“No meu trabalho ninguém sabe que moro num quilombo”
O futebol faz parte da trajetória deste time
O santanense que briga para garantir um território na Capital
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Contracapa
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ENFOQUE QUILOMBOS
PORTO ALEGRE / RS
EDIÇÃO
NOVEMBRO DE 2014
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LAIS ALBUQUERQUE XXXXXXXXXXX
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Sérgio Fidelix, um dos fundadores do quilombo, mostra com orgulho a evolução da comunidade fundada no Bairro Azenha em Porto Alegre
BUSCA DE UMA IDENTIDADE
A DIVERSIDADE CULTURAL E ÉTNICA NÃO IMPEDE A COMUNIDADE DE LUTAR POR SEU ESPAÇO E SEUS DIREITOS PÁGINA 2
2. ORIGENS
Um time de muitas bandeiras
Santanense busca o título que falta
O
Quilombo da Família Fidelix, no bairro Azenha, em Porto Alegre, abriga 37 famílias, com cerca de 100 pessoas. A comunidade foi fundada na década de 1980 por Sérgio Fidelix, Hamilton Correa Lemos e Milton Teixeira Santana, que vieram para a Capital em busca de emprego e oportunidades, deixando a cidade de Santana do Livramento. A convivência iniciou em um bar chamado Recanto Santanense, na Rua Lima e Silva, na Cidade Baixa. Lá, os primeiros moradores se reuniam para conversa, divisão do time de futebol que integravam e debates sobre moradia. Foi daí que surgiu a ideia de ocupar a área onde hoje é o quilombo, construin-
do suas casas. Conforme relatos, o local era apenas mato quando chegaram lá. Com o tempo, o número de pessoas foi aumentando e mais famílias aderiram à causa, todas com um ideal em comum: ter um espaço para moradia. Décio José Heck chegou em Porto Alegre faz 20 anos. Ele veio da região das Missões trabalhar na construção civil e construiu a creche que fica ao lado do quilombo. Ali, conheceu Sérgio e Hamilton, que já tinham feito suas casas, foi convidado a ficar e acabou firmando moradia. “Brinco que sou o quilombola branco do Fidelix. Sou a favor da luta pela titulação, reconheço a história do lugar e não saio daqui por nada. É um lugar muito bom de se morar”, ressalta. Várias foram as ameaças de despejo, mas em 2006 foi pior. Parte da comunidade chegou a ser retirada do local. “Quando cheguei aqui para construir minha casa,
era só mato. Com o tempo, foi crescendo e se desenvolvendo. Tenho cinco filhos, e quatro deles moram aqui no quilombo. Minha casa foi a primeira a ser construída aqui, por isso insisto em lutar pelo nosso espaço”, conta Hamilton, de 71 anos. Foi depois da ação de reintegração de posse daquele ano e da perda de alguns espaços, como o campo de futebol que possuíam na frente de casa, que os moradores passaram a se informar mais sobre a titulação de quilombo, que ainda aguarda retorno do Incra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. O autorreconhecimento, que dá a eles a denominação de quilombolas, mas não garante o espaço físico, foi pedido em 2004, e o documento que assegurava isso veio em 2007. A titulação, para a comunidade, significa muito, pois garantiria a permanência no espaço e diminuiria o risco de despejo.
REBECCA ROSA
Das 37 famílias do Fidelix, cerca de 15 não se reconhecem como quilombolas. A causa principal é em relação à liberdade de decisão. Sérgio Fidelix, que lidera o quilombo e a luta pela titulação, ressalta que
respeita a decisão dessas famílias, tanto que foi buscada junto ao Incra uma maneira de garantir a moradia deles no local, mesmo que não se considerem quilombolas.
