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34 QUE TIME ELE TORCE

ELAS TAMBÉM QUEREM JOGAR

COM DIVERSAS BARREIRAS E ATÉ MESMO PROIBIÇÃO AO LONGO DO CAMINHO, JÁ PASSOU DA HORA DE MULHERES BRILHAREM DENTRO DAS QUATRO LINHAS

POR JOÃO CAMMARDELLI

Três gerações distintas, diversas barreiras no caminho, mas um único objetivo: jogar futebol. Mesmo o Brasil sendo conhecido como “o país do futebol”, este termo parece funcionar apenas para os homens. Precisando enfrentar diversos preconceitos, poucas oportunidades e a má ou quase nula remuneração, as mulheres batalham diariamente para que, dentro das quatro linhas, elas possam ser reconhecidas assim como os homens.

E para começar a falar do cenário atual do futebol feminino no Brasil, precisamos voltar até 1983, quando a modalidade finalmente foi regulamentada no país, após ela ter ficado quase 40 anos proibida. Mesmo com este atraso, o pontapé inicial foi dado, e foi a partir daquele momento que as jóias que antes precisavam jogar escondidas puderam mostrar a sua cara dentro de campo.

A carioca Mariléia dos Santos, de 56 anos, nascida na cidade de Valença, localizada na zona rural do Rio de Janeiro, é um exemplo disto. Presente nos campos de várzea desde pequena, Mariléia parece que nasceu para o esporte. “Eu acho que já jogava desde a barriga da minha mãe. Eu sou a caçula de 11 irmãos, seis mulheres e cinco homens, e todos jogavam futebol. Eu vim para completar o time”, brinca a atleta.

Mas você pode estar se perguntando: quem foi Mariléia? Realmente, por este nome, apenas os mais íntimos reconhecem, pois com a chuteira no pé e nos gramados, ela fez a sua história mesmo como Michael Jackson. O apelido, que ficou eternizado nos microfones por causa do narrador Luciano do Valle, se deu devido a suas colegas de equipe na época, que a chamavam assim graças a sua semelhança com o cantor americano. Assim como o Rei do Pop, Mariléia também dava show, mas dentro de campo.

O INÍCIO DE UMA CARREIRA VITORIOSA

Logo na sua primeira equipe, o Esporte Clube Radar, Mariléia já encheu os olhos de quem a assistia. Com 800 gols e diversos títulos importantes em seis anos, ela logo se tornou referência e inspiração no cenário esportivo. E óbvio que ela não podia ficar de fora da primeira Seleção Brasileira da história.

Em 1988, houve a edição experimental do Mundial, e esta foi a estreia da seleção verde e amarela. Sediada na China, a competição contou com outras 11 equipes, e as brasileiras não deixaram a desejar. Com uma medalha de bronze na bagagem, a terceira colocação serviu para demonstrar que, com condições básicas para o desenvolvimento na modalidade no país, a categoria tinha tudo para crescer, pois a habilidade era garantida.

Na volta para o Brasil, Michael Jackson continuou se destacando nos estádios brasileiros. Após uma passagem pelo Saad, logo após sair do Radar, Mariléia recebeu uma proposta para atuar pela equipe do Torino, da Itália, em 1995, e não pensou duas vezes em atuar no Velho Continente e se tornar a primeira atleta a atuar fora do país. Mesmo sem conquistar títulos, a atleta trouxe no seu currículo experiência e novos hábitos ao voltar para seu país natal em 1997.

Na sua volta, Mariléia ainda atuou por diversos clubes e seguiu desfilando a sua habilidade e seus gols, afinal ela marcou mais de 1.500 vezes, pelas quatro linhas até 2009 e, neste período, pôde ver a evolução, ainda que a passos curtos, da modalidade feminina no Brasil.

