Pessoas Invisíveis: Amor & Superação

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Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada com o objetivo de oferecer conteúdo para uso em atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão, bem como uma leitura com o fim exclusivo de dar visibilidade e voz para quem muitas vezes parece despercebido na sociedade. O e book tem caráter acadêmico e experimental. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial deste material.

Sobre nós:

A turma de Texto Jornalístico 2021/2 da Escola Superior de Propaganda e Marketing de Porto Alegre apostou no formato e book com complementação de conteúdo em áudio e vídeo, por acreditar que as fronteiras podem ser expandidas, que a experiência pode ser compartilhada, e que existem histórias à espera de repórteres. Queremos reverberar a empatia através de linhas, imagens e sons.

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Pessoas Invisíveis: Amor & Superação

Pessoas Invisíveis: Amor & Superação é uma publicação de caráter acadêmico e experimental da turma de Texto Jornalístico 2021/2 da Escola Superior de Propaganda e Marketing de Porto Alegre.

Supervisão docente: Leandro Olegário Produção visual e gráfica: Juliana Farinati e Natália Valduga Revisão: Natália Valduga Reportagem: Ariel Aires, Arthur S. Görgen, Claudia Vilemar, Eduarda Zini, Estephani Azevedo, Fernanda Grapiglia, Gabriela Mantay, Gustavo Segata, Henrique Pizzatto, Juliana Farinati, Lucas Egg, Luiza Pavim Cauduro, Mariana Haubert, Matheus Severo, Melany Vidal, Rafaela Hartmann, Roberta Montiel e Weverton Kamphorst

Porto Alegre novembro de 2021

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Pessoas Invisíveis: Amor & Superação
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"Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar."

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SUMÁRIO

A MISSÃO DE ESCUTAR QUEM NÃO TEM VOZ 8 ATLETA INVISÍVEL 9 ESPORTES PARALÍMPICOS, UMA PAIXÃO POUCO LEMBRADA: CONHEÇA A HISTÓRIA DE JOVANE GUISSONE, ATLETA DE ESGRIMA, MEDALHISTA NAS PARALIMPÍADAS TOKYO 202010

RESPONSABILIDADE PARA MUDANÇA: UMA VIDA MARCANDO PESSOAS E HISTÓRIAS COM O FUTEBOL FEMININO 14 INCLUSÃO INVISÍVEL 19

INCLUSÃO: ALÉM DO QUE SE PODE VER, SENTIR E TOCAR. ................................................... 20

UM OLHAR DE SENSIBILIDADE: A TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR DEFICIENTE VISUAL E SEUS DESAFIOS DURANTE A PANDEMIA 24 MULHERES QUE RESISTEM: A HISTÓRIA DAS PERSONAGENS QUE ESTÃO A FRENTE DA LUTA POR DIREITOS INDÍGENAS....................................................................................................... 29

PROJETO INVISÍVEL 34

A DIFERENÇA QUE UM GRUPO DE VOLUNTÁRIAS FAZ NA VIDA DE INÚMEROS GATINHOS ............................................................................................................ 35 CÃES DA REDENÇÃO: A JORNADA DA ADOÇÃO RESPONSÁVEL.............................................. 40

PAIXÃO INVISÍVEL 44 SUPERAÇÃO POR AMOR À CAMISA ........................................................................................ 45 UMA MULTIDÃO INVISÍVEL QUE ERGUE ÍDOLOS.................................................................... 51 CONTADORES DE HISTÓRIAS 55

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A MISSÃO DE ESCUTAR QUEM NÃO TEM VOZ

O e book Pessoasinvisíveisnasce pelo olhar da indignação com a realidade, pois é do Jornalismo a missão de contar os feitos da humanidade na atualidade. Nem sempre são histórias que gostaríamos de narrar, mas precisamos. Pelo compromisso social, é nosso dever reportarmos o caos, a dor, a injustiça. E é nosso dever reportarmos, do mesmo modo, o que funciona, os bons exemplos, a alegria. Se a ruptura do cotidiano chama a atenção para guiarmos a sociedade com as informações para que ela própria se oriente, o outro lado da moeda da noticiabilidade nos revela para não esquecermos de, também, fiscalizar aquilo que se repete.

Na disciplina de Texto Jornalístico, nosso compromisso é despertar o olhar de futuros profissionais para que possam contar histórias com humanidade, técnica e ética. Que tenham coragem e prudência. Que tenham curiosidade e desconfiança. Para que isso aconteça, é preciso que professor e estudantes estejam em sintonia fina para fazer a travessia do conhecimento juntos. Em condições normais de temperatura e pressão, é quase certo o resultado. Em um contexto pandêmico, entre janela abertas e fechadas no Zoom, de instabilidades de internet e emoções, o processo de ensino aprendizagem ganha contornos inimagináveis. Chegar até aqui com a materialização destas páginas é uma evidência de que conseguimos com êxito transpor adversidades.

A silenciada resistência indígena. Animais domésticos sem lar. Fãs ignorados por seus ídolos. Torcedores apaixonados sem vez. Professor deficiente visual e a barreira da pandemia. O preconceito a vencer fora de campo. Atleta esquecido após a paraolimpíada. Histórias garimpadas com cuidado, com carinho e com uma sensibilidade ímpar de futuros jornalistas. É a primeira reportagem com maior fôlego desdobrada em outras mídias que produzem. Marca um tempo. Marca um espaço. E queremos que marque você. Para fazer a diferença por um mundo mais solidário.

Nosso e book é um convite para ler a reportagem, ouvir o podcast e assistir ao makingofna ordem a qual você preferir, sem comprometer a compreensão narrativa. Neste semestre, foi possível novamente descobrir o que havia para além do Lead , humildade para aprender e desaprender e, claro, descobrir que a empatia deve ser inalienável ao exercício da reportagem. A pandemia e o negacionismo passarão assim esperamos e, nós, continuaremos a combater a desinformação e a calçar os sapatos do entrevistado.

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Invisíveis:
& Superação
*Por Leandro Olegário, professor da disciplina de Texto Jornalístico 2021/2 ESPM POA.

ATLETA INVISÍVEL

"Contanto que perseveremos e resistamos, teremos tudo que quisermos."

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Pessoas Invisíveis: Amor & Superação

ESPORTES PARALÍMPICOS, UMA PAIXÃO POUCO LEMBRADA: CONHEÇA A HISTÓRIA DE JOVANE GUISSONE, ATLETA DE ESGRIMA, MEDALHISTA NAS PARALIMPÍADAS TOKYO

2020

Com a realização das Paralimpíadas em 2021, fica evidente o quanto a modalidade dos esportes adaptados permanece esquecida durante o período fora do ciclo olímpico

A cada quatro anos acontecem as Paralimpíadas. Seguindo o embalo olímpico, é o momento que lembramos e até conhecemos muitos atletas que representam nosso país no maior evento esportivo das categorias para deficientes. Mas a verdade é que, diferente de grande parte das modalidades olímpicas, a visibilidade de esportes paralímpicos e seus atletas deixa muito a desejar fora desse período. Este ano tivemos as Paralimpíadas de Tóquio e os representantes do Rio Grande do Sul fizeram história. Entre eles, temos o medalhista Jovane Guissone, que mesmo com todas as suas dificuldades e limitações, conseguiu enxergar uma luz na sua vida dentro do esporte.

Gaúcho, 38 anos, com três filhos e duas medalhas no peito. Esse é o Jovane, atleta de esgrima em cadeira de rodas. Ele que é natural de Barros Cassal, atualmente mora na cidade de Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre, realizou mais um grande sonho: participar novamente de uma Paralimpíada. “Um atleta se classificar para uma Paralimpíada é um sonho, mas quando ele conquista uma medalha Olímpica é um sucesso! Tudo o que ele fez para chegar onde chegou, mostra que deu certo” explica

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Imagem/Reprodução: CPB

o medalhista de ouro em Londres 2012. Esse ano, Jovane foi brilhar no outro lado do mundo: foi um dos onze gaúchos na delegação brasileira para as Paralimpíadas de Tóquio. Do Japão, voltou com a segunda melhor marca de sua carreira, uma medalha de prata, e ajudou o Brasil a ficar na melhor colocação da história das participações do país na competição.

Entre os atletas paralímpicos, Jovane é um dos que nasceram sem deficiências. Gostava muito de jogar futebol com seus irmãos durante sua infância, mas acabou ficando paraplégico aos 21 anos de idade após reagir a um assalto. Apenas quatro anos depois, teve seu primeiro contato com os esportes adaptados, se profissionalizando na esgrima em cadeira de rodas.

“O esporte pra mim é vida, não sei viver sem esporte. Eu sou muito feliz porque faço o que gosto e posso levar nossa bandeira no lugar mais alto do pódio.”

Apesar da relevância enorme das Paralimpíadas, ela acaba representando muito pouco a batalha dos atletas fora do ciclo olímpico. Jovane define sua rotina de treinos que, de segunda à sexta, começa às 9 horas e vai até as 14 horas, com preparação física, fisioterapia e muita esgrima. Além disso, o atleta exalta a realização das competições nacionais e internacionais, as quais seu rendimento o possibilitou ficar na primeira colocação no ranking brasileiro e consequentemente defender o país no Japão.

Relação mídia X esportes paralímpicos

Não precisa ser nenhum analista de dados para perceber como o esporte paralímpico tem pouco espaço na mídia brasileira. Apenas sentando em frente a televisão, percebemos como os esportes praticados por atletas sem comorbidades possuem maior espaço nas emissoras e veículos de comunicação. Se falarmos de futebol, automaticamente já pensamos em Neymar, Marta, Cristiano Ronaldo, Alex Morgan e Messi, porém dificilmente pensamos em atletas de futebol para cegos como o brasileiro Ricardinho. Tudo isso acaba por acarretar diversos problemas como: a falta de investimentos nesses esportes, pouca visibilidade para esses atletas e a ausência de uma representatividade para crianças que futuramente poderiam ser grandes esportistas paralímpicos ou apenas para enxergarem que existem pessoas como elas conquistando o mundo.

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Ainda que insatisfatória, a visibilidade do movimento paralímpico começou com um crescimento no Brasil após 2004, principalmente na mídia televisiva. Até então, a mídia escrita era a única que se interessava. O marco da entrada e de maiores visualizações aos esportes paralímpicos foi os Jogos Paralímpicos de 2004 e 2008, a importância dada pela mídia foi maior. A maior emissora do país, a Globo, exerceu uma grande cobertura, através do SporTV. Porém, mesmo assim não são números que agradam muito. A Olimpíadas de Tokyo 2020 teve uma cobertura espetacular pela Globo, ganhando espaço em toda a programação da noite, mas não foi o mesmo que vimos nas Paralimpíadas. Apenas o SporTV trazia os jogos (nem todos) para os telespectadores, muitas pessoas não sabem que o Brasil quebrou diversos recordes e no quadro geral de medalhas terminou a competição em sétimo lugar com um total de 72 medalhas, sendo 22 de ouro.

