Jornal de Toronto #19

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Jornal de Toronto p. 3

Garoto é atacado Protesto em frente ao Consulado de Toronto p. 5 por tubarão mas passa bem p. 6 julius sandor

Remessas do Canadá são alívio para milhares de famílias no Brasil

edição # 19 | ano # 2 | fevereiro 2019 | www.jornaldetoronto.ca | info@jornaldetoronto.ca | ISSN 2560-7855 Camila Garcia

TTC

Quando a incerteza é a única certeza

We will not go back

rafael salsa correa

Polemiz ar

Os desafios no transporte público na cidade de Toronto não são novidade. Atrasos, problemas de sinal, quedas de energia, superlotação são alguns dos contratempos que os moradores enfrentam no seu cotidiano. Qualquer pessoa que pega a linha 2 do metrô ou o ônibus na Dufferin no horário de pico, conhece de perto a situação. A província pretende tomar as rédeas deste complexo sistema, em uma proposta conhecida popularmente por “uploading”. Agora, quais serão as reais mudanças desta ação? Sem conhecer ao certo as intenções que estão por detrás e com pouca informação divulgada, a resposta não é tão simples. p. 5

por polemiz ar _ Will Tirando

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Quando a vida começa MESMO

Luiza Sobral

O ano começou para todos em janeiro, mas a minha vida nova começa mesmo agora, em fevereiro: vou virar mãe! p. 7

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Editorial É natural que todo começo de ano tenhamos expectativas sobre nosso futuro próximo. Aquela fadiga do ano anterior nos faz pensar sobre o que não desejamos mais e, por conseguinte, nos dá ideias e energia para novas resoluções. Essa edição apresenta um conjunto de matérias que, sob diferentes pontos de vista, fazem pensar sobre as expectativas que, individual ou coletivamente, esperamos do mundo a nossa volta: O trabalho árduo no Canadá, que provê algum dinheiro para famílias no Brasil, na esperança de um futuro melhor; as causas pelas quais podemos lutar para salvar nossa floresta amazônica ou para viver numa sociedade onde mulheres são respeitadas igualmente; as dúvidas sobre a administração pública que afeta nosso cotidiano; a espera por ser mãe, e todo um futuro que nasce a partir dessa nova vida... Assim como na ansiedade por ver qual o cartaz do próximo filme, cada imagem e palavra que nos deparamos desperta coisas boas e ruins para serem vividas – tudo ao mesmo tempo. Que o tempo, então, seja generoso, e que cada leitura seja um estímulo para suas novas expectativas. Editor-chefe: Alexandre Dias Ramos Gerente de mídia social: Luiza Sobral Revisor: Eduardo Castanhos Fotógrafos: Adriano Ferreira, Chanzj, Cristina Tozzi, Julius Sandor & Rafael Salsa Correa Colunistas: Camila Garcia, Cristiano de Oliveira, José Francisco Schuster & Luiza Sobral Colaboradores dessa edição: Mo Markham, Rosana Entler, Valf & Will Leite Agradecimento especial para: Adriana Barros Agências, fontes e parceiros: CHIN Radio, CIUT Radio, Extinction Rebellion, Toronto Climate Save Conselho editorial: Camila Garcia, Nilson Peixoto, Rosana Entler & Sonia Cintra © Jornal de Toronto. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de qualquer trecho desta edição sem a prévia autorização do jornal. O Jornal de Toronto não é responsável pelas opiniões e conteúdos dos anúncios publicados. Circulação: O Jornal de Toronto é mensal e distribuído em Toronto, Mississauga, Oakville, Montreal e Calgary. Contato: info@jornaldetoronto.ca Subscription: $0.50/cada, $50.00/ano Siga nossa página no Facebook, Twitter, Instagram e matérias complementares, durante todo o mês, em nosso site: www.jornaldetoronto.ca Edição #19, ano #2, fevereiro 2019 ISSN 2560-7855

Economia

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Remessas do Canadá são alívio para milhares de famílias no Brasil

chanzj

Milhares de trabalhadores brasileiros vêm ao Canadá para dar uma vida melhor para suas famílias no Brasil.

