Enfoque Quilombos 3

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Que falta você me faz: moradores reivindicam serviços básicos

Como o passado dos Machado pode assegurar o futuro de 230 famílias

Comunidade conta com cursos gratuitos e cria biblioteca comunitária

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ENFOQUE QUILOMBOS

PORTO ALEGRE / RS

NOVEMBRO DE 2014

EDIÇÃO

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THALLES CAMPOS XXXXXXXXXXX

A LUTA É POR MORADIA NASCIDA COMO UMA OCUPAÇÃO, A COMUNIDADE 7 DE SETEMBRO, NA ZONA NORTE DA CAPITAL, BUSCA APOIO NA CAUSA QUILOMBOLA PARA GARANTIR A PERMANÊNCIA NAS TERRAS


2. ORIGENS

A luta de uns é a luta de todos

V

indos da Vila Respeito, os moradores da Ocupação 7 de Setembro buscam junto ao Incra a titulação de uma comunidade quilombola existente em seu interior, o Quilombo da Família Machado. Seis pessoas da família Machado formam o núcleo do quilombo. Seus descendentes vieram de São Francisco de Paula há mais de 40 anos e se instalaram na Vila Respeito. As famílias foram crescendo, e o espaço nas casas, reduzindo. Isso fez com que essas pessoas saíssem das casas das famílias e fossem viver de aluguel, o que para muitos era insustentável devido à limitação de recursos. Foi em 2012, na data que dá nome à ocupação, que mais de 200 famílias se instalaram no local, o qual dizem ocupar

RECADO DA REDAÇÃO Um dos maiores prazeres dos quais um jornalista pode desfrutar é, sem dúvidas, o de ouvir histórias para depois contá-las aos seus leitores ou espectadores. Histórias que não se passariam na cabeça do escritor mais criativo. Em algumas dessas sagas em busca de coisas para contar, conhecemos as casas de nossas fontes, que de vez em quando nos oferecem um chá, um cafezinho ou até mesmo um copo d’água. Dia 18 de outubro de 2014, no sábado de uma semana chuvosa no Rio Grande do Sul, a turma do curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre visitou a Comunidade 7 de Setembro, no bairro Sarandi. Os repórteres e fotógrafos, muito bem recebidos pelo líder da comunidade, Luís Rogério Machado, ou simplesmente Jamaica, conheceram a história da ocupação e do quilombo instalado ali dentro. No entanto, a turma de futuros jornalistas não foi apenas convidada a adentrar as casas dos moradores da comunidade e tomar uma água ou um café. Ao fim de nossa visita ao local, um bando de crianças, algumas usando galochas para proteger os pés do frio e do barro que tomava conta das ruas da Comunidade 7 de Setembro, se dirigia ao galpão que costuma abrigar as assembleias. Tamires, esposa de Jamaica, avisou: “Eles vão cantar pra vocês”. A música é cantada em um ritmo que se parece com o do funk, e as rimas falam da importância da comunidade para a criação e o desenvolvimento das famílias e, principalmente, das crianças. Para nós, estudantes, que muitas vezes precisamos lidar com as dificuldades para falar com as fontes e até a má vontade delas, simplesmente por ainda não sermos formados, um ato como o das crianças da Comunidade 7 de Setembro surpreende e alegra muito. Foi uma grande experiência conhecermos a história dessa comunidade e das outras duas que visitamos. Nesta última edição que nossa turma produz do Enfoque Quilombos, gostaria de dizer que me sinto mais humana depois de conhecer a luta enfrentada pelos quilombolas do Brasil. Como jornalistas, buscamos valorizar essas comunidades e levar informação para as pessoas que desconhecem a causa.