- LAÍSE FEIJÓ
RECADO DA REDAÇÃO Para a preparação desta 2ª edição do Enfoque Quilombos, recebemos em sala de aula a visita de Sérgio Fidelix, o presidente do Quilombo Fidelix. Com o nosso bate-papo na noite anterior à saída de campo, conhecemos um pouco das questões importantes que pautariam nosso trabalho. Pudemos conversar sobre o nosso projeto, que abre espaço para dar voz aos assuntos que a comunidade quer tratar. Sérgio apoiou a nossa iniciativa e demonstrou ser uma figura comunicativa e disposta a servir como fonte de informação para a nossa publicação. Essas características e a sua importância na luta do Quilombo Fidelix determinaram a sua escolha como personagem do perfil apurado pela repórter Graziela Busatta. As lutas dos quilombolas estão completamente conectadas à questão do preconceito, seja ele racial ou mesmo social. Dessa forma, não poderíamos deixar esse tema de lado. A repórter Vanessa Vargas entrevistou alguns moradores, que puderam passar suas opiniões e contar situações que enfrentaram, e ouviu a opinião do presidente do quilombo sobre o caso de racismo mais repercutido atualmente no futebol brasileiro. A relação da comunidade com o futebol é tema das reportagens da Laíse Feijó e do Guilherme Moscovich. A afinidade de amigos por conta de suas origens no interior do Estado e a paixão pelo esporte conectam os caminhos que colocaram essas pessoas na mesma luta pelo seu espaço na capital gaúcha. E essa luta não está limitada a garantir a propriedade das terras. A associação do Quilombo Fidelix busca outros direitos e se organiza para conquistá-los. Caroline Garske conversou com moradores do quilombo e uma representante do Incra para entender como eles estão se organizando e o que falta para atingir essas metas. A diversidade étnica e cultural é notável no território do quilombo. Isso chamou muito a nossa atenção. Assim como muitas pessoas, tínhamos uma visão muito limitada daquilo que é um quilombo. O repórter Vinicius Ferrari conversou com os moradores e identificou entre eles muitas opiniões sobre o que consideram ser quilombolas. Nossa experiência de trazer uma perspectiva nova sobre os quilombos foi muito produtiva. As limitações que apareceram não nos impediram de trazer novas informações e buscar diferentes pontos de vista sobre o tema. E vamos continuar buscando dar mais voz às comunidades que abrirem suas portas e nos convidarem a entrar e conversar, pois esse é o papel do Jornalismo Cidadão.
- LUIS FELIPE MATOS EDITOR-CHEFE
Hamilton Correa Lemos, primeiro morador do quilombo, se orgulha da luta pela titulação
à
formada à Anoequipe Recanto
LAIS ALBUQUERQUE
à Sérgio segue
à frente da ocupação, respeitando as diferenças que existem entre os moradores
Objetivo de vida No dia 4 de março de 1960 nascia o gaúcho Sérgio Ivan dos Santos Fidelix. A cidade natal é Santana do Livramento. O município faz parte da região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, divisa com o Uruguai. Filho de Jaques Vargas Fidelix, 89 anos, e Santa Sofia dos Santos Fidelix, falecida em 2006. O trabalho do pai como motorista e da mãe como lavadeira sustentava a família com cinco filhos. A infância pobre e cheia de dificuldades despertou o espírito de liderança e luta do jovem Sérgio, que cursou até a 6ª série do ensino primário no Colégio Estadual Professor Liberato Salzano Vieira da Cunha.
Na adolescência, frequentou os clubes Farroupilha, Morocho e Princesa Isabel, todos exclusivos para negros. Aos 16 anos, ele partiu sozinho para Porto Alegre em busca de melhores condições de trabalho e estudo. Primeiramente morou na casa de uma tia, na Vila Cruzeiro. Começou trabalhando como auxiliar de pedreiro, função que exerceu por aproximadamente seis meses, e logo passou a trabalhar como pintor de paredes. Em 1978, voltou a Santana do Livramento para servir ao exército por 11 meses e retornou à Capital. Concluiu o ensino médio no Colégio Estadual Coronel Emílio Massot. Em 1979, conheceu
sua companheira Maria Helena da Silva. Juntos tiveram dois filhos – João Carlos, 34 anos, e Fábio Ivan, 30 anos – e Fabiana, 38 anos, enteada de Sérgio. A união e o trabalho do casal serviram como base para a criação dos filhos, todos com formação em nível superior. Na Brigada Militar desde 1983, Sérgio é sargento e exerce serviços administrativos na Policlínica Odontológica. Sérgio é um dos fundadores da comunidade do Quilombo Fidelix e atual presidente da associação. É avô de Pamela, 17 anos, Leila, sete anos, Aisha e Vanessa, de 4 anos. “Às vezes ele é visto como mandão, porque é quem corre atrás para que tudo
se realize aqui. Mas é bem-humorado e muito corajoso. É graças a ele que muitas pessoas ainda moram aqui”, revela a neta mais velha. Segundo Bernabé Freitas Santiago, 64 anos, que é morador da comunidade há 15 anos, Sérgio é uma pessoa excelente. “Ele faz o máximo para manter o quilombo em pé. Muitos aqui não se assumem quilombolas, não querem ser negros.” A maior meta de Sérgio é alcançar a titulação de quilombo para a comunidade. “Eu tenho condições de tocar o processo e garantir o reconhecimento do negro no Estado.”
