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A ERA EM QUE O VALOR MAIS IMPORTANTE É O DA BALANÇA
ATITUDES GORDOFÓBICAS AINDA SÃO UM EMPECILHO PARA QUEM BUSCA SE SENTIR BEM COM O PRÓPRIO CORPO
POR ANA LUÍSA RIBEIRO MARTINS
A obesidade é uma doença que tem recebido atenção dos médicos e especialistas. Já a gordofobia é um dos tantos tipos de preconceitos enraizados na sociedade. Essa situação vai ao encontro de duas histórias: a de Kerstin Schwalbe, 30 anos, e Carolina Sellmer, 21 anos. Ambas mulheres já sofreram com comentários e situações relacionados a gordofobia durante sua vida.
Usar o termo “gordo” ou “gorda” é uma maneira coloquial para se referir a pessoas com excesso de peso. Tecnicamente, o termo correto é sobrepeso ou obeso(a). Carolina Guerini, professora do Departamento de Nutrição da UFRGS e do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, explica que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que caracteriza o sobrepeso é o Índice de Massa Corporal (IMC), tendo três graus de classificação.
Segundo Carolina Sellmer, A frase acima já foi escutada diversas vezes na sua vida. Fotógrafa, estudante de publicidade e propaganda e modelo plus size, a jovem possui mais de 8 mil seguidores no seu perfil no Instagram, onde fala muito sobre o preconceito. O sobrepeso é uma realidade que faz parte da vida de Carolina. “Eu sempre fui gordinha. Acho que a minha fase mais gorda foi em 2017, que eu estava pesando 105kg e estava demais para a minha autoestima”. A modelo conta que, durante a sua infância, sempre teve muitos amigos homens que a defendiam e a ajudavam a manter sua autoestima. “Nunca fui oprimida ou deixei de fazer algo por ser gorda”, afirma Carolina. Apesar disso, já ocorreram casos como a professora de sua escola se referir a ela por conta do seu peso.
Por conta de um programa de reeducação alimentar da Secretaria da Saúde, dados sobre a estatura e o peso dos alunos foram recolhidos. Eles compilaram os números e ofereceram um programa de reabilitação para esses alunos. “Tive que ir de tarde, outro dia, na escola. Lembro de ir muito triste, porque nenhum dos meus amigos estavam, meninas ou meninos. Foi muito constrangedor ela ter me chamado na frente de todo mundo, porque eu sempre escondi meu peso, apesar de saberem que eu era grande. Nossa, que vergonha”, afirma a modelo. Ela conta que hoje, mais madura, entende que seria para mudar a sua saúde e sua vida. Mas que, na época, para uma criança, a exposição foi demais.
Ao contrário do relato de muitas amigas e seguidores nas redes sociais, Carolina nunca sofreu repressão por parte de sua família. “Sempre foi visto como normal, porque todo mundo é grande na minha família. Então, esse tipo de coisa não veio deles”. No entanto, cresceu achando que chamava atenção pelo peso, não por outras qualidades que tenha e, por isso, é bem posicionada e contesta os comportamentos negativos que vivenciou. “Eu sempre busquei respostas para isso, pela forma que me tratavam. Por que tu tá’ falando que eu tô’ gorda?
Por que tu tá’ me olhando? Fui firme nessas decisões, porque queria entender por qual razão estava sendo julgada. O que tem de tão errado em estar assim como eu estou?”.
“SÓ FECHAR A BOCA QUE EMAGRECE”
Esta é a frase que muitas pessoas com sobrepeso escutam. É o caso de Kerstin Schwalbe, coordenadora de uma Clínica Veterinária, 30 anos. Ela foi alvo do preconceito dos seus 16 aos 24 anos, período em que atingiu seu maior peso, 150kg. Ela contou sobre um episódio de grande preconceito que enfrentou, foi quando ficou presa na catraca do ônibus. “Ele me chamou de porca gorda e mandou ficar na frente, porque não ia conseguir passar a roleta”, afirmou.