- CAROLINE GARSKE EDITORA-CHEFE

em mãos, o advogado Onir reforça que os moradores não estão livres de serem retirados do local. Um processo de reintegração de posse tramita na Justiça. “Enquanto não se tiver garantia do Incra e do Ministério Público Federal da permanência das pessoas no local e o deslocamento do processo de reintegração de posse da esfera estadual para a Justiça Federal, não há garantias”, reforça Onir. O Incra já enviou uma antropóloga para fazer o estudo da área. Mas, mesmo com essa incerteza, a existência de uma comunidade quilombola tem garantido a permanência das famílias na Ocupação 7 de Setembro. José Rodrigo Machado lembra que no início foi muito difícil convencer os outros moradores da ocupação sobre a importância de se buscar a titulação. Muitos desconheciam o significando de ser uma comunidade quilombola e por isso a recusavam. Para esclarecer esta e outras questões da situação dos moradores, a família Machado e demais lideranças organi-

THALLES CAMPOS

zam todas as segundas-feiras uma reunião aberta a todos os moradores. Para José Rodrigo, as reuniões são muito importantes para evitar que boatos tomem força. “Continua o trabalho de desmistificar essas coisas”, diz ele. Quanto à possibilidade de retirada do local, Jamaica conta que, como ninguém tem

para onde ir nem condições de se manter de aluguel, o “plano B” é sem dúvida a resistência. Já sobre a definição do quilombo e da ocupação como um todo, ele é simples e direto: “São todos os oprimidos convivendo dentro de um espaço”.

Famílias começaram a se instalar na área em 2012. Boa parte delas veio da vizinha Vila Respeito

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existente dentro da Ocupação 7 de Setembro busca titulação

há anos. “A gente ocupa esse lugar desde moleque, só não morava aqui”, afirma Luís Rogério Machado, conhecido por todos como Jamaica. Portanto, os moradores descrevem a ocupação como uma retomada de território. Esse também é o termo usado pelo advogado dos moradores, Onir Araújo, que faz parte da Frente Quilombola. Ele estima que a área reivindicada como território quilombola seja de aproximadamente 10 hectares. E reafirma que o terreno já era utilizado por essas pessoas há anos, como espaço de lazer, agricultura e pesca. Em maio deste ano, o Quilombo da Família Machado conseguiu a Certidão de Autodefinição junto à Fundação Cultural Palmares. Esse é um dos primeiros passos para se chegar à titulação. José Rodrigo Machado, um dos quilombolas, lembra que essa conquista se deve muito ao encontro de várias comunidades quilombolas, que em janeiro se reuniram em Brasília por suas titulações. Mesmo com a certidão

- VANESSA VARGAS

“Quilombo de ontem, favela de hoje” Longe de aparentar os 34 anos que tem, Luís Rogério Machado, o Jamaica, recebeu a equipe do Enfoque Quilombos no espaço de convivência da Comunidade 7 de Setembro numa manhã de outubro. De fala e gestos rápidos, o líder da comunidade é quem conta a história das 230 famílias que há dois anos ocupam uma área na Zona Norte. No dia 7 de setembro de 2012, algumas famílias que moravam na Vila Respeito, lideradas por Jamaica e por seu irmão Rodrigo, decidiram parar de pagar aluguel e ocupar uma área próxima, que até então permanecia sem uso. Com as famílias instaladas, os donos do terreno acionaram os advogados e desde então uma batalha é travada na Justiça. “Depois de muitas tentativas de despejo, estávamos bloqueando a Avenida Sertório para chamar a atenção para nossa causa quando conheci o Onir (advogado e militante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul)”, relata Jamaica. Onir Araújo, estudando a história dos Machado, descobriu que se encaixavam nos programas do governo federal de compensação a remanescentes quilombolas. “Minha mãe veio há 40 anos para Porto Alegre para tentar a vida, e a gente acabou perdendo a ligação com a nossa his-

tória. Através de certidões de óbito dos antepassados, conseguimos comprovar que minha família é remanescente de escravos, e por isso temos direito de formar um quilombo e viver em paz nas terras que escolhermos”, diz Jamaica. O Quilombo Machado nasce com a missão de garantir à Comunidade 7 de Setembro o direito de moradia. O jeito simples de falar de Jamaica é bruscamente interrompido por expressões como “laudo antropológico”, que acabaram incorporadas ao vocabulário do jovem quilombola. Ele luta capoeira desde os 14 anos, e foi dando aulas no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) da Zona Norte que conheceu Tamires da Silva, sua ex-aluna, com quem é casado há 11 anos e tem o filho Lucas Gabriel Machado, de dois anos. Hoje Jamaica dá oficinas de capoeira nos quilombos Silva e Alpes, no Instituto Federal do Rio Grande do Sul e, neste ano, iniciou o trabalho no próprio Quilombo Machado, onde cerca de 15 crianças tiveram aulas no inverno. Para o verão, a previsão é dobrar esse número. Quando não está dando aulas ou envolvido com as questões do quilombo, Jamaica trabalha colocando pisos. “Quilombo de ontem, favela de hoje! Os negros