- GRAZIELA BUSATTA
LUTAS .3 quilombolas à Os da Família
Sem titulação, nada feito
Fidelix aguardam a regularização do território para que tenham acesso aos seus direitos
Q
uem entra no Quilombo da Família Fidelix pela Rua Sebastião Leão, no bairro Azenha, percebe algumas pequenas casas organizadas em uma rua estreita, onde a comunidade quilombola se estabeleceu desde a década de 80. Ao passar por meia dúzia de residências, nota-se uma placa verde em letras brancas que mostra quais são os objetivos que
os quilombolas buscam para a comunidade. Sérgio Fidelix, um dos fundadores do quilombo e presidente da Associação Comunitária e Cultural Remanescentes de Quilombo Família Fidelix, conta que “a placa pregada no galpão serve para que as pessoas de outros lugares saibam e tenham uma noção do que é o quilombo e pelo que os moradores lutam”. Entre essas metas estão os cursos profissionalizantes de corte e costura e de línguas, como espanhol e inglês, que ainda não foram conquistados. Para que tenham acesso a mais direitos, o Quilombo da Família Fidelix aguarda a titulação, ou seja, a regu-
larização que dá o direito à propriedade das terras. Até agora, o quilombo conseguiu apenas a instalação do programa do governo federal Água para Todos, o desconto de 25% na conta de luz apenas para algumas famílias, um curso de tecelagem (que só foi praticado por uma das moradoras do quilombo) e o autorreconhecimento, que veio em 2007. A antropóloga Vanessa Santos, do Incra – órgão federal responsável pela reforma agrária e pela emissão da titulação dos quilombos –, diz que o primeiro passo para o reconhecimento de uma Comunidade Remanescente de Quilombos é o da autoatribuição. Dessa
forma, o próprio grupo se reconhece como quilombola e solicita a Certidão de Autorreconhecimento à Fundação Cultural Palmares. Tendo essa certidão, o processo para titulação começa a passar por diversas etapas. “Já foram elaboradas as peças que compõem um relatório maior, chamado de Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Agora, o próximo passo é encaminhar esse relatório para análise da Procuradoria Jurídica Especializada”, explica Vanessa. O longo processo que leva à titulação desanima os quilombolas, admite a vice-presidente da associação da comunidade, Janete Benck. “Correr atrás do
título é bem difícil, porque a gente sabe que não vai evoluir muito”, desabafa. Como o quilombo está em um local cercado de escolas públicas, o acesso ao estudo fica mais fácil. O Cedel, Centro Diaconal Evangélico Luterano, atende crianças moradoras do quilombo no turno inverso ao das aulas, como as gêmeas Ana Carolina e Maria Eduarda, que estudaram lá até completar dez anos. Segundo o presidente da Associação Comunitária, Sérgio Fidelix, atualmente nenhuma das crianças e jovens do quilombo está fora da escola. Apesar disso, uma das principais metas do quilombo é a implantação de
Quilombola: ser ou não ser?
de dez anos na comunidade, é firme em sua posição: “Eu não me acho no direito de ser quilombola. Direito é de quem tem, e não de quem quer ter. Eu sou branco, não sou negro. Me sinto invadindo um espaço que não é meu, que não me pertence”. A técnica em enfermagem Maria Helena Silva veio de Ijuí (região noroeste do Estado) ainda muito jovem tentar a vida em Porto Alegre. Na Capital, conheceu Sérgio Fidelix, atual presidente do quilombo, com quem teve dois filhos. Hoje, mora no quilombo com a mãe e dois netos. Segundo Maria Helena, alguns dos moradores que se recusaram a fazer o autorreconhecimento mudaram de opinião e agora querem fazer parte do movimento. “Ser quilombola tem a ver com uma multiplicidade de experiências de resistência e de construção identitária que dificilmente são abarcadas em uma única definição. No caso do
Fidelix, por exemplo, é um grupo urbano que talvez não atenda a uma visão ‘romantizada’ do que é um quilombo”, afirma a antropóloga e analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário do Incra Vanessa Flores dos Santos. Segundo ela, o Incra tem trabalhado para que essas famílias que não se reconhecem como quilombolas possam continuar em suas casas. A ideia é que dentro do quilombo se formem ilhas, em que as casas dos não quilombolas não sejam consideradas parte do quilombo, e portanto passem a ser responsabilidade do Departamento de Habitação da Prefeitura de Porto Alegre. O tema é complexo e, para Sérgio Fidelix, o fato de esses moradores não se identificarem como quilombolas não será empecilho para que continuem vivendo em suas casas: “Nós permitiremos que esses moradores continuem na área do quilombo desde que não vendam suas propriedades nem participem das decisões que
- CAROLINE GARSKE
Além da cor
afetem a vida dos quilombolas”. Em Porto Alegre, são cinco comunidades quilombolas esperando a regularização fundiária: Família Fidelix, Família Silva, Alpes, Areal e Família Machado. No Rio Grande do Sul são 91 processos de regularização quilombola abertos. O conceito de “ser quilombola” tem sofrido diversas mutações com o passar do tempo. Versões estereotipadas dessas comunidades, como as referenciadas nas novelas de TV, estão cada vez mais longe da realidade. O que une os quilombolas recrutados por Zumbi dos Palmares e aos do Fidelix continua sendo a procura por um lugar para chamar de seu.