José Francisco Schuster As grandes dificuldades e os riscos que envolvem emigrar fazem com que muitas vezes seja uma aventura solitária, que tanto pode ser de um jovem solteiro como de um pai de família que vai adiante, preparando o terreno para que a chegada a uma nova terra não seja ainda mais dura. Enquanto a família não se reúne – se é que algum dia conseguirá fazer isso –, há uma rotina mensal, tanto entre migrantes documentados como indocumentados, de enviar dinheiro para manter esposa, filhos, pais e outros parentes, através de casas especializadas em remessas. Segundo a ONU, são mais de 200 milhões de trabalhadores imigrantes ajudando cerca de 800 milhões de pessoas. Em 2017, foram enviados US$450 bilhões, sendo US$2,74 bilhões para o Brasil. Nada que afete a economia dos países que acolhem os imigrantes, já que é

remetido apenas 15%, em média, da renda do trabalhador (embora alguns mandem mais da metade do que ganham), com as remessas representando somente 1% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países de origem. Para quem está na outra ponta, porém, representa muito dinheiro: mesmo pequenas somas de US$200 a US$300 chegam a significar 60% da renda da família que recebe, o que tem um grande impacto, não só nas suas vidas como até na economia de suas comunidades – afinal, as remessas representam mais do que o triplo do que é enviado como assistência oficial para países em desenvolvimento. Por isso, quem manda o faz sempre com um sorriso, não com a visão negativa que se tem das contas a pagar. É uma satisfação para o emigrante ao menos oferecer apoio material à sua família, que está privada de sua presença física. Nada melhor

do que ver a foto na internet do seu filho com o material escolar em dia, com uma bola nova, e saber que não falta pão na mesa dele. É possível que a satisfação de enviar seja o motivo pelo qual 78% dos brasileiros no exterior o fazem com periodicidade. Além de ajudar a família, outros objetivos são investimentos como poupança (ou para empreender ao regressar), pagamento de dívidas (que podem ser referentes à própria emigração), aquisição ou reforma de imóveis, e até ajuda a entidades. O que seria de Governador Valadares e Ipatinga, cidades com notória emigração, se não fosse o dinheiro que recebem do exterior? De onde vêm sua prosperidade bem acima da média brasileira? Em países menores, as

remessas de emigrantes chegam a ter peso no próprio PIB: no Tajiquistão as remessas representam quase metade do PIB, e até mesmo para Portugal é um volume que faz diferença na economia. A quantidade de dinheiro que os imigrantes enviaram para suas famílias em países em desenvolvimento cresceu 51% durante os últimos dez anos, permitindo que milhões de pessoas saíssem da pobreza, indicou relatório apresentado pela ONU. É preciso eliminar, portanto, o preconceito contra as remessas feitas pelos imigrantes para seus países de origem. É um dinheiro suado, carregado da emoção que a distância provoca, mas que traz a recompensa da missão cumprida.

Com mais de 35 anos de experiência como jornalista, José Francisco Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Foi, durante 8 anos, âncora do programa Fala Brasil, e agora produz e apresenta o programa Noites da CHIN - Brasil, na CHIN Radio.


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Política

TTC

Protesto em frente ao Consulado de Toronto marca primeiro dia de mandato Mo Markham é ativista Mais de 50 pessoas protestaram em frente ao Consulado-Geral do Brasil em Toronto, no dia 1 de janeiro, contra a posse do novo presidente Jair Bolsonaro. O grupo Toronto Climate Save, parte do Climate Save Movement, organizou o evento juntamente com o Extinction Rebellion e outros grupos. Uma dezena de outras cidades no mundo também protestaram simultaneamente, incluindo Melbourne, Oslo e Ottawa. Bolsonaro tem se apresentado como uma pessoa racista, homofóbica e sexista, e se referiu à mudança climática do planeta como