Visão de Jovane na relação mídia X esportes paralímpicos

O atleta comenta como é incrível a sensação de estar competindo dentro do Brasil, pois os torcedores interagem muito com eles, nas Paralimpíadas Rio 2016 isso foi muito perceptível. Por isso a importância de manter o povo brasileiro próximo aos atletas, “quando a mídia mostra os esportes paralímpicos, com certeza mais gente vê e vem pro esporte Paralímpico, tanto o nosso povo brasileiro, quanto os demais”. A própria procura pelos atletas, praticamente acontecem apenas nos anos olímpicos, neste momento que suas histórias são contadas, porém esquecidas logo após. “Vejo muito isso, no ano de olimpíada e Paralimpíadas, o pessoal das mídias procuram sim muitos atletas, porque não são sempre lembrados. E a falta de investimento prejudica sim na carreira de um atleta, pois dependemos de investimentos para competir, viajar e jogar”. O impacto vai muito além de apenas não transmitir os jogos como forma de entretenimento para as pessoas.

Jovane comenta sobre suas principais conquistas da carreira, sem deixar de mostrar o quanto sua família é importante. “Foram várias conquistas na minha vida: o nascimento do meu filho Jovane Júnior, a medalha de ouro em Londres 2012 e, em 2021, o nascimento das minhas gêmeas Alícia e Cecília e a conquista da medalha de prata em Tóquio”. Sozinho o atleta provavelmente não chegaria a lugar nenhum, perdeu movimentos no seu corpo, suas pernas o abandonaram, mas não o impediu de seguir em frente, lutando pelos seus sonhos. Jovane ganhou luz, uma linda família e uma grande história de superação dentro do esporte.

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

RESPONSABILIDADE PARA MUDANÇA: UMA VIDA MARCANDO PESSOAS E HISTÓRIAS COM O FUTEBOL FEMININO

Com passagem em mais de 10 clubes, Thessa é sinônimo de luta, exemplo e cuidado com as futuras jogadoras do Brasil

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

Ela é ágil, sabe se posicionar e marcar muito bem; tem cabelo cacheado, com algumas mechas loiras, mas não grossas; fica muito bem de vermelho e está sempre com sua chuteira nos pés, propriamente de uma jogadora de futebol feminino; e parece extremamente feliz com a profissão escolhida. Nasceu em Jundiaí, interior de São Paulo; formada em marketing; gentil, divertida e de um coração enorme. Nos referimos a Thessa Tayna de Paula, 34 anos, uma jogadora de futebol que atua como volante no time Sport Club Internacional em Porto Alegre.

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Começou sua vida no futebol com apenas 11 anos de idade e sem pretensão. Na verdade, foi descoberta por um professor do centro esportivo da cidade onde estava acostumada a jogar diversos esportes, como o vôlei. De imediato, o convite feito pelo professor foi negado, pois ela não sabia que existia a modalidade de futebol feminino e até então não tinha a aprovação da mãe.

"Eu falei que não, não conhecia o professor, tinha só dez anos e um cara me chama do nada pra jogar?!"

Um tempo depois, o professor a viu novamente jogando e decidiu conversar com a dona Elani de Paula, mãe da Thessa. Ela aceitou na hora, disse que tudo bem se sua filha quisesse jogar, e como o professor ia dar futebol feminino neste mesmo centro esportivo, foi jogada certa! E assim, foi o início de quase 20 anos de carreira.

Com apenas 15 anos, começou sua vida profissional no futebol e durante este tempo ficou na sua cidade por seis anos, disputando campeonatos municipais. Depois desse período, ganhou uma bolsa de estudos em Jaguariúna para cursar fisioterapia. Mas, para quem pensou que sua carreira terminaria por ali, estava enganado. Thessa foi convocada pela primeira vez, na categoria de base sub 20 para a seleção brasileira.

“Foi quando eu fui convocada pela primeira vez, na categoria de base sub 20, aí sim eu percebi que dava pra ser muito mais do que eu gosto de fazer."

Como sempre teve o apoio dos familiares e amigos, a trajetória não foi tão difícil, somente quando a paravam para perguntar "mas isso é trabalho?". A jogadora ainda conta que quando volta para a sua cidade, as camisetas do time atual vão embora na mesma hora e que é de lei ter também o futebol com os amigos mais próximos.

O sonho do seu pai sempre foi ser jogador de futebol, ele a acompanhou muito durante o começo desta grande trajetória, mas infelizmente faleceu e não conseguiu ver tudo o que Thessa alcançou e mudou no futebol feminino. Por outro lado, dona Elani, esteve com ela em todos os jogos e sempre faz farra quando a jogadora entra em campo, avisando que "aquela lá" é a sua filha.

“A minha mãe me acompanha até hoje,

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é apaixonada por futebol feminino. Além de mim, acompanha todas as minhas amigas também!"

Dentro do campo, a jogadora conta que nunca teve nenhum problema. Ela fez parte dos times do Paulista de Jundiaí (2000/2004), Guarani (2001), Jaguariúna Motorola (2005/2006), Saad Esporte Clube (2007/2009), que é um dos pioneiros do futebol feminino, no Vasco (2009/2012), Foz Cataratas (2013), Centro Olímpico (2013/2014), São José do Rio Preto (2015), Santos (2015/2016), Audax (2017), e por último, no Sport Clube Internacional (2017), onde está atualmente, na capital dos gaúchos.

"Estou há cinco temporadas já, desde 2017. Nessas, perdemos um gauchão em 2018, e tomara que a gente ganhe o próximo, se for contra eles é melhor ainda!"

Quando olha para trás, acredita ver uma mudança drástica no futebol feminino, pois com o tempo a modalidade ganhou mais atenção e teve uma evolução, tanto na mudança de clubes, quanto na estrutura de federações e confederações. “Eu vejo uma mudança drástica de cinco anos pra cá, não falo nem de quando eu comecei. Com essa obrigatoriedade (do futebol feminino nos clubes), fez com que as coisas melhorassem a modalidade, porque criou mais visibilidade. Eu comecei em São Paulo, e lá o futebol feminino já acontecia, mas se for ver no contexto Brasil, a evolução é gritante.”

No que uma pandemia pode afetar uma jogadora de futebol

No final de 2019, uma epidemia do novo coronavírus iniciou em Wuhan, na China, e rapidamente se espalhou para o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) determinou no dia 11 de março de 2020, a Covid 19 como uma pandemia. Com isso, escolas, bares, restaurantes, shoppings e, principalmente, estádios de futebol fecharam.

Logo em seguida, no dia 16 de março, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) decidiu suspender, por prazo indeterminado, as competições nacionais sob sua coordenação que estavam em andamento, como a Copa do Brasil, Campeonatos Brasileiros Femininos A1 e A2, Campeonato Brasileiro Sub 17 e Copa do Brasil Sub 20. E após isso, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) também suspendeu o Campeonato Gaúcho, inicialmente por 15 dias, mas esse prazo acabou se estendendo.

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Dessa forma, os times pararam e as jogadoras foram obrigadas a ficarem de quarentena em casa, o que acabou prejudicando o trabalho que vinha sendo desenvolvido pelos treinadores dos clubes.

"Eu me lesionei em 2019, tive uma lesão no joelho e eu estava em um processo de recuperação. Então, quando fechou tudo, eu não tinha como continuar fazendo a minha recuperação ficar 100% para quando a gente voltasse para os jogos."

2020 foi um ano difícil e, principalmente, desafiador para Thessa. A pandemia trouxe uma série de problemas para a atleta, que precisava cuidar da sua lesão. Foram quatro longos meses em casa, sem poder sair para a fisioterapia e tentando resolver com exercícios que pudessem ser feitos por ela mesma.

Em julho, quando os treinos retomaram, houve uma dificuldade por parte da jogadora para ter o mesmo nível que as colegas, pois não estava com o mesmo condicionamento físico de antes.

"O ano de 2020 para mim foi muito ruim, eu não conseguia jogar, não conseguia estar no mesmo nível das meninas, foi bem complicado."

Um futuro fora dos gramados, mas dentro do futebol Jogadora de futebol, profissional de marketing e empreendedora, Thessa afirma já estar perto da sua aposentadoria. Sua última temporada com o Internacional acaba no fim do ano, e segundo a jogadora, uma das únicas coisas que faltaram na sua trajetória, foi o título da Libertadores.

"É um desejo meu, eu gostaria de aposentar no Inter. Acredito não querer ir para outro lugar, quero encerrar por aqui."

Os planos para o futuro já estão certos: fazer tudo o que ela pode pela modalidade e ajudar muitas garotas a realizarem o sonho de jogar futebol. A princípio, trabalhar na parte técnica não é uma opção, pois Thessa conta ser muito chata para isso.

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"Eu gosto muito da supervisão, da gestão do futebol. Eu estou tentando entrar na área de captação e acredito que o futebol feminino precisa muito disso "

Além disso, Thessa diz que é necessário ter pé no chão neste mundo do futebol feminino e o recado que deixa para as futuras jogadoras é que "o futebol feminino não está pronto, ainda é preciso ter calma, pois as coisas irão acontecer, mas não é com pressa e sim com responsabilidade.”

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

INCLUSÃO INVISÍVEL

"A inclusão é a oportunidade do olhar respeitoso e amoroso na sociedade."

Ana Cláudia Peixoto

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INCLUSÃO: ALÉM DO QUE SE PODE VER, SENTIR E TOCAR.

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Marcelo de Oliveira Marcelo de Oliveira tem 28 anos e trabalha com Tecnologia da Informação em uma das empresas de maior renome na América Latina, o Mercado Livre. Enquanto essa reportagem foi produzida, a rotina do paulista no emprego consistia em um treinamento, já que foi efetivado recentemente. Emprego que parecia impossível de ser encontrado, afinal, nem toda empresa estava preparada para receber um funcionário como ele.

Você sabe o que são PCDs? Segundo a ONU, considera se pessoa com deficiência "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Um conceito muito abrangente que, para quem não está familiarizado, torna se de difícil compreensão.

Se compreender já é complicado, criar uma consciência e cultura de inclusão é ainda mais. Mas não deveria ser. Segundo o último censo do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2019, 17,3 milhões de pessoas vivem com algum tipo de deficiência no Brasil. Sendo que, 67,6% não possuem o ensino fundamental completo ou nenhum grau de instrução. Sendo assim, apenas 28,3% estão na força de trabalho.

