O poder dos chás como medicamento Página 7
GUSTAVO BAUER
Ellen Renner
Maria Carolina de Melo
DA TERRA
MAQUIAGEM
O cultivo da beleza não tem idade Páginas Centrais
ARTE NOS DEDOS
Pintura em azulejo como fonte de renda Página 16
ENFOQUE VICENTINA
SÃO LEOPOLDO / rs MAIO DE 2016
EDIÇÃO
10
Thomas Graef
O RUMO DO LIXO Moradores do Bairro se unem para separar o lixo e, com isso, colaborar com os catadores e com o meio ambiente. página 17
2. EDITORIAL
| ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016
Fontes infinitas de histórias
P
ara quem ama Jornalismo, não há nada mais gratificante do que encontrar boas histórias para contar. Por isso, esta edição do Enfoque é um motivo de orgulho. Dividida em cinco principais temas, a publicação traz matérias sobre assuntos variados que englobam boa parte do universo do Vicentina. Partindo da editoria de Comunidade, fomos em busca de pautas que envolvessem iniciativas populares e tivessem, de alguma forma, transformado a realidade do bairro. A proposta deu certo: nos deparamos com as saudosas lembranças do bingo para idosos, homens que em volta da roda de bar discutem sobre futebol, mas também estendem sua mão uns aos outros na hora da necessidade, uma escolinha onde as crianças ensaiam os primeiros dribles, até chegar a casa de um senhor que é a cara do Heavy Metal. Mas não é só isso. Os hábitos alimentares do bairro também entraram em cena nas matérias sobre Gastronomia. Nas próximas páginas, você confere entrevistas que contam sobre a relação das pessoas com os alimentos e o que isso revela sobre o comportamento humano e social de cada um. Além desses textos, também apuramos as necessidades e/ ou atributos bem peculiares dos moradores do Vicentina e a forma como se organizam quando o assunto é a alimentação, nas suas mais variadas formas. Encontramos gente que utiliza
chá como remédio, que planta e cultiva sua alimentação em casa, mães que tentam promover uma alimentação saudável aos filhos e até mesmo homens que decidiram assumir o comando do fogão da cozinha. Já a beleza, que é um conceito relativo, costuma despertar inúmeras opiniões. Nesta editoria, nosso objetivo foi trazer diferentes pontos de vista e pensar outros lados da beleza. Afinal,
enquanto uns aderem aos produtos químicos, outros preferem arriscar as técnicas naturais, mas o cultivo da autoestima e da saúde devem ser centrais. Há, também, aqueles que já sofreram em algum determinado período por acharem que não estavam dentro do “padrão” estético imposto pela sociedade, mas se recuperaram e, hoje, são felizes com a aparência. Não podemos deixar de men-
cionar ainda aquelas pessoas que descobriram a maquiagem e formas diferentes de se embelezar. Essas são apenas algumas das histórias que podem ser conferidas na editoria de Beleza do Enfoque Vicentina. Os que buscam decorar suas casas e os diversos espaços em que habitam também foram ouvidos e deixam mais lindas as páginas do Enfoque. Quando a pauta é originali-
Bárbara Bengua, Gustavo Schenkel, Nicole Cavallin, Nicole Fritzen e Thiago Greco
ERRAMOS Na capa da edição 9, a chamada com o título “Direitos: o trabalho infantil deve ser evitado” foi publicada com uma foto que não tinha relação com a matéria. A própria matéria publicada na página 5, com o título “Direitos iguais, realidades diferentes” procura alertar para a importância do lúdico e do estudo na infância e para o perigo que o trabalho pode apresentar caso se torne um hábito nessa etapa da vida. CAREN RODRIGUES
dade, o bairro mostra que sabe do que está falando. Isso você pode conferir na editoria de Criatividade, na qual relatamos histórias supermotivacionais, de pessoas que procuram inovar, seja no trabalho, na maneira para sair da crise financeira ou para a realização de um sonho. Nédio Pires, por exemplo, percebeu que coisas antigas podem servir para personalizar bicicletas. Já Paulo Humbert, vendendo as pinturas que faz à mão com azulejo encontrou, na arte, uma forma de sustento. Esses são alguns dos tantos relatos que valem a pena serem lidos. Entre as dezenas de olhares que cruzamos no Vicentina, muitas histórias podem passar despercebidas, mas quando conhecemos de verdade alguma delas, tentamos retratá-la da melhor forma possível. Por fim, mas não menos importante, temos uma editoria que está em alta: a Sustentabilidade. Descobrimos que a consciência ecológica se faz presente entre os moradores do Vicentina e que, além dos catadores, que recolhem o lixo para ganhar dinheiro, há crianças que buscam salvar o planeta recolhendo latinhas, além de pessoas que amam o artesanato e reciclam tudo que usam transformando o que é velho em arte. Cer tamente você vai se encantar e se inspirar com as histórias de pessoas comuns que concordaram em relatar um pouquinho de sua trajetória para os alunos da Unisinos. Aproveite e boa leitura!
ELLEN RENNER
ESTAMOS À DISPOSIÇÃO ENTRE EM CONTATO: EDIÇÕES ANTERIORES: DATAS DE CIRCULAÇÃO:
enfoquevicentina@gmailcom / (51) 3591.1122, ramal 1329 issuu.com/unisinosagexcom Edição 10: 7/5. Edição 11: 30/5
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Vicentina é um jornal experimental dirigido à comunidade do bairro Vicentina, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, é publicado a cada dois meses e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.
EDIÇÃO E REPORTAGEM – Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Sonia Montaño. Edição de textos: Bárbara Bengua, Gustavo Schenkel, Nicole
Cavallin, Nicole Fritzen e Thiago Greco. Reportagem: Aline Santos, Ana Paula Zandoná, Bárbara Bengua, Bruna Mattana, Caubi Scarpato, David Farias, Denise Morato, Gabriel Machado Pureza, Gustavo Schenkel, Jayme Magalhães, Joyce Heurich, Karine Vasem Klein, Lucas Möller, Mailsom Portalete, Marcelli Pedroso, Matheus Beck, Matheus Freitas, Michelle Oliveira, Nicole Cavallin, Nicole Fritzen, Pâmella Atkinson da Silva, Priscila Serpa, Rafaela Dilly Kich, Thiago Greco e Victoria Silva. FOTOGRAFIA – Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Oliveira, Aniele Cerutti, Bruna Monique, Caren Rodrigues, Dyessica Abadi, Eduarda Moraes, Ellen Renner, Eric Machado, Felipe Machado, Fernanda Stecanela, Franciele Costa, Gustavo Bauer, Jéssica Martins, Júlia Bozzetto, Julia Viana, Karina de Freitas, Karina Verona, Lidiane Bortoli, Lidiane Menezes, Liege Barcelos, Maquiel Santos, Maria Carolina de Melo, Maria Júlia Pozzobon, Nínive Girardi, Raique Ramos, Stefay Rocha, Tamires de Souza, Thais Montin e Thomas Graef. ARTE – Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Mariana Matté. IMPRESSÃO – Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 000. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
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Comunidade .3
Quem faz a bola rolar Moradores organizam-se para manter vivo o sonho das crianças do bairro
C
hegando ao campo do Grêmio Atlético Tricolor, se escuta alguém repetindo palavras de ordem a plenos pulmões: “Disciplina e respeito”. A voz vem do treinador Ari Motta, 56, que há mais de dez anos trabalha no Tricolor com pulso firme e coração grande. E há dois, coordena o time sub-13, composto por 30 meninos que, apesar do tamanho, nutrem um objetivo grande: querem ser jogadores profissionais de futebol. Juntamente com Seu Ari – assim chamado carinhosamente pelos que o rodeiam –, está um outro time, este, formado por veteranos cujas chuteiras já estão penduradas, mas seguem atuando fora do campo, para manter vivo o sonho desses futuros atletas. Sedemir da Cunha Machado, 38, trabalha com transporte de guincho, e nas horas vagas, dedica seu tempo a garantir que os meninos continuem jogando. Ao lado do amigo Carlos Eduardo Pehl, 34, ele assiste à partida e explica, orgulhoso, que, para jogar, os guris precisam apresentar bom desempenho na escola e bom comportamento. Seda, apelido de Sedemir, é dono de uma cancha de areia próximo ao campo do Tricolor, fruto de uma promessa feita quando passava por um grave problema de saúde – caso se curasse, abriria um espaço para a gurizada poder jogar. “Nós moramos num bairro onde todo mundo gosta de futebol, é o que as crianças mais gostam. Hoje, tá muito complicado, se tu não puxar eles para o futebol, eles podem acabar no crime. Então, o nosso futuro tá aí, temos que fazer um trabalho em cima deles”, afirma. A Seda Cancha, como foi batizada, é aberta a todas as crianças, diariamente. Inclusive, o proprietário mandou fazer uma cópia da chave para os meninos.“Não há como tu dizer para eles ‘amanhã não tem’. Mentira, amanhã tem sim, pode ir lá às cinco horas da tarde que eles vão estar sentados no cordão, esperando… tinha dias que eu chegava sete, nove horas da
noite, e eles estavam lá, era de cortar o coração”, conta, emocionado, Seda. Um dos maiores desafios que Seda se depara, inevitavelmente, é o custo para manter o local, já que, além do fardamento e da bola, adquiridos por iniciativa própria e de alguns moradores, a cancha, que ainda
bol para crianças carentes. O projeto, de acordo com ele, já está pronto, falta apenas ser aprovado. “Se depender de mim, todos vão ser profissionais”, garante. Enquanto Seda fala, olhos atentos ao treino do Tricolor, o barulho da máquina de cortar grama é incessante e torna-se mais alto a medida que ela se aproxima. Quem a opera é Marcos Muniz, 32, que, sob um sol de 35 ºC, trabalha para aparar o gramado. O equipamento foi comprado com seu próprio dinheiro, já que, segundo ele, o pedido de ajuda à prefeitura não pôde ser atendido. “Não há iniciativa por parte dos poderes públicos”, protesta. Militar reformado, cuida do No campo do Tricolor, campo como se fosse uma extenmeninos do são do seu quintal e explica que sub-13 sonham a sua família atravessa gerações em alcançar no Tricolor: “Esse clube aqui foi a carreira fundado pelo meu avô, Marcelino profissional. Até da Silva Muniz, e Luís Dias Pereira, lá, muito suor, em 1944. Meu pai, Santino Muniz, com a ajuda de foi presidente por vários anos, mas Marcos, Cláudio, a sede já estava desativada. Aí eu Clodoaldo e disse, ‘não, vou dar um jeito nisso’. Sedemir Peguei o projeto para tocar também”, relata. Marcos conta ainda que já cuida do campo há cinco anos, mas que agora ocupa a posição de diretor esportivo do clube, enquanto seu pai se encarrega da sociedade. Além do Tricolor, o bairro é casa de outros três times, o Clube Esportivo Beira-Mar, o Flamengo de São Leopoldo, e o Obras e Viação de São Leopoldo. Manutenção das estruturas, compra de fardamentos e outros artigos, treinamento e, principalmente, tempo e dedicação, são algumas das condições necessárias para manter a bola rolando nos campos do Vicentina. E é graças a ações isoladas como as de Sedemir, Marcos e Ari, que se mobilizam para levantar fundos, bonão está 100% pronta, demanda manu- tando a mão na massa, que o sonho de tenção e iluminação, que tem um preço dezenas de crianças tomam cor e forma mais alto devido aos refletores. A falta de longe da violência. “A gente é movido incentivos financeiros e de apoiadores, no pela paixão”, insistem os veteranos. entanto, não o desanimam. Determinado VICTORIA SILVA a dar continuidade a iniciativa, o próximo THAÍS MONTIN passo é inaugurar uma escolinha de fute-
Felicidade da gurizada é refletida dentro de campo
4. COMUNIDADE
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Pioneirismo de pai para filho Família Nunes, uma das primeiras a pisar no bairro, fundou também a primeira banda de heavy metal da região
“G
elson,tufazachuleta dealmoçopranós?”, grita, da cozinha, Tânia Lúcia Nunes, 55 anos, dona de casa, para seu marido Gelson João Nunes, 58 anos, caminhoneiro aposentado, que chorava emocionado, sentado na área, contando a história de sua família. Os pais de Diego, 28 anos, William, 26 anos, e Felipe Nunes, 24 anos, são uns dos moradores mais antigos do bairro. Eles vivem ali desde 1973 e já passaram por todos os tipos de dificuldades ao longo da vida. “Só tínhamos três ruas”, recorda o pai da família. O filho do meio, William, ou Will, como gosta de ser chamado, sempre curtiu música. Hoje, é guitarrista de uma banda de Heavy metal, a primeira e única neste segmento no Vicentina. “Eu assistia a muitos shows na televisão, o Diego já era músico, então peguei um violão e, com a ajuda de um professor e o pessoal da igreja evangélica, comecei a estudar os acordes”, conta Will, revelando como entrou para o mundo da música. E é ao lado de Nielson (vocal), Gabriel (baixo), Elisandro (bateria) e Eduardo (guitarra), que Will integra a banda Carpe Diem, cujo símbolo é uma caveira, mesmo to-
dosdafamíliasendoreligiosos. Seu pai, no entanto, ainda não conseguiu assistir a um show desse grupo musical. “Por falta de oportunidade, ainda não fui em um show dessa banda mais pesada. Mas, quando o Diego e o William tinham outra, na qual tocavam juntos, eu sempre ia, dava carona, levava os instrumentos. Ainda assim hoje continuo ajudando no que posso”, comenta Gelson. A história de William na Carpe Diem, na verdade, começou fora dela. Ele ia a todos os shows da banda UTI - antigo nome de seu grupo -, assim, acabou conhecendo os outros integrantes e tornando-se parte do quinteto. “Houve uma transformação muito grande na nossa família, já que, antes dos guris, só um tio muito distante tocava gaita. Atualmente, os meus três filhos tocam algum instrumento”, diz orgulhoso, preparando-se para ir
pilotar o fogão da cozinha. Mesmo a maioria dos shows serem em São Leopoldo, mais precisamente na Embaixada do Rock, a banda já percorreu toda a região metropolitana e Vale dos Sinos, visto que três integrantes da banda moram em Sapiranga. “No começo, a gente tocava em qualquer lugar, qualquer cidade, em uns porões... E só ia uma meia dúzia de gato pingado. Dava um monte de problema comaorganizaçãodo show. Mas, agora, a gente filtra para ter as mínimas condições
Cenário do rock no Brasil
de tocar e ter a presença do nosso público”, conta Will. Mesmo com tantas dificuldades, William vive da música. Consegue suprir todas as suas necessidades e ainda sobra um dinheirinho para ir a todos os jogos do Grêmio, seu time do coração. Claro, sempre contando com ajuda de seus pais. A união entre a família transborda, até em pequenos gestos. Quando William vai citar as bandas preferidas, Diego sempre o ajuda a lembrar alguma que ambos escutam e um deixou de citar. Asilaydying, The Devil Weak Prada, Charlie Brown Jr., Angra, são algumas que a dupla não deixa de ouvir e se inspirar. Diego, casado há seis anos com Estefânea, 25 anos, professora, trabalha atualmente como motoboy, é formado em Processos Gerenciais, mas aguarda o convite de alguma banda para seguir tocando o seu baixo. Com vários eventos marcados para os próximos meses, a Carpe Diem lançou, em 27 de fevereiro, um EP, que nada mais é do que um álbum reduzido a quatro músicas, todas autorais. Nas letras, mesmo não sendo gospel, pode-se perceber um sentimento cristão nas entrelinhas. O álbum foi gravado no estúdio Summinsky, em Porto Alegre e produzido por Henrique Fioravanti com o selo Beat Brasil. Para escutar as músicas da banda, basta procurar por ‘Carpe Diem – Resistência’ no YouTube. Quando perguntado sobre seu maior sonho como músico,Will é direto:“tocar”.