"fábulas da estufa". Ele planeja liberar a Amazônia para mineração, criação de gado e cultivo de soja para alimentação animal. Vinte por cento do oxigênio que utilizamos vem da Amazônia, e suas árvores absorvem grande parte do monóxido de carbono da atmosfera – cerca de 600 milhões de toneladas métricas de poluição anualmente. O grupo Climate Save acredita que deve fazer o máximo que puder para parar o presidente brasileiro. As políticas de Bolsonaro poderão causar mudanças climáticas catastróficas. As ações de uma só pessoa poderão nos colocar numa situação fora de controle. O Save Movement está planejando uma série de Ações Emergenciais pela Amazô-

nia, incluindo uma petição online. Durante o protesto em Toronto, em meio a discursos e ao som de tambores, uma encenação foi dramatizada: manifestantes bloquearam o cruzamento das ruas Bay e Bloor St. – um dos cruzamentos mais movimentados da cidade –, onde alguns deles fingiram-se de mortos no chão, frente a cartazes que diziam "Vire Vegano ou Morreremos". Também foram distribuídos panfletos aos pedestres com o apelo de que as pessoas se inscrevam no Veganuary e experimentem ser veganos durante um mês (e quem sabe até por mais tempo). Tradução: Adriana Barros

We will not go back

Rosana Entler

Os alertas de frio extremo circulavam desde o dia anterior, mas mesmo sob a sensação térmica de -21 graus centígrados (e acreditem essa era mesmo a sensação térmica), centenas de mulheres se reuniram, no dia 19 de janeiro, em frente à prefeitura de Toronto, para deixar claro que retrocessos não serão aceitos e que a luta seguirá em frente. O movimento Women March On: Toronto foi criado em 2017 em solidariedade ao movimento organizado nos Estados Unidos,

que ficou conhecido como #MeToo. Este ano, a marcha trouxe uma agenda bem mais local: denunciar o posicionamento do governo da província de Ontário em relação aos direitos adquiridos antes do início da atual gestão, cortes de financiamento governamental no sistema de saúde, retrocesso do currículo de educação sexual nas escolas, bem como ataques aos direitos civis evidentes na gestão Ford. Os discursos nos transportaram para um tempo não muito distante, quando o desaparecimento de

cristina tozzi

mulheres e adolescentes indígenas não chegavam às nossas timelines, ou quando consentimento nem fazia parte dos diálogos sobre relacionamentos. Triste é o fato de que, em pleno século 21, ainda tenhamos de lutar pela igualdade de direitos e oportunidades, de explicar que nós mulheres somos sim donas de nossos próprios corpos. De qualquer maneira, juntamos todos os nossos motivos, individuais e coletivos, e marchamos sob frio e muita neve com uma certeza única: We will not go back.

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Quando a incerteza é a única certeza

rafael salsa correa

Camila Garcia Os desafios no transporte público na cidade de Toronto não são novidade. Atrasos, problemas de sinal, quedas de energia, superlotação são alguns dos contratempos que os moradores de Toronto enfrentam no seu cotidiano. Qualquer pessoa que pega a linha 2 do metrô ou o ônibus na Dufferin no horário de pico conhece de perto a situação. Eleição após eleição, a linha de alívio no centro de Toronto, a expansão da rede de metrô para regiões mais afastadas, como Scarborough, ou projetos de melhorias nas estações existentes são propostas levantadas, mas que acabam no papel. Toronto Transit Commission (TTC) é o transporte público mais utilizado em todo o Canadá e o terceiro na América do Norte. Milhares de passageiros viajam todos os dias no sistema integrado de trânsito, seja ele no metrô, ônibus, streetcar/LRT ou ainda nas conexões com outras cidades, através do Go Transit. Na primavera, a província pretende introduzir legislação para tomar as rédeas deste complexo sistema, em uma proposta conhecida popularmente por “uploading”. Agora, quais serão as reais mudanças desta ação? Sem conhecer ao certo as intenções que estão por detrás e com pouca informação divulgada, a resposta não é tão simples. No recente debate sobre o assunto, alguns pontos chamam a atenção: O prefeito e os vereadores de Toronto não possuem peso na decisão Se, de fato, a província seguir adiante com a reso-