Quando falamos em inclusão o que vem a nossa mente? A resposta pode parecer óbvia. Mas a inclusão na prática é muito mais complicada, ainda mais por ser um debate que não faz parte da agenda da população no geral e, em momentos de crise,

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passa ainda mais despercebida. É um ambiente hostil, mas, como vamos esmiuçar em breve, não precisa e não deveria ser.

O que nós temos a ver com isso? Tudo. A inclusão é um processo, não acontece do dia para a noite. A equidade se alcança através das oportunidades. Como essa que Marcelo recebeu neste ano.

A eficiência da diversidade

A esquizofrenia faz parte da vida de Marcelo desde a sua infância. Uma condição mental que ainda é pouco compreendida pela sociedade, mas que não o impede de realizar o seu trabalho de maneira efetiva. Êxito que vem sendo alcançado graças ao trabalho de muitas pessoas. Mas, principalmente, de sua força de vontade e competência.

O rapaz cursou quatro anos da faculdade de tecnologia da informação, chegando até os últimos semestres, mas, na reta final encontrou dificuldades para conciliar o trabalho e os estudos. Empecilho que se tornou ainda maior pelas pressões advindas da empresa que trabalhava no passado. Chegando o momento em que teve que optar entre a empresa e os estudos.

Marcelo escolheu o emprego. Mas não foi reconhecido por isso. A empresa acabou por contratar outro time de maneira terceirizada, tirando o rapaz de sua área e o colocando para realizar alguns serviços de contabilidade. Além dessa situação, o ambiente de trabalho mostrava se um pouco hostil para ele, que sentia dificuldade em lidar com a pressão.

"Eu tinha questões da minha vida pessoal um pouco bagunçadas, por eu ter a deficiência mental, esquizofrenia, eu era um cara paranoico, não fazia muitas amizades e era um círculo vicioso, eu me sentia frustrado, não conseguia produzir e não produzindo, eu não tinha o respeito das pessoas e isso me deixava mal" conta o rapaz.

Círculo vicioso que, viria a ser quebrado, graças a uma empresa de Recursos Humanos focada na inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, a Egalitê. Marcelo conta que a empresa fez o meio de campo de forma gratuita para que ele fosse, enfim, admitido em uma companhia que possibilitasse o seu pleno desenvolvimento.

Hoje, trabalhando no Mercado Livre, ele conta como o ambiente de trabalho faz toda a diferença para a sua qualidade de vida. Detalha que sua rotina no trabalho não tem nada a ver com aquele velho modelo de trabalhar, principalmente por não ter

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protocolos muito rígidos. "Eles valorizam a liberdade, o protagonismo das pessoas tomarem as decisões e correr seus riscos".

Além de ter autonomia sobre seu trabalho, um fator que faz o rapaz sentir se muito bem acolhido no ambiente de trabalho é a diversidade. "Existe uma prioridade da empresa cumprir com toda a agenda a questão dos PCDs, inclusão das mulheres e LGBTs em melhores condições de trabalho".

A possibilidade de encontrar um ambiente favorável para seu pleno desenvolvimento ainda é utópico para uma boa parte das pessoas com deficiência, mas o futuro reserva dias melhores para elas. E um vislumbre desse futuro existe graças a ajuda de muitas pessoas.

A inclusão nos pequenos detalhes

Marcéli é coordenadora de RH e conta da dificuldade de grandes corporações em fazerem essa inclusão. Formada em psicologia, atua há mais de 10 anos com gestão de pessoas e, hoje em dia, dentro de uma consultoria especializada em recrutamento e seleção de pessoas com deficiência. Trabalhando arduamente junto com coordenadores, para que a inclusão não seja apenas uma legislação a ser seguida.

Ela também reforça que esse estereótipo é perpetuado culturalmente, e que a inclusão deve acontecer desde os anos base da nossa vida “Eu acho que quanto mais a gente tiver pessoas do nosso convívio com deficiência, seja lá qual for a diversidade dessa pessoa, mais habituados nós vamos estar e menores vão ser os preconceitos que todos nós temos”

A gestora comenta que hoje já existem muitas empresas dispostas a fazer essa inclusão, mas outras, nem tanto. O que mais se vê são empresas querendo que a pessoa se adapte ao ambiente, sendo que deveria acontecer ao contrário “É aceitar que a pessoa com deficiência não precisa se adequar ao ambiente, somos nós e o ambiente que precisam se adequar a elas. Nós não temos limitações, pessoas não PCDs não tem limitações”.

No Brasil essas pessoas estão asseguradas através da Lei Nº 13.146, de 6 de Julho de 2015, que diz em seu Art. 1º “É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.”

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Legislação que vem sendo levada cada vez mais a sério pelas empresas. Como pudemos acompanhar na rotina de Marcelo, a conscientização está fazendo parte do ambiente corporativo. Os tempos estão mudando e as empresas precisam acompanhar essa evolução se ainda quiserem continuar no jogo, vista com bons olhos pela população que está cada vez mais atenta

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Marcéli

UM OLHAR DE SENSIBILIDADE: A TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR DEFICIENTE VISUAL E SEUS DESAFIOS DURANTE A PANDEMIA

Um professor fora da curva com uma caminhada única, Allan Cocenski narra sua história de vida e mostra o que há de mais bonito em sua profissão: o amor por lecionar.

“Quando a gente vai perdendo alguma coisa aos poucos, a gente não percebe”. Allan Cocenski, professor alfabetizador e psicopedagogo de 33 anos e residente da cidade de Sapiranga no Rio Grande do Sul, conta, com uma disponibilidade e uma abertura enorme, um pouco sobre a sua história de vida desde a influência que a educação tem para ele desde jovem, até como ele perdeu grande parte de sua visão e onde ele se encontra hoje, um professor alfabetizador na cidade em que reside.

A realidade que as pessoas ao redor do mundo vêm enfrentando é completamente nova: um cenário de pandemia que, a passos lentos, parece se aproximar do seu fim. Cada pessoa possui uma realidade própria, enfrentando seus desafios pessoais e diários, os quais, para muitos, foram intensificados e modificados devido a pandemia da Covid 19. Assim como para muitas pessoas, a pandemia também foi muito desafiadora para o Professor Allan. Contudo, ele enfrenta um desafio em dobro: ser professor e também deficiente visual em um momento tão delicado.

Com uma mãe que, hoje aposentada, também já foi professora, ele conta que o mundo da educação, dos cadernos e dos livros sempre esteve muito presente

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Imagem/Reprodução: Prefeitura Municipal de Sapiranga

em sua vida, o que o levou a ter uma trajetória muito acadêmica e voltada para a educação. Allan conta sobre seu caminho e a formação de sua carreira como professor, bem como sobre a influência que sua deficiência visual teve em todo esse contexto.

Sua trajetória como professor teve início através do curso de pedagogia, mas a prática aconteceu mesmo em 2008: Allan assumiu como professor de um projeto de música. Ele conta que sempre teve uma conexão grande com a música, uma familiaridade e um conhecimento com o violão combinando isso com seu curso de pedagogia, ele começou então um projeto de violão. Por cerca de oito a nove anos, ele foi professor de música, atendendo seus alunos no contraturno e os ensinando a tocar o instrumento

Ao contar sobre os anos como professor de música, Allan carrega consigo uma fala repleta de carinho e de gratidão, demonstrando o seu enorme apreço pela música. Ele conta que, após os anos lecionando nesta área, decidiu entrar em um concurso de Sapiranga para ser professor de séries iniciais. Ao contar um pouco sobre esse momento de sua vida, Allan traz em sua fala como sua deficiência visual influenciou no processo, abordando a questão das cotas para deficientes e trazendo à tona a constante falta de entendimento e o preconceito que grande parte das pessoas ainda possui com relação a esse assunto.

“Como eu tenho algumas restrições, quando eu entrei no concurso eu entrei pelas cotas né, as famosas cotas. E, ao contrário do que as pessoas pensam, as pessoas pensam “ah, entrou pelas cotas, só deu o nome lá e entrou”. A gente tem que fazer uma prova como todos os outros candidatos, não tem nada de diferente, é tudo igual. A única coisa que muda é a dificuldade que a gente tem por enxergar pouco, né.”

Atualmente, ele atende um máximo de seis alunos em sala de aula, devido à restrição que possui em sua visão. Há cinco anos sua função é de professor do reforço escolar, onde ele trabalha com alfabetização, atendendo alunos do primeiro ao quinto ano que tem dificuldade de aprendizagem.

Convivendo com a deficiência visual

Na atual sociedade em que vivemos, é extremamente fácil e rápido julgar o outro sem ter conhecimento de sua realidade. Saber e entender como funciona o dia a dia de uma pessoa com deficiência visual é algo que, geralmente, está fora do conhecimento de quem não compartilha das mesmas condições. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é estimado que a deficiência visual afeta aproximadamente 39 milhões de pessoas ao redor do mundo, e que 246 milhões

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de pessoas sofrem perda severa ou moderada da visão. Com essas estimativas em mente, perguntou se ao professor a origem de sua deficiência visual e como ocorreu. O alfabetizador respondeu contando que foi justamente na educação onde começou “toda essa história de visão”, cita.

Allan relata que o primeiro sintoma de que algo estava errado foi quando seu rendimento escolar diminuiu muito. Por ser filho de professora, ele conta que sempre havia uma certa pressão a mais para que fosse bem no ambiente acadêmico. “Quando a gente vai perdendo alguma coisa aos poucos, a gente não percebe”, afirma Allan enquanto conta que começou, aos poucos, enxergar menos que o de costume. Ele próprio não sabia que não enxergava, e então se iniciou uma fase muito difícil de sua vida, onde Allan decaiu muito nos seus estudos. Acompanhar as matérias, o professor, escrever, tudo isso já não estava mais sendo possível e acabou surgindo um Allan que tentava disfarçar as suas dificuldades, o que, muitas vezes, acabou gerando conflitos com professores.

Por volta dos seus 11 e 12 anos, idade que tinha quando os problemas de visão começaram a aparecer, Allan começou a frequentar diversos oftalmologistas da região para investigar seu problema, e muitos dos médicos especialistas relacionavam a sua falta de visão com um possível quadro de depressão. O seu problema visual é na retina do olho, e não no grau do mesmo, o que significa que, além de um óculos não ser capaz de “consertar” a situação, os médicos não tinham esse diagnóstico logo nos primeiros exames e foi aí que a possibilidade de uma depressão apareceu pois, segundo os médicos, poderia ser uma tentativa de Allan de “chamar a atenção”. Mais tarde, como o professor comenta brevemente, ele de fato veio a ter depressão ao se ver forçado a lidar com sua nova condição na adolescência. Contudo, conta que ficou claro que o problema era realmente sua visão no dia em que sua mãe intercedeu na situação. “Um dia a minha mãe pegou um livro e ela me mostrou longe assim “ah esse livro aqui, como é que é o título?” e eu não consegui ler. Aí que se percebeu que era a visão mesmo”, cita.