DÉBORA VASZELEWSKI

Jamaica, com a mulher, Tamires, e o filho, Gabriel, lidera os moradores no movimento quilombola

à

à Comunidade quilombola

que Zumbi reuniu eram todos excluídos, marginalizados, não tinham um espaço na organização social da época. Hoje as favelas cumprem o mesmo papel: reunir os excluídos e criar um ambiente para que possam viver em sociedade”, analisa Jamaica. No quilombo, o jovem enfrenta problemas que um líder de qualquer comunidade carente enfrentaria. “Há pouco mais de duas semanas a polícia veio e vandalizou o nosso espaço de convivência. Eles disseram que aqui funcionava um ponto de drogas e foram quebrando lâmpadas, destruindo paredes e desmanchando o telhado, sem qualquer tipo

de diálogo. A escravidão no Brasil dura 514 anos!”, desabafa emocionado. Fora isso, Jamaica precisa resolver de problemas triviais, como a instalação de encanamento e luz, a viajar para Brasília para tratar do futuro da comunidade. Jamaica garante que quando a titulação sair e a ocupação se tornar efetivamente o Quilombo da Família Machado, todas as famílias da 7 de Setembro permanecerão em suas casas. Jamaica estudou até o 2º ano do ensino médio, mas pretende terminar os estudos e cursar o ensino superior “O Onir me incentiva muito para fazer Direito e assim me envolver cada vez mais com a causa quilombola. Mas lá no fundo eu quero mesmo é fazer Pedagogia. Ajudar a criançada a tomar um rumo me deixaria muito feliz.”

- VINICIUS FERRARI


DIREITOS .3

Falta o básico entre as principais reivindicações da comunidade

A

s ruas são de chão batido e esburacadas. Sempre que chove há pontos de alagamento que dificultam a passagem dos moradores. Felizmente nunca houve caso de invasão de água nas residências, mas ainda assim a situação merece atenção. “As ruas estão péssimas. Fica complicado na hora de ir trabalhar. É comum sair limpo de casa e chegar sujo. Precisamos de calçamento”, afirma Anderson Santos, 34 anos, que vive na comunidade desde 2013. Por outro lado, para ele e os demais entrevistados, não há reclamações de acesso ao transporte público. Há paradas de ônibus bem próximas das casas e várias linhas disponíveis. Os moradores da Ocupação 7 de Setembro sofrem com a falta de serviços básicos legalizados. O acesso à água encanada e à luz para as mais de 200

famílias que atualmente residem no local é obtido através do esforço coletivo dos próprios moradores. Rodrigo Bartz, 30 anos, nasceu em São Lourenço e veio para a Capital em busca de emprego. Atualmente é autônomo e dono de um pequeno comércio de alimentos chamado Bar do Alemão, dentro da comunidade. Ele é ex-morador do bairro Sarandi e chegou à ocupação para reduzir custos, pois já não tinha condições de arcar com os R$ 600 de aluguel mensalmente. Na ocupação encontrou uma comunidade unida que deseja melhorar de vida. “Aqui, nenhum de nós se nega a pagar por luz e água, bem pelo contrário. Queremos a nossa continha mensal e um serviço de qualidade, mas não temos. Nós fizemos as ligações de luz e água do jeito que deu, é muito perigoso. O risco de incêndio é alto. Precisamos ficar monitorando a hora do banho do vizinho, por exemplo, porque se ligarmos o chuveiro na mesma hora, cai a luz”, reclama. Alemão, como é co-