lução de se responsabilizar pelo planejamento e expansão de toda a rede de transporte público, não há nada que o prefeito e os vereadores possam fazer para impedir esta e qualquer outra ação. Isso significa que, se por ventura, o desejo de Doug Ford for incompatível com as necessidades reais da cidade, nossos problemas continuarão os mesmos. Apesar da província possuir mais flexibilidade para angariar fundos e investimentos, a cidade de Toronto poderia acabar tendo que arcar com os custos relacionados à operação e manutenção desses futuros recursos, que pouco servem à população. Parcerias com construtoras privadas O entendimento de que empresas privadas assumem a construção de novas estações de metrô, aparentemente separando o sistema integrado que conhecemos hoje e tirando a autonomia da cidade, ao mesmo tempo que ganham os direitos do espaço aéreo para a construção de novos prédios. Muitas das vezes, abrir a porta para a privatização significa diminuição do serviço e da participação dos residentes usuários. Na economia atual, quanto não custaria um apartamento localizado acima de uma estação de metrô? Qual impacto este empreendimento teria no bairro ao redor e no custo de vida dos moradores?

Bem público municipal controlado pela província Para os usuários, pode ser que pouco importe qual nível de governo controle o TTC, e isto até é compreensível, uma vez que o único desejo dos passageiros é um transporte de qualidade, confiável e a preço acessível. Contudo, a relevância política deste fator não deve ser ignorada. Desde 1921, o TTC está aos cuidados da prefeitura de Toronto, e todo o investimento realizado saiu dos impostos dos contribuintes. Desta forma, com o uploading, Toronto perderá um bem público comum que saiu do bolso de todos nós e testemunhará seus representantes municipais eleitos perdendo espaço de atuação e voz ativa nas questões referentes ao funcionamento do dia a dia da cidade. Será que, se a tarifa aumentar, Doug Ford irá ouvir o apelo da população? Será que as prioridades dos investidores irão melhorar a nossa qualidade de vida? Será que a província fará um trabalho melhor que o da cidade? Um comitê, apontado pelo premier Ford, está responsável pela elaboração de um relatório com o plano detalhado do uploading; entretanto, a sua versão final não será divulgada ao público. Ao que tudo indica, teremos pela frente mais perguntas do que respostas. E na incerteza nada floresce.

Camila Garcia é paulista e já trabalhou com teatro, rádio, televisão e jornalismo. Sempre de olho no universo político, adora trocar suas impressões com os mais chegados, e agora com os leitores do Jornal de Toronto. Atualmente é apresentadora do programa de televisão Focus Portuguese, todos os sábados e domingos, na OMNI TV.


Cultura

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Garoto é atacado por tubarão mas passa bem Valf é ilustrador e escritor Lembro perfeitamente da roupa que vestia. Calça boca de sino com coloridos motivos florais estilizados. A jaqueta, branca, era de um material desfiado que parecia querer emular o pelo desgrenhado de algum animal lanoso. Lembro das pessoas subindo a longa avenida que terminava exatamente na porta do único cinema da cidade. Ingressos comprados, entramos na sala escura e com a ajuda do lanterninha, esse hoje anacrônico personagem, encontramos os melhores lugares bem em frente a aquela gigantesca tela branca. E então se fez a luz. Extasiado, acompanhei o baile da poeira em suspensão que brilhava no meio do feixe de luz que rasgava o cinema e projetava na tela o que seriam as minhas primeiras lembranças da sétima arte. E lá ia eu, no alto dos meus 6 anos, assistir algo que marcaria minha vida de diversas e profundas maneiras. Estreava no pequeno cinema da minha pequena cidade o filme Tubarão. Sempre uma semana antes da estreia, o cartaz do filme era afixado na porta de um restaurante com um absurdo pé direito triplo, ao lado da matriz, bem no centro da cidade. Em uma caixa de madeira escura envernizada,