Após todas as consultas não se tinha chegado a nenhuma conclusão ainda. Se tornou possível identificar seu quadro apenas com médicos da capital: era um problema na retina. A princípio, ele teria sua visão por apenas três meses, e, após, a perderia totalmente. Segundo o próprio Allan, a única alternativa que restava era se conformar ir para casa, sentar e chorar. Contudo, após uma série de tratamentos mais naturais com argila e álcool vegetal, uma esperança apareceu novamente, mostrando que nem tudo estava perdido: ele conseguiu atingir a porcentagem de visão que tem até hoje, aproximadamente 8% em um olho, e 9% no outro. Ou, como ele mesmo gosta de arredondar, 10%.

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Logo quando questionado sobre sua vida acadêmica e o início de sua carreira, Allan comenta sobre a grande voracidade que acompanha a faculdade, o sistema e o mercado de trabalho para deficientes visuais. Ele fala sobre como não é apenas algo voraz, mas, de certa forma, sem inclusão também.

"Vocês são do jornalismo e isso funciona muito bem, mas teoricamente e visualmente. Na prática mesmo ele é muito complicado, é um mercado muito voraz. Tu sabe fazer tu sabe, tu não sabe fazer tu não sabe. Tu consegue fazer tu vai, tu não consegue fazer tu não vai.”

Ele relata que foi tranquilo lidar com sua faculdade. Junto com os livros eram ofertados DVDs, o que facilitou muito seu aprendizado. Contudo, infelizmente, percebe se que a inclusão retratada ainda sim era muito superficial e não totalmente preparada como deveria. Allan conta que, na faculdade, reprovou em uma ou duas cadeiras por não conseguir acompanhar o conteúdo. Segundo ele, os vídeos eram apenas resumos das aulas, e não as aulas em si, o que dificultava na hora da realização das provas, sendo isso algo que, por vezes, era negligenciado e se ouvia frases como “ai, a gente esqueceu, mas tu consegue fazer assim né?”.

Quando a educação e a paixão por lecionar se encontram

Com a fala de um professor completamente apaixonado pelo que faz, Allan conta um pouco sobre como a pandemia afetou não só as aulas dele, mas também os alunos. Ele nos conta que, inicialmente, antes de virar sistema híbrido, ele produzia vídeos caseiros. Com sua esposa também sendo professora, os dois encontraram um no outro pontos de apoio: ele a gravava, ela o gravava, e juntos iam montando cenários para os vídeos e criando um esquema de trabalho completamente novo e diferente. Diferente, porém muito trabalhoso. Gravar vídeos e encontrar uma forma de transmitir o aprendizado aos alunos à distância foi um desafio que muitos professores encontraram pelo caminho. Como comentado por Allan, apesar de o produto final ficar muito interessante, todo o esforço e o trabalho por trás são muito maiores do que se possa imaginar. Porém, tudo com o objetivo de poder assessorar os alunos da melhor maneira possível, mesmo que de longe. Alunos esses que, segundo o professor, sofreram muito com o ensino a distância também. Com um olhar extremamente sensível, Allan relata sobre as dificuldades encontradas pelas crianças não apenas no ensino, mas principalmente emocionalmente.

“Acho que, emocionalmente, os alunos foram muito afetados também. Teve alunos que tu consegue ver um abismo de aprendizagem, provavelmente o ano

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de pandemia que teve, o ano passado e um pouco desse ano, não aconteceu para eles como deveria acontecer, tanto na questão de aprendizagem quanto na questão emocional.”

Um professor que, levando em conta toda a sua experiência e trajetória durante seus anos de escola quando novo, tem um ponto de vista diferenciado sobre os alunos: um ponto de vista extremamente humano e sensível, o qual se coloca no lugar das crianças, com uma preocupação grande com o bem estar emocional dos alunos e com seu aprendizado. A história de Allan é, com certeza, carregada de muita luta e muita superação, e, definitivamente, sem tristeza e mágoas. Com uma fala e uma atitude extremamente bem esclarecidas perante a vida e toda a sua trajetória, Allan nos conta sua história com leveza, com paixão e com doses de realidade.

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Imagem/Reprodução: Facebook

MULHERES QUE RESISTEM: A HISTÓRIA DAS PERSONAGENS QUE ESTÃO A FRENTE DA LUTA POR DIREITOS INDÍGENAS

O olhar de uma especialista e de uma indígena sobre as consequências da possível aprovação do Marco Temporal no Brasil

Duas mulheres: uma indígena, mestra em educação, e a outra professora universitária, especialista em direitos indígenas. Raquel Kubeo e Kellyana Veloso, separadas por 739 quilômetros de distância, mas ambas com um objetivo em comum: usarem seu espaço para resistência na luta dos povos originários, sobretudo a partir do seu amor pela educação e suas narrativas de superação.

Nascida no Amazonas e descendente do povo Tukano, Raquel Kubeo é mestre em Educação pela UFRGS e atualmente professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre. A indígena pertence à etnia Kubeo e é filha de uma mãe solo, objeto de seu mestrado, e declara que cresceu “pertencendo a essa identidade, não apenas no fenótipo”. Atualmente, faz parte da Comunidade Indígena multiétnica localizada no Centro de Referência Indígena Afro, no Rio Grande do Sul.

Enquanto cursava Direito, Kellyana começou a estudar sobre as cotas raciais no ano de 2012, até chegar nos estudos acerca de direitos de povos indígenas, após perceber que o assunto quase não era discutido dentro do curso. “Aquilo me incomodou

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Raquel Kubeo

demais, porque às vezes a gente perde muito tempo em ordem econômica, propriedade privada, mas quando foi a questão dos indígenas, foi assim... passou.”

Duas histórias distintas, mas com um objetivo em comum: a busca por direitos dos povos originários. Kellyana, vinda de Rondônia para o Paraná, a fim de realizar sua graduação em Direito, curso no qual ela encontrou interesse em se especializar nas legislações indígenas; e Raquel, vinda do Amazonas, que encontrou espaço para trabalhar a resistência, educação e arte indígena no Rio Grande do Sul.

Uma visão histórica e legislativa sobre o marco temporal

O Marco Temporal se trata de uma tese jurídica que define que povos indígenas só podem reivindicar seus direitos sobre terras em que efetivamente estavam quando da promulgação da Constituição Federal, em 5 de Outubro de 1988. O que acaba gerando uma grande discussão judiciária, entre os povos indígenas e a sociedade.

Raquel acredita que a possível aprovação da tese do marco temporal afetará não só um povo, já que essas brechas podem causar violação das leis e dos direitos indígenas. A educadora relata que a demarcação de terras deveria ter ocorrido na década de 1980, pois a questão do marco temporal é sobre direitos humanos e direitos indígenas, os quais são necessários reconhecer a existência das aldeias e das associações indígenas presentes em todo o Brasil. “São mais de 200 línguas, então, pela Constituição, todos esses direitos que falam da nossa cultura, da valorização de nós como pessoas e cidadãos com especificidades, vêm sendo discutido.”, destaca Kubeo.

O artigo 231 da Constituição Federal dispõe que são reconhecidos aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, determinando à União a competência para demarcá las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. O texto constitucional não traz qualquer tipo de marco temporal que define a partir de quando os indígenas poderiam reivindicar essas terras.

Por isso, a professora universitária Kellyana Veloso, docente do curso de Direito no Centro Universitário São Lucas, em Ji Paraná, Rondônia, acredita que o Marco temporal é inconstitucional e imoral. Pois conforme a mesma, não é correto exigirem demarcar terras num período muito posterior ao qual elas foram tomadas dos indígenas pelos colonizadores, já em 1500.

De acordo com Kellyana, “são reconhecidos aos indígenas a terra onde eles tradicionalmente ocupam, e isso, para o Direito, significa o quê? Está reconhecido que, no passado, antes da existência de Estado, da lei, da Constituição, eles já estavam aqui.

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Se eles já estavam aqui, a terra é deles. Então o Estado não está dando terra indígena, nem está criando direito a partir de 1988, ele está reconhecendo um direito que já existia em 1492.”

Raquel corrobora essa visão, ressaltando que, enquanto pode se dizer que o Brasil, como país, tem 521 anos, existem registros arqueológicos que mostram a existência de povos indígenas nesse território entre dois mil e cinco mil anos atrás. Já a professora universitária, Kellyana, explica ainda que usa como referência o ano de 1492, quando os europeus chegaram à América, ao invés de 1500, que define como uma “data colonial”, dizendo que “se for estabelecer um marco, é 1492, né? Não 1988.”

A pesquisadora, Kellyana, conta que se dedica à área da pesquisa de Direito, acerca dos direitos indígenas, desde 2012 e que se preocupa com a decisão sobre o marco temporal. Segundo ela, os indígenas têm uma ligação muito forte com a terra, pois além da mesma representar moradia, representa fonte espiritual e alimentícia.

“Por ser minoria, é um povo que historicamente sofreu repressão, opressão, violências, e é um povo que não está representado na sociedade, especialmente nos poderes judiciário, executivo, legislativo, então eles não têm representação política para fazer valer seus direitos.”, afirma Kellyana. Segundo a mesma, para que os indígenas se tornem mais visíveis em nossa sociedade são necessárias iniciativas do Estado e da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), pois esses povos necessitam de proteção e de terem seus direitos reconhecidos.

Raquel explica que o Brasil tem em torno de 365 povos indígenas, sem contar os considerados isolados, que não têm contato direto com a dinâmica de sociedade apresentada no país, além de uma gigante variedade linguística, com mais de 200 línguas registradas. “Pela Constituição”, explica a professora, “todos esses direitos que falam da nossa cultura, da valorização de nós como pessoas e cidadãos com especificidades, vêm sendo discutidos. Então são várias brechas que a gente pode dizer de violação das leis, e de violação dos nossos direitos. A gente tá falando de direitos humanos e de direitos indígenas.”

A resistência indígena por meio da continuidade

Quanto à sua própria história, Raquel relembra que sua família não é toda brasileira, já que sua etnia também vem da Colômbia. “São trajetos milenares, que têm pelo menos 5 mil anos”, conta a artista. “Porque o Brasil, se a gente for contar, tem 521 anos. O meu povo, por exemplo, tem entre 2 mil e 5 mil anos; tem povos

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que têm registros arqueológicos de 2 mil anos, 5 mil anos de existência, nesse território que chamam de América Latina.”

“Não tem como eu falar de mim sem falar da história antes de mim”, destaca a indígena. A ancestralidade, conceito que os povos originários têm muito respeito e seguem muito, foi retratada na tese de mestrado de Raquel, que destaca a importância das mulheres na luta indígena, mesmo que, na maioria das vezes, não haja o reconhecimento merecido, “muito da resistência hoje no Brasil também é fruto da luta dessas mulheres, que agem muitas vezes de maneira silenciosa.”