Will passa a maior parte do tempo com sua fiel escudeira
“O músico, de alguma maneira, tem que colocar a comida na mesa. Para isso, às vezes, muitos largam o seu estilo musical, e vai para outro. Mais pela grana mesmo”, confessa Diego. Os tempos são outros e a sociedade não vive mais nos anos 80; os CDs mais vendidos, baixados e escutados na internet são de Sertanejo Universitário. O rock no Brasil foi jogado para escanteio. Mesmo com diversas bandas neste estilo musical e muito público, os investimentos não chegam. “Os empresários e gravadoras não querem mais rock, eles querem ganhar dinheiro. Para isso, eles investem no que está dando certo e deixam o rock de lado. Em São Paulo, para sobreviver, as bandas se unem e fazem festivais de shows para seguirem tocando e, assim, viveram disso”, desabafa Will.“Tem que ter a união banda/público”, complementa Diego. União da família No dia 19 de setembro de 1993, enquanto Romário marcava dois gols no Maracanã sobre o Uruguai - classificando a Seleção Brasileira para a Copa que viria a ganhar no ano seguinte, Gelson sofria um acidente de carro após uma efusiva festa com muita cerveja. Foi neste dia que o rumo da família Nunes mudou. O patriarca, no auge dos seus 35 anos, era em tanto quanto boêmio.“Eu tomava uma cervejinha, uma caixa, para não mentir. Minha mãe sempre me alertava, mas eu ignorava. Ela dizia que Jesus estava guardando algo para minha vida. Depois do acidente, vi que ela estava certa”, relembra Gelson. Ele se referia a um novo jeito de se viver, totalmente diferente de como se vivia e longe de tudo que o atrapalhava. Desde então, começou a frequentar a igreja. “Única coisa que não me acostumava era a andar de terno”, completa. Na igreja foi onde seus filhos tiveram o contato mais próximo com a música e onde Gelson conseguiu centrar e dar um novo destino a todos que o cercavam. Com foco total na família, ele começou a ser mais sério no trabalho e, com isso, a casa que tinha só uma peça, hoje tem dois quartos, uma grande sala e uma linda cozinha – para onde Gelson se dirigiu depois de conceder a entrevista. Thiago Greco Júlia VIANA
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COMUNIDADE .5
Falta de opção mantém moradores idosos em casa Durante dois anos, comércio local promoveu um bingo solidário. A dona do espaço quer dar seguimento à iniciativa, mas vem encontrando dificuldades
F
lorêncio José da Silva, 82, morador do bairro há 20 anos, tem grandes dificuldades de locomoção. Devido à idade avançada, as pernas já não lhe obedecem. Problemas de tireoide, pressão e um alto grau de surdez deixaram sua rotina bastante limitada. No entanto, o pacato senhor pouco reclama, pelo contrário, é bastante sorridente e arranca risos ao bradar “É uma idadezinha já né? Vou fazer 83 (anos) em outubro”. Sua principal atividade é sentar-se, ao lado do filho, Altair, embaixo da sombra de uma árvore e aproveitar a brisa - na maioria das vezes, a pouquíssimos metros de casa, afinal, caminhar é sempre um esforço descomunal. Altair Machado da Silva, 43, mora no bairro Vicentina há 13 anos e habita a mesma residência que o pai. Ambos mantêm a espontaneidade e simplicidade do povo do interior. ”Antes de se mudar para cá, nós morávamos na colônia”, recorda Altair. Florêncio é aposentado e recebe um salário mínimo, já o filho é servente de obras e,
nos últimos anos, também tem sido os ouvidos e as pernas do pai. “Meu pai não sai de casa praticamente nunca. Hoje ele até que foi ali na esquina, cortar o cabelo, mas também foi só”, lamenta o filho. Todavia, até bem pouco tempo atrás, mais precisamente dezembro do ano passado, havia algo que tirava Florêncio e o filho da rotina: um bingo realizado há duas quadras de casa. A brincadeira era promovida por Maria Lopes, 54, proprietária do Bar do Tadeu, comércio localizado na Travessa C, número 39. O espaço era cedido gratuitamente e os jogos aconteciam em associação com agentes comunitários de saúde e profissionais do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região Oeste. Durante dois anos, acontecia, mensalmente, o bingo para os idosos e, em um dia separado, uma dinâmica para as crianças. “Nas segundas-feiras vinha uma psicóloga, o nome dela era Maiara, ela fazia brincadeiras com os pequenos e sempre trazia uns brinquedos. Era uma espécie de aulinha de educação física”, relembra a moradora. Maria Lopes sempre teve o ímpeto de fazer algo pela comunidade e viu, no espaço de qual é proprietária, uma oportunidade para ajudar os mais velhos. “A maioria desses idosos que participavam do bingo nunca saem de casa. Os jogos eram a única
diversão deles”, desabafa. Ela conta que, juntamente a outros moradores aliados à iniciativa, visitava as casas convidando para o bingo. “Como sou moradora daqui há muitos anos eu conheço a maioria desses velhinhos, então eu sempre tive vontade de ajudá-los. A gente ia de casa em casa, avisando do bingo e até mesmo alguns eu trazia, na cadeira de rodas”, declara. Sempre às quintas-feiras reuniam-se cerca de 30 idosos, cada um levava sua própria cartela e eram premiados com um kit de frutas e verduras, arrecadas no próprio bairro. No caso de Florêncio, o filho sempre o acompanhava, não só como o apoio que as frágeis pernas já não dão, mas também, para atuar como os ouvidos do pai. “Meu pai está quase surdo, então é preciso gritar para ele ouvir, é difícil para ele participar de qualquer coisa. Mas acontece que ele adorava o bingo, então eu ia junto para ouvir os números por ele e ajudá-lo”, afirma o servente de obras. Para Altair, os jogos fazem muita falta, pois eram uma alternativa à rotina restrita de Florêncio. A conversa com o aposentado é complicada, em primeiro lugar porque é preciso, literalmente, gritar para se fazer entender e, em segundo plano, é preciso ser muito cativante para atrair a atenção do homem que fixa seus olhos no horizonte e parece
estar atento a coisas muito mais importantes do que a presença do intrépido repórter. Sobre o bingo, que hoje existe só na lembrança, Florêncio é claro e direto “Eu gostava sim, fazem falta, porque eu quase não saio de casa”, conta Florêncio, de forma certeira, referindo-se aos jogos que tornavam suas quintas-feiras mais prazerosas. O Bar do Tadeu, agora permanece um pouco mais vazio e em silêncio. Por óbvio ainda é frequentado pelos clientes costumeiros, que ali encontram um espaço de lazer, para relaxar, tomar uma cerveja e confraternizar com os vizinhos. Porém, ali não se apercebe mais o sorriso experiente dos moradores mais antigos da Vicentina, e nem a barulhenta e efusiva gritaria da geração mais nova. Era muito mais que uma simples diversão. Para Maria era a concretização do sonho de poder ajudar sua comunidade, para os idosos, provavelmente, um dos dias mais aguardados do mês, e, para as crianças, uma hora de pura diversão. Durante os eventos, agentes comunitários de saúde prestavam um atendimento básico, medindo pressão, apurando índices de glicose, e conversando com os idosos sobre o seu estado de saúde e principais necessidades. Maria salienta que os profissionais continuam vindo ao bairro: “Agora eles se mudaram lá para a Ubam Vicentina, mas
Florêncio e seu filho, Altair, sentem falta do bingo. Maria sempre quis ajudar a comunidade
mesmo assim continuam vindo nas casas das pessoas e atendendo bem. Igual faziam antes”, afirma. Contudo, a dificuldade que Maria encontra é o fato de que, sem o apoio desses profissionais, tornou-se inviável a realização dos encontros, seja com os idosos ou com as crianças. “O CRAS se mudou lá para perto do Parque do Trabalhador, e graças ao pessoal que trabalha lá é que eu conseguia fazer o bingo”, lamenta. De acordo com ela, a iniciativa dos profissionais do Centro de Referência de Assistência Social aliada a ação dos agentes de saúde é o que propiciava a realização das brincadeiras. A proprietária do Bar teria entrado em contato com a prefeitura, para promover, por conta própria a continuidade dos bingos e brincadeiras com as crianças. “Eu fui até a prefeitura, lá me encaminharam para a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Me disseram que sozinha não posso mais fazer os bingos, pois o meu espaço é particular e sou proibida de fazer encontros públicos”. A proprietária do Bar do Tadeu completa dizendo “eu queria continuar ajudando, mas não posso. Para mim é um pouco triste, mas o pior é para os velhinhos que, agora, não têm mais nenhuma opção de divertimento”. Mailsom Portalete Stefany Rocha
6. Gastronomia
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Mães se preocupam com alimentação dos filhos Dicas para os pequenos
É preciso ficar alerta quanto à rotina alimentar dos pequenos, diz nutricionista
A
alimentação saudável deveria ser pauta essencial para os brasileiros. Isso porque, atualmente, o país alcança números altos em relação à obesidade e ao excesso de peso: 17,5% da população é obesa e quase 51% sofrem com o sobrepeso, de acordo Renata, de 4 com dados do Instituto anos, deliciaBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Aos se com frutas pais e responsáveis, todos os dias cabe ensinar as crianJá o prato de ças desde cedo a se alimentar Agatha, de 3 anos, filha de Maria de forma saudável. No Vicen- Machado Franguis, é diversificado: tina – ou em qualquer lugar -, ela gosta de salada e come basnão pode ser diferente. tante durante o dia. “Ela ‘manda Luciana Nunes é mãe de Ma- ver’, tem que ver o prato que ela teus, de 6 anos. Ela conta que a devora”, brinca. No entanto, a firotina alimentar do filho é bastante lha também é fã das guloseimas: comum: come arroz, feijão, carne “Adora uma bala”, diz. A mãe gae pães no dia a dia. Porém, ele rante que a menina, que ainda não gosta de frutas e verduras e não está no ensino infantil, brinca adora bolachas recheadas. “Mas bastante entre as refeições. sei que não faz bem e, por isso, O café da manhã de Renata, de lá em casa só tem nos fins de 4 anos, filha de Daniela Viríssimo é semana”, comenta. Segundo a composto por pão francês e café. mãe, o garoto passa o dia brin- Embora a menina não goste de cando e correndo na rua, o que verduras, adora se deliciar com frutas provoca uma queima calórica e sucos. Ao abraçar uma cesta de e traz mais saúde física. laranjas, Renata declara: “Olha o
As sugestões da nutricionista Tatiana Fagundes: Café da manhã: Esse momento é importante para melhorar o desempenho na escola e diminuir o cansaço. Evite o café e adicione à rotina iogurte ou leite, pães integrais, geleias.
