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A GENTE QUER COMIDA, DIVERSÃO, ARTE E ORGASMO

COMO MULHERES QUE FALAM SOBRE SEXUALIDADE E AUTOESTIMA NA INTERNET ESTÃO CONQUISTANDO UM ESPAÇO IMPORTANTE NO UNIVERSO FEMININO

POR BÁRBARA BITENCOURT

De conteúdo o Instagram está cheio. Vivemos em um mundo digital com informações diversificadas, resumidas por pessoas intituladas influenciadores digitais. Somos bombardeados por elas todos os dias. Mas, entre elas, existem algumas mulheres que criaram um modelo de conteúdo específico com um objetivo: ensinar outras mulheres a conhecerem o seu próprio corpo. E sobre autoconhecimento, a Gisele Faresin, CEO da página O Prazer É Todo Meu, é especialista. Com mais de 200 mil seguidores, a página é comandada por ela e Marcela Gowan, médica especializada em ginecologia e ex-BBB. Juntas apresentam conceitos médicos, desmistificam tabus e ensinam como mulheres podem se sentir satisfeitas dentro dos seus próprios corpos para obter a liberdade sexual e chegar de fato ao orgasmo - termos que usam com frequência. Mas por que agora?

Há exatos 22 anos, uma australiana especializada em urologia, chamada Hellen O’Conell, fazia uma revelação e apresentava ao mundo, pela primeira vez, todos os elementos da anatomia completa do clitóris. Antes disso, algumas informações para as mulheres eram desconhecidas. Uma delas é a quantidade de terminações nervosas que essa pequena parte do corpo feminino pode oferecer. “O nosso conteúdo se torna importante a partir do momento que precisamos dizer que a nossa principal ferramenta de prazer possui oito mil terminações nervosas”, Gisele relata.

A partir desses conhecimentos, Gisele e Marcela construíram um e-book e transformaram esses conteúdos da página em um curso, para que dessa maneira outras mulheres pudessem se aprofundar em assuntos de sexualidade e autoconhecimento. “Desde então, entendi qual era o meu lugar no mundo: queria fazer outras mulheres se conhecerem também, aquilo que eu não tive. Por exemplo, saber que apenas 18% das mulheres sentem prazer com a penetração e que tá tudo bem”, afirma.

De acordo com uma pesquisa realizada com o público das mulheres que participaram do curso: O Prazer É todo meu entre 2019-2020, 100% delas afirmaram não estarem satisfeitas com o próprio corpo. Após acrescentar essa informação, Gisele desabafa: “Mas esse número não é impressionante se a gente levar em consideração o mundo que vivemos, onde somos bombardeados de informações de uma indústria que nos diz que a gente tem que trocar de roupa e que precisamos usar cremes infinitos no rosto. Tudo isso faz você se sentir insegura.”

Camila, Ana e Nayane são seguidoras assíduas da página. Dos 19 aos 36 anos, buscaram no Instagram uma maneira de entender o seu corpo, se sentir acolhida com questões pessoais e repassar esse tipo de conteúdo. “É uma ótima fonte de autoconhecimento, de empoderamento e ainda trata da saúde íntima da mulher. Acredito que muitas mulheres não frequentam ginecologista e muitas (eu era uma delas) não têm costume de estudar a sexualidade feminina”, afirma Camila, vestibulanda e carioca, que aos 19 anos iniciou o seu processo de “desconstrução pessoal”, termo usado dentro do movimento feminista que significa autoconhecimento e libertação das amarras de padrões impostos pelas grandes indústrias.

Para Ana Julia Hermes, gaúcha e estudante de psicologia, a falta de conhecimento do próprio corpo é algo que ocorre desde o início: “Desde a infância, os meninos são ensinados a idolatrar seu órgão sexual. Enquanto isso, a menina é ensinada a se preservar, esconder sua intimidade e medir suas palavras e atitudes. Isso afeta a autoestima e a saúde mental da mulher e, como futura psicóloga, acho fundamental me inteirar sobre o mundo sexual feminino para além da minha experiência, já que essa temática é tão pouco explorada, mas se bem discutida pode transformar vidas!”