valf

protegida por um vidro não tão translúcido assim, os cartazes estavam sempre ali, como parte da paisagem. E eles realmente me fascinavam. Eu passava na porta do restaurante várias vezes por dia para poder ver e rever os detalhes daquelas verdadeiras obras de arte. Desenhos e pinturas que ainda criança já observava com reverente minúcia. Foi quando um dia, saindo da escola, passei para ver as novidades na minha galeria de artes de uma obra só. E lá estava ele. A palheta de cores, resumida em quase sua totalidade em variações de azul, era quebrada apenas pelo título Tubarão bem no topo, escrito em berrante vermelho e também pelas cores quentes da mulher nua que deslizava incauta na superfície. Sua nudez era magistralmente escondida por rápidas pinceladas

de tinta branca. Na parte de baixo da arte, o descomunal e desproporcional tubarão irrompia o limite físico da borda inferior do cartaz para entrar avassalador na composição da cena. A boca escancarada. A morte com mil dentes. E novamente a tinta branca seria usada. Agora como sutil silhueta borrada ao redor do corpo do monstro e também dando volume às bolhas de ar que escapavam dos flancos de sua boca. Essa combinação imprimia um incrível efeito e um censo de dinamismo à cena. Boom! Estava ali, a perfeita representação do exato momento que antecede a tragédia. O inexorável. O fim da linha. No escuro do cinema, nenhum filtro, nem teorias cinematográficas, nem resenhas. Era apenas eu e minha primeira

Notícias da Baixada, ano XV Cristiano de Oliveira E mais uma viagem ao Brasil se deu. Mesmo sabendo que todo mundo está brigado e quaisquer eventos em grupo podem ocasionar eventuais mãozadas nas orelhas, eu não quero saber. Natal é com vó desde que nasci e não é agora que eu vou quebrar a corrente, especialmente sendo abençoado o bastante por ter uma família sem desavenças políticas, o que é muito raro hoje em dia. Foram vários amigos que vi em BH passando o Natal sozinhos por causa de briga na eleição. Mas vou ser muito honesto: voltar ao Brasil já não é a mesma coisa. E não incluo nisso o lado familiar, que é sempre muito bom e muito gostoso. Nem aquelas coisas que sempre causam uma dorzinha no emigrante que retorna pra visitar, como ver as pessoas envelhecendo, crianças que já não conhecem a gente direito, um amigo ou parente que se foi, ou um lugar de boas lembranças que já não existe mais. Isso é inevitável, é o preço-base da emigração. Daí vêm os upgrades que também

são só avacalhação: a rua que era mão dupla agora é contramão e você leva multa; você vê um cara coçar a bunda e acha que tá puxando revólver, etc. O problema é que o tempo passa, e eu não aprendi a ser velho no Brasil. Quando a gente chega na casa dos 40, não existe amigo solteiro mais por lá. Nas ruas e bares, esses amigos estão sempre acompanhados do digníssimo cônjuge, sentados bem quietinhos numa mesa lá do fundo, sem fazer diferença no mundo e assistindo a juventude fazer bagunça, pois no Brasil não é de bom tom ser um velho bagunceiro, e pior ainda desacompanhado. E não, essa percepção depressiva não piorou quando cheguei a um bar e a garçonete disse “vou colocar sua mesa mais aqui no canto pros meninos não ficarem esbarrando nela”. Doeu, mas não piorou. Só fiquei encucado se a preocupação dela era só mesmo de que a pujança da ju-

vent u d e prejudicasse minha quietude e bem-estar, ou se estava mesmo é com medo de eu cair e quebrar a bacia. De quebra, algumas notinhas curtas que observei na minha também curta estadia: Maior que a dor de pagar R$11 reais numa garrafa de cerveja é a de pagar R$10 num chopp de 300ml servido em copo lagoinha