que eu como por dia (risos)”, fala. A pequena frequenta a creche diariamente e, segundo a mãe, “devora o prato e ainda repete”. Os pais e responsáveis sabem que, às vezes, é difícil que a criança goste de uma nova comida, especialmente da classe de frutas, verduras e legumes. Por isso, a nutricionista Tatiana Fagundes, de Novo Hamburgo, dá a dica: “É comum a criança aceitar novos alimentos apenas após algumas tentativas. Uma boa ideia é oferecê-los separadamente para que ela aprenda a identificar suas cores e sabores, sem misturá-los”, pontua. Pensando em melhorar o pa-
Lanches: O lanche entre as refeições garante uma ingestão adequada de nutrientes e mantém a disposição durante o dia. Dicas: iogurtes, frutas, sucos naturais, sanduíches e bolos de frutas. Almoço e Jantar: Pratos coloridos com legumes e verduras são grandes aliados da alimentação saudável. Insira um tipo de carboidrato (arroz, massa, batata, aipim) com feijão ou lentilha e carne ou frango. norama alimentar das famílias do Vicentina, o Projeto Caminhada distribui, todos os sábados, um prato de sopa de legumes para as crianças do bairro.“Além de ser prático, estamos preocupados com a alimentação saudável dos pequenos”, relata Débora Cristina
Erhart, auxiliar de recreação do projeto. “Algumas torcem o nariz, mas comem”, completa. O Projeto Caminhada recebe doações do Centro Espiritual Boa Nova, no bairro Cristo Rei, para a realização da refeição. Também são doadas cestas básicas à população ao fim de cada mês. O trailer da iniciativa é migratório e muda de local a cada quatro meses, passando por mais três bairros em São Leopoldo. Tatiana reforça que a alimentação e a nutrição adequadas são requisitos essenciais para o crescimento e desenvolvimento dos pequenos: “Crianças que não têm acesso a uma dieta equilibrada podem apresentar uma limitação intelectual, pois a capacidade de aprendizado é influenciada pela nutrição”, conta. Além disso, a nutricionista mostra que os pais devem ser exemplo e responsáveis pela nutrição dos filhos: “A refeição familiar é o essencial, onde a criança aprende o modelo e atenção dada a alimentação. Exemplos e atitudes negativas durante a administração das refeições são fortes indicadores de problemas alimentares no futuro”,conclui. Ana Paula Zandona Franciele Costa
Comida que vem da horta Alimentação saudável é cada vez mais uma preocupação dos brasileiros. O país chegou ao topo do ranking mundial de uso de agrotóxicos em 2008. A informação, do Instituto Nacional do Câncer, estima que o brasileiro consuma, em média, cinco litros de veneno por ano. Uma alternativa saudável que alguns moradores do Vicentina escolheram, tanto pela alimentação, quanto pelo amor pelas plantas, foi a plantação do próprio alimento. Não é difícil achar hortas e quintais no bairro. Um dos que chama a atenção é o de Selma Pires, 67 anos. A aposentada tem uma plantação invejável: chuchu, pimenta, pimentão, couve, cebola, abacate, manga, laranja, salsa e chá são só algumas das coisas que podem ser encontradas em sua horta. Ela mora sozinha, mas divide
os alimentos com os vizinhos e com os filhos, que tem suas próprias famílias, mas moram na região. O mais surpreendente é que, apesar da grande variedade de plantas, Selma mora na casa há somente dois anos. Ela vivia em outro local antes, que foi desocupado pela prefeitura para a construção de uma avenida. “Foi muito triste sair de lá”, conta, “voltei para a frente da casa várias vezes. Sentava em uma pedra e olhava a minha casinha, com todas as plantas que eu tinha lá. Chorei muitas vezes de ter que deixar tudo aquilo para trás”, lamenta. Uma das vantagens de Selma ao plantar em casa é não depender completamente dos mercados. O casal da empregada doméstica Maria Doralí Gonçalves, 56 anos, e do aposentado José Luiz Batista, 69, não tem a
mesma sorte. A pequena horta deles dá frutos, mas também traz bastante dor de cabeça. As eventuais inundações e o calor excessivo matam algumas plantas e debilitam outras. A árvore que mais dá frutos é a bergamoteira, mas a plantação está longe de ser o suficiente para alimentar a família. Muito do que eles fazem é por gostarem de Selma mostra com orgulho plantar. José tem muito carinho por sua plantação sua ameixeira, que desde criança e soplantou há pouco tempo. Diz que nha com um espaço maior para cuida dela com muita dedicação poder cultivar suas plantas, que e a rega todos os dias. diz serem sua paixão e maior Selma não tem problemas motivo de orgulho. Há algum com inundações, mas também tempo, recebeu uma proposta reclama que o sol forte muitas de uma amiga, que trabalha vezes acaba matando algumas como enfermeira, para que plantas no verão. A aposentada, cuidasse de uma chácara no que nasceu em uma colônia em bairro Lomba Grande, em Novo Frederico Westphalen, plantou Hamburgo. Ela teve de recusar.
O local ficava muito afastado da cidade e como Selma não sabe andar de bicicleta ou dirigir, além de ter problemas de diabetes e hipertensão, achou muito perigoso. Tanto Selma quanto o casal acreditam que vale muito a pena plantar em casa. Gabriel Machado Pureza Lidiane Menezes
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Gastronomia .7
Farmácia natural O uso de chás como medicamento é uma tradição na família de Maria Salete
“M
inha mãe nunca tomou remédios e viveu até os 82 anos”. Maria Salete de Moraes Soares, 49 anos, dona de casa, tem ao seu lado uma curiosa herança familiar: a fé no poder dos chás. Quem chega à sua casa, no Vicentina, logo se depara com pequenas hortas Maria Salete recheadas de verde. dedica boa parte Poejo, cavalinha, boldo, do dia para cuidar do alecrim, babosa. Maria jardim e das plantas tem verdadeira devoção pelas ervas e plantas. “Ela molha todos os dias”, brinca o marido Davenir Knoop Soares, 55 anos, que trabalha como torneiro mecânico da polpa, a casca da fruta, quando A mãe de Maria, Helena Pinheiro, fervida, é usada para conter profalecida há seis meses, criou os filhos blemas estomacais. “Tenho tudo o à base de medicação natural: “Na que preciso aqui. Adoro plantar e minha casa não entravam remédios cultivar. Tenho amor por isso”, ressalta de farmácia. Minha mãe sempre Maria, enquanto arranca pequenos nos dava chá quando estávamos galhos e folhas com as mãos. com algum problema”, lembra. E a filha levou essa receita para a Especialistas vida, pois quase nunca faz uso fazem alertas de remédios “tradicionais”, nem mesmo com as netas. “Minhas filhas Apesar de não ter nada na“farmácia também acreditam no poder do tradicional” de casa, Maria sabe das chá e concordam comigo. Às vezes limitações dos remédios caseiros. preciso convencer meus genros, mas “Quando a doença for mais séria, sempre consigo”, diverte-se. não essas mazelas do dia a dia, com É verdade que todo mundo certeza buscarei os remédios adeconhece alguém que tem uma quados e um médico”, destaca. pequena plantação em casa, ou A prática de Maria, e de outros que sabe de uma receita milagrosa milhares de brasileiros, é bastante que cura qualquer enfermidade, antiga e é uma das pontas do tradores de cabeça, de barriga, in- tamento fitoterápico. A Associação flamações ou prisão de ventre. Brasileira de Fitoterapia (ABFIT ), E para Maria, todas as soluções que estuda e legisla diversas áreas, estão acessíveis, logo no jardim desde o cultivo das plantas e ervas, de casa. “Vou plantar umas mu- até sua aplicação na medicina, na das de chá de melissa e quero farmácia, na nutrição, na odontoretomar o de penicilina, que não logia e na veterinária, recomenda deu muito certo”, ressaltando sua que, mesmo com o cultivo domicivontade de ter ainda mais opções. liar, a atividade deve ser acompaEla relata também, com orgulho, nhada por um especialista. que os vizinhos pedem alguns A entidade alerta, ainda, que é galhos e mudas. “Vivo dando ale- necessário saber aliar a medicação crim para eles”, diz, sorrindo. ao uso de chás – pois um pode Casados há 32 anos, mesmo potencializar o outro. Ou, pior: tempo em que moram no bairro, o neutralizar a ação e causar uma série casal Soares possui uma casa ampla. de consequências negativas. Além deles, a neta Julia, de 11 anos, Maria, como todo apaixonado, também mora ali. Grande demais entende o dilema e está atenta à para os três, a família ainda aluga situação, mas não abre mão de sua duas peças e, em outra, a filha mais paixão. “Vou plantar ainda mais ervas velha possui um pequeno negócio e plantinhas. Eu confio no poder de xerox e impressões em geral. milagroso dos chás”, finaliza. Bem no centro do pátio, há um Gustavo Schenkel vigoroso pé de jabuticabas, que Maria Carolina de Melo chama a atenção de longe. Além
Para ter em casa
Cidreira
Boldo
Camomila
Auxilia em casos de insônia, depressão e ajuda na redução do estresse.
Controla problemas digestivos e no fígado, suores frios e mal-estar.
Auxilia no controle da ansiedade.
8. Gastronomia
| ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016
Lugar de homem é no fogão Cada vez mais eles estão vestindo o avental e colocando as mãos na massa. No Vicentina, conhecemos três cozinheiros
C
hegaodomingo,ohomem da casa pega a carne, tempera e começa a preparar o churrasco. Na cozinha, a mulher prepara a salada de maionese, o arroz e o restante da alimentação que irá acompanhar o almoço. A partir de segunda-feira, a rotina “volta ao normal”, quando a esposa assume o fogão e o marido vai trabalhar, sem se preocupar com os almoços e jantas do resto da semana. Essa até poderia ser a realidade de muitos anos atrás. Mas os tempos mudaram. O mundo evoluiu. Hoje em dia, existem muitos chefes de cozinha do sexo masculino. A ideia de que apenas a figura feminina poderia comandar a cozinha ficou para trás. Lugar de homem também pode ser em frente ao fogão, seja por necessidade, ou por vontade de preparar a comida para sua família, esposa, namorada, amigos etc. E alguns exemplos disso podem ser encontrados no Vicentina. Basta uma ida ao restaurante Du Paolos, ao Mercado da Rê ou uma visita ao Seu Alambari e sua famosa polenta assada.
Proprietário do restaurante Du Paolos, Claudionei (acima) aprendeu a cozinhar aos 8 anos de idade. Nasser é especialista em preparar o charutinho, prato árabe que sua esposa, Rejane, adora
tar o máximo desse corte e acrescentar o bacon para fazer algo diferente. Os clientes elogiaram o prato e disseram que aquilo era ‘comida de rico’”, brinca. O nome do restaurante quase foi um pequeno empecilho para o empreendimento do ex-taxista. A nomenclatura Du Paolos veio da simples junção do apelido de dois membros da família. “O nome do meu filho é Eduardo, mas chamamos de Du. E o nome da sobrinha da minha esposa é Paola. Daí decidi colocar o nome de Du Paolos para fazer uma coisa diferente”, esclarece. O que ele não esperava é que no momento de registrar a empresa seria “barrado”. O nome de seu restaurante já estava sendo utilizado por outro estabelecimento alimentício, bem longe do Vicentina. Du Paolos também dá nome à uma das maiores pizzarias da Itália. Por causa dessa coincidência, Claudionei teve que registrar a empresa com outro nome, mas utiliza “Du Paolos” como fantasia.