Kerstin é mãe de um casal: Eduardo, de 5 anos, e Ana Clara, com 1 ano. Na sua primeira gestação, foi quando chegou mais perto do seu maior peso, o que, mais para frente, pode causar complicações de saúde para o bebê. Quando Eduardo tinha 3 meses de idade, teve complicações de saúde. Ao serem investigadas, descobriu-se que, durante o nono mês de gestãoção, ocorreu uma má formação cerebral. Isso causou um desenvolvimento mais lento de seus primeiros passos e palavras. Hoje, a criança possui uma vida sem complicações.
Com 24 anos, Kerstin fez cirurgia bariátrica. Durante o período em que seu primeiro filho estava doente, ela desenvolveu uma compulsão alimentar e atingiu seus 150kg. “Para ter uma noção, eu comia dois xis. Ou então, dois xis e um cachorro quente”, contou. A decisão de fazer uma cirurgia bariátrica foi por dois motivos. “Eu tinha obesidade mórbida grau 3. Tive uma ameaça de infarto com 23 anos e tive vários outros problemas. E, é claro, o segundo motivo é por estética”.
A recuperação da cirurgia não foi fácil. Kerstin contou que teve depressão e complicações. “Fiquei uns dois meses sem andar. Perdi peso muito rápido e isso não é saudável”. Hoje, os cuidados são com vitaminas e suplementos, sem compulsão alimentar. A autoestima da paciente aumentou muito.
O nascimento da segunda filha, Ana Clara, não teve complicações durante o início da gestação. Tiveram algumas consequências por Kerstin ter pedras nos rins, que geraram contrações e o nascimento quase foi adiantado. Antes de dar à luz, Ana Clara demorou para conseguir peso por conta da cirurgia. O que ela comia era suficiente para si, mas não para a criança. ”Mas com acompanhamento da equipe que me operou e uma nutricionista, deu tudo certo”, afirmou a mãe.
“HOJE, POSSO DIZER QUE ME AMO. ME SINTO BONITA E FELIZ”.
KERSTIN
AS CONSEQUÊNCIAS
O preconceito é, de acordo com a professora titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Lisiane Bizarro, “um atitude aversiva ou hostil em relação a uma pessoa que pertence a um grupo, simplesmente porque ela pertence a esse grupo e, portanto, presume-se que tenha as qualidades questionáveis atribuídas ao grupo”. Segundo a professora, o preconceito pode afetar psicologicamente o relacionamento com as outras pessoas. “Como somos uma espécie social, é muito importante para nosso bem-estar”. Fisiologicamente falando, os efeitos do sobrepeso podem causar alto risco de diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares (como infarto, AVC), doenças neurológicas com prejuízo cognitivo, arteriais, apneias de sono e até mesmo alguns tipos cancerígenos, como mama, estômago, tireoide, esôfago e bexiga. “Em termos neurológicos, favorece transtornos alimentares (anorexia, bulimia, compulsão), depressão e isolamento social, geralmente pelo forte e crítico julgamento social em relação ao peso e ao corpo das pessoas em geral”, afirma a professora e nutricionista Carolina Guerini de Souza.
O preconceito destinado à pessoa com obesidade tem tendência a “ter elevados custos na tentativa de ajustamento do seu corpo ao padrão considerado ideal, sobretudo para a mulher”, afirma Lisiane. “A maneira como a sociedade lida com o peso, o corpo e a imagem corporal atualmente é de muita exigência para atender um padrão de beleza. Estes padrões tradicionalmente acompanham as diferentes fases da evolução da humanidade, porém a idade contemporânea trouxe o advento de se atribuir valor ao ser humano pelo corpo/peso/imagem que ele tem”, reiterou a professora da UFGRS. Pesquisa promovida pela marca Skol revelou que, no tópico de frases preconceituosas mais faladas, a que diz “Ele(a) é bonito, mas é gordinho(a)” refere que 25% dos entrevistados já a utilizou, pelo menos, uma vez. A nutricionista destaca que esse paradigma tem sido cada dia mais tratado e, assim, deve permanecer: “Cada ser é bem mais do que o seu corpo e cada corpo tem beleza e valor, exatamente como é”, diz ela.