A NECESSIDADE DE FAZER ESCOLHAS PELO SONHO DE JOGAR FUTEBOL

E quem presenciou este novo momento foi a atleta Aline Milene. Nascida em Belo Horizonte, a atleta de 26 anos teve seu iní- cio mais “tranquilo” em relação a Mariléia, mas também não foi perfeito. Lutando contra a falta de oportunidades, Aline teve que fazer escolhas desde cedo. E não foram fáceis. Com apenas 19 anos, a mineira precisou deixar sua família e sua terra natal para ir em busca do seu sonho nos Estados Unidos. “A gente tem que abdi- car de muitas coisas e, para mim, foram essas, deixar minha família, minha cidade natal e até mesmo meu próprio país”, comentou a atleta sobre sua mudança para ir estudar e praticar seu esporte preferido em solo americano.

Porém, com uma carreira mais consolidada, Aline já consegue identificar mudanças no cenário brasileiro quando comparado para o início da sua carreira. “A visibilidade, a oportunidade de categorias de base, uma infraes- trutura bem melhor do que a gente teve no passado, remune- ração”, ressaltou a atleta, sobre as principais mudanças que ela enxerga. Outro ponto que, até pouco tempo, era muito comum, era o fato de que muitas atletas precisavam exercer outra função para conseguir se sustentar. “Eu, graças a Deus, nunca precisei realizar outra atividade em rela- ção ao futebol, mas tenho várias amigas que tiveram. Muitas tra- balhavam durante a semana e jogavam com a gente nos finais de semana”, declarou Aline.

Quanto ao futuro, a meio-cam- pista da Ferroviária ainda tem esperança de que a modalidade feminina possa chegar no mesmo nível, ou pelo menos mais pró- ximo, do que é a categoria mas- culina nos dias atuais.

A ESPERANÇA É DE QUE POSSAMOS TER A MESMA IGUALDADE, TANTO DE REMUNERAÇÃO QUANTO DE INFRAESTRUTURA E MÍDIA QUE O MASCULINO TEM”

ALINE MILENE

UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL

Mas esta evolução, que vem crescendo ano após ano, não deve acabar por aqui, pois é ela que vai garantir que a modalidade não volte para a estaca zero e mais jogadoras sejam revela- das a cada temporada, como é o caso de Natália, de apenas 10 anos. Desde 2019 atuando com o sub-10 masculino do Avaí, a jovem catarinense começou cedo em busca do seu sonho.

Mesmo muito jovem, Natália tem nas atletas Marta e Formiga as suas maiores inspirações na carreira e, inclusive, sonha em um dia poder atuar ao lado delas. Porém, mesmo com os avanços, ela ainda não tem a oportunidade de praticar ao lado de outras meninas, devido à falta de cate- gorias de base para mulheres e, por isso, a necessidade de atuar no masculino. Mas isso não tem sido um ponto negativo. Segundo a própria Natália, ela foi muito bem recebida pelos colegas de time, que sempre a trataram de igual para igual. “Na escola, é todo mundo muito legal comigo. A gente faz time e todo mundo fala ‘eu quero a Nati, eu quero a Nati’”, comentou a atleta.

Relatos como estes que tive- mos aqui apenas evidenciam que, embora a modalidade tenha cres- cido muito desde 83 para cada, ainda é necessário mais apoio e luta para estas mulheres que pos- suem apenas um desejo: jogar futebol.

QUE TIME ELE TORCE

UMA DISPUTA ENTRE PAIXÕES ENVOLVENDO O ESPORTE MAIS PRATICADO DO PLANETA CONTRA O AMOR FRATERNO

POR LÍCIO SARAIVA

Normalmente, os filhos são pressionados a seguirem o time da família, doutrinados e induzidos desde que nascem. Primeiros presentes de tios, pais e irmãos mais velhos costumam ser a camisa de algum time, bola, bandeira e até o uniforme completo de uma equipe.

O filho já nasce num meio que o obriga seguir o time do pai. E quando isso não acontece? Entrevistados, um pai e um filho, torcedores de times rivais contaram um pouco sobre sua convivência, relacionamento e como fugiram desta “regra”. José Vidoeiro, de 55 anos, dono de um bar, pai e torcedor fervoroso do Sport Club Internacional e Bruno Vidoeiro, de 21 anos, motoboy, filho e torcedor fanático do Grêmio Foot-ball Porto Alegrense.

“Eu sempre brinco dizendo que nasci gremista, mas me perdi no meio da torcida colorada, meu avô materno era gremista e me botou de volta no caminho certo”. Bruno também conta que no início foi bem complicado ele criar coragem com sete anos, para contar para o pai que havia mudado de time e se apaixonado pelo maior rival.