Do táxi ao restaurante Quando criança, Claudionei Rodrigues da Fé viu seus pais se separarem e acabou indo morar com a mãe. Aos oito anos teve que assumir a boca do fogão e aprender a cozinhar, já que ela passava o dia todo fora de casa trabalhando. O que começou por necessidade acabou tornando-se paixão. E o que era paixão, tornou-se profissão. Aos 43 anos, Claudionei comanda, há um ano, o restaurante Du Paolos, na rua Arnô Schuch. De tanto pilotar o fogão, por ironia da vida, acabou indo pilotar um carro. Foi taxista por muito tempo, porém, mesmo trabalhando nas ruas, ainda encontrava tempo para fazer a comida de casa. Quando reparou que, no entorno do Vicentina não havia um restaurante com as características que gostaria de ter, decidiu juntar o útil ao agradável. Assim, deu uma virada de 360º em sua vida. Largou o táxi e transformou o prazer de cozinhar em profissão. O ex-taxista apresenta com orgulho o restaurante. Aconchegante e com bom ambiente,
revela que o negócio vem dando certo. Segundo ele, a receita é ser popular. “Nós vendemos a comida com um preço acessível para os moradores aqui do bairro. As pessoas querem comer bem por um preço bom. Outro dia me perguntaram se os bifes não estavam muito grandes e se não estava havendo desperdício. Eu disse que
não. Que as pessoas estavam comendo tudo”, revela. Claudionei cuida de todo o cardápio. Gosta de inovar e de fazer coisas diferentes, para proporcionar uma alimentação que, até então, não era tão comum no Vicentina. “Esses dias eu fiz uma sobrecoxa de galinha desossada com bacon. A ideia era simples: aprovei-
Direto da Palestina Há poucos metros do restaurante Du Paolos, na mesma calçada, e na esquina das ruas Arnô Schuch com Francisco César Nascimento, está localizado o Mercado Super Rê. O estabelecimento é comandado por Nasser Fare, 46, e por sua esposa, Rejane Fare,
33, juntos há dez anos. O mercado até pode ser comandando pelo casal, mas dentro da cozinha quem manda é Nasser. “Ele é um ótimo cozinheiro. Acho que devíamos ter aberto um restaurante. Eu nem faço questão de cozinhar, é tudo com ele. É difícil escolher um prato favorito, já que gosto de todos os pratos dele”, diz Rejane. Nasser cozinha desde os 11 anos de idade. E, assim como seu vizinho de calçada, também começou a cozinhar por necessidade. “Os mais velhos chegavam e a comida tinha que estar pronta. Precisava me virar, cozinho desde criança”, recorda. Natural de Passo Fundo, mas oriundo de família árabe, em 1979 ele teve que ir para a Palestina, quando seu pai, Abed Abed Rahnan Faré, teve um princípio de infarto. Por tradição familiar, ele decidiu que, caso viesse a morrer, gostaria que essa hora fosse em seu país natal. Assim, Rahnan Faré levou a família para o vilarejo Deith Dukoo, próximo à cidade de Ramallah. Durante um ano, Nasser viveu no país palestino e, de lá, além das lembranças, trouxe, também, as receitas. É só ele falar no charutinho, prato árabe no qual a carne moída e o arroz formam o recheio que vai envolto em uma folha de repolho, que Rejane já fica com água na boca, encara o marido e diz: “Hum, charutinho. Por sinal, faz tempo que você não faz”, lamenta. A polenta assada Valdeci Nass, 42 anos, diz que todos os moradores da redondeza o conhecem como Alambari. “Pode anotar que meu nome é Alambari”, revela. Seu Alambari, além de gostar de cozinhar, também se gaba de ser um inventor culinário. Segundo ele, há 23 anos inventa comidas. Dividindo o fogão da cozinha com a esposa, Alambari revela que o prato mais pedido em casa é a polenta assada. “Eu criei uma polenta assada que é muito boa. Nem presta fazer aquilo de tão bom que fica, quase como uma lasanha. A última vez que preparei o prato fiz duas tigelas grandes e foi tudo, não sobrou nada”, conta orgulhoso. Uma coisa é certa: não importa a pedida, pode ser polenta assada, sobrecoxa de galinha desossada com bacon ou charutinho, o Vicentina está muito bem servido de cozinheiros. Matheus Freitas Felipe Machado
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BELEZA .9
Produtos que a natureza dá Técnicas alternativas melhoram a pele e o cabelo a custos baixos e sem efeitos colaterais
O
cuidado com a beleza da pele, corpo e cabelo é primordial na vida de muitas mulheres. As técnicas de beleza utilizadas variam desde as mais simples, como uso de cosméticos e produtos específicos ou até mesmo tratamentos mais prolongados ou cirúrgicos. Muitas vezes, porém, por conta do alto preço dos produtos e da correria do dia a dia, a solução é recorrer aos tratamentos estéticos caseiros, que são mais baratos, eficazes na hidratação e benéficos para a saúde corporal. No bairro Vicentina não é diferente. Ali, muitas pessoas são adeptas ao tratamento caseiro da pele e cabelo, como é o caso da professora Tiele Mariane Teixeira, de 18 anos. Ela utiliza a técnica do abacate (1) e da gema de ovo (2) para a hidratação do cabelo. O tratamento é feito mensalmente e não tem utilização de produtos químicos. A receita é simples: três colheres de abacate são colocados no liquidificador e misturadas com água e uma gema de ovo, que devem ser passados no cabelo, deixando agir por 30 minutos. O pai de Tiele, José Luis Teixeira, de 49 anos, é cabeleireiro há 18 anos e incentiva as clientes a tratarem os cabelos com métodos naturais. “Costumo dar a dica às mulheres sobre os benefícios da hidratação natural e aplico esse tratamento se assim for o desejo das clientes”, comenta seu Zeca, como é chamado na região. Sobre a técnica do abacate, ele explica: “Esse tipo de tratamento é muito recomendável, pois elimina a ação dos produtos químicos utilizados diariamente (como o shampoo), e diminui o volume do cabelo”. Outro método citado pelo seu Zeca tem a ver nem tanto com beleza, mas sim com prevenção: ele aconselha o uso de folhas de arruda (3) para o tratamento de piolho. “Foi uma receita que aprendi com meu pai e sei que dá resultado imediato. É só bater folhas de arruda no liquidificador e depois misturar com o shampoo. A alteração no cheiro é eficaz para a eliminação dos piolhos”, coloca. Na casa de Carla dos Santos de Macedo, o abacate também é utilizado, dessa vez para o tratamento dos cabelos das filhas, Ana Clara, de 6 anos, e Ana Julia, de 4. Para tratar os cachos das meninas, ela acrescenta o abacate com óleo de oliva ou girassol, o que facilita na hora de pentear, garante. “Foi uma receita que aprendi com
Seu Zeca incentiva os clientes a aderirem às técnicas naturais
minha avó, para evitar o ressecamento das pontas e melhorar a hidratação”, afirma. Aos 30 anos, Carla também tem um segredo especial para o cuidado com a pele. A cada quinze dias, faz hidratação no rosto à base de farinha de milho (4). “No meu caso, esse método
contribuiu para a eliminação da oleosidade e das manchas que tenho na pele, além de hidratar o rosto e deixá-lo mais liso”, argumenta. Para a diarista, a utilização de métodos caseiros é ainda mais benéfica no que diz respeito ao barateamento de custos. “Muitas vezes não temos condições de
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pagar pelos produtos, que estão cada vez mais caros. Então essas técnicas alternativas são muito bem-vindas”, salienta. Para outra moradora, a solução para crescimento do cabelo está na utilização de café (5). Patrícia Oliveira Pedroso, de 30 anos, conta sobre a iniciativa que
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aprendeu com a irmã, Priscila, que é cabeleireira.“Ela me apresentou a técnica do café em pó, que é colocado dentro do shampoo para ajudar no crescimento e na luminosidade do cabelo. No começo, fiquei receosa, mas depois de ver o resultado, aprovei”, relata. Segundo ela, muitas pessoas não utilizam os métodos naturais por medo e desconfiança. “É comum esses tratamentos alternativos gerarem estranhamento, ainda mais por não ter ajuda de profissionais”, opina. Segundo especialistas, os produtos naturais não agridem a natureza, e utilizando a técnica e quantidade certa não prejudicam o corpo das mulheres. O abacate, por exemplo, é usado por grande parte das mulheres no tratamento da pele. Uma das adeptas famosas é a cantora americana Jennifer Lopez, que já afirmou em entrevistas que usa a fruta na prevenção ao ressecamento do rosto. Seja de forma natural ou não, as mulheres recorrem a tratamentos diversificados para ficarem mais belas e saudáveis no dia a dia. Mais do que manter essas práticas estéticas, é preciso sentir-se bem e optar por escolhas que não prejudiquem o corpo e a pele. Afinal, beleza é muito mais do que o aspecto físico: é a maneira saudável que cuidamos de nós mesmos, livre de abusos e excessos. Nicole Fritzen Aniele Cerutti
10. BELEZA
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Ellen Renner
Ellen Renner
Vitoria escolhe as cores para sua produção. Ela preferiu tons de rosa para a maquiagem
Maquiagem como fo Meninas e mulheres do Vicentina mostram a importância de se sentir bonita em qualquer fase da vida
A
vaidade faz parte da essência feminina. Se embelezar, por meio de maquiagens e outros produtos, é uma forma de manter a autoestima em alta. Ainda no Antigo Egito, os olhos bem delineados e as sombras em tons de azul turquesa e dourado já eram marcas registradas de Cleópatra, a Rainha do Nilo. No presente, porém, as formas de
ficar bonita variam e se relacionam com diferentes contextos. No bairro Vicentina, há mulheres que se sentem mais belas com determinados cosméticos no rosto, enquanto outras dão preferência ao visual natural. As justificativas por uma preferência ou outra são amplas. A doméstica Leci Wallauer Martinez, aos 51 anos, não faz questão de investir em maquiagem para aprimorar o visual. “Nunca fui muito de me pintar. Também não gosto de usar nada por causa da Igreja, prefiro ficar mais natural”, esclarece ela. Já suas pequenas netinhas, Isabella
Martinez Miller, de 1 ano e 5 meses e Sophia Martinez Felizberto, de 1 ano e 11 meses, são completamente o oposto da avó. Mesmo com tão pouco tempo de vida, ambas já têm familiaridade com esmaltes, batons e sombras. “Elas são assim por causa da tia delas, que é bem vaidosa”, explica Leci. As crianças nitidamente adoram os rituais de beleza. Quando a avó diz para Isabella colocar o “tom”, a menina leva o batom aos lábios e faz a festa. “Ela sabe direitinho que o batom vai na boca e a sombra vai no olho. Vai ser bem perua quando crescer”, brinca
a avó. Amiga de Leci, Marizabel de Albuquerque, 43 anos, atualmente desempregada, se identifica desde sempre como uma mulher vaidosa. Para ela, investir nos cuidados com a pele e na maquiagem é característica nata de sua personalidade. “Adoro rímel, base, sombra e pó”, afirma. Entre as preferências de cores dos produtos, ela é categórica: os tons de rosa são os favoritos. Marizabel se define, também, como autodidata. Apesar de buscar refe-
O valo cada u
ta a retirada da maquiagem e evita o ressecamento da pele. O mesmo vale para o óleo de coco. O próprio hidratante corporal pode ser utilizado com esse propósito, mas é importante lavar bem o rosto com água em abundância na sequência. Outra opção para fazer um removedor de maquiagem caseiro é misturar ½ xícara de água mineral com 6 colheres de leite em pó. Alternativas não faltam para você remover a maquiagem antes de dormir.
Nínive Girardi
Nínive Girardi
Como retirar a maquiagem? Usar maquiagem é uma delícia, mas ao fim do dia é sempre importante retirar quaisquer pigmentos do rosto antes de dormir. Caso contrário, eles podem entupir os poros da face e causar alergias ou problemas de acne, como cravos e espinhas. Para a remoção dos cosméticos, você pode contar com auxílio de um demaquilante ou de outros produtos caseiros. O azeite de oliva, por exemplo, pode ser aplicado na região dos olhos com auxílio de um cotonete. Ele facili-
rências em sites e revistas, é testando os produtos que realmente descobre como montar diferentes looks. Os cuidados não se restringem apenas à maquiagem. “Eu adoro usar cremes e esfoliantes para a pele”, confessa. Mas o fato de gostar de cuidar de si e estar sempre bem arrumada também já fez com que ela enfrentasse alguns preconceitos. “Eu costumava trabalhar em fábricas de calçados. Lá as mulheres não se arrumam, não usam maquiagem.
que não conseguem de amor-próprio pod Desde a infância vida. Por isso, estimul crianças poderá cont Há muitas atitu meninas. Uma delas ligação direta com o É válido esclare não são, necessariam manter um padrão d
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Ellen Renner
Eduarda Moraes
Ellen Renner
Aos 40 anos, Marizabel redescobriu sua beleza. Ela já enfrentou preconceitos, mas não abre mão da vaidade
Isabella adora passar batom
fonte de autoestima Mas eu usava de qualquer jeito”, aponta ela. Sua presença marcante, portanto, gerava alguns olhares tortos. “Era ciúme”, acredita. O fato de estar desempregada nem de longe representa um empecilho para manter os cuidados com a beleza. “Eu uso maquiagem em casa também”, diz, sem rodeios. Na rua, já enfrentou comentários de pessoas que a apelidaram de palhaça, por estar sempre com o rosto pintado. Mas ela não encara como ofensa.“Eu tenho que estar como me sinto bem”, afirma convicta. O único momento de sua vida em que sofreu uma crise de autoimagem
or de um
foi aos 40 anos. “Nesse período, eu tive uma depressão. Não conseguia mais me achar bonita, foi difícil”, recorda. A solução encontrada por ela foi resgatar sua essência através de um book fotográfico, que garante ter sido muito importante no resgate da autoestima. O inédito foi que, para a produção do book, Marizabel optou justamente por uma maquiagem mais leve, que não escondesse seus verdadeiros traços e as marcas do tempo. “Eu quis uma pintura bem natural, porque eu queria me ver nas fotos, sabe? Queria ver como eu ainda era bonita”,
Baixa autoestima é a principal razão pela qual, apesar de suas brilhantes conquistas em todos os campos, ainda há mulheres m defender o que são. Dentre várias, uma das causas para a falta de tem relação com a própria educação. a, muitas meninas enfrentam discriminação em todas as esferas da lar a importância do autocuidado – de se gostar e se amar - desde tribuir para que elas cresçam como mulheres fortes e orgulhosas. udes práticas que podem ajudar a melhorar a autoestima das s é explicar às crianças que a aparência física não tem nenhuma o valor real de uma pessoa na sociedade. recer às mentes jovens que as modelos em capas de revistas mente, exemplos a serem seguidos. Para ser bela, não é preciso de beleza.
lembra. Foi assim que ela descobriu que a verdadeira essência da beleza está no amor-próprio. Com ou sem batom, o importante é se amar e se sentir bem. Mas mesmo para quem adora maquiagem, nem sempre o acesso aos cosméticos – com preços relativamente caros – é fácil. As irmãs Vitória dos Santos Nascimento Ferreira e Milena Mauriceia Silveira Borges, ambas de 8 anos, contam que adoram os conjuntinhos de beleza, mas que conhecem pouco sobre os produtos em si. Quando questionadas sobre os itens que costumam usar, Vi-
tória revela que não sabe o que é sombra. “Eu não conheço por nome. A única coisa que tenho é um batom rosa que ganhei no posto de saúde”, explica ela. Milena também conta que tem apenas um batom - “do Frozen”, enfatiza. A irmã mais velha das garotas, Raiana da Costa Ferreira, de 15 anos, relata que costuma usar maquiagem às vezes para ir à aula. “Uso pouco e poucas vezes. Acho estranho maquiagem em excesso”, explica. Raianafrequentaaigrejaevangélica e também diz não usar produtos de beleza para ir aos cultos.“Tem muitas
Tal mãe, tal filha Na infância, os comportamentos das meninas – que falam igual, repetem atitudes e querem se vestir da mesma forma que a mãe – são absolutamente normais, principalmente dos 3 aos 6 anos. Mas é preciso ter atenção em alguns pontos. Brincar de se enfeitar é muito natural e saudável, porém, é preciso fazer uso dessas ferramentas sem perder de vista o olhar lúdico do “faz-de-conta”. Lembrando que, nesses casos, devem ser usados produtos específicos para crianças, pois os cosméticos de uso adulto podem provocar reações
inesperadas na pele, cabelos e unhas. Outro problema que pode ocorrer é que a criança seja precocemente erotizada pelo uso de roupas e outros pertences do mundo adulto, ficando muito exposta e adotando atitudes que não condizem com sua faixa-etária. A situação, futuramente, pode gerar traumas na adolescência, por conta do amadurecimento precoce. Por isso, o essencial é lembrar que, na infância, é fundamental garantir às meninas liberdade para brincar, sem nenhum compromisso de beleza.