Já Nayane foi um pouco mais longe. Formada em psicologia em Uberaba, aos 36 anos decidiu participar do curso ministrado por Marcela. O curso inspirou Nayane a unir sua profissão e sua vontade de oferecer um conteúdo acessível para suas pacientes. Por isso, criou um instagram e desde então compartilha posts com o intuito de desmistificar questões que parecem problemáticas: “Quero repassar o que aprendi com ‘O Prazer É Todo Meu’ e usar esse conhecimento para disseminar cada vez mais boas informações”, Nayane relata.

MESMO OBJETIVO, OUTROS PROJETOS

Para Ana Ornelas, o processo para o reconhecimento do seu corpo foi potencializado pelo sentimento de culpa. “Ao me masturbar, pedia desculpa pra Deus e pensava na minha impureza enquanto mulher. Quando consegui contar para uma amiga, foi um alívio e uma certeza de que eu precisava mudar esse cenário”, afirmou durante a entrevista. Formada em Cinema pela USP, foi quando entendeu o quão masculino, e consequentemente machista, era o mercado de trabalho, e o pouco espaço que tinha para falar sobre causas que a importavam. Dessa maneira, criou um blog e um canal no youtube chamados “Pimenta Cítrica” e hoje conta com um instagram pessoal, no qual posta justamente para ganhar reconhecimento no seu trabalho como escritora de contos eróticos e produtora de conteúdo para o instagram @ ImClitoris.

Morando há quatro anos em Berlim por escolha própria, alega que as culturas são extremamente diferentes e as lutas por direito também. “Aqui em Berlim, me sinto muito mais livre para falar, me expressar, me expor. Diferente do Brasil, que existem outros problemas sociais e que envolvem pautas de outros tipos de feminismo, do qual não conseguiria falar e atrelar diretamente com sexualidade do jeito que eu posso”, relata.

Já Amanda Titoneli, formada em direito, carioca e fundadora da página @Eulittera, entendeu que precisava falar sobre essa pauta quando percebeu que na sua gama literária não identificava muitas escritoras mulheres, e que a página foi uma maneira de incentivar outras pessoas também por meio da internet. Para ela, a importância de canais que discutam assuntos relacionados ao feminismo é indiscutível, já que atualmente é onde as meninas entram em contato com o assunto. “A forma como a informação se propaga hoje em dia chega a mais pessoas e faz com que mais pessoas tenham acesso e realmente pensem sobre o assunto. Isso não é algo que se aprende na escola”, afirma Amanda.

Ao perguntar sobre o feedback de outras mulheres, Ana se manteve em silêncio por um momento e alegou que o vídeo que mais recebe comentários até hoje é sobre HPV. Quando teve que realizar um tratamento há 2 anos, no seu canal do Youtube e blog, escreveu muito sobre isso, o que surtiu um efeito positivo para outras pessoas que se sentiam e ainda se sentem julgadas: “É interessante porque hoje trabalho com diferentes coisas, escrevo contos, tenho dois projetos em andamento sobre sexualidade aqui no instagram, e as pessoas voltam àquele vídeo. Isso é legal, sinal de que meu trabalho importa e afeta aquelas que já se sentiram perdidas também”, relata.

A importância de conteúdos de mulheres para mulheres torna-se perceptível a cada momento que uma se identifica com a outra e ambas podem entender os seus corpos, acontecimentos, e seus lugares de fala também. Amanda acredita que o movimento feminista, além de ser uma rede de apoio, é uma construção diária.

EU ENTENDO O FEMINISMO COMO UM PROCESSO E QUE ESTÁ O TEMPO TODO EM CONSTRUÇÃO, HOJE EU SOU MUITO MAIS FEMINISTA QUE ONTEM, MAS TALVEZ MENOS DO QUE AMANHÔ

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