É por meio da educação que a indígena Kubeo acredita que os direitos dos povos originários possam ser reconhecidos. “Acredito que um primeiro passo é um currículo antirracista mais efetivo em relação às culturas indígenas no Brasil”, afirma ela. Além disso, Raquel cita que para a manutenção da cultura indígena é necessário que ocorra uma criação e uma aplicabilidade de leis, segundo a mesma “acredito que isso seja mais no sentido de leis orgânicas, de prefeituras, de municípios principalmente, de valorização desde o artesanato às expressões culturais. Porque, na verdade, os artesanatos são expressões culturais, a gente vê muito precarizado ainda o tratamento das leis orgânicas dos Municípios em relação a população indígena”.

Raquel destaca a coragem e a ousadia como marcas que gostaria de deixar para o mundo. Enquanto mulher indígena, a professora explica que, apesar dos riscos, não se deve ter medo, mas sim determinação de ser e estar. “Eu tenho muito essa determinação de, mesmo que as portas estejam fechadas, a gente dá um jeito. Eu falo muito do chute na porta, que às vezes não é o preferível, mas que muitas vezes a gente tem que fazer.”

Tem interesse em saber mais sobre a temática indígena?

Livros: Ideias para adiar o fim do mundo Ailton Krenak; Direitos dos povos indígenas em disputa no STF Manuela Carneiro da Cunha e Samuel Barbosa; A Queda do Céu: Palavras de um xamã yanomami Bruce Albert e Davi Kopenawa.

Lideranças indígenas: Márcia Kambeba, Sonia Guajajara, Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Denilson Baniwa, Raoni, Davi Kopenawa.

Trabalho de Resistência Indígena: Corpo Terra, Manifesto das Retomadas (documentário disponível no canal Oderiê no Youtube).

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Kellyana Veloso

PROJETO INVISÍVEL

“Aqueles que mais ensinam sobre humanidade, nem sempre são humanos.”

Donald L Hicks

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A DIFERENÇA QUE UM GRUPO DE VOLUNTÁRIAS FAZ NA VIDA DE INÚMEROS GATINHOS

O Projeto Resgatinhos, que conta apenas com doações e o trabalho de algumas voluntárias, já tirou das ruas mais de 300 gatos desde 2013

Por Gabriela Mantay e Luiza Pavim Cauduro

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

“E aí para mim o voluntariado foi algo que transformou assim a minha vida né.” Relatou Mariana Cavalcanti Albuquerque Pacheco, 36 anos, que se envolveu com o Resgatinhos em 2017. Assumindo apenas as fotos para as divulgações e servindo de lar temporário, ela acabou se apaixonando e não parou mais, se envolvendo cada vez mais nessa iniciativa.

Mariana começou a se envolver com voluntariado em uma ONG, que atendia diferentes animais, em 2014, após um episódio de depressão e ansiedade, e diz que tinha uma paixão pelo lugar. Três anos depois, quando buscava uma “cat sitter” para seus gatos, conheceu a Maitê Brackmann, empresária e uma das criadoras do projeto, junto à Ana Luiza Ratier Do Prado Lima, “ela contou a história dos resgatinhos e eu comecei a acompanhar a página, e acabou que eu fiquei! E a Maitê acabou saindo depois de um tempinho, mas foram as duas que começaram e eu conheci o projeto por causa dela.” No início, Mariana se envolveu fotografando para ajudar a aumentar as doações dos gatinhos, ela conta que o projeto tinha muita dificuldade para doar os

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felinos e que as voluntárias não tinham muita noção de fotografia. Então Mariana que tinha “uma máquina mais ou menos boa” percebeu que poderia começar a ajudar ela tirando foto. Logo depois, foi lar temporário para uma gata (que optou por adotar e está com ela até hoje) e assumiu outras funções, agora, quatro anos mais tarde, não trabalha mais com as fotos, porém segue muito presente no projeto.

Ainda sobre as fotografias, Mariana fala sobre a importância “das aparências” no processo de doação: “As pessoas acabam se interessando por aquilo que é a primeira impressão, aquela foto produzida faz toda a diferença e foi visível o quanto aumentou depois que a gente começou a investir nisso”, atualmente as fotos são feitas por uma fotógrafa que também é voluntária. Sobre essa questão, durante a entrevista, também é trazido à tona o interesse predominante das pessoas em tipos específicos de gato, “a gente tem mais facilidade mesmo filhote e ainda assim a gente nota muito preconceito de cor.” Ela explica que quando o projeto tem um filhote laranja e um filhote tigrado, muitas pessoas aparecem interessadas pelo laranja, e nenhuma pelo tigrado, outra dificuldade é em doar felinos que são mais velhos ou que possuem alguma deficiência.

“E acho que a primeira frustração veio assim, quando tu começa a lidar com gatos que já não são tão saudáveis...”

Assim como todos os projetos, ser voluntária no Resgatinhos resulta em lidar com dificuldades e frustrações, tanto pessoais, quanto do projeto em si, principalmente no cenário de pandemia que nos encontramos. Quando questionada sobre as maiores dificuldades a nível pessoal, Mariana contou sobre seu primeiro contato com um gato especial, o Fifis.

O gatinho, Fifis, usava fralda e conseguia mexer as patas de trás, porém não conseguia fazer as necessidades sozinho. Em casos assim, é uma missão quase impossível achar um lar para o felino, pois, segundo a voluntária, dificilmente alguém tem tempo para tantos cuidados. “Então eu acho que a primeira frustração veio disso, tu resgata um gato, e essas são coisas que tu não sabe na hora que opta por tirar ele da rua, que vai dar trabalho pelo resto da vida dele.”

Mais uma dificuldade trazida por Mariana é a carga emocional de conviver com diversos pedidos e tragédias, segundo ela é um sofrimento ter que lidar com as tragédias todos os dias; “tu ter que ficar negando ajuda, quase que diariamente, é uma coisa muito ruim e é difícil assim sabe?” Desde que começou, Mariana conta que sempre escutava: “vocês não vão conseguir salvar todos eles”. Apesar de dizer que elas acabam se acostumando, relata que ainda tem dias que dói, ”tem muitas coisas boas de fazer

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voluntariado, mas tem um lado pesado que pouca gente tem ideia.” Além disso, conciliar a vida pessoal com o trabalho não é fácil, no dia de nossa entrevista, Mariana estava no período final da gravidez, e nos contou que não sabe como vai ser a partir de agora, mas que pretende continuar fazendo o possível!

Mas, não bastante os problemas pessoais, ela nos conta também as dificuldades de ser um projeto que conta apenas com ajuda voluntária. Mariana fala sobre como o Resgatinhos prioriza ter controle da situação, dando o melhor tratamento possível aos gatos resgatados, porém isso faz com que elas precisem delimitar a atuação. Em todas as perguntas relacionadas aos desafios do projeto, a voluntária traz um ponto em comum: a questão financeira, afinal, depende de doações e apoio dos seguidores. “Por mais que a gente tenha muitos seguidores e tudo, não reverte tanto quanto a gente precisa. Por exemplo, na meta do APOIA SE, nossa plataforma de doações, a gente precisaria em torno de 7 mil por mês ou um pouquinho mais. E a gente não atingiu ainda essa meta e acaba que volta e meia a gente tem despesas extraordinárias, como aconteceu mês passado quando um gatinho engoliu um barbante na casa do lar temporário. Precisa fazer ultrassom, endoscopia e às vezes tem que abrir para retirar, quando tu vê uma internação dessas vai a 3 mil reais, sabe, facinhoacaba que dá um susto e acontece com frequência!”. Uma das formas encontradas por elas de contornar estes gastos “surpresas” é por meio de rifas.

Outro problema recorrente do projeto reside no fato de que ele não possui um local, os gatos ficam em lares temporários, na casa de voluntários, até serem adotados. Sobre isso, Mariana conta que algumas pessoas fazem por um tempo, e eventualmente pedem uma pausa, e se usa como exemplo: “eu sempre dei abrigo para os gatos, mas agora que eu estou grávida, eu tive que dar uma paradinha, mas é uma coisa que eu amo fazer. Eu adoro fazer lar temporário.” Essa questão também é uma dificuldade, porque o projeto não tem muitas pessoas disponíveis para fazer a função, embora Mariana descreva como “uma coisa super fácil, em tese”, afinal elas disponibilizam tudo para o lar temporário, o mais difícil se restringe aos cuidados básicos. Porém, mesmo fornecendo tudo, nem sempre um voluntário aparece para a função: “agora a gente andou pedindo um lar temporário, não apareceu ninguém. Tem vezes que tem que ficar insistindo”

Além disso, Mariana nos contou sobre o impacto da pandemia, que aconteceu de forma negativa e positiva sob o projeto. Ela relata que no início houve um aumento da procura pelos gatos, porém não de forma expressiva, já que o projeto tem uma postura criteriosa para escolher os adotantes. “Definitivamente, a gente tem vários critérios bem rígidos que não abre mão, a questão das telas nas janelas, tem vários cuidados, porque depois de tudo que a gente fez pelo gato, não queremos que ele volte

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para a rua, né? Então, embora tenha aumentado muito a procura, não necessariamente resultou em muito mais adoção!”. Infelizmente o que teve um crescimento significante neste período foram os pedidos de ajuda, já as doações acabaram prejudicadas, tornando inviável atender muitas das demandas. Como a situação de muitas pessoas mudou nesse período, as doações se tornaram mais difíceis, e alcançar as metas um processo mais lento. Mas Mariana também relembra que tiveram pontos favoráveis: o projeto recebeu mais voluntários para lar temporário, já que as pessoas poderiam ficar mais em casa, e acabou crescendo em popularidade.

Um crescimento de degrau em degrau, em todos os sentidos

O projeto Resgatinhos conta com diversas ajudas, influencers, veterinários, hospitais e clínicas para o tratamento de diversos animaizinhos, por parte dos cuidados de saúde, os parceiros conseguem fazer os procedimentos a baixo custo, o que já ajuda muito. Os influencers são normalmente de Porto Alegre e região metropolitana e postam sempre que podem para ajudar a causa.

A parceria também existe com os adotantes, já que o contato pós adoção é muito valorizado por todas voluntárias. “A gente tem um grupo no WhatsApp. Passamos a seguir a pessoa no Instagram e a gente fica sempre tentando acompanhar o mais perto possível dentro das nossas limitações. Mas tem muitos que nos mandam fotos, e nos marcam, assim a gente sempre pede. Gostamos muito de poder acompanhar.”

