidativos, abaixo de mercado. “Para que papelada, é só burocracia”, deve ter argumentado. Os compradores, satisfeitos com a economia em documentação, devem ter gostado. Jeitinho brasileiro de todo lado: só há corrupto onde existe corruptor. E aí ergueu-se um edifício

sem engenheiro responsável e com material da pior qualidade. Ficou pronto e foi entregue sem escritura, habite-se, IPTU, nada. Que negócio da China, hein? Que possa haver um conluio entre picaretas inescrupulosos como esse e compradores que compactuam com a safadeza não causa mais assombro no Brasil, por incrível que pareça, já que no dia a dia há tantos casos equivalentes, apenas de menor porte. O que ainda causa espanto é a invisibilidade do edifício por mais de duas décadas aos diversos níveis de governo e às empresas prestadoras de serviços básicos, sem que houvesse uma única denúncia até o desabamento. Seria propina, simples ineficiência ou ambas? A construção de um prédio de sete andares, em local ostensivo, não é algo discreto nem rápido,

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Dica sustentável Ana Paula Buttelli é jornalista

devendo ter levado certamente mais de um ano. Durante todo este período, não passou por ali nenhuma fiscalização da Prefeitura de Fortaleza? Nem do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA)? Nem dos bombeiros? O departamento de limpeza urbana não notou um súbito aumento no volume de lixo ali recolhido? A empresa de energia elétrica não observou que toda aquela carga não poderia corresponder apenas à casa ali registrada? A empresa de água também não notou aumento de consumo, a empresa de telefonia não viu nada, a de internet também não, nenhum órgão ou banco pediu comprovante de residência, Imposto de Renda não checou. Em 25 anos, continuou a ser co-

brado o IPTU de uma residência única, sem a Prefeitura desconfiar de nada? E hoje nem precisa sair da escrivaninha para comprovar: basta a foto no Google Maps. É a ausência total e generalizada de fiscalização, é menos do que estado mínimo, é estado inexistente. E os espertos moradores, não se deram conta de que não haveria como vender os apartamentos se não fosse igualmente “de boca”, como compraram? E que uma herança iria ser uma dor-de-cabeça sem tamanho? O jeitinho brasileiro acabou deixando vítimas fatais e feridos e arruinando o patrimônio dos moradores. Se o edifício era invisível, era porque o estado, no Brasil, tornou-se invisível.

Com mais de 35 anos de experiência como jornalista, José Francisco Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Foi, durante 8 anos, âncora do programa Fala Brasil, e agora produz e apresenta o programa Noites da CHIN - Brasil, na CHIN Radio.

A temporada de frio está começando e, a partir de agora, o clima propicia algumas atividades caseiras. Receber amigos para um jantar, tomar um drink em frente a lareira, divertir-se com jogos de tabuleiro e acender velas aromatizadas fazem parte do ritual de outono-inverno.

Como ficamos mais tempo dentro de casa com calefação ligada e as janelas fechadas, temos que tomar alguns cuidados com o bem-estar e a segurança. É recomendável substituir os filtros de ar, testar e, se preciso, trocar as baterias dos detectores de fumaça e monóxido de carbono. Faça o descarte consciente levando as baterias usadas no depósito da Prefeitura mais próximo ao seu endereço. Consulte os locais, dias e horários em toronto.ca/drop-off-depot ou ligue 311.

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6 dúvidas sobre intolerância à lactose Fabrício Santana é jornalista Muito se fala sobre intolerância à lactose. Várias pessoas não conseguem digerir bem os alimentos que contêm a substância. Nós conversamos com a nutricionista Marise Bandeira, de São José do Rio Preto (SP), que esclareceu seis dúvidas sobre o assunto. 1 - O que é lactose?

Marise Bandeira - Lactose é o açú-

car do leite, que quando ingerido é quebrado em dois açúcares menores (galactose e glicose) que são absorvidos pelo intestino, alcançam a corrente sanguínea e são utilizados como fonte de energia. 2 - Como os produtos sem lactose são obtidos?

Marise - A quantidade de lactose

no produto é que vai definir se ele é livre ou não da substância. Abaixo de 100mg/100g ou ml, o produto é considerado sem lactose. De 100mg até 1g/100g ou ml,

o produto será considerado com baixo teor de lactose, sendo que sempre que a quantidade for igual ou acima de 100mg/100g ou ml o produto deverá ser considerado como tendo lactose. 3 - O que é intolerância à lactose?

Marise - Intolerância à lactose é o

nome dado à incapacidade parcial ou total de digerir o açúcar do leite e derivados. Ela ocorre quando o organismo não produz, ou produz em quantidade insuficiente, a enzima lactase, responsável pela digestão da lactose. Como consequência, a lactose chega ao intestino grosso inalterada, sendo fermentada por bactérias, formando gases e maior retenção de água no intestino, causando distensão abdominal, cólicas, diarreia, flatulência, entre outros sintomas. Existem três tipos de intolerância à lactose de causas diferentes:

• Deficiência congênita: A criança nasce sem condições de produzir lactase, sendo essa uma forma rara. • Deficiência primária: Ocorre uma diminuição natural e progressiva na produção de lactase a partir da adolescência e até o fim da vida, sendo essa a forma mais comum. • Deficiência secundária: A produção de lactase é afetada por doenças intestinais, como diarreias, síndrome do intestino irritável, doença de Crohn, doença celíaca, entre outras. Nesses casos, a intolerância pode ser temporária e desaparecer com o controle da patologia que a causou. 4 - O que é alergia à proteína do leite?

Marise - Essa alergia é uma reação

imunológica adversa que acontece após a ingestão de leite ou derivados, por menor que seja a quan-

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tidade ingerida. Ela ocorre principalmente no primeiro ano de vida. A mais comum é a alergia ao leite de vaca, que pode provocar alterações no intestino, na pele e no sistema respiratório.

Quem possui intolerância deverá evitar de acordo com o nível de intolerância, e em caso de alergia, a criança não poderá consumir leite e derivados, nem produtos que os contenham.

5 - Consumir produtos sem lactose é mais saudável?

6 - Leite sem lactose tem a mesma quantidade de cálcio que o leite com lactose?

Marise - Para quem não possui

alergia ou intolerância, consumir leite na sua forma original não causa nenhum prejuízo. Lembrando que o ideal é não consumir leite e derivados logo após a refeição, principalmente para as crianças, pois o cálcio do leite atrapalha a absorção de ferro; nem substituir a refeição por leite.

Marise - A quantidade de cálcio

é semelhante em todos os leites, integral, semidesnatado, desnatado e com baixo teor de lactose. A forma mais simples de verificar a quantidade de cálcio é observando a informação nutricional do produto.


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