Em dias de chuva, ruas sem calçamento ficam alagadas

à

luz e à Esgoto, calçamento estão

DÉBORA VASZELEWSKI

nhecido, tem quatro cães de estimação. “Quando cheguei aqui tinha uma cadela perambulando sozinha e resolvi adotá-la. Era um bicho bom, precisava apenas de um trato. Três dias depois ela deu à luz vários filhotes. Eu nem imaginava que estivesse grávida. Fui doando aqui mesmo na comunidade. Meus cães são todos vacinados. Precisamos de acesso à castração gratuita aqui, ou a baixo custo, mas por

enquanto não temos esse serviço”, conclui o dono do bar. Com relação à segurança, existe um sistema de patrulhamento coletivo entre os moradores. Segundo Cláudia Reyes, 58 anos, que está desde o início deste ano na ocupação, todos se conhecem e isso facilita bastante. “Um vizinho cuida da casa do outro. Quando alguém vê uma cara desconhecida a informação já

é repassada e ficamos todos atentos”, revela. A moradora ainda cita o problema do esgoto a céu aberto. “É uma fonte de doenças. Sem contar o mau cheiro nas épocas de calor.” Segundo os moradores entrevistados, não há tráfico de drogas na comunidade e, se alguém quisesse iniciar a atividade, certamente seria banido.

- GRAZIELA BUSATTA

De educação e cultura ninguém abre mão THALLES CAMPOS

Na entrada da comunidade fica a futura biblioteca, que já conta com alguns livros, mas ainda não está funcionando, pois faltam reparos para adequar o espaço. Lá serão realizadas oficinas de pedagogia, sexologia e leitura, além das aulas de cursos do Pronatec, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, que já são uma realidade.

O IFRS, Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Campus de Canoas, oferece os cursos de Agricultura Familiar e Agente de Projetos Sociais para os moradores, que aderiram muito bem às capacitações. “Eu faço o curso de Agricultura e para mim foi maravilhoso porque antes não tinha noção de nada, agora já é bem diferente. Até aulas de cozinha vamos ter mais

Horta comunitária é resultado de um dos cursos profissionalizantes do Pronatec

à

Dentro da Ocupação 7 de Setembro e do Quilombo da Família Machado, educação e cultura estão presentes e de maneira bastante ativa, apesar de todas as dificuldades. Desde 2012, mais de 200 famílias firmaram moradia no local e, com o tempo, várias atividades foram ganhando espaço, como capoeira, cursos profissionalizantes e eventos comemorativos. Mais ou menos 30 crianças participam ativamente da oficina de capoeira e maculelê dada por Luís Rogério Machado, o Jamaica, líder da comunidade e mestre para os pequenos moradores. Todas as terças e quintas, a associação da 7 de Setembro vira palco para aprendizado e diversão. Um espaço para cada um mostrar seu talento e praticar a cultura africana. O maculelê é uma dança que simula a luta tribal, usando dois bastões como “armas”. Os movimentos seguem o ritmo da música. Maiara, de sete anos, conta que adora as aulas e que nunca falta. “O que eu mais gosto é do maculelê, porque é divertido e eu sei bem. Na capoeira não sou tão boa, mas também gosto bastante.”

pra frente, e também vamos aprender a fazer produtos de higiene artesanais”, diz Tamires da Silva, de 24 anos. Após o início desse curso, foi criada a horta da

comunidade, onde o que é ensinado é posto em prática. Algumas alunas, como Venilde Santos, aproveitaram as instruções para aumentar e melhorar a horta que já tinham em casa. “A professora trouxe várias sementes novas pra nós e já estou até consumindo o que plantei. Gosto bastante do curso”, conta. As aulas ocorrem em vários pontos da localidade. Como dizem os alunos, é um curso itinerante. Os moradores ressaltam ainda que algumas datas, como o Dia das Crianças e o Natal, são comemoradas com grandes festas. O último evento foi no dia 12 de outubro, quando as crianças ganharam um dia diferente, com cachorro-quente e refrigerante, brinquedos infláveis e muita diversão. Cada pessoa contribui como pode. Alguns fazem doações em dinheiro, outros participam da organização e assim também é feito no final do ano. Nesses momentos, o pessoal da 7 de Setembro confraterniza entre si e abre a comunidade para os vizinhos próximos. Outros dois projetos estão em andamento dentro da ocu-

pação. Um é de uma creche comunitária para atender as crianças da localidade. Outro é de um Ponto de Cultura do Quilombo Família Machado, com atividades voltadas para a temática africana e quilombola. Segundo o líder Rogério Jamaica, o projeto da creche está sendo feito por uma arquiteta que é parceira deles, e depois disso os próprios moradores farão a obra do prédio. “Se a gente ficar esperando por uma escola feita pela prefeitura, vai demorar muito mais tempo, e essa é uma necessidade grande da nossa comunidade, não dá para esperar”, ressalta. Já o Ponto de Cultura será feito depois de conseguirem a titulação de quilombo, o que possibilita uma verba para o incentivo cultural e para a manutenção do espaço. Apesar da luta e da resistência constante da Comunidade 7 de Setembro, a cultura e a educação não são deixadas de lado, pelo contrário, os moradores lutam para que elas se mantenham vivas e sempre presentes dentro de seu espaço.