mulheres que usam, não é proibido, mas eu não acho que combine com o ambiente”, insiste. Ao ser questionada sobre o que pensa de si mesma, a menina responde que gosta do que vê quando olha para o espelho. “Gosto muito do meu corpo, principalmente dos meus olhos. Só me acho magra demais, acho que eu deveria engordar um pouco”, conclui. Michelle Oliveira Rafaela Dilly Kich Eduarda Moraes Ellen Renner Nínive Girardi
Nínive Girardi
12. Beleza
| ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016
Altos e baixos As mudanças de peso na vida dos jovens afetam saúde e projeção de futuro
A
beleza é um conceito subjetivo. No passado, mulheres magras não eram consideradas belas. Hoje, a beleza imposta pela sociedade é a das passarelas: modelos vestidas em roupas ditadas como tendência do momento, com 1,75m de altura, pesando 50 quilos e com o cabelo da capa de revista. Contudo, em uma era onde é difícil cuidar da alimentação por causa das preocupações como o trabalho, os estudos ou até problemas comuns do dia a dia como o desemprego e as dificuldades financeiras, as pessoas não são como idealiza o mundo das passarelas e independente disso constroemsuaprópriabeleza. A preocupação com a estética não deve ser considerada fútil, ela significa bem estar e autoestima também. Muitas vezes, as pessoas sofrem de transtornos ou doenças que as levam a problemas que se refletem na balança e no espelho. É o exemplo da jovem Fabiana Saraiva, 20, estudante do 9º ano do Ensino Fundamental e mãe de uma menina, que aos 19 anos se viu com depressão. Morando com o pai, sem trabalho, com o desejo de dar melhores condições de vida à filha e sem a presença da mãe, que foi embora de casa, Fabiana entrou em depressão. “De 60 quilos passei a pesar 49, não conseguia mais me olhar no espelho”, afirma Fabiana. Com 1,70m de altura, ela pesava 49 quilos. A jovem não conseguia mais comer e não tinha vontade de realizar as tarefas diárias. Só conseguiu superar a doença com acompanhamento de um psicólogo. Sem utilizar medicação, após alguns meses se tratando Fabiana conseguiu voltar ao peso normal e até a realizar atividades de lazer, como ouvir música. “Para sair da depressão eu busquei forças na minha filha, que precisava de mim”, confessa a estudante. Agora saudável, ela se sente satisfeita com a própria aparência. “Eu me olho no espelho e me considero linda”, avalia a jovem. Vaidosa, o estilo que Fabiana usa é inspirado na cantora americana Rihanna. “Conheci ela por causa do meu pai, quando ganhei dele um DVD com videoclipes. Ela é uma inspiração para mim. Todos os tons de cabelo que ela teve eu copiei. Agora estou olhando umas fotos do platinado dela para fazer igual novamente”, antecipa a jovem. Colega e amiga de Fabiana,
Thais Rangel, 21, estudante, é o exemplo contrário. Até pouco tempo pesava 120 quilos e também não se contentava com o que enxergava no espelho. Foi após a separação do ex-marido que a jovem passou a se importar com o número que se deparava na balança. Solteira e acima do peso que considerava ideal, achava necessário fazer algo para voltar a se sentir feliz com a aparência física. Para reverter aquilo que a angustiava, a estudante confessa ter feito algo perigoso. Todos os dias Thais deixava de se alimentar e fazia apenas uma refeição. Além disso, ela também saia para dançar em festas nas quintas, sextas, sábados e domingos, até que dois meses depois obteve o resultado que desejava. Ela admite que a fórmula utilizada para emagrecer foi uma loucura, que poderia ter desenvolvido alguma doença com esse processo. Porém, diz que hoje faria diferente, praticaria exercícios e regularia a alimentação. Feliz com a aparência, a jovem desabafa sobre as dificuldades de estar fora do padrão imposto pela moda: “Antes eu usava tamanho 50, era difícil encontrar roupas. Quando ia na loja e experimentava, ficava desanimada e acabava desistindo de comprar. Quando comprava, as roupas acabavam ficando sempre apertadas, era ruim”, lembra Thais. Hoje se mantém contrária aos parâmetros impostos pela mídia e pelas passarelas, vestindo o que gosta e comprando roupas com maior facilidade.
Vlaudimir abandonou antigos hábitos para perder peso e hoje se considera satisfeito com a aparência
Fabiana e Thais superaram os problemas com o corpo e são alheias aos padrões impostos pela sociedade
OS PADRÕES IMPOSTOS PELA MODA A indústria da beleza impõe padrões que não são saudáveis, mas o sobrepeso, segundo a Organização Mundial da Saúde, é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo. Especula-se que até 2025 2,3 bilhões de adultos no mundo estarão em sobrepeso e 700 milhões serão obesos. Pressão alta, diabetes, colesterol elevado e doenças do coração são apenas alguns dos problemas que podem ser causados pelo sobrepeso. Para saber qual é o peso ideal, basta dividir o peso pela multiplicação da altura vezes ela novamente, o resultado será um número que estando entre 18,5 e 25 é considerado saudável. Everton Vlaudimir de Oliveira, 25, auxiliar de padaria, acha errado as loucuras feitas por modelos para manter o peso. Ele conta que também já fez, mas que hoje não liga mais para isso e se sente bem com seus 108 quilos. Ele relata que sempre es-
teve acima do peso, nunca se considerou magro. Aos 16 anos conseguia se manter entre os 55 e 70 quilos, mas com o passar do tempo também fez loucuras para perder peso. “Diariamente eu acordava cedo, bebia um copo de água e saia para caminhar. Na volta realizava uma refeição, que era a única do dia. Só no dia seguinte eu voltava a comer”, lembra o jovem. Além disso, ele também praticava algumas atividades, como jogar vôlei e andar de bicicleta, contudo, tem consciência dos riscos corridos com o tipo de alimentação adotado: “Já vi casos de pessoas que morreram porque ficavam sem comer, hoje eu não faria isso”, arrepende-se Vlaudimir.
A falta de alimentação pode desencadear diversas doenças, como a Bulimia - que é a compulsão alimentar seguida de vômito - e a Anorexia - o medo de comer- que podem levar a morte. As causas dessas doenças podem ser variadas e fatores externos podem piorá-las. O Bullying, que é comum em escolas e entre adolescentes, é um deles. Vlaudimir passou também por isso. “Eles me chamavam de Shrek e Bob esponja por eu ser gordinho”, recorda. O jovem diz que hoje se preocupa com outras coisas da aparência. “Eu vou no salão sempre para cortar o cabelo e fazer a sobrancelha. O meu estilo de roupa é próprio, não me inspiro
em ninguém. Apenas gosto de usar roupas femininas, porque me sinto melhor”, revela o auxiliar de padaria que relaciona seus gostos com sua orientação sexual.“Por ter orientação homossexual, busco roupas que sejam coloridas, tenham brilhos e sejam mais justas”, disse o jovem, enquanto mostra a camiseta feminina que ganhou da própria mãe. Ele fala abertamente sobre sua orientação sexual, diz que todos na sua rua sabem e é respeitado. Com 108 quilos e 1,73m de altura, ele conclui “ Eu sou bonito assim, não dou bola mais para o peso. O que importa é eu me sentir bem”. David Farias Lucas Ott
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016 |
CRIATIVIDADE .13
Artifícios para buscar renda Para garantir que o dinheiro chegue até o fim do mês, a criatividade é mais do que necessária
S
eis horas, café da manhã rápido, conduções lotadas e longas viagens até o estabelecimento de trabalho. Assim é a realidade de inúmeros brasileiros assalariados que, cumprem horário e recebem valores fixos por mês. Ainda que a realidade para essas pessoas seja difícil, muitos adorariam ter de conviver com essa rotina. Entretanto, o alto índice de desemprego prejudica os que buscam essa estabilidade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em relação a 2015, em fevereiro desse ano, houve o aumento de 2,4% na taxa de desemprego, chegando a 8,2%. Com esta realidade, muitas pessoas investem na criatividade para a obtenção de renda. Há os que abraçam as oportunidades mais diversas, os que precisam lidar com a falta de opções e, também, os que enxergam o momentoparaempreender. Em uma residência recheada de materiais para reciclagem, móveis e eletrodomésticos antigos, mora José Matias, 64, junto com sua companheira, Terezinha Matias, 66. No Vicentina e bairros próximos, o casal circula vendendo merengue, amendoim e outros alimentos
caseiros. “Antes trabalhávamos com reciclagem, mas a vigilância sanitária nos proibiu”, lamenta José. Depois disso, outras alternativas precisaram aparecer para que o sustento do casal ocorresse. Seu Zé lembra que já atuou em diversas áreas, na roça, como vigilante e, inclusive, em sua juventude, rumou ao Uruguai e Paraguai na procura de serviço. Mesmo com os problemas e dificuldades, o casal se vira para encaixar momentos que possam também ser positivos para outras pessoas. “Algumas vezes por mês fazemos cachorros quentes para doar para pessoas carentes”, finalizou Terezinha. A oportunidade O sucesso surge onde menos se imagina. A oportunidade aparece e precisa ser aproveitada. Dessa maneira, atrás do clichê, com o auxílio de boas ideias, Júlio César Rodrigues, 31, tem iniciado um processo de reversão da vida de sua família. No bairro, seus lanches tem feito cada vez mais sucesso. Há apenas dois meses, o homem que já trabalhou na construção civil, demonstra todas suas ideias na concepção de refeições com sabores diferentes em seu próprio negócio. É bem verdade que a experiência no ramo percorre sua vida há alguns anos, no entanto, os problemas financeiros obrigaram o aceleramento da mente criativa de Júlio
para o sustento familiar. O espaço em frente à casa de Júlio oferece xis, cachorro quente e pratos de comida para a vizinhança de maneira higiênica e com preços acessíveis. A falta de valor para investir em material de construção apontou para a madeira como uma solução prática. E, a inexistência de espaço físico para receber clientes, obrigou o uso de sua moto para entregas na região. O resultado? Carro novo, freguesia aumentando e perspectivas positivas para um futuro próximo. “Aqui estamos iniciando, mas, queremos ir para um espaço do bairro que tenha rua asfaltada, melhor ambiente e possibilidades”, projeta Júlio, esposo de Sandra Regina Chardom, que visa, em todos seus sacrifícios e ideias de trabalho, apenas uma coisa: um melhor futuro para seu filho Alexandre Santos Alves, de apenas 12 anos. Matheus Beck Karina Verona
José e Terezinha (acima) vendem produtos caseiros. Júlio, que já trabalhou em construção civil, resolveu empreender
Decorações encantam vizinhança “Não há lugar como o nosso lar”, dizia Dorothy, a personagem do livro O maravilhoso mágico de Oz, fazendo referência a um dos locais mais importantes para o ser humano: sua casa. A residência das pessoas em alguns momentos tornase um refúgio. Nela, apesar dos problemas do cotidiano, habita o aconchego, formando a identidade dos moradores. Neste sentido, a decoração local fala pelos proprietários, mostrando sua personalidade através de cores, formas e objetos que compõem o visual do lar conforme a preferência dos habitantes. Ambientes repletos de beleza são o forte da dona de casa Ana Cláudia Delavi, 51 anos, moradora da rua Arno Schuch. A casa de Ana expande alegria, com árvores e esculturas de
personagens da turma da Mônica expostosemumpátiogrande. A proprietária constrói os enfeites com placas de isopor e tinta para artesanato, realizando a troca das peças quando estragam pela ação da chuva e sol em excesso. “Gosto de manter as coisas bonitas, já espantei momentos de tristeza ao me envolver com os enfeites, me sinto bem com isso”, diz. Ana conta que sua decoração faz sucesso na vizinhança, chamando a atenção de quem passa pelo local. “Várias pessoas já pararam aqui na frente para tirar fotos pois se encantam com o pátio”, revela. A beleza do local não se resume à fachada da frente pois aos fundos da residência, Ana administra um terreno anexo, pertencente ao CTG Tapera Velha, que abriga diferentes animais de
todo porte como cavalos, aves, De acordo com o profissioovelhas e cães. Este ambiente tem nal, o paisagismo é uma área decoração campeira com ferra- da qual sempre gostou, tanto mentas e fogões à lenha, dando para o trabalho como para o a nítida impressão de se estar embelezamento de sua próem uma fazenda gaúcha. pria residência. O conhecimento A rua Arno Schuch abriga adquirido veio de experiências outro talento na arte de deco- de trabalhos anteriores e tarar, é o paisagista Claudir José Grande, 27 anos. O proprietário projetou em frente à residência um pequeno lago com fonte e peixes. “Tenho aqui carpas e telescópios, costumo fazer a limpeza e troca de água duas vezes por mês”, explica. Ao contrário de Ana Cláudia, Claudir fez do dom, sua profissão, abrindo em sociedade com o cunhado Jonatan Rangel, uma empresa que presta serviços na área. “Atendemos com jardinagem, paisaAna Cláudia e o gismo e manutenção de esposo Nei Delavi equipamentos”, salienta. apresentam orgulhosos a decoração
lento próprio. “Gosto de criar novos ambientes, nunca fiz curso na área mas se aparecer uma oportunidade, pretendo pensar no assunto”, diz. Aline Santos Eric Machado
14. criatividade
| ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016
Arte no cabelo, estilo na cabeça Inspirados nos craques do futebol, jovens apostam nos cortes estilizados com navalha
G
erson Luís Gomes, 16 anos, estudante e morador do bairro Vicentina. Cristiano Ronaldo, 31 anos, nascido em Portugal e astro do futebol europeu. O que eles têm em comum? As jogadas finalizadas com maestria? Os dribles fantásticos em campo? Não. O que ambos compartilham são os cabelos estilosos com direito a desenhos e formas variadas. Seja no salão de beleza na Europa ou na barbearia do Vicentina, o corte de cabelo mais que um aparar de pontas é uma forma de arte e de expressão. “Dizem que a gente quer aparecer e talvez a gente queira mesmo. Esse bagulho é diferente e eu gosto desse estilo”, afirma Gerson. Para garantir que o visual fique igual aos dos jogadores,
Gerson deixa nas mãos do cabeleireiro Kleber Rodrigues, 34 anos, o trabalho de transformar seu cabelo em arte. “Ele é um artista. A gente troca uma ideia e eu sempre tô com um cabelo diferente. Ele já fez o desenho do M4 na minha cabeça, uma letra de música do MC Davi”, salienta o rapaz que também tem um toque diferenciado na sobrancelha.“São dois risquinhos que fazem a diferença.” Assim como Gerson, seu irmão Diego Gomes da Silva, 13 anos, também é adepto da moda dos cabelos estilizados. “Eu optei por fazer uma homenagem a minha mãe Luciana, escrevendo seu nome em minha cabeça, mas curto o estilo do Neymar, do Cristiano Ronaldo e de outros jogadores.” Há dois anos, Rodrigues abriu seu estabelecimento na