“No meu trabalho ninguém sabe que eu moro num quilombo, porque é bem complicado.” Essa é a declaração de uma moradora do Quilombo Fidélix, de 34 anos, que não quis se identificar para falar de preconceito. Apesar da relação com os vizinhos ser tranquila e ela nunca ter se sentido discriminada por eles, conta que num supermercado ali perto já teve que reclamar com o gerente, pois o segurança a seguia o tempo todo. “Se eu entro num mercado já percebo que os seguranças se movimentam.” Ela comenta o quanto o racismo e o preconceito em geral estão nas pequenas ações e são sentidos todos os dias. Para ela, a base de tudo é a educação, e usa o caso de Patrícia Moreira da Silva, que chamou o goleiro do Santos de “macaco” na Arena do Grêmio, para ilustrar isso: “Ela serviu de exemplo para uma coisa que acontece há anos”. O presidente do quilombo, Sérgio Fidelix, é sargento da Brigada Militar há mais de 30 anos e, por coincidência, jtrabalhou com Patrícia por um curto período na Policlínica da BM, onde ele ainda trabalha. Sérgio diz que, se a moça atuava em uma instituição que preza pela legalidade e pelos princípios de igualdade e liberdade, ela estava no lugar errado. Porém, nunca percebeu qualquer atitude racista dela lá. Como líder do quilombo, lembra que anos atrás o preconceito era bem mais forte. Os serviços públicos foram negados a eles muitas vezes. Demoraram, por exemplo, dez anos para conseguir a luz bem distribuída, e tiveram que puxar “gatos” da rede porque não eram levados em conta pelo poder público. “Não era explícito, era um racismo velado.” Quanto aos moradores em volta, a relação é tranquila, porém sem muita interação. Márcia, moradora do condomínio ao lado do quilombo desde 1994, não sabe muito sobre seus vizinhos e não conhece nenhum deles, somente de vista. A vice-presidente do quilombo, Janete Benck, conta que faz um curso de saúde do povo negro, oferecido pelo SUS, e até lá já teve que explicar o que é um quilombo, porque as pessoas, mesmo com ensino superior, não sabem. “Não levam em conta o contexto histórico do país, e acham que nós simplesmente invadimos as terras e que vamos vendê-las, caso a titulação saia”, relata Janete, apontando mais esse preconceito contra os quilombolas.
- VINICIUS FERRARI
- VANESSA VARGAS
DÉBORA VASZELEWSKI
Ângela se emociona ao lembrar das lutas que travou para conquistar o seu espaço
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Na década de 80 foi abolida a escravidão na Mauritânia, último país do mundo a acabar com esse sistema. Na mesma época, em Porto Alegre, três famílias começavam a ocupar uma área, pertencente à prefeitura, no bairro Azenha. Em 2004, após várias ordens de despejo, os líderes da ocupação foram informados de que poderiam se enquadrar no programa Brasil Quilombola, do governo federal, que visa compensar as comunidades descendentes de quilombolas, dando-lhes o título de quilombo, o que garante o direito à terra onde estão. O problema é que nem todas as famílias da ocupação foram favoráveis à ideia. O decreto-lei 4.887/2003, que regulamenta a questão quilombola no Brasil, diz que “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. A autoatribuição a que a legislação se refere é, na prática, uma carta de autorreconhecimento que as comunidades devem enviar à Fundação Palmares. Quando os Fidelix produziram o documento, cerca de 15 famílias (de um total de 32) se negaram a assinar a carta. “Com o reconhecimento de quilombo eu não teria poder dentro do meu espaço, do espaço da minha família. E eu não quero isso. Batalhei muito para permanecer aqui, quero poder tomar minhas próprias decisões dentro da minha casa”, afirma, com os olhos cheios d’água, Ângela Barrada dos Santos, que criou seus filhos e netos dentro da ocupação. Vitor Bitencourt, que trabalha com turismo e mora há mais
cursos profissionalizantes e projetos educacionais. Esses cursos poderão ser oferecidos aos moradores da comunidade em um futuro centro cultural, a ser montado com as verbas destinadas à comunidade com a titulação. Mesmo com uma boa educação básica, ainda faltam cursos que ajudem os jovens a ingressar no mercado de trabalho. Com a titulação, o território seria reconhecido nacionalmente como remanescente de quilombo, e assim os quilombolas teriam acesso a direitos que hoje não chegam à comunidade, como os cursos profissionalizantes.