- LAÍSE FEIJÓ


ENFOQUE QUILOMBOS

PORTO ALEGRE / RS NOVEMBRO DE 2014

GENTE

comunidade na busca pelo sustento do lar

N

ão é o barro, resultado de uma forte chuva, que impede os moradores da Comunidade 7 de Setembro de levantar cedo para trabalhar. “Quem mora na vila tem que trabalhar de segunda a segunda”, diz Silas Rafael Fagundes de Souza, 30 anos, servente de obras, saindo para mais um dia de serviço. Jorge Michel Santos, 31 anos, encilha o cavalo Péde-pano para fazer o frete de uma geladeira. O trabalho diário de Jorge, limpando pátios em casas de bairros

próximos, também depende da força animal. Ele recolhe os entulhos de pequenas obras em residências não muito diferentes da sua. Por ver realidades parecidas, sabe que ter um lugar para morar é o mais importante. Jorge entende que o reconhecimento do território quilombola pode ser uma solução para evitar as ameaças de despejo: “Não participo de todas as reuniões, mas sei que o quilombo é por uma boa causa”. As garantias que o quilombo pode trazer para a comunidade não estão claras para todos, mesmo porque nem todo o terreno estaria em processo de reconhecimento. Paulo Borges, 45 anos, mora na ocupação, mas se considera vizinho da área do quilombo. Ele é empregado como

técnico hidráulico em uma empresa que faz manutenção para a Fasc, órgão de assistência social do Município. “O que garante minha moradia é o meu trabalho”, assegura Paulo, que também é pai de santo. Gleyjones Fernandes da Silva, 24 anos, veio do Ceará para ajudar o tio que vendia cestas básicas de porta em porta. Agora, trabalha na construção de um condomínio de luxo. Ganhando um pouco mais, pôde comprar uma casinha na Comunidade 7 de Setembro, onde vive com a esposa e dois filhos. Há oito meses na ocupação, começou a conhecer a luta para transformar as terras em um quilombo e acredita que isso será bom para os moradores. A comunidade também

começa a desenvolver uma economia própria. O Bar do Alemão foi aberto em agosto de 2013 por Rodrigo Bartz, o Alemão, 30 anos. Ele é motorista autônomo de uma transportadora. Quando foi morar na 7 de Setembro, percebeu que abrir um bar poderia lhe render um dinheiro extra. O horário de atendimento varia com o movimento. “Fico aberto até meia-noite, uma e pouco da madrugada”, conta Rodrigo, que tem a ajuda da namorada, Joana, nos finais de semana. A jornada dupla para tentar aumentar a renda é comum para muitos na comunidade. Para Cézar Gonçalves, 22 anos, essa jornada já foi tripla. Técnico em manutenção de eletrodomésticos, também trabalhava em duas transpor-

ENFOQUE QUILOMBOS O Enfoque Quilombos é um jornal experimental dirigido às comunidades quilombolas de Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, é distribuído gratuitamente. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.

“A água é boa”, atesta Isabel. O esgoto feito por Artemis e pelos vizinhos só deu problema uma vez, quando o acúmulo de embalagens plásticas trancou o cano de saída, que dá para um córrego. Unidos, os moradores conseguiram até regularizar a coleta de lixo, três vezes por semana. Hoje, o caminhão passa entre as ruas estreitas para recolher os sacos devidamente armazenados em lixeiras na frente das casas.

REDAÇÃO – Jornalismo Cidadão – Orientação: Felipe Boff. Edição: Caroline Garske. Reportagem: Caroline Garske, Graziela de Souza Busatta, Guilherme Lemchen Moscovich, Laíse Feijó, Luís Felipe de Souza Matos