A conta no Instagram já adquiriu mais de 17 mil seguidores, e vem crescendo muito. O crescimento nas redes sociais incentivou as voluntárias do Resgatinhos a procurarem crescer fisicamente, cogitando a criação de um espaço próprio algum dia, para que não dependam apenas de lares voluntários mas para isso ela afirma que tudo é feito com muita cautela e no seu tempo. “Acontece de não termos estrutura todos os dias. Até por isso a gente acabou criando, no início desse ano, um projeto em paralelo que é o de CEDE: captura, esterilização e devolução de gatos de rua.”

Mariana relata que, infelizmente, “chegou num ponto que a gente, não é nem que tenha impressão, é exatamente isso que a gente sente; que está meio que secando gelo.” Com o intuito de que o projeto possa continuar cuidando para que novos gatinhos não sejam esquecidos na rua e visando a longo prazo a qualidade de vida deles, está disponível no Instagram e no site do Resgatinhos todas as formas de doação e ajuda que as voluntárias aceitam, e também, as informações sobre como adotar. Faça também a diferença na vida de milhares de gatinhos!

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

CÃES DA REDENÇÃO: A JORNADA DA ADOÇÃO RESPONSÁVEL

Cãozinho Trevo

O machucado já não é mais tão aparente. A faixa azul marinho presa a cabeça, passa quase despercebida, como um enfeite. Saltitando feliz por entre o gramado, os olhinhos brilhando, esperançoso, com uma pergunta singela na plaquinha presa junto a coleira azul: Me adota?

Todo domingo, no brique da Redenção, estão presentes diversas feiras de adoção de animais, promovidas por ONGs e também, por pessoas que tentam dar uma vida melhor a esses pequenos companheiros. O cãozinho Trevo, cuja história vamos contar a seguir, tem uma trajetória muito similar à de outros 20 milhões de cães, que segundo a OMS a Organização Mundial da Saúde foram abandonados no Brasil, e hoje estão em busca de um novo lar.

Os caminhos de Trevo

Caminhando pela feira do brique, na Redenção famoso parque de Porto Alegre procurávamos uma história digna de pauta, quando ela apareceu. Trevo foi encontrado pela Luiza Fragomeni, de 27 anos, que é engenheira. Ela trabalha com estradas, e estava indo para uma obra em Palmeira das Missões. Ela o avistou ao passar pelo trevo na BR 158/RS e viu que ele estava magro e parecia fraco. “Fiquei com ele na cabeça até chegar no local da obra. Aí passei o dia no trabalho, normal, e quando fui conhecer o

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escritório administrativo, que fica numa rua perpendicular à rodovia, em um local diferente da obra, tava lá o mesmo cachorro que eu vi na estrada. Ali meu coração já parou porque pra mim foi destino”.

Ao ver o carro de Luiza chegando, Trevo ficou assustado e se escondeu. Nesse momento, ela percebeu um machucado fundo na cabeça do bichinho. “Achei que talvez fosse ser necessário até fazer eutanásia nele porque ele estava muito mal, perdendo muito sangue. Achei até que teria alguma sequela neurológica porque a ferida era muito funda”, afirmou. A partir daí, ele foi levado à clínica veterinária Amigo Bicho, onde ficou recebendo cuidados por uma semana. Agora o Trevo já está saudável e forte, com a ferida praticamente curada, morando com a Luiza e o namorado, Gustavo Collares, de 32 anos, e os seus outros dois cães de estimação. Por conta da falta de espaço e do ciúme dos pets com Trevo, o casal não pode permanecer com ele. “Ele é doce, carinhoso, bonzinho. Deixou a gente trocar curativo, mexer na ferida. Nunca deu uma rosnada. Mas ninguém se interessa em adotar”.

Feira da Esperança

Além do Trevo, encontramos também outros cãezinhos para adoção. Sete filhotinhos estavam sob a tutela da publicitária Claudia Santos. Ela é uma protetora voluntária de 40 anos que, há quatro, frequenta a feirinha de adoção no Brique, tentando conseguir bons lares para os animais que ela mesma resgata das ruas.

Claudia trabalha com a adoção responsável dos bichinhos que ela realoca. Os adotantes têm que assinar termos, morar em um local capaz de abrigá los, se comprometer com sempre manter a vacinação em dia e também a castração. Por isso, a protetora voluntária diz que, pelo menos através de sua experiência pessoal, não ocorreu um aumento grande de adoções durante a pandemia, mas sim, um aumento na procura: “Até teve uma procura um pouco maior, mas tem toda essa questão da responsabilidade, que a gente tem que ter bastante cuidado, porque não adianta eu resgatar o animal e daqui a seis meses a pessoa me devolver”.

Outra parte importante da adoção responsável é a castração. Os cães adultos recebem uma castração solidária, feita por ONGs e pet shops, que procuram diminuir o valor do procedimento, facilitando o acesso à castração a fim de evitar o aumento de cães abandonados nas ruas. Quando se tratam de filhotes, o adotante assina um termo, garantindo que aos seis meses, será feita em seu animal a castração.

Ao lado do estande de Claudia, encontramos um grupo de amigos que, com muito amor pelos animais e a vontade de fazer a diferença, se juntou e decidiu fundar

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o projeto Peludos do Asfalto. Luciana Bastos, Bruna Ziebel, Thales Camargo e Vergílio Latreille formam esse time de peso. Luciana tem 52 anos, e é protetora dos animais há 13. Todo domingo, eles se reúnem na Redenção e integram a feirinha de adoção. “Nós trabalhamos com recursos próprios, então quando a gente vê cães em situação vulnerável, a gente resgata, castra e doa, ou por meio das redes sociais ou aqui na Redenção”, contou.

Na pandemia, além da circulação de notícias falsas como a de que cães e gatos transmitiam o coronavírus , a crise econômica apertou o orçamento de muitas famílias, de modo que os bichinhos de estimação foram os primeiros na lista de corte de gastos. Com o número de abandonos crescente, as ONGs superlotadas e a falta de recursos, o trabalho exercido pelo grupo ficou ainda mais complicado. Por outro lado, devido ao confinamento social vivido nos primeiros meses, uma procura maior pelo “melhor amigo do homem” aconteceu. A protetora relatou que mesmo com o aumento do número de adoções na pandemia, o cuidado passou a ser redobrado. “Temos que ver se aquela pessoa não tá querendo aquele cachorro só pra essa época, pra evitar depois um abandono. Inclusive, a gente entra em contato quando as pessoas adotam e diz ‘olha, se não se adaptar, traz pra nós’, pra evitar que seja abandonado de novo. Eu já recebi cães que tinham sido doados há cinco anos. Não é o ideal, a gente não gosta, mas a gente faz”, completou.

Ao longo do desenrolar dessa matéria, fomos acompanhando os detalhes da busca de um lar para o Trevo. Posts nas redes sociais, divulgação em grupos de WhatsApp, boca a boca nas praças da cidade... e nada. “Eu procurei muitos lares temporários, nós visitamos alguns, alguns dentro da cidade inclusive, mas, esse me pareceu o melhor”, contou Luiza, ao encontrar um lar temporário em um sítio em Viamão. A ideia do casal era buscar o Trevo nos finais de semana e levá lo a Redenção para seguir na procura por adotantes responsáveis. “Seria muito puxado. O sítio fica a uma hora de Porto Alegre, buscar e voltar já dá duas horas. Aí no final do dia a mesma coisa, entregar e voltar, mais duas horas. Dá quatro horas, é uma viagem. Mas, como era o melhor sítio, ficou por isso. Eles tavam cobrando 350 reais de mensalidade, mais ração, então ia dar uns 400 e pouco, 500 reais por mês”, explicou a engenheira.

Contudo, pouco antes do Trevo ser levado ao sítio, uma menina de Tubarão Santa Catarina, viu a postagem de Luiza em um grupo do Facebook e se interessou pelo cãozinho. Luiza e Gustavo ficaram emocionados, afinal, apesar dos cuidados que receberia no sítio que abriga cerca de 30 cachorros o bichinho não teria o mais importante: uma família. “Quando ela viu o post, ela disse que bateu, ‘esse é o meu cachorro’, ela disse que se apaixonou. Daí ela entrou em contato comigo, disse que queria muito e que ia conversar com a namorada. Elas duas moram juntas com os dois

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gatos. Só que a namorada não gosta muito de cachorro, aí isso gerou um conflito.” O combinado foi que o Trevo ficaria uma semana, em período de teste na nova família.

Na semana seguinte, pelo WhatsApp, com a voz embargada, Luiza nos enviou um áudio: “a menina veio me dizer que a namorada dela não tava gostando, que os gatos não se deram bem com ele. Acharam que ele era muito criança, muito pilhado, aí pediram pra devolver. Então vou buscar ele em Tubarão. E ele tá de volta aí na busca”.

Assim como Luiza, Claudia e Luciana, os protetores de animais lutam todos os dias contra o abandono. “Ele merece muito ir pra uma família legal, e não pra um lugar onde ele não vai ter carinho humano, sabe? Onde não tem uma pessoa que senta no sofá com ele no fim do dia e faz um chameguinho na barriga...” Existem milhares de Trevos espalhados pelas ruas, praças e rodovias. Tanto o Trevo, quanto os demais, estão disponíveis para a adoção responsável, por meio do Instagram da Luiza (@lufragomeni), do Peludos do Asfalto (@peludosdoasfalto_), ou na feira da Redenção, e esperam encontrar logo um lar feliz. Para contribuir com a causa, você pode doar cobertores, ração, ou até mesmo realizar um Pix de qualquer valor para as organizações.

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal

PAIXÃO INVISÍVEL

A paixão jamais combina com lógica ou com racionalidade. A paixão é uma prisão paradisíaca.”

Autor Desconhecido

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SUPERAÇÃO POR AMOR À CAMISA

Torcer para um clube com dinheiro é fácil. Salários em dia, contratações badaladas, disputar as principais competições do país e continente, ser favorito em quase todos os confrontos, dificilmente sua vitória será retratada como uma zebra, e, apesar de dinheiro não ser sinônimo de título, a riqueza facilita o caminho para a conquista. Apesar desses clubes serem tentadores para se apaixonar, existem apaixonados por clubes que não estão na elite do futebol ou em uma grande capital.

No interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Bagé, com cerca de 120 mil habitantes, dois clubes trazem uma legião de apaixonados mesmo disputando a Divisão de Acesso do Campeonato Gaúcho a segunda competição principal do estado

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Torcedores do Bagé e Guarany nos contam a paixão por seus clubes Por Arthur S. Görgen e Lucas Egg Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Karen Rodrigues

no ano de 2021. Esses times são o Grêmio Esportivo Bagé, com as cores amarelo e preto, e o Guarany Futebol Clube, com as cores vermelho e branco. Entrevistamos torcedores de ambos os clubes para conhecermos as paixões e superações que realizaram para acompanharem seus clubes.