ENFOQUE QUILOMBOS
PORTO ALEGRE / RS NOVEMBRO DE 2014
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GENTE nacional, à Paixão o futebol foi
motivo para reunir os amigos que formaram o quilombo – e continua sendo
A
história do Quilombo Fidelix tem a ver com o esporte. Sua origem foi em Santana do Livramento, de onde vieram grande parte dos moradores para Porto Alegre. Com essa afinidade, os amigos formaram duas equipes de futebol: o Santanense e o Fronteira. O Fronteira foi fundado com 90% dos atletas vindos de Santana do Livramento. Mas foi o Santanense, inspirado no Grêmio Santanense, clube daquela cidade, que deu origem a uma associação com o mesmo nome em um bar na Rua Lima e Silva aqui na Capital. A Associação Santanense reunia o pessoal para jo-
Nascidos do esporte gar futebol na Redenção. O uniforme do time, nas cores vermelha e branca, homenageava o do Grêmio Santanense, que ironicamente tem as cores do rival do Grêmio da Capital, o Internacional – aliás, time para o qual torcia a maioria. Hamilton Correa Lemos é um dos mais antigos moradores do quilombo. Aposentado, trabalhou na Brigada Militar durante três décadas. Ele conta que o Santanense durou do início dos anos 80 até a metade dos anos 90, e que o clube parou de funcionar depois da morte do seu presidente. Hamilton conta ainda que o saudoso ídolo do Internacional Escurinho e um primo dele, Lico, chegaram a jogar bola com os moradores. Já com 71 anos, Seu Hamilton ainda joga futebol, mas hoje atua como goleiro, deixando suas antigas posições de zagueiro e lateral para os amigos mais jovens.
Paulo Nobre Santiago Ferreira, 48 anos, é outro antigo habitante do quilombo. Paulo chegou de Santana do Livramento e, antes de viver ali, foi morar na Zona Norte da Capital. Ele conta que em Santana do Livramento havia três clubes: o 14 de Julho – único clube ainda ativo como profissional na cidade –, o Armour Swift, que pertencia à empresa de frigoríficos norte-americana de mesmo nome, e o Fluminense, onde Hamilton chegou a jogar profissionalmente. Tarciso Damasceno Júnior, 13 anos, morador do quilombo, também segue o caminho do esporte. Começou nas categorias de base do Internacional, mas atualmente joga na categoria sub-13 do Grêmio, atuando na posição de volante. Ele treina três vezes por semana na escolinha do clube e revela que planeja seguir a carreira de jogador no futuro.
Outra ligação do Fidelix com a paixão nacional é que ao lado da área do quilombo existe a Praça Sport Cllub Internacional, onde ficava o primeiro campo do Inter. O local fica entre as ruas Alcides de Oliveira Gomes, José dos Santos e Jornal do Brasil, em frente a um condomínio residencial. Foi desse mesmo lugar que saiu a grande marcha de torcedores em direção ao Estádio Beira-Rio na comemoração do aniversário de 100 anos do Inter.
