Ceos #5 Na raiz do preconceito (2020/1)

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ELAS TAMBÉM QUEREM JOGAR COM DIVERSAS BARREIRAS E ATÉ MESMO PROIBIÇÃO AO LONGO DO CAMINHO, JÁ PASSOU DA HORA DE MULHERES BRILHAREM DENTRO DAS QUATRO LINHAS POR JOÃO CAMMARDELLI

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rês gerações distintas, diversas barreiras no caminho, mas um único objetivo: jogar futebol. Mesmo o Brasil sendo conhecido como “o país do futebol”, este termo parece funcionar apenas para os homens. Precisando enfrentar diversos preconceitos, poucas oportunidades e a má ou quase nula remuneração, as mulheres batalham diariamente para que, dentro das quatro linhas, elas possam ser reconhecidas assim como os homens. E para começar a falar do cenário atual do futebol feminino no Brasil, precisamos voltar até 1983, quando a modalidade finalmente foi regulamentada no país, após ela ter ficado quase 40 anos proibida. Mesmo com este atraso, o pontapé inicial foi dado, e foi a partir daquele momento que as jóias que antes precisavam jogar escondidas puderam mostrar a sua cara dentro de campo. A carioca Mariléia dos Santos, de 56 anos, nascida na cidade de Valença, localizada na zona rural do Rio de Janeiro, é um exemplo disto. Presente nos campos de várzea desde pequena, Mariléia parece que nasceu para o esporte. “Eu acho que já jogava desde a barriga da minha mãe. Eu sou a caçula de 11 irmãos, seis mulheres e cinco homens, e todos jogavam futebol. Eu vim para completar o time”, brinca a atleta. Mas você pode estar se perguntando: quem foi Mariléia? Realmente, por este nome, apenas os mais íntimos reconhecem, 32

pois com a chuteira no pé e nos gramados, ela fez a sua história mesmo como Michael Jackson. O apelido, que ficou eternizado nos microfones por causa do narrador Luciano do Valle, se deu devido a suas colegas de equipe na época, que a chamavam assim graças a sua semelhança com o cantor americano. Assim como o Rei do Pop, Mariléia também dava show, mas dentro de campo.

O INÍCIO DE UMA CARREIRA VITORIOSA Logo na sua primeira equipe, o Esporte Clube Radar, Mariléia já encheu os olhos de quem a assistia. Com 800 gols e diversos títulos importantes em seis anos, ela logo se tornou referência e inspiração no cenário esportivo. E óbvio que ela não podia ficar de fora da primeira Seleção Brasileira da história. Em 1988, houve a edição experimental do Mundial, e esta foi a estreia da seleção verde e amarela. Sediada na China, a competição contou com outras 11 equipes, e as brasileiras não deixaram a desejar. Com uma medalha de bronze na bagagem, a terceira colocação serviu para demonstrar que, com condições básicas para o desenvolvimento na modalidade no país, a categoria tinha tudo para crescer, pois a habilidade era garantida. Na volta para o Brasil, Michael Jackson continuou se destacando nos estádios brasileiros.

Após uma passagem pelo Saad, logo após sair do Radar, Mariléia recebeu uma proposta para atuar pela equipe do Torino, da Itália, em 1995, e não pensou duas vezes em atuar no Velho Continente e se tornar a primeira atleta a atuar fora do país. Mesmo sem conquistar títulos, a atleta trouxe no seu currículo experiência e novos hábitos ao voltar para seu país natal em 1997. Na sua volta, Mariléia ainda atuou por diversos clubes e seguiu desfilando a sua habilidade e seus gols, afinal ela marcou mais de 1.500 vezes, pelas quatro linhas até 2009 e, neste período, pôde ver a evolução, ainda que a passos curtos, da modalidade feminina no Brasil.


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