rua principal no bairro Vicentina, próximo a Avenida João Corrêa, e de lá para cá tem apostado nessa tendência para fidelizar clientes. Aliando dedicação com criação, Rodrigues percebeu que os desenhos que ele rabiscava na época do colégio poderiam se tornar rentáveis e seria sua oportunidade de mudar de vida e mostrar seu talento. “Com pouco estudo, tive que trabalhar em obras como auxiliar de servente, mas não era a vida que eu queria. Quando me incentivaram a fazer um curso de cabeleireiro, topei e percebi que poderia viver do desenho, só que em vez de ser no papel, seria na cabeça”, lembra. Utilizando navalha, tesoura e máquina o cabeleireiro cria desde um simples raio na lateral da cabeça a desenhos mais
Clientes procuram o salão de Kleber para ousar nos cortes
elaborados, como a máscara do Homem Aranha.“Esse da máscara do Homem Aranha demorou para ser feito porque o desenho ocupou a cabeça toda, mas ficou bacana. Dependendo do desenho levo 40 minutos para finalizar o trabalho. Os cortes dos jogadores de futebol como o do Neymar e do Cristiano Ronaldo sem dú-
vida são os mais pedidos, mas têm aqueles que pedem para eu desenhar frases e versículos. O cliente, geralmente jovem, chega aqui e vem com uma ideia e eu a transformo em realidade.” A dica de Rodrigues para quem tem interesse em ser um cabeleireiro diferenciado é estudar e se aprimorar sempre. “É preciso acompanhar a tendência, inventar com um toque, estilo e detalhe a mais. A concorrência existe, mas isso faz a diferença e os clientes voltam. Tem gente que chega a esperar uma hora para cortar o cabelo. Claro que nem todos querem um corte estilizado, mas poder oferecer algo novo é a possibilidade de mostrar a minha arte.” Denise Morato Amanda Oliveira
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016 |
Criatividade .15
Magrelas personalizadas Nédio Pires tira o sustento da família de consertos, reformas gerais e personalizações de bicicletas
A
s crianças do Vicentina são as maiores usuárias do veículo de duas rodas, masquementendemesmo do universo das bicicletas é Nédio Pires, 40 anos, mais conhecido como“Cabelo”. Por de trás de algumas prateleiras, que servem para organizar os parafusos e as porcas da bicicletaria do número 1000, na Rua Arno Schuch, ele surge com uma xícara de café em punho. Ao seu lado, a pequena Tavini Gabriely Teixeira Pires, de 7 anos, não desgruda do pai querendo aprender tudo sobre seu trabalho. Desde pequeno, Nédio já gostava de bicicletas, mas somente por volta dos 20 anos se interessou em ganhar dinheiro com consertos e fabricações personalizadas das magrelas. Ele trabalha indiretamente com este tipo de serviço há 20 anos e recorda de um modelo chamado Monareta, com o qual aprendeu a fazer as manutenções e consertos sozinho.“Comecei só remendando pneus. Eu mesmo aprendi a fazer. Fui vendo as pessoas trabalhando e aprendi”, orgulha-se. Hoje, o tempo estimado para montagem de uma bicicleta é de duas a três horas de trabalho. Se a bicicleta for com marchas, o tempo aumenta, levando cerca de quatro
Bicicletas customizadas chegam a custar até R$ 500,00 e, segundo Nédio, são as mais procuradas pelos clientes
horasparaoserviço ser concluído. “Se eu pego uma bicicleta velha, deixo ela novinha”, diz. Natural de Santa Catarina, ele morou por 20 anos em Porto Alegre. Depoismudou-separaSãoLeopoldo, onde já vive há 16 anos. Além de Tavini, Nédio mora com a esposa Márcia da Silva Teixeira, 27 anos, e sua filha DieniferTeixeira da Silveira, 12 anos. Junto a casa, está instalada a bicicletaria, da qual Nédio tira o sustento da família há pelo menos cinco anos. Antes disso, chegou a
trabalhar com pavimentação e construção, mas decidiu investirsuacriatividade nas bicicletas, fazendo delas sua profissão. A maioria da clientela é do Vicentina, mas o trabalho de Nédio também é famoso em outros bairros da cidade.“Tem gente que mora lá no São Miguel, do lado de um dos meus concorrentes, mas vem arrumar a bicicleta aqui. Muitos deles cobram caro e não fazem o serviço como eu. Fora isso, me dou bem com todas as
pessoas. Aqui todo mundo vai trabalhar de bicicleta e precisa dela para se locomover. Se a bicicleta estraga em final de mês, como o pessoal faz? Por isso faço fiado para os conhecidos. Tenho até um caderninho”, revela. Para Nédio, além de trabalhar com o que gosta, a bicicletaria veio colaborar financeiramente com as despesas da casa. Ele fala que, comparando o dinheiro que ganhava no trabalho anterior com o ganho da profissão atual, a renda regula. Além disso, relata que a ideia é melhorar o local de tra-
balho e colocar uma placa para atrair mais clientes, porém ainda não lhe sobrou dinheiro para investir. “Hoje, uma bicicleta toda personalizada custa cerca de R$ 500,00. Fica empatado. Antes o serviço era mais pesado, mas rendia praticamente a mesma coisa que agora. Apesar dos consertos de bicicletas e personalizações serem trabalhos braçais, o serviço é mais leve e também posso trabalhar em casa”, explica. Atualmente, o material utilizado para a fabricação das bikes personalizadas vem do ferro velho, onde Nédio compra os ferros de construção e os adapta para as bicicletas. A bicicleta utilizada por ele, por exemplo, também serve de mostruário. O assento escolhido é de uma antiga motocicleta da marca Garelli, especializada em bicicletas, ciclomotores e motonetas. Já os pneus são de bicicletas de trilha.“Essa eu pretendo motorizar também. Monto toda ela, inclusive o quadro, e depois faço o trabalho de soldagem. Bicicleta comum todo mundo tem e essas diferentes são as que mais saem. Quando uma bicicleta está pronta coloco ela lá na frente da porta e logo passa alguém que se interessa”, finaliza Nédio, que diz ser a realização de um sonho trabalhar com o que gosta e ainda poder vender as criações que faz com tanto carinho. Nicole Cavalin Tamires Souza
Na mesa do bar É na rua João Veloso Ramos, no número 261, em frente ao bar e armazém Schultz, que uma turma de moradores se reúne todos os dias. O estabelecimento do seu Ildo Schultz é ponto de encontro dos amigos da redondeza. A calçada da via de paralelepípedo serve como palco para os principais debates do cotidiano. Entre uma cervejinha e outra, é inevitável aquela flauta básica entre gremistas e colorados, além de conversar sobre trabalho, esposas e outros assuntos do momento. “Política não!”, afirma Jocemar Antonio dos Santos, 34 anos, motorista de caminhão e colorado. A solidariedade é reflexo do clima harmonioso entre eles que não se restringe apenas ao bar. Sempre que existe algum tipo de dificuldade, eles se mobilizam
em prol da vizinhança. O bairro seguidamente sofre com inundações decorrentes da falta de estrutura oferecida nos diques. A água que invade a rua, à altura da canela, provoca estragos nas residências, e quando isso acontece os moradores se unem em uma força-tarefa para ajudar do jeito que podem. Jair de Moraes, 58, é empreiteiro e não foram poucas as vezes em que ele precisou socorrer algum vizinho. A descontração ajuda a superar os problemas É na mesa do bar do seu Ildo que há 20 anos esses amigos aproveitam para jogar sinuca, assistir futebol e amenizar os estresses do dia a dia. Às vésperas dos jogos olímpicos eles
A escalação completa dos amigos do bar
arriscam até alguns esportes ao ar livre, como por exemplo corridas que servem também como desculpa para fazerem algumas apostas entre eles mesmos. A última atividade rendeu escoriações e gargalhadas. Diante desse clima, não há quem fique de fora. Sebastião Villes Machado, morador do bairro Santos Dumont, conhecido como vendedor do Cura Tudo, têm na Vicentina a maioria dos seus clientes. Como o próprio nome diz o remédio
fitoterápico é caseiro e promete sanar uma ampla variedade de doenças, “mando trazer de Anápolis, em Goiás e sempre vendo tudo” comenta Sebastião orgulhoso. Quando está no bairro não deixa de passar no boteco do seu Schultz. Ter um apelido não é privilegio único do seu “Cura tudo”. Se alguém chegar no bar e perguntar pelo seu Santo Rodrigues de Campos possivelmente ninguém saberá informar de quem se trata.
Agora se pedir pelo seu Dino, com certeza todos saberão indicar. Com 82 anos de idade ele o é mais velho na roda de amigos, mesmo com essa idade, o aposentado, frequenta o bar todos os dias. Outro que é identificado pelo apelido é o Luiz Fernando Diehl da Silva, 44 anos, atualmente desempregado, é tratado carinhosamente por Zica. Esses apelidos não deixam de ser uma forma descontraída para identificar os amigos, demonstram o quanto a amizade se torna fundamental para encarar os desafios de todos os dias. Jayme Magalhães Neto Liege Barcelos
16. Criatividade
| ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016
Dos dedos à sobrevivência Com tinta, óleo, verniz, azulejo e as próprias mãos, morador une trabalho e lazer em atividade artística
P
elo estreito corredor que separa a peça nos fundos do armazém da frente, ele vem caminhando. De camiseta e bermuda, empurra uma bicicleta branca. Está de saída. Aquela será mais uma manhã de trabalho. O suor no rosto não nega, está sempre em busca do seu sustento. As mãos, apesar de estarem limpas, guardam nas unhas resquícios de tinta de tempos atrás. Paulo Roberto Humbert Martins, 46 anos, é um artista de rua que faz pintura a dedo em azulejos. Na verdade, ele explica que pode utilizar qualquer superfície em que a tinta consiga aderir, como PVC, MDF, vidro e em partes lisas, onde possa “cortar”a tinta com a mão. Morador do bairro Vicentina há cerca de três anos, Paulo é natural de Porto Alegre, mas assim como muitos dos artistas de rua, não cria raízes. Já esteve na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro, em Santa Catarina, São Paulo, e em várias outras cidades, levando seu estilo livre de ganhar a vida. Eleestáinseridoemumcontexto divulgado em 2012 pela SPTuris, empresa de turismo e eventos de São Paulo, que diz que do total de manifestações artísticas na rua, 7% são relacionadas às artes plásticas, com destaque para pintura em azulejo. Seu material de trabalho é basicamente tinta a óleo e verniz para fixação. Tão simples como a matéria prima, é seu método. Ali mesmo, entre as irregularidades da calçada, ele senta-se no chão, abre sua mochila e comprova de onde vem seu sustento. “É arte popular mesmo. A riqueza está na simplicidade”, confirma o artista. Para lá e para cá, seus dedos, coloridos, dançam sobre o azulejo, numa precisão de surpreender. Vai surgindo uma paisagem. De dentro do armazém aparece Eroci Severo Pereira, 66 anos, exibindo com orgulho um quadro de 40x40cm com outra paisagem – que dificilmente alguém diria que foi feita à beira do meio fio, sem pincéis e sem desenho, apenas com dedos e tintas – e com a inscrição de um nome:“Tunico”. Há dois anos Paulo Humbert mora nos fundos, em uma peça que Eroci aluga atrás do armazém e da lojinha de roupas, na Rua Maria Fidélis, 192. “Este foi presente para o meu marido, nós guardamos com muito carinho”, conta a locatária. Eroci vive há 34 anos no bairro
e conta que tem confiança em Paulo. “Pra nós é uma pessoa boa, paga o aluguel direitinho. Às vezes peço pra ele pagar alguma conta pra mim e ele vai”. Sobre a arte que o inquilino faz, ela fala com admiração:“acho muito fantástico ter um dom desses, eu nem com a caneta consigo fazer... assim ele ganha os troquinhos dele pra se alimentar”, diz a senhora. Cada vez que não vende uma peça, quando a tinta ainda está fresca, o artista desmancha a obra e reaproveita o material. “Porque se levar uma peça pronta e dizer: –‘olha o que eu faço com as mãos’, o pessoal não acredita”. A pintura foi uma saída que Paulo encontrou para sobreviver, e sobre o preço de seu trabalho ele afirma,“depende do tamanho da peça e da necessidade do
artista. Se o artista tá com fome e não tem dinheiro, ele troca por um prato de comida. Ele não vende.” E reforça: “independente de crise, o trabalho vende porque o povo gosta”. A arte popular entrou na vida de Paulo através de uma necessidade. Ele começou a trabalhar aos 14 anos, passou por vários empregos formais e, durante alguns anos, trabalhou como representante de material didático e apostilas para concurso público. Foi quando começou a colocar outras pessoas para trabalhar com ele. Porém, algumas delas, venderam e nunca lhe pagaram pelo material comercializado. “Eu entrei num desespero, não tinha o que fazer. Fiquei dentro do hotel em Pelotas. Comia um pastel e uma taça de café às 10h da manhã e um pastel e uma taça
de café às cinco da tarde. Durante uns três meses da minha vida eu fiquei assim, comendo fiado porque eu não tinha grana e o cara do hotel disse pra eu não me preocupar que ele não ia me botar pra rua, porque ele sabia da minha capacidade”, lembra. Enquanto driblava as adversidades, passou a vender produtos de camelô que comprava e colocava porcentagem em cima. Foi quando chegou a Chapecó, Santa Catarina, e conheceu aquele que lhe levaria para o caminho das artes, Frank Júnior. Paulo conheceu Frank quando se hospedou na pensão dele na cidade catarinense. Foi ele que lhe disse para tentar a pintura em azulejo. Numa tarde de domingo, em que a família de Frank estava reunida, ele mostrou a Paulo como havia visto um homem
Apesar de possuir diversos cursos técnicos de qualificação, Paulo ainda garante o seu sustento fazendo arte em azulejos