REBECCA ROSA
- GUILHERME MOSCOVICH
do à Morador quilombo, Tarciso
atualmente pratica futebol nas categorias de base do Grêmio
Quilombo ecumênico origem, quando questionado, Hamilton Correa Lemos afirma ser quilombola e diz que não desistirá da titulação do quilombo. Já Dona Ângela Barrada dos Santos, negra, não quer ser quilombola. Para ela, isso não é necessário para comprovar sua origem. “Sei reconhecer que sou negra, sei da minha origem. Não preciso levantar uma bandeira para provar isso. A comunidade aceita a minha posição, compreende que não sou a favor”, ressalta. Outra diversidade muito presente no quilombo é a religiosa. Na frente da casa de Décio José Heck, católico, existe uma capelinha para Nossa Senhora Aparecida, um dos locais favoritos do fundador e presidente da comunidade, Sérgio Fidelix, apesar de ele seguir mais a religião umbandista. “Eu particularmente sigo a umbanda,
ENFOQUE QUILOMBOS O Enfoque Quilombos é um jornal experimental dirigido às comunidades quilombolas de Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, é distribuído gratuitamente. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.
mas também tenho traços da católica. Respeito todas e estou em todas”, brinca. Em uma casa próxima moram Paulo Roberto Santiago Ferreira, 48 anos, e Alison Carlos Santiago Ospitaleche, 29, filhos de santo há cerca de 15 anos. Na residência, mais dois parentes seguem a umbanda e a avó, evangélica, respeita, aceita e convive muito bem com a crença dos netos. Alison é vigilante e cantor. Atualmente é puxador de canto em escolas de samba da Capital e da Serra. Sérgio Fidelix também compartilha da paixão pelo samba e é presidente da escola do quilombo vizinho, o Areal da Baronesa, onde além do Carnaval participa de várias atividades culturais como parceiro. “Temos uma boa convivência com todos os quilombos da cidade, trocamos experiências e promovemos
REDAÇÃO – Jornalismo Cidadão – Orientação: Felipe Boff. Edição: Luis Felipe de Souza Matos (texto) e Vinicius Nunes Ferrari (foto). Reportagem: Caroline Garske Rosa, Graziela de Souza Busatta, Guilherme Lemchen Moscovich, Luís Felipe de Souza Matos, Vanessa Vargas dos Santos e Laíse Feijó. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Cintia Fernandes, Débora Vaszelewski, Josi Baroli, Laís Albuquerque, Leonardo Stürmer e Rebecca Rosa. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico, diagramação e finalização: Marcelo Garcia. IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.
DÉBORA VASZELEWSKI
Paulo (E) e Alison, filhos de santo, convivem com a diversidade religiosa na própria casa
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Ecumênico, em um sentido mais restrito, quer dizer a união entre igrejas, religiões. Em uma visão mais ampla, pode abranger cultura, espaço geográfico, classe social, raça, gênero e política, unindo várias opiniões em um mesmo espaço. O quilombo da Família Fidelix é um exemplo de ecumenismo em todos os sentidos. Dentro do bairro Azenha, 37 famílias, nem todas de origem africana, lutam pelo local onde vivem há pelo menos 30 anos. No quilombo, existem pessoas negras e brancas; policiais, secretárias e aposentados; católicos, evangélicos e umbandistas. Todos com um ideal comum: permanecer na terra onde moram. Um dos primeiros moradores do local chama a atenção logo de cara pelas suas características físicas: branco e de olhos claros. Apesar da
ações em parceria. No Areal da Baronesa, que fica muito perto da nossa comunidade, nos reunimos mais vezes. Além de ser presidente da escola de
Samba, eu ajudo na organização do Dia da Criança e de vários outros eventos”, destaca Fidelix. Ele ressalta ainda que a proximidade do quilombo com o Hospital Porto Alegre não permite que muito barulho seja feito. Assim, atividades como capoeira e roda de samba costumam ser feitas fora do quilombo. Junto às terras quilombolas encontra-se o Cedel, o Cen-
FALE CONOSCO (51) 3591 1122, ramal 3727 enfoquequilombos@gmail.com
LEGENDAS - REPÓRTER
FOTÓGRAFO
tro Diaconal Evangélico Luterano, que firmou uma parceria com a comunidade do Fidelix. Lá, algumas oficinas, como de artesanato e de informática, são oferecidas gratuitamente para os moradores, além do empréstimo de salas para reuniões e encontros culturais promovidos pela associação dos moradores. Sérgio, presidente do Quilombo, destaca que pretende levar essas e outras oficinas para um espaço ainda mais próximo dos moradores, que será reformado em breve, graças a uma verba que recebeu da Emater para pequenos agricultores. A intenção é transformar esse local, futuramente, em um Ponto de Cultura, proporcionando um engajamento cultural ainda maior dentro da comunidade quilombola, tratando da temática africana.
- LAÍSE FEIJÓ
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Bairro Três Figueiras – Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@ unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Gustavo Fischer. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thais Furtado.