“Eu chego a me emocionar, porque falar do Grêmio esportivo Bagé pra mim hoje é uma emoção, é uma emoção muito grande, eu sou completamente fanática, eu tenho tatuado na pele o símbolo, a minha casa é toda jalde negra, é uma emoção inexplicável.”

Karen Rodrigues, 31 anos, foi a primeira entrevistada fanática pelo clube das cores amarela e preta. A torcedora também é presidente da equipe feminina do Bagé, que além de ser uma equipe de futebol, possui envolvimento com a solidariedade, promovendo torneios beneficentes e, já no primeiro torneio, meia tonelada de alimentos foi arrecadada. Também apoia o clube como participante da Torcida Organizada, a Fúria Jalde Negra, além de auxiliar em outras funções que o clube precise, tanto que já atuou como gandula

“O Guarany me preenche todos os sentimentos que eu busco e que eu tenho expectativa dentro do futebol. O Guarany sempre preencheu. Mesmo perdendo quando não devia perder, mesmo caindo quando não deveria cair, mas ele preenche essa coisa romântica, essa coisa romântica que a gente deve sentir por um clube de futebol.”

Décio Raul Floriano Lahorgue, 57 anos apoiando o Guarany

Décio Lahorgue é um torcedor encarnado e branco. Disse que não é apenas vermelho e branco, é encarnado e branco, apaixonado pelo Guarany. Além do lado que somente apoia, Décio é conselheiro do clube.

“Não existe profissional remunerado em clube do interior.

Vocês não tem noção do quanto é difícil cada passo que um clube do interior dá, porque na verdade, se parar para pensar, o que o diretor faz é uma paixão

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pelo clube e isso são coisas que não se consegue explicar, se você for avaliar o tempo que se gasta, as despesas que se paga, noventa por cento das vezes não se ganha nada. É amor à camiseta."

Fábio Barbosa, 36 anos apoiando o Bagé

Fábio Barbosa foi outro dos fanáticos do Bagé que entrevistamos e nos relatou que hoje sua paixão ultrapassa apenas ser um torcedor. O entrevistado é cônsul do Bagé na cidade de Porto Alegre e também Diretor da Comunicação do clube.

O Grêmio Esportivo Bagé foi fundado no ano de 1920 pela fusão de dois clubes locais, o Sport Club 14 de Julho e o Rio Branco, herdando as cores preta e amarela dos respectivos clubes. Em breves cinco anos de existência conquistou o Campeonato Gaúcho de 1925 de forma invicta, sendo essa equipe lembrada pela torcida como os Imortais de 25. Outros triunfos foram a Copa Governador do Estado, no ano de 1974, a Copa Cícero Soares, um campeonato disputado por equipes do Rio Grande do Sul, três títulos da Segunda Divisão do Campeonato Gaúcho nos anos de 1964, 1982 e 1985 e seis títulos de Campeão do Interior, de 1925 a 1928, 1940, 1944 e 1957.

O Guarany Futebol Clube foi fundado em 1907 por 11 jovens poetas e intelectuais, saindo da lógica que apenas os grã finos da sociedade poderiam praticar o esporte bretão. O nome foi inspirado na obra de Carlos Gomes, O Guarany, que por sua vez foi inspirada no romance de José de Alencar, O Guarani. Seus maiores feitos foram dois Campeonatos Gaúchos dos anos de 1920 e 1938, dois triunfos na Segunda Divisão do Campeonato Gaúcho, nos anos de 1969 e 2006, três títulos da Terceira Divisão do Campeonato Gaúcho e seis títulos de Campeão do Interior, de 1920, 1926, 1929, 1938, 1958 e 1962.

Os Apaixonados e Suas Histórias

A viagem para Vacaria, para enfrentar o Glória foi marcante para Karen, que contou o seu plano inicial: um ônibus e uma van, em que iriam integrantes da Fúria Jalde Negra e outros torcedores. Entretanto, ao embarcarem algumas pessoas não constavam na lista e a van, que deveria levar 15 pessoas, levou 20 torcedores numa viagem de 12 horas. A sorte estava tão grande que entraram no estádio e enfrentaram chuva, frio, ficaram perto da torcida adversária, a Brigada Militar confrontou a torcida e a derrota veio nos pênaltis, retirando a classificação para a semifinal da Copinha.

Já Décio lembra que sempre foi apenas Guarany, era mais ou menos traumatizado com a dupla Grenal, ao menos assim que nos descreveu, já que ganhavam

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do Guarany usando fatores extracampo para isso, como a arbitragem. Essa escolha é até “engraçada” já que um tio avô do entrevistado foi presidente do Internacional, João Alberto Lahorgue.

Em 1993, na época com 14 anos, Fábio vivenciou um dos jogos mais emocionantes de sua vida acompanhando o Bagé. A partida entre Bagé e Veranópolis, no último ano em que o clube subiu à elite do futebol, contou com um jogo preliminar em que nosso entrevistado balançou as redes, somadas à ascensão do time profissional à elite.

A Rivalidade

A cidade de cerca de 120 mil habitantes possui como maiores campeões do campeonato municipal o Bagé e o Guarany, duas equipes que trazem uma forte rivalidade. Com estádios com apenas cerca de 2,7 km de distância, os clássicos por lá são de grandes emoções. Geralmente os torcedores possuem algum relato para nos contar.

O último Baguá no estádio do Guarany, o Estrela D’alva não encerrou como um jogo exemplar, os torcedores do Bagé foram recebidos a pedradas e garrafadas, o clima ficou tenso e essa violência repercutiu de forma negativa. Karen, fanática do Bagé, relembrou essa partida e comenta que tenta esquecer um pouco a rivalidade, mas ela existe e, neste ano, o Guarany está bem no campeonato e o Bagé nem tanto, mas a torcida dela é para que o rival caia na próxima fase. Enquanto entrevistávamos Décio, o Bagé era julgado no Tribunal Desportivo do Rio Grande do Sul por uma possível escalação irregular de jogadores, que poderia tirar pontos e rebaixar o clube, ao invés do até então rebaixado São Gabriel, quando Décio relatou: “Estamos torcendo muito pelo São Gabriel”.

Um confronto marcante para nosso entrevistado torcedor do Guarany foi um Baguá em que o Bagé ganhava por 1 a 0. Porém, aos 40 minutos do segundo tempo, quase sagrando se campeão municipal e com parte da torcida já comemorando, o Guarany consegue empatar. Com esse resultado, que foi extremamente comemorado por Décio, o clube foi o campeão daquele ano. Do outro lado, Karen conta que tem pouquíssimos amigos que são torcedores do Guarany, que não usa vermelho, não suporta vermelho e que dentro de sua casa não tem nada de vermelho, já que é rivalidade.

Nessa temporada, o Bagé encerrou o campeonato, após perda de pontos na justiça, rebaixado à Terceira Divisão do Campeonato Gaúcho. Enquanto isso, seu rival,

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o Guarany confirmou sua volta à elite do futebol gaúcho, após ficar com o vice campeonato, perdendo para o União Frederiquense na final.

Por fim, a paixão por um clube talvez não possa ser explicada, mas tentamos nos aproximar de uma possível explicação. Essa relação talvez fique mais clara para quem possui uma forte relação com um clube, que possa entender o que outro torcedor sente ao ver seu clube jogar, a ver seu clube vencer e, sobretudo, que compreenda o que significa escolher um clube para torcer. Os torcedores dessa reportagem escolheram Bagé e Guarany, e, mesmo nas piores fases, continuarão a apoiar.

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Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Décio Raul Floriano Lahorgue

Pessoas Invisíveis: Amor & Superação

Imagem/Reprodução: Arquivo pessoal de Fábio Barbosa

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UMA MULTIDÃO INVISÍVEL QUE ERGUE ÍDOLOS

Em uma sociedade em que as distâncias se encurtam cada vez mais, a relação entre fã e ídolo se torna mais complexa.

Por

Azevedo e Juliana Farinati

O fenômeno da cultura de celebridades vem se intensificando cada vez mais nas últimas duas décadas, principalmente nos dias de hoje com as tecnologias gradativamente mais intrínsecas às nossas vidas, mantendo nos conectados com o mundo inteiro o tempo todo. Nesse contexto, vale parar para observar o quanto a mídia impulsiona esse fenômeno na mente principalmente dos jovens nos dias de hoje. Logo, estimulados à uma sensação de proximidade com seus ídolos, maior a tendência de que os fãs desenvolvam sentimentos reais por essas figuras, criando um verdadeiro apego intangível pelos mesmos.

Segundo definição, a origem da palavra “fã” surge do encurtamento de “fanático” e define “todo aquele que sente admiração por algo ou alguém” (FÃ, 2020). Sendo assim, vale analisar como a mídia configura as experiências dos indivíduos nesse sentido, sendo um agente ativo no processo, tanto de visibilização de um artista, quanto de construção da própria figura do artista enquanto celebridade e sua comercialização para o público. Dessa forma, a mídia atua de modo a projetar a imagem da celebridade de maneira que gere identificação com a audiência, a partir de valores e significados que estejam socialmente em questão no momento; um bom exemplo disso é o cantor,

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compositor e ator britânico, Harry Styles, que vem chamando atenção na indústria da música cada vez mais nos últimos anos.

Um movimento nascido num tal de Cavern Club

O que acontece hoje com Styles, pode se dizer que é algo bastante semelhante com o que foi a Beatlemania termo criado, originalmente, na década de 1960 para designar a intensa euforia dos fãs da banda The Beatles, demonstrada principalmente por garotas adolescentes , no sentido de que se repete um fenômeno de adoração mundial, no qual, principalmente, jovens garotas, reagem passionalmente à artistas e à ideia vendida pelos mesmos. “Hoje me sinto uma funcionária do Harry. Quando você administra uma conta que precisa acompanhá lo 24 horas por dia, faz você se sentir mais próxima dele, como se fôssemos literalmente suas amigas ou funcionárias”, comenta a administradora E do portal no Twitter Harry Styles Daily Brazil, que preferiu se identificar somente pela inicial assim como os demais membros da equipe que prestaram declaração para a seguinte matéria. Nesse contexto, ainda trabalha se com uma ideia de Beatlemania moderna, na qual a globalização e os avanços das tecnologias de comunicação intensificam a noção de proximidade entre fã e ídolo, uma vez que se multiplicam as possibilidades de contato entre as pessoas. Ademais, vale destacar a maneira como os Beatles pavimentaram o caminho que hoje Harry trilha, como a banda mudou a cultura pop de modo a criar um novo tipo de fandom que permanece e é testemunhado até o presente momento

“Desde a One Direction, você conseguia ver que ele pertencia a algo muito maior. Ele merecia estar em algo só dele porque ele tinha competência suficiente para crescer muito. Eu acompanhava a banda apenas por conta dele, sempre fui fã apenas dele e quando ele finalmente entrou em carreira solo, foi aquele respiro de alívio”, relata a administradora J do mesmo portal. É importante lembrar que essa ideia de sucesso de Styles com a qual estamos trabalhando em diferentes dimensões é ainda anterior à sua carreira solo, uma vez que o músico é ex integrante da boyband One Direction, que entrou em hiatus no ano de 2015. Ainda enquanto membro da banda, o cantor atraía muitos olhares para si, sempre muito carismático costumava conquistar a preferência das fãs com frequência; e isso preparou muito do terreno para o seu sucesso atual, fruto do frenesi gerado pela repercussão da boyband no início da década de 2010, em conjunto com o seu talento que o permitiu ter um rumo diferente do costumeiro e fatal destino de ex membros de boybands. “Harry era considerado um artista teen por muitos anos devido a One Direction. A forma que ele se desvinculou da banda e se entregou 100% no seu trabalho solo foi puramente linda e magnífica. Ele conseguiu

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ser considerado Hitmaker do Ano e Grammy Winner com apenas dois álbuns, sendo ambos sem nenhum feat de artistas. Isso é lendário", complementa a administradora E.