fazer as pinturas. Então o artista pegou duas tintas e um pedaço de azulejo e fez sua primeira obra. A partir daí, não parou mais. “Eu tinha uns 30 anos. Aí, na primeira atividade que eu desenvolvi, o pessoal me perguntou se eu já fazia o trabalho, e então eu disse: ‘Não, é a primeira vez’. ‘ Tá, mas já fez melhor que o Frank’, responderam. O Frank brincava de fazer aquilo, e me motivou, me incentivou. Eu continuei andando pela cidade, vendendo o material”, explica. Às vezes não vendia nenhuma peça, apenas mostrava seu trabalho. “Então eu trocava por alimentação, por uma peça de roupa pra sobreviver, pra me manter”, lembra. Paulo conta que quando completou 40 anos conheceu sua neta. “Daí eu disse, ‘eu tenho que largar essa vida de rua’, porque na rua a gente é muito discriminado, a gente sofre, a gente é taxado como vagabundo porque tu tá na informalidade”. Então, voltou a estudar. Como já tinha Ensino Médio concluído, foi fazer cursos do Pronatec - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Formou-se Instalador Eletricista Predial de Baixa Tensão, também concluiu os cursos de NR-10, que é a Norma Regulamentadora emitida pelo Ministério do Trabalho para garantir a segurança dos trabalhadores em serviços de instalações elétricas; NR-35, que garante a segurança de trabalhos que envolvem altura, Aplicação de Revestimento de Placa de Cerâmica, e, em seguida, aperfeiçoamento dessa aplicação para trabalhar com fino acabamento e alto padrão de qualidade. Paulo também cursou Competências Transversais em Legislação Trabalhista, e o último curso que fez foi de Técnico em Segurança do Trabalho, no Complexo Cetemp, em São Leopoldo. Porém, mesmo depois de tantas qualificações, o artista não consegue um estágio na área. “Tô precisando pra eu poder pegar meu certificado”. E confessa, olhando alguns metros à frente para sua vizinha de rua, “meu sonho é trabalhar na Gedore”. Mesmo tendo uma vida marcada por trabalho e pela busca por qualificação, com diversos cursos concluídos e um histórico de empregos formais, Paulo Humbert sobrevive da informalidade. Mais um entre tantos que, com criatividade, tira seu sustento das beiras das calçadas, explorando o destino que lhe fora dado: a arte como forma de ganhar a vida. Karine Klein Gustavo Bauer
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016 |
Solução para os
Sustentabilidade .17
resíduos A coleta em São Leopoldo
Catadores contam com a ajuda de moradores do bairro para reciclar resíduos secos
O
planeta Terra precisa de ajuda e cada atitude faz a diferença. Por isso, apesar de parecer algo simples e pequeno, separar o lixo corretamente é fundamental. Todos os dias, são produzidas toneladas de resíduos e, no Brasil, a maioria destes restos não recebe o destino adequado. Isto é, são depositados em lixões, terrenos baldios, quando não são jogados em rios, mares e lagos, poluindo o meio ambiente de forma monstruosa. Espalhar essa ideia é de extrema importância para todos os seres vivos, que dependem da mãe Natureza para existir. No Vicentina, pode-se dizer que a cultura de segmentação de resíduos se faz muito presente pelos catadores. Além de estarem A catadora contribuindo para Rosa mostra o um futuro melhor, forno estragado que eles ainda rentabi- encontrou, no qual lizam o trabalho, guarda seus alimentos gerando ganho para si. Este é o caso de Rosa Maria dos Santos, 57 anos. Depois de enfrentar o desemprego, há cerca de um ano, ela enxergou só carrega tudo”, conta. Já Carlos Dutra dos Santos, neste serviço uma oportunidade de receber um salário. Em um 43 anos, mora no bairro há cerca dia, ela junta diversas garrafas de 15 anos, desde que veio do PET, plásticos e latinhas. “Gosto Paraná. No entanto, foi há apenas de fazer isso, pois, além de ser um mês que ele decidiu ganhar meu trabalho, ainda ajuda o meio a vida como catador. Isso porque ambiente”, assegura. Recebendo o morador do Vicentina se viu em torno de R$ 250 por mês, obrigado, depois de passar por somado aos R$ 70 que ganha do sérios problemas de saúde, a Bolsa Família, ela garante ser o abandonar os serviços braçais suficiente para viver, já que mora que executava. A troca, por sua sozinha. Além disso, Rosa não vez, parece ter sido favorável, descarta praticamente nada. O pois, até agora, ele se diz satisfeito que não serve para reciclagem, com os resultados. “Eu pego o ganha utilidade na sua casa ou, material seco, como papelão, então, pode ser revendido. “Tudo garrafa PET e separo tudo. Depois, vale para alguém. Nem todas vendo para uma firma na Vila as coisas que estão no lixo são Batista”, explica. Por quinzena, ele recebe cerca de R$ 200 a R$ 300. descartáveis”, resume. Segundo Rosa, ela já encontrou O que ele encontra de comida, diversos itens usáveis durante alimenta o cavalo, que guia sua sua trajetória como catadora. “Já carroça. “O pessoal aqui costuma achei telefone, que vendi por R$ separar direitinho, sem misturar 200, já achei centrífuga, máquina o lixo de comida com os itens de café, chaleira, rádio... Além que recolhemos”, pondera. Apesar de ter uma boa conde um forno que, apesar de não funcionar, serve para guardar vivência com seus vizinhos, que inclusive o ajudaram a comprar os meus alimentos”, diz. Quanto aos moradores, o um cavalo para auxiliá-lo em sua agradecimento dos catadores mais nova atividade, Santos vive fica por conta da prévia separação sozinho.“Tenho filhos, mas eles não das garrafas, latinhas e papelões. moram comigo”, justifica. Quanto “Eles deixam essas coisas sozi- à consciência ecológica, ele se diz nhas no lixo, sem estarem sujas, preocupado: “Acho importante o que facilita nosso trabalho”, ajudar na Coleta. Sei que o planeta enaltece. No seu quintal, Rosa enfrenta problemas”, opina. tem tudo segmentado em sacos Atitudes que cooperam grandes e explica como realiza seus afazeres. “Separo o branco Os elogios dos catadores ao com branco; verde com verde. Quando o caminhão vem, ele povo do Vicentina podem ser
Coleta Seletiva Compartilhado (lixo seco e resíduos sólidos) l O que deve ser entregue para a Coleta Seletiva? - Papéis, papelões, plásticos, metais e vidros: sempre mantê-los limpos e disponibilizar para a Coleta Seletiva; - Quando quebrados, os vidros devem ser embrulhados em papel ou papelão e identificados; - Óleo de cozinha: colocar em um recipiente descartável sem vazamento (exemplo: garrafas PET), e entregar separadamente dos demais recicláveis para o caminhão da Coleta; - Isopor (apesar de ser reciclável, não possui valor para comercialização. Portando, conforme a Logística Reversa Lei 12.305/10, o fornecedor tem a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do resíduo, a fim de achar um meio de descarte correto). lQuando passa no Vicentina: nas quintas-feiras, a partir das 8h. Coleta Domiciliar (lixo orgânico, como restos de comida)
vistos na prática. O casal Maria Almeida Ferreira, 56 anos, do lar, e Sandro Luís Ferreira, 41 anos, pedreiro, ainda não separa 100% os resíduos secos dos orgânicos, mas faz questão de ajudar as pessoas que vivem para a reciclagem. “O lixo seco, como garrafas e papelão, deixamos separados para os catadores”, afirma Maria. Seu marido reforça a importância de fazer essa separação. “Isso facilita a reciclagem”, constata. A colaboração é tanta que, recentemente, Maria ganhou dois pneus de uma recolhedora de material reciclável para fazer uma floreira. “Como sempre ajudamos essa catadora e eu disse a ela que queria plantar algumas rosas em pneus, ela me trouxe dois de presente”, destaca. Na casa de Talita Damasio, 21 anos, servidora notarial, a situação não é muito diferente. “Nós tínhamos o hábito de segmentar tudo direitinho. Contudo, como a Coleta Seletiva não passa aqui, deixamos apenas as garrafas, latas, plásticos e papelões separados para os catadores”, sublinha. Lais Feles, 45 anos, dona de casa, coloca todos os resíduos orgânicos na sua singela horta, onde planta manjerona, salsa, batata doce, abacate, entre outros, e, o que ainda é aproveitável, ela dá para seu cachorro de estimação. Já o lixo seco é depositado em frente à sua casa, com destaque para os plásticos como embalagens de shampoo, garrafas e latas.
“Moro aqui há cerca de quatro anos e nunca vi a Coleta Seletiva passar. Por isso, acabamos deixando tudo no mesmo lixo, exceto esses itens destinados aos catadores”, relata. De acordo com Lais, seria importante que os caminhões da Coleta passassem no bairro e que o dia fosse divulgado, para que os moradores pudessem se organizar para fazer o descarte correto. “Infelizmente vai tudo para o mesmo lixo. Gostaria que pudéssemos entregar os vidros, metais, etc para que os resíduos tivessem um destino apropriado”, critica. Coletas que passam pelo bairro Ao contrário do que muitos pensam, no município de São Leopoldo há Coleta Seletiva e Coleta Domiciliar. Administrada pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos, a Coleta Seletiva conta com sete cooperativas de reciclagem contratadas para realizar estes serviços em toda a cidade. No bairro Vicentina, a conveniada é a Horta Vitória, que possui rastreadores em todos os caminhões. A chefe de Núcleo de Coletas, Danieli Rigotti, salienta que, há quase dois anos, foram alteradas as empresas que prestavam esses serviços à prefeitura.“Nosso objetivo nesta substituição foi tornar tudo ainda mais sério. Optamos por empresas que têm um compromisso real com sustentabilidade e, em
l O que deve ser entregue para a Coleta Domiciliar? - Restos de alimentos, pó de café, erva-mate, cascas, resíduos vegetais e outros similares; - Orgânicos contaminados utilizados na higiene pessoal (exemplo: papel higiênico, guardanapos sujos, etc). l Quando passa no Vicentina: nas segundas, quartas e sextas-feiras, das 8h às 19h. Reclamações/sugestões pelo fone 156 Fonte: Prefeitura Municipal de São Leopoldo
julho, faz dois anos que realizamos essa mudança”, destaca. Danieli não mede esforços para que os trabalhos sejam realizados corretamente. “Se há moradores que não estão conseguindo efetuar suas entregas às coletas, ou estão vendo algo irregular, eles podem entrar em contato pela central de denúncias (telefone 156), e fazer qualquer reclamação. Assim, a solicitação será direcionada ao setor responsável”, reforça, sem deixar de mencionar que os rastreadores nos caminhões servem para que haja o controle de percurso, que deve abranger todos os bairros da cidade. Com foco na reciclagem, ajudando o meio ambiente e diminuindo problemas socioambientais, a separação dos resíduos é algo que deve ser feito por toda a população. O futuro pode ser melhor se cada um fizer a sua parte agora. Bárbara Bengua Thomas Graef
18. SUSTENTABILIDADE
| ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016 JÚLIA BOZZETTO
KARINA DE FREITAS
Renan transforma em renda o que muitos consideram lixo
Consciência de gente grande Menino recolhe latas e garrafas PET, que antes poluíam o bairro, e as transforma em renda para a família
S
e poluir a cidade costuma ser coisa de gente grande, um menino do Vicentina tem demonstrado que boas atitudes podem partir dos pequenos. Renan Braga Machado, de apenas 8 anos, recolhe as latas de alumínio e garrafas PET consumidas pelos vizinhos e as leva para reciclagem. Dessa forma, o garoto evita que elas venham a causar transtornos aos próprios moradores do bairro. Inicialmente, o menino, de biótipo magro, que vestia camiseta de um super-herói de desenho animado parecia ser um tanto tímido. Sua voz baixa, em contrapartida, contrasta com a relevância das atitudes que pratica. Logo nas primeiras frases pronunciadas, Renan mostra que a consciência da responsabilidade social e a noção de realidade que possui são dignas de personagem de cartum. É com convicção que ele conta sobre sua decisão de iniciar a juntar latas. “Vi um homem vendendo latinhas e decidi começar a recolhe-las para também vender e ganhar algum dinheiro”, relata o menino. Grande parte do que Renan guarda vem do consumo dos clientes do minimercado que sua mãe, Marli Braga, 44 anos, possui ao lado da casa onde mora na Rua Visconde de
São Leopoldo. Lá, residem ainda a irmã Rafaela, o cunhado e os dois sobrinhos, Davi Luiz, 2 anos, e Luíza de 4 meses. Mas não é só o dinheiro que é importante. Aquestão do meio ambiente também é uma preocupação do jovem, que demonstra ter consciência de que as latas e garrafas PET jogadas em terrenos baldios são prejudiciais para a natureza. O menino conta que, certa vez, viu um homem abandonando uma lata de cerveja em um terreno perto da sua casa e resolveu intervir. “Falei para ele que aquilo que ele estava fazendo não era certo, que ele estava poluindo a cidade”, recorda. Depois disso, Renan pegou a lata que estava no chão, descartou o líquido de dentro e levou a sua casa para guardar. Embora essas atitudes sejam relevantes na vida do garoto, a ação de juntar as embalagens não interfere em nada na sua rotina de estudos e brincadeiras com os amigos. “Eu pego as latas no caminho de volta da escola, ou quando estou voltando de jogar bola com meus amigos”, conta. Ele cursa o segundo ano do ensino fundamental na Escola Municipal Castro Alves, e ainda participa de atividades no turno inverso no projeto Juniores e Adolescentes (JUAD), onde é incentivada a prática de esportes, música, entre outras ocupações. Nesta iniciativa, o menino desenhou um cartão para a sua mãe com os dizeres“Te Amo Marli”. A pequena lembrança enche-o de orgulho,
fazendo com que ele a mostre como se fosse um troféu. Entre os colegas de escola, Renan conta que sua atividade gera diferentes opiniões. Contudo, o que mais chama a atenção é, sem dúvida, a maturidade do menino, que encara sua atitude com orgulho.“Uma vez um colega me falou que não era para eu juntar latas, que isso era coisa de mendigo. Eu respondi para ele que não, que eu estava ajudando a natureza e ainda ganhando algum dinheiro com isso”, enfatiza. O dinheiro arrecadado com a venda das latas e garrafas que recolhe não é muito, mas é o suficiente para ele perceber que
sua atitude está sendo valorizada. Renan guarda tudo o que ganha em um pote, que funciona como uma espécie de cofre. Marli afirma que, no início deste ano, o filho conseguiu comprar alguns cadernos com a verba da venda das embalagens. Já o restante dos materiais escolares foi comprado por ela. Sem titubear, o pequeno rapaz corre para dentro de casa para mostrar aqui tudo que comprou com o seu próprio dinheiro. A mãe de Renan mostra-se orgulhosa ao falar das atitudes do menino. Segundo Marli, a iniciativa de começar a juntar as latas partiu dele. A única coisa que ela faz é
Você sabia? l A decomposição de latas de alumínio leva entre 200 e 500 anos, causando diversos danos ao meio ambiente durante esse período; l Reciclar um quilo de alumínio economiza a extração de quatro quilos de matéria prima; Ou seja, se 20 quilos de alumínio são reciclados, 80 quilos de minério são preservados. l O processo de reciclagem do alumínio utiliza apenas 7% da energia elétrica consumida na produção. Portanto, na hipótese da produção de alumínio consumir energia elétrica suficiente para abastecer 100 casas, sua reciclagem gastaria o suficiente para abastecer apenas 7 casas. l Garrafas plásticas levam em torno de 400 anos para a sua decomposição na natureza;
l Reciclar garrafas PET diminui o uso de petróleo, visto que o plástico é um dos seus derivados; l O mercado de reciclagem emprega milhares de pessoas no Brasil, gerando renda para diversas pessoas; l O lixo acumulado nas ruas aumenta a possibilidade de enchentes, em decorrência do entupimento dos bueiros.