vez perante a tela grande – a experiência mais completa de uma imersão pura. Não tinha a menor noção de como Spielberg usava e abusava da ausência do tubarão em cena para criar tensão, do que eram câmeras subjetivas e nem de como a trilha sonora de duas notas apenas podia ser um poderoso gatilho para uma corrente de adrenalina. Era apenas um apavorado espectador. E foi assim que, no escuro do cinema, por mais de duas horas fui fisgado e vi como um simples barril amarelo pode ser tão assustador quanto um borbulhão de sangue. Os créditos ainda subiam na tela quando começamos a deixar o cinema. Saímos de lá com as imagens ainda vivas na memória. E profundamente marcados. Eu e uma geração inteira. Não é exagero dizer que muita

tamanho G – pra você que não é de Belo Horizonte, o copo lagoinha é aquele Nadir Figueiredo listradinho. Alguns o chamam de “copo americano”, mas acho que é só mesmo pelo amor louco do brasileiro por americanos, porque eu já revirei os EUA e nunca vi um daqueles, muito menos com cerveja dentro. A campanha eleitoral em Belo Horizonte está pegando fogo! Dois candidatos disputam o cargo, e nunca houve candidatos com tanto material de campanha como esses dois: eles têm cartaz em todo prédio, toda casa, todo lugar. Resta saber quem vai ganhar esse pleito tão concorrido: ou o Vende-se ou o Aluga-se. Pelo que li nos cartazes, acho que os dois são do Partido Tratar Com o Proprietário. Não acabou não. Eu só vou uma vez ao ano pra lá, então a viagem tem que render pelo menos duas colunas, senão me quebra. Adeus, cinco letras que choram.

Cristiano de Oliveira é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.

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gente tomou verdadeiro pavor de água depois do filme. Parei de ir às aulas de natação porque cada sombra projetada no fundo da piscina era um convite ao pavor. Existe uma enorme lagoa na minha antiga cidade, onde a prefeitura havia construído uma praia artificial, com areia e tudo. Na época virou uma espécie de balneário das cidades vizinhas e ficava lotada nos finais de semana. Eu morava em frente e era só atravessar a rua para ir nadar. Gostava e passava muito tempo lá. Mas parei por medo. Nada me demovia da ideia perfeitamente plausível na minha cabeça de que um terrível tubarão habitaria aquela lagoa. E passei a ficar parado na calçada acompanhando a movimentação dos banhistas e dos pescadores que, perigosamente, insistiam em ficar sentados na beira do lago fazendo círculos na água com os pés, enquanto jogavam seus anzóis. Eu era uma espécie de Roy Scheider em miniatura, esperando só um ataque para poder gritar: S A I A M D A Á G U A ! T U B A R Ã O ! Com toda carga dramática possível, é claro. Mas o máximo que acontecia era alguém exceder na bebida e ser retirado da água pelos colegas. Passei muito tempo nessa situação. O processo de convencimento sobre o absurdo de um tubarão ali naquele lugar demorou e teve que passar então pelo apelo à razão. Como um tubarão chegaria ali, me perguntavam. Como ninguém nunca tinha visto nem uma mera barbatana? Como um animal de água salgada poderia sobreviver na água doce? Contra fatos não existem argumentos e tive então que inventar as mais improváveis e estapafúrdias respostas para confrontar quem queria me ajudar. E dessa forma, o tempo foi passando. A lagoa, a poucos metros da porta da minha casa, eu olhava pela janela, abatido. Ficava um bom tempo assim. Os constantes esforços continuaram e pouco a pouco fui me acostumando com as argumentações da família e dos amigos, num processo custoso e lento. Até que um dia, do nada, tomei coragem. Abri a porta, atravessei a rua e, intrépido, entrei na lagoa que tanto gostava. E fui nadar. Não totalmente convencido, mas feliz. Foi um longo período. Demorou um tempo, mas eu havia voltado para minha vida normal, entre aulas de natação e brincadeiras na lagoa. Tudo passou a parecer absurdo e as lembranças se transformaram em memórias engraçadas. E eu continuava visitando meu relicário de madeira envernizada religiosamente. Foi quando um dia, já de longe pude ir vendo, enquanto atravessava a rua. Parado, atônito, sem palavras eu encarei o cartaz exposto. Eu que já havia aceitado a impossibilidade de um tubarão na piscina, não estava de forma alguma preparado para aquilo. Ele tinha sua estética e seu conceito claramente apossados do filme Tubarão, porém com uma pequena diferença que mudaria o rumo da história. E meus problemas apenas começavam. Para meu tormento, estreava no pequeno cinema da minha pequena cidade o filme Piranha.


Saúde& Bem-Estar

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Luiza Sobral

O ano começou para todos em janeiro, mas a minha vida nova começa mesmo agora, em fevereiro: vou virar mãe! Engraçado, eu arrastei a decisão de engravidar porque achava que ainda tinha muitas aventuras para viver, quando na verdade não há maior peripécia do que gerar uma vida. E olha que eu esperei bem; foram 33 anos bem vividos, bem viajados, e que até incluiu mudar para um novo país. Inclusive mudar para o Canadá foi uma decisão e tanto, uma ousadia que não achei que fosse ser superada. Agora, há poucos dias de nascer minha filha, eu vejo que minha vida está prestes a mudar de verdade. E olha que eu nunca fui daquelas que dizem “sempre quis” ou “nasci para” ser mãe. Não! Inclusive me perguntei várias vezes, antes de embarcar nessa jornada, se realmente era isso que eu queria. Um bebê dependente de mim? Uma criança chorando, fazendo

manha e tirando minha paz? Não! Sempre valorizei minha liberdade. Até agora me pergunto WHY, em nome de Deus, eu estou jogando esse problema na minha vida que sempre foi tão perfeitinha? Talvez eu seja muito egoísta para ser mãe. Mas a natureza tem um jeitinho de se fazer entender. Passados oito meses de gravidez, alguma coisa aconteceu dentro de mim. Aliás, várias transformações físicas aconteceram no meu organismo – quase 20kg a mais, o peito cresceu e caiu, minha pele tem um glow (dizem), e mais outras várias que é melhor não publicar – mas alguma coisa aconteceu também no meu coração. De repente, eu já estou apaixonada por esse serzinho que está dentro de mim. Ela mexe e eu sinto; se ela não mexe, eu me preocupo. Fotos de ultrassom parecem selfie de alienígena, mas eu me derreto e acho ela linda. Meu marido conversa com a minha barriga e eu adoro.

Quando a vida começa MESMO Gente, essa sou eu? O que está acontecendo comigo? Como explicar? Talvez tenha sido o processo que passei. Engravidar não foi tão fácil; mês após mês fiz testes de gravidez e ovulação, e a ansiedade por um ano aumentou minha ex-

pectativa e minha vontade de conseguir. Aí veio o tão esperado resultado: a segunda risca apareceu. Eu acho que estou ligeiramente grávida! Mas calma, não conta para ninguém ainda, pois o risco de um aborto natural nos primeiros meses de gestação é grande. Começa o processo de roer unha. Avisei minha médica de família, que me indicou uma obstetra, que por sua vez demorou 2 meses para me atender pela primeira vez. No Canadá, a vida é assim. O sistema público de saúde é ótimo, mas

tudo segue na ordem deles, não adianta se descabelar. Mesmo assim, entrei em parafuso. E continuou assim até agora: cada visita, cada teste, cada ultrassom, cada coisinha que aparece – e olha que tem muita coisa que acontece na gravidez – é um motivo de desassossego. Será que ela vai nascer bem? Será que eu errei em ter comido aquele

queijo brie? Dizem que quando nasce um bebê, também nasce uma mãe. E eu aos poucos estou me transformando em uma, cheia de amor e preocupação. Afinal, dentro de mim, uma vida nova se inicia. Ou duas: a minha e a dela. Um brinde ao ano novo à vida nova!

Luiza Sobral é paulista de nascença, baiana de coração, e adoraria morar no Rio. Está em Toronto desde 2011, onde se certificou como jornalista. Ama escrever, principalmente sobre viagens e outras maravilhas da vida. Luiza assina a (super lida) coluna Acontece! toda semana no site do Jornal de Toronto.

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