Just let me adore you

“Ser fã pra mim é como se fosse uma válvula de escape para quando eu quero fugir um pouco da realidade. Escutar, ler, assistir qualquer coisa relacionada ao Harry me faz muito bem e não sei explicar o motivo”, conta a administradora L2 do HSDB portal de notícias e atualizações sobre o artista que conta com mais de 14 mil seguidores e uma equipe de sete pessoas. Assim, evidencia se a questão trabalhada anteriormente sobre como hoje o contato com o ídolo é facilitado pelo advento da internet e pela rapidez do trânsito de informações; coisa que, até cerca de duas décadas atrás, não fazia parte da realidade dos fãs da época. Enquanto hoje existe a possibilidade de a qualquer momento termos acesso à música de nossa escolha, aos videoclipes, matérias e, até mesmo entrevistas que permitem que reparemos os trejeitos, gostos e traços de personalidade dos artistas que gostamos, antigamente esses fãs dependiam de ir presencialmente em shows, contavam com a incerteza do que tocaria nas rádios e, muitas vezes, para conseguir um disco do seu ídolo, precisavam pedir para que conhecidos o trouxessem do exterior, uma vez que o disco não estava disponível no Brasil. Logo, é natural que com esse estímulo constante ainda agravado pelo fator dos algoritmos, que tendem a nos apresentar com maior frequência coisas pelas quais demonstramos interesse se crie uma relação de apego com a celebridade em questão. Além do portal já citado, conversamos com algumas fãs que administram o perfil no Instagram @SITEHARRYSTYLESBR. O portal conta com cerca de 24,8 mil seguidores e é composto por uma equipe 100% feminina espalhada por diferentes regiões do território brasileiro. “O Harry tem uma influência muito grande na vida de todas nós, tanto pela música como pela moda. É muito inspirador como ele usa as roupas como uma forma de expressão e isso é uma coisa que reflete muito na equipe”, comentam em grupo as administradoras Beatriz Ferreira, 20 anos, Vitória Arantes, 23 anos, Julya Bastos, 18 anos, Luana Lopes, 27 anos, Luiza Naves, 20 anos e Luana Benfica, 19 anos. Além disso, as meninas relatam que um dos principais motivos de admiração que elas têm por Styles é a forma que o mesmo é reconhecido por tratar as pessoas, “sempre educado e gentil”, afirmam. Logo, é fácil compreender o fenômeno no qual Harry Styles se tornou. Com o seu lema Treat People With Kindness (Trate as Pessoas com Gentileza); a capacidade de se reinventar musicalmente na carreira solo; e suas diferentes e cativantes maneiras de expressão artística como através da moda, com um estilo muito inspirado em grandes nomes como David Bowie, em especial durante sua era

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Diamond Dogs ; Harry Styles nos recorda um pouco do que foi a Beatlemania e abraça fãs ao redor do mundo, ainda que, em sua maior parte, apenas de maneira simbólica. “Ter alguém que de certa forma está lá pra mim, independente se sabe da minha existência ou não, é algo inexplicável. Acredito que amor de fã e ídolo é algo que não é pra todos, é um sentimento único que sempre vai me fazer bem”, desabafa a administradora identificada como L2 do portal HSDB.

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Imagem/Reprodução: Juliana Farinati

CONTADORES DE HISTÓRIAS

Conheça cada integrante do time que desenvolveu o e book.

ARIEL AIRES

Ariel Aires, estudante de jornalismo e marketing. É fascinado por investigar e trabalhar com temas ligados a tecnologia, educação financeira e entretenimento digital.

ARTHUR S. GÖRGEN

Jornalista em formação, entusiasta do futebol e da leitura. Acredito em um jornalismo ético, responsável e no poder da profissão de dar voz a quem não tem por mais romântico que seja.

CLAUDIA VILEMAR

Jornalista em formação e apaixonada por comunicação desde criança. Inquieta e curiosa, acredita que contar histórias é um ato poderoso. Escolheu o jornalismo com o objetivo de dar voz a quem não tem, mudando o mundo pedacinho por pedacinho.

EDUARDA ZINI

Jornalista em construção, apaixonada por futebol, livros e procura sempre novas histórias para contar. Escolheu o jornalismo por acreditar ter a missão de informar as pessoas com responsabilidade e ética. Acredita que através da profissão e do diálogo, pode mudar um pouquinho o mundo a sua volta.

ESTEPHANI AZEVEDO

Sou uma jornalista em formação, apaixonada por literatura e fotografia, encantada pelas habilidades da comunicação e em busca construir novos desafios todos os dias e me desenvolver cada vez mais

FERNANDA GRAPIGLIA

Jornalista em formação, descobriu na profissão uma maneira de poder contar histórias sem parar. Fala pelos cotovelos e acredita que a escrita seja uma forma de arte, arte essa capaz de transformar o mundo.

Texto Jornalístico | ESPM POA 55

GABRIELA MANTAY

Criativa, às vezes levemente debochada, alegre, curiosa, acredita que tudo com bom humor e algumas risadas já valem muito. A comunicação lhe deu asas para voar livre por aí e o poder de mudar o mundo. Descobriu no jornalismo uma máquina de realizar seus maiores sonhos, segue acreditando nisso e em uma boa lei da atração!

GUSTAVO SEGATA

Entusiasta de esportes, apaixonado pelo futebol. Acredita no jornalismo como ferramenta de, ao mesmo tempo, denúncia e inspiração. Busca na profissão aproximar as pessoas, seja da verdade ou do seu clube de coração, e a oportunidade de conhecer, compreender e retratar um pouco mais desse mundo complexo.

HENRIQUE PIZZATTO

Curioso por natureza, vejo graça na vida quando consigo fazer conexões interessantes e explorar o mundo. Apreciador de cinema e literatura, e sem um processo lógico e linear vou criando as narrativas conforme elas vão acontecendo.

JULIANA FARINATI

Estudante de jornalismo. Interessada por ideias, sejam elas transmitidas por meio da literatura, da escrita, do audiovisual ou, até mesmo, da música. Vê no jornalismo a liberdade de transitar entre diferentes assuntos, além do contínuo exercício de um olhar sensível e atento que busca contar histórias daqueles que querem e precisam ser ouvidos.

LEANDRO OLEGÁRIO

Sagitariano, apaixonado por MPB, tem no jornalismo o desejo de mudar o mundo. Um otimista intolerável que acredita no poder da reportagem para contar histórias e na educação como transformação social. Não consegue se ver em outra profissão.

LUCAS EGG

Um futuro jornalista em formação, apaixonado pelo Jornalismo Esportivo, curioso com tudo o que está relacionado ao futebol, tanto aqui em Porto Alegre, como no Brasil e no mundo. Sempre buscando a informação certa, fontes confiáveis junto aos melhores sites de notícias, está se preparando para ser um profissional com carreira de destaque.

Pessoas
Amor & Superação 56
Invisíveis:

LUIZA PAVIM CAUDURO

Sonha em ser jornalista desde que descobriu a profissão, afinal é o jeito de fazer o que sempre gostou, descobrir histórias novas e poder dar voz a elas. A cada momento em que estuda jornalismo, tem mais certeza de que este é o caminho certo.

MARIANA HAUBERT

Futura jornalista apaixonada por contar histórias. Fascinada por livros desde a infância, sempre teve o universo das palavras como seu principal companheiro e fonte de inspiração para ver o mundo. Como jornalista, espera levar essa inspiração a terceiros e contar histórias de pessoas simples e reais.

MATHEUS SEVERO

Um gaúcho que ama interagir com pessoas e contar histórias. Encontrou na comunicação um lugar para ser ele mesmo, compartilhar com o mundo as loucuras que passam naquela cabeça e nas diversas outras que estão nesse mundo inquieto. Para ele, o jornalismo tem o poder de abrir caminhos, compartilhar histórias e tocar o coração de quem precisa.

MELANY VIDAL

Jornalista em formação, apaixonada por transmitir histórias e ideias. Acredito na capacidade de libertação do jornalismo, atuando sempre ao lado da responsabilidade social de entregar reportagens éticas para o público.

NATÁLIA VALDUGA

Apaixonada por histórias e pela comunicação, acredita que uma simples discussão é capaz de transformar o mundo. Curiosa e inquieta, procura no jornalismo um modo de transmitir pensamentos e revolucionar realidades.

RAFAELA HARTMANN

Jornalista em formação. Apaixonada por música e também por contar histórias. Vê no jornalismo uma porta aberta para contar histórias capazes de mudar o mundo.

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ROBERTA MONTIEL

Geminiana, apaixonada por comunicação. Acredita no jornalismo como forma de informar tudo e a todos. Curiosa, amante das redes sociais e cheia de vida para trilhar todos os caminhos que o jornalismo proporciona. Falante e inquieta, vê na comunicação a chance de mudar o mundo ao seu redor.

WEVERTON KAMPHORST

Desde criança sempre me vi trabalhando em veículo de comunicação, talvez pela minha curiosidade em tudo que eu via e aprendia e quando eu comecei o curso eu encontrei meu lugar. A cada dia que passa é uma nova paixão, uma nova descoberta, muitas incertezas e muitas certezas e uma delas é de que eu posso transformar a vida das pessoas através de uma simples reportagem. O que eu busco no jornalismo é aventura, intensidade, desvendar aquilo que ainda não nos foi exposto e além mostrar que nós merecemos ser respeitados dentro da sociedade em que estamos inseridos.

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Invisíveis:
& Superação

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