incentivar o pequeno a continuar com essa prática. Em 2015, o bairro foi vítima de uma enchente e o acúmulo de lixo agrava a situação, na maioria dos casos. “As ruas estavam cheias de garrafas e latas entupindo os bueiros”, salienta Marli, que agradece ao fato de sua casa não ter sido invadida pela água na ocasião. A conscientização coletiva que uma pequena atitude gerou nas proximidades da casa do menino é outra situação a ser destacada. Os vizinhos de Renan passam em frente à sua casa e deixam as latas vazias dentro do pátio a fim de ajudar o menino. Além disso, alguns moradores, que antes costumavam deixar lixo na rua, se sentem constrangidos em ter esse tipo de atitude, contagiados pelo bom exemplo do menino. Essa “corrente do bem” faz com que as pessoas construam uma conscientização em grupo sobre a importância da causa ambiental. Quando a preocupação com o ambiente em que um grupo de pessoas vive parte do brilho do olhar de uma criança, pode-se dizer que é possível ter esperança na construção de um mundo melhor. Renan, embora tenha apenas 8 anos, é um exemplo a ser seguido por seus atos, que, embora simples, são de grande importância para a comunidade e para o planeta. Lucas Möller Júlia Bozzetto KARINA DE FREITAS
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO / 2016 |
SUSTENTABILIDADE .19
Arte que vem do lixo Moradores oferecem soluções criativas para reaproveitar eletrodomésticos e materiais descartados
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reservar o planeta é um compromisso de todos. Cada vez mais, é possível perceberquehámaneirasde suprir as necessidades atuais dos seres humanos sem comprometer as gerações futuras. E este é, sem dúvida, o grande objetivo. O tamanho da iniciativa não importa pois, por menor que seja, ela pode desencadear um grande resultado. Cleuza Lagemann, 30 anos, encontrou uma utilidade ecológica para um freezer velho, doado por um outro morador do Vicentina. “Não dava mais para usar como freezer, pois estava estragado, então coloquei na frente de casa e ficou servindo de lixeira para todo o pessoal da rua. O mais legal é que as pessoas respeitam e colocam o lixo no lugar certo”, comenta. Além de não poluir o meio ambiente e preservar os recursos naturais, como a água, a reciclagem também ajuda - e muito - no cuidado com o planeta. No Brasil, há os catadores que vivem da venda de sucatas deixadas no lixo. Valdir Oliveira da Silveira, 58 anos, que trabalha de forma informal e sua esposa Cleuza das Graças da Silveira, 62 anos, são algumas das pessoas que recolhem materiais recicláveis para vender e ajudar a complementar a renda da família. “Tenho que pagar luz, comida, gás. Mesmo sendo pouquinho, já ajuda”, diz Cleuza. Apesar de tirar parte do seu sustento do lixo, o casal comprova que a coletividade fala mais alto no Vicentina. Isso porque, muitas vezes, eles doam alguns materiais para Eliane Rosaura de Souza, 53 anos, vizinha que trabalha fazendo artesanato com reciclagem. “Eu sei que eles podiam estar vendendo o que me dão, mas mesmo assim eles também me ajudam”, comenta Rosaura de Souza. Entre os materiais recicláveis que a moradora utiliza estão papel, vidro, tecido, plástico, metal, entre outros. A artesã consegue utilizar um pouco de tudo na produção de sua arte. “Do raio X que a Cleuza me traz, eu lavo bem, tiro aquela tinta preta e faço molde para tudo. Das caixinhas de leite, eu faço divisórias de gaveta para roupeiro”, exemplifica. Ela também aproveita CDs, discos de vinil, a parte interna de disquetes, garrafas pet... Baldes que são embalagens de lenços umedecidos também entram em cena, além de caixas de sapatos para fazer embalagens de boneca. A reciclagem, hoje, é tratada como um tema de extrema
No Brasil, são produzidas cerca de 250 mil toneladas de lixo por dia. Deste montante, 48% é de material reciclado, mas apenas 2% deste volume é enviado para reciclagem. O trabalho de pessoas como a artesã Rosaura fazem um bem enorme ao planeta, transformando em arte o que, para muitos, são apenas restos descartáveis. “Para que vou comprar vaso de planta se tenho as garrafas pet, latas grandes de azeite que podem ser utilizadas para isso. Tudo que posso, eu reaproveito. Se não uso para o artesanato, eu uso para organizar as minhas coisas dentro de casa”, observa Rosaura. Ela também utiliza pneus para fazer a caminha de seus cachorros e até carcaças de relógio de parede servem como porta retrato. O forno micro-ondas que estava estragado, hoje serve para guardar alimentos. “Fiquei com pena de colocar no lixo. O forno veda bem, não tem como entrar bicho, então guardo o pão dentro. Quer coisa melhor”, comenta.
Rosaura ajuda a preservar o meio ambiente com sua arte
O casal Valdir e Cleuza da Silveira complementa sua renda com a venda de materiais recicláveis
Cleuza Lagemann transformou um freezer velho em uma lixeira para os moradores da rua
importância e que precisa ser levado em conta pela sociedade. Reaproveitar o que já existe é uma forma inteligente de dar adeus ao lixo. “Eu faço tempero completo caseiro. Aí, uso os potes de conserva e de café que me doam e os que sobram aqui em casa para colocar o tempero e vender”, relata Rosaura. No início, a professora de artesanato trabalhava com materiais reciclados devido a questões financeiras. Mas, uma vez estabelecida, ela foi tomando gosto pela atividade e sua preocupa-
ção passou a ser, em primeiro lugar, o meio ambiente. “Tenho pena de ver as coisas no lixo. A minha prioridade com meus artesanatos é justamente não produzir lixo. Tento utilizar tudo da melhor forma e de maneira que dure mais”, argumenta. A artesã reaproveita inclusive pedaços de TNT e balões de festa. “Eu já usei em três festas diferentes uma decoração de TNT. Os balões que todo mundo estoura no fim da festa, eu pego e dou para o meu neto, para a criança da vizinha. Sei
que uma hora vai para o lixo, mas, enquanto dá para usar, eu aproveito”, detalha Rosaura. O artesanato ecológico também é uma forma de geração de renda com baixo custo, já que não é preciso investir nem gastar com boa parte dos materiais utilizados. Apesar de obter lucro com o tipo de reciclagem que pratica, Rosaura afirma que não cobra muito caro. “Eu cobro menos das pessoas porque eu não gastei com muito. Não é justo cobrar como se eu tivesse comprado todo o material.”
Para passar o conhecimento adiante Até o ano passado, a artista fazia parte da ONG Casa de Acolhimento Instituto Rosmary Seewald, também conhecida como “Casa da Rose”. Contudo, devido a cortes de verba do município, ela teve que sair do programa. “Eu tenho um projeto de dar aula em algum lugar. Tenho uma amiga que é esposa de um vereador daqui, e acho que ela também vai se candidatar, daí queremos abrir um espaço para ensinar artesanato de graça”, comenta a artesã que afirma nunca ter cobrado por uma aula. O mundo precisa de mais Rosauras. Mas não apenas através do artesanato. Assim como os catadores e recicladores, todos podem fazer sua parte. Separar o lixo, não jogar restos nas ruas, trocar as sacolas plásticas por sacolas retornáveis, realizar o descarte correto de pilhas e óleo de cozinha, não desperdiçar água ou luz, plantar uma árvore são atitudes que qualquer um pode fazer. Ensine as crianças a respeitar o meio ambiente. Se aprenderem desde pequenos, o futuro pode ser diferente, com menos poluição, menos árvores sendo derrubadas e águas mais limpas. Com a ajuda de todos, é possível transformar a Terra em um planeta melhor. Priscila Serpa Fernanda Stecanela
ENFOQUE VICENTINA
SÃO LEOPOLDO (RS) MAIO DE 2016
EDIÇÃO
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OLHAR DE FOTÓGRAFO
Jornalismo é aprendizado sempre!
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ada vez mais eu vejo a felicidadedeterescolhidoo jornalismocomoprofissão. Podemos ouvir histórias das mais diversas em nossas buscas por pautas, conhecer pessoas incríveis e isso é uma das melhores partes dessa profissão. Nesta edição do Enfoque, eu vi
como histórias não acabam apenas na nossa pauta: elas se estendem das mais diversas formas. Como a da senhora Ana Cláudia que quando fomos conversar com ela, juntando as peças para o quebra-cabeça da pauta, descobrimos coisas incríveis de uma mulher que faz de tudo para fazer o melhor que está a sua
volta. Além de ser uma artista, que decora sua casa das formas mais belas, ela alimenta os animais de rua, cuida dos seus e dos de um CTG próximo. Ela ainda tem tempo para tomar conta de sua família. Vi também, Claudir José, um pequeno empreendedor que resolveu largar o trabalho de pe-
OLHAR DE REPÓRTER
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diversas casas do Vicentina. Ojornalismoésempreumaprendizado. Poder dar visibilidade ao que se lê em uma matéria por meio da fotografiaéumprivilégio,poisfotografar é transformar palavras, sensações e sentimentos em imagem. ERIC MACHADO
Uma surpresa chamada Heavy Metal
essoas são surpreendentes. Naquela famosa caminhada pelas ruas do Vicentina atrás do espetacular – difícil encontrar algo que não seja - eu e Júlia Viana, fotógrafa, íamos em direção ao parque do bairro. No caminho, ela diz: “acho que aqueles caras estão com instrumentos musicais”. Perfeito. Ela não achou errado. De bate pronto fomos lá averiguar. Em uma rápida conversa com “aqueles caras” que estavam com os instrumentos, conhecemos, por cima, a história de Will, guitarrista de uma banda de Heavy Metal, oriunda dali. Nossa tarefa seguinte era achar a bendita casa de Will. Só sabíamos a rua. Paramos na primeira casa em que havia um rapaz boa-praça lavando seu carro naquele caloroso sábado de manhã. “Oi, tudo bem? Estamos procurando o William, guitarrista de uma banda de Metal”, perguntei. “Opa, tudo bom! William? É o meu irmão!”, respondeu, Diego, já abrindo o portão e nos levando até a casa de Will no final da rua. Além dele, um senhor que ostentava um charmoso bigode, seu Gelson. “Sou pioneiro aqui. Quando cheguei, em 1973, tinham apenas três ruas”, disse o bigodudo. Uma surpresa atrás da outra. De uma coincidência no começo da caminhada, a uma caminhada no começo da coincidência. Já que a família Nunes, não foi apenas pioneira em habitação, mas também em músicos de um estilo de música nada convencional – até para grandes centros. Já tinha tudo que precisava, uma grande história em meu bloquinho e gravador de voz. Uma história incomum, com um personagem diferente do outro que, no final, se completam. Onde uma banda de Heavy Metal surgiu de uma família que, no máximo, tinha, em seu passado, apenas uma gaita de um parente distante. Thiago Greco
dreiro para virar paisagista. Com muita vontade e com a ajuda de sua família está fazendo trabalhos de jardinagem e decoração, que podem ser comparadas aos de profissionais com muitos anos de prática. Aos poucos, fazendo seu bom trabalho e criando sua reputação, já realizou trabalhos por
JULIA VIANA