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SE EXISTE PARTO HUMANIZADO, O OUTRO É DESUMANIZADO?

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O PODER DO EXEMPLO

O PODER DO EXEMPLO

SE EXISTE PARTO HUMANIZADO, O OUTRO É DESUMANIZADO?

O EMPODERAMENTO DA MULHER EM UM DOS MOMENTOS MAIS IMPORTANTES DE SUA VIDA

POR CARLA CARVALHO

Oparto humanizado traz muita polêmica dentro do meio médico: se existe parto humanizado, o outro é desumanizado? Quais são as diferenças? A médica obstetra Caroline Chiarelli, atuante nas cidades de Muçum, Encantado e Guaporé (Rio Grande do Sul) é integrante da equipe Maternalle e da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, que consiste em um grupo de médicas ginecologistas e obstetras do Brasil todo que luta pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Ela explica que, na verdade, o conceito de humanização não existe para anular outro. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, “humanizar o parto é um conjunto de condutas e procedimentos que promovem o parto e o nascimento saudáveis, pois respeita o processo natural e evita condutas desnecessárias ou de risco para a mãe e o bebê”. Em 2018, a OMS emitiu uma série de novas recomendações para estabelecer padrões globais de cuidado para mulheres grávidas e saudáveis, diminuindo assim intervenções médicas desnecessárias. O conceito de parto humanizado possui três grandes pilares: o protagonismo da mulher, atendimento baseado em evidências científicas e uma equipe multidisciplinar. Caroline explica que há uma antiga construção social de que o corpo da mulher não é suficientemente preparado, que o parto é muito doloroso e difícil. Fazer as mães resgatarem esse poder é, segundo a médica, uma tarefa de quem está informando e orientando a mulher sobre os procedimentos. “Devolver o parto para a mulher. Ela é dona do seu parto, ela vai fazer escolhas informadas com apoio de toda equipe que tiver assistindo do puerpério até o parto.[...] Tomar para si novamente a própria natureza feminina que está relacionada ao parto normal”.

A mãe Mariângela Barichello Baratto, 27 anos, soube desde sempre que gostaria de ser mãe e queria parto normal. Ela conta que, ao descobrir sua primeira gravidez, em 2018, pesquisou sobre o parto e o protagonismo da mulher durante o processo. Ela vem de uma família de mulheres que pariram naturalmente e, conforme se aproximava do assunto, percebeu que atualmente as coisas não aconteciam dentro da normalidade que conhecia. Mariângela, que é também atual gestante de 5 meses, conta que ficou com medo de sofrer violência obstétrica e de sua opinião não ser respeitada na hora de parir seu próprio filho. “Conforme fui me aprofundando sobre o assunto, fui me empoderando e sentindo segura, mas ao mesmo tempo tive receio da minha opinião não ser respeitada na hora do parto. E foi ali que aprendi sobre alguns instrumentos: plano de parto, presença da doula e várias coisas que contribuem para que a voz da mulher seja ouvida em trabalho de parto”.

O segundo pilar do parto humanizado, a cientificidade, consiste em tudo que é proposto e defendido pela maneira de conduzir um parto, desde um pré-natal até o dia do nascimento, ser sempre baseado em evidências científicas atualizadas. “É um dever do profissional da saúde explicar para a mulher por que a gente está tomando aquela ou outra decisão. É uma decisão com corresponsabilidade da mulher”. Por experiência própria em fazer cesáreas desnecessárias, a médica, que se formou obstetra por se interessar desde criança por partos, afirma que durante o pré-natal há diálogo com a mãe sobre todos os procedimentos que possam ser necessários ao longo do processo, incluindo intervenções. “A maioria das mulheres precisam simplesmente que sejam deixadas em paz e que se respeite o tempo que elas necessitam para passar pelas etapas do parto”. As intervenções são sempre oferecidas e explicadas conforme a necessidade para que o parto possa ocorrer de forma fluida. Isso pode ser uma simples sugestão de mudança de posição, realização de exercícios spinning babies (método que propõe uma sequência de movimentos durante a gestação e trabalho

de parto para o bebê encaixar corretamente na pelve) ou de uma intervenção maior, como a cesariana. “Ela precisa saber por que e tem todo o direito de questionar a necessidade”.

Por isso, o terceiro pilar também é imprescindível. Caroline explica que não existe um modelo que se sustente só com o médico. Sua equipe é formada por enfermeiras obstetras, pediatras, anestesistas, fisioterapêutas, doulas (mulheres que oferecem assistência física e psicológica para outras mulheres durante gestação e parto), psicólogas, e vários profissionais que alinham com a proposta da humanização. Segundo a doutora, não há como garantir um parto humanizado se algum desses outros profissionais não apoiar a escolha da mulher. “A gente tenta fazer um grupo de profissionais que apoiam também as escolhas da mulher, que trabalhem sob o olhar de evidências científicas em harmonia com todas as áreas envolvidas no processo”.

A IMPORTÂNCIA DA DOULA NO TERCEIRO PILAR

Para Mariângela, a doula foi uma profissional que mudou sua experiência como mãe. “Desde que comecei a ter acompanhamento com a doula, tive mais segurança das minhas escolhas e mais segurança nos meus argumentos para pessoas que me julgavam por escolher parto normal, por escolher esperar o bebê nascer no tempo dele.” Na hora do parto, a presença da Doula é muito importante. A mãe conta que foi decisiva: “Passou muita segurança, muito apoio e até técnicas minimizadoras (de desconforto)”. Mariângela conta que sua doula, Juliane Peruzzo, deu suporte à distância também. Ela sofreu muita pressão para fazer cesárea, e a doula manteve um papel de força psicológica.

A Juliane, 35 anos e mãe de dois filhos, define doula como uma mulher que apoia outras mulheres, de forma informativa, física e emocional durante a gestação, parto e pós-parto. Ela trabalha com embasamento científico sobre fisiologia da gestação, parto, pós-parto, amamentação, fases do trabalho de parto, o que a gestante pode esperar e qual a sua rede de apoio. Em média, as doulas são procuradas entre 25 e 30 semanas de gestação. O atendimento, agora online por conta da pandemia (inclusive durante o parto), consiste em conhecer a família e manter contato até o trabalho de parto. A doula oferece auxílios desde massagens, apoio emocional, incentivo, até alimentação etc. “Entra no critério de cada Doula. Tem Doulas que são homeopatas, tem doula que conhece técnicas de massagem… Isso são cursos que a gente vai aperfeiçoando depois”.

Durante o nascimento do primeiro filho, Juliane passou por procedimentos que não conhecia, inclusive uma cesariana não desejada. Estudos e pesquisas sobre o assunto a levaram até

sua formação de doula. Ela passou por um processo de ressignificação do parto do primeiro filho, onde houve um aprendizado sobre sua ancestralidade e uma nova visão sobre o nascimento. Juliane conta que o processo de se tornar doula foi revigorante. “Quando a gente vê uma outra mulher sendo informada e se empoderando nesse momento, que é um dos mais incríveis da vida dela, nos dá uma força fora do comum”.

No dia do trabalho de parto de Mariângela, a doula Juliane a acompanhou enquanto o marido fazia o trabalho burocrático do hospital. Como teve Juliane do seu lado, conta que teve suporte e não ficou sozinha nesse tempo graças a ela. Mariângela afirma que “às vezes o médico não é tão próximo ou ele não tem tanto tempo disponível.” Em diferentes situações, conta que se “sentia muito mais segura de falar com minha doula do que com o meu obstetra. [...] Segurança, humor, cuidado, carinho, empatia: tudo isso minha doula me passou”, afirma a gestante.

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