Já o seu José não gostou nada desta mudança, fazendo até uma espécie de “gelo” com o filho. O pai comenta que, no fundo, se orgulhou do filho manter-se determinado a seguir aquela escolha e que em questões de dias o “gelo” encerrou-se com os dois jogando bola no pátio.

Perguntados sobre as brincadeiras e provocações os dois riram bastante contando que o clima de brincadeira reina na casa durante o Campeonato Brasileiro (Brasileirão Série A), Copa do Brasil e Libertadores (Copa Libertadora da América). Competições onde os dois times deles sempre entram como alguns dos favoritos.

José conta que apesar do início conturbado e de difícil aceitação, hoje em dia ele diverte-se com o clima de provocações e rivalidade com o filho. “Acabo brincando muito com ele, sempre é divertido provocar um rival ainda mais um que não tem pra onde fugi já que moramos sob o mesmo teto”.

LOGO QUE MEU FILHO DISSE QUE PASSARIA A TORCER PRO GRÊMIO, EU PASSEI A IGNORA-LO PARA VER SE ELE ABANDONAVA ESSA IDEIA, MAS O GURI NUNCA MAIS VOLTOU ATRÁS”

JOSÉ VIDOEIRO

Por outro lado, Bruno desabafa dizendo que às vezes o pai pega pesado nas provocações e citou uma vez onde o pai exagerou. “Após a libertadores de dois mil e dez, onde o Inter foi campeão, meu pai saiu correndo atrás de mim jogando cerveja nas minhas costas, o detalhe foi que estava uma noite muito fria e ele me prendeu do lado de fora dizendo que só poderia entrar se gritasse “vamos meu inter”, esse dia ele exagerou”.

O pai rebateu dizendo que estava empolgado com o titulo do seu time e que em dois mil e dezessete, o filho fez o mesmo com ele, mas dessa vez mandando gritar “vamos grêmio”. “Apesar de alguns exageros a gente da muita risada com toda essa situação”.

ESTRATÉGIAS PARA ASSISTIR AO CLÁSSICO GRE-NAL EM CLIMA FAMILIAR

Perguntados sobre como eles se organizavam em casa para assistir ao Gre-Nal (Clássico Gaúcho, conhecido Internacionalmente). Logo o clima de rivalidade voltou e disseram que olham os jogos sozinhos.

Os dois explicaram que já tentaram muitas vezes assistirem aos jogos juntos, mas acabam acontecendo muitas brigas e inúmeras discussões. Preferem olhar a partida separados, cada um em um quarto, e as únicas comunicações são na hora do gol, quando rolam as diversas provocações e gritarias. “Em dia de jogo esses dois são insuportáveis berrando a todo o momento”, complementou Carolina, mãe de Bruno e Esposa de José.

Brincando com Bruno sobre seu filho de um ano, pergunto como ele vai fazer caso o filho decida torcer pelo rival igual ao avô. “Acho que meu pai vai adorar essa ideia, mas eu não. Aproveitando que meu pai vai adorar, ele que crie o neto”. Seu José brincou dizendo que criava, e que com essa criança ele não ia errar.

A FORTE PRESSÃO NO PAÍS DO FUTEBOL

Segundo o sociólogo Cláudio Fontanari, é um absurdo obrigar uma pessoa tomar uma decisão antes dos dezoito anos. “Para dirigir são dezoito anos, para votar são dezesseis anos, como uma criança vai tomar tamanha decisão de torcer por um clube pelo resto de sua vida, e quem disse que essa criança vai despertar essa paixão por futebol?”.

Para ele, o futebol ainda é instrumento de manutenção do machismo na sociedade. “Isso é uma obrigação para o menino, poucas famílias quebram este elo entre menino e futebol.”

No Brasil, conhecido como o “País do Futebol”, essa pressão torna-se muito pior para as crianças que crescem e se acostumam a assistir e conversar mesmo que nem goste tanto quanto os amigos e os pais. Afinal qual o problema dos outros esportes, por que não assistir e gostar?

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