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CORPO SEM DONO
O PATRIARCADO COMO DITADOR DA SEXUALIDADE FEMININA
POR RAFAELA KNEVITZ
Ahistória de que o homem que fica com várias mulheres é considerado “pegador”, mas a mulher que tem as mesmas atitudes é chamada de “puta” pode ser velha, mas ainda não foi superada. Vários aspectos na vida do homem e da mulher mudaram ao longo dos anos, mas a mulher solteira que se relaciona com mais de uma pessoa ainda é julgada por promiscuidade e safadeza. E por mais evoluída que a sociedade possa parecer, as raízes patriarcais da história brasileira continuam reprimindo a liberdade sexual da mulher.
Puta, vagabunda, facinha, xingamentos ofensivos ouvidos frequentemente por milhares de mulheres. Tais julgamentos reprimem a decisão da mulher de se relacionar com quem bem entender. A partir disso, é percebido que os comportamentos vistos com bons olhos diante da sociedade não são os mesmos para homens e mulheres. Essa diferenciação entre os julgamentos recebidos por ambos podem ser facilmente visualizadas a partir das relações sexuais. A mulher que se relaciona com mais de uma pessoa em determinadas ocasiões é taxada de ‘puta’ e classificada entre ‘pra casar e pra transar’. Já o homem, ao contar suas relações, é reconhecido como ‘pegador’, utilizando mulheres como um troféu a ser exibido.
“Uma vez fui em uma festa com meu primo, lá eu fiquei com dois caras e ele com três gurias. Depois disso, no churrasco da família, nós estávamos contando sobre a festa e surgiu o assunto sobre quantas pessoas beijamos. Falaram que assim ninguém iria querer nada sério comigo no futuro e não seria respeitada. E para o meu primo a resposta foi bem simples ‘homem é homem, tem que pegar mulher mesmo’”, contou a estudante Michele Gomes, de 19 anos, por meio de interação no instagram.
A antropóloga Anahi Guedes de Melo, também pesquisadora no campo dos estudos de gênero em Florianópolis, explica que homens e mulheres desde cedo são socializados dentro de uma cultura patriarcal heterossexista que os ensinou que meninas e mulheres são sua propriedade e, portanto, devem se submeter à vontade masculina. Isso inclui submeter o sexo heterossexual aos caprichos masculinos, o que, por extensão, implica impedir a liberdade sexual da mulher.
Comportamentos como esse são provenientes de uma cultura patriarcal machista e sexista. Este sistema de relações sociais está presente na sociedade de formas
variadas e se expressa em contextos distintos. Este conceito surgiu inicialmente para designar um regime de organização familiar, onde o pai, como chefe, tinha poder absoluto sobre os membros da família. Atualmente, falar sobre patriarcado exige reconhecer que não é um conceito unânime. A coordenadora pedagógica da Emancipa Mulher, escola de emancipação feminista e resistência antirracista de Porto Alegre, Joanna Burigo, mestre em Gênero Mídia e Cultura pela London School of Economics, explica que o conceito se baseia em um sistema de dominação que se faz presente nas diferentes instituições sociais, desde a família ao Estado, presente em todos os aspectos da sociedade.
A sexualidade é um dos muitos lugares onde podemos perceber a diferença de tratamento entre homem e mulher. A antropóloga Anahi comenta que, em nossa sociedade, ainda há quem culturalmente defenda que as mulheres não têm o direito de fazer o que quiserem com seu corpo, um deles é ter e gostar de fazer sexo com quantos homens quiser, da maneira como quiser e com quem bem entender, incluindo o sexo com outra mulher. Segundo a Secretária da Comissão Nacional Especializada em Sexologia da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e especialista em Sexualidade Humana Sandra Scalco, ainda enfrentamos barreiras no exercício da sexualidade feminina, de uma forma mais plena e com qualidade, em parte por questões conservadoras e ou machistas. Tal repressão pode
afetar o exercício de sua sexualidade e comportamento diante de suas relações afetivas.
Ao ser questionada sobre a diferenciação em como homens e mulheres são vistos diante de suas relações, Sandra afirma que tais julgamentos são aprendidos e naturalizados sem a devida criticidade. Em contrapartida, diz que quanto maior for a educação sexual e compreensão dos direitos sexuais, menos ocorrerá essa desigualdade imposta, com a argumentação vazia e equivocada da dita “natureza do homem”.
No quadro abaixo, relatos compartilhados com a repórter a partir de perguntas no instagram:
Kerolaine, 20 anos
No terceiro ano do ensino médio teve uma festa de turma, recém tinha terminado um relacionamento e acabei indo. Por estar mal, bebi um pouco a mais que o normal e fiquei com várias pessoas. Eu beijei porque quis, mas depois da festa, quando fui pra aula, muitas meninas que não gostavam de mim espalharam que eu era uma puta e que tinha “passado o rodo”.
Jovem de 20 anos (nome em sigilo)
Ainda no ensino médio eu via muito estereótipos nas meninas, principalmente no terceiro ano, quando algumas começavam a namorar (inclusive eu), que faziam comentários como “mas ela é facinha”. Um menino me contou no cursinho pré vestibular, depois de ficarmos próximos, que ele sabia quem eu era porque os amigos dele me conheciam por eu ter ficado com vários meninos. Como se isso fosse uma coisa ruim…
Nathana, 21 anos
Fui passar a tarde com meu namorado e ele estava com três amigos junto. Nos cumprimentamos e ficamos conversando. Até que um deles recebeu uma mensagem no privado e disse para os amigos darem uma olhada. Começaram a rir e falar baixo. Perguntei pro meu namorado o que estava acontecendo e ele disse que todos estavam ficando com a mesma menina. Eles ficaram ofendendo ela na minha frente. Então perguntei porque ela estava sendo ridicularizada sendo que eles três estavam se relacionando com ela porque queriam. Resumindo: isso foi exposto pra escola deles e ela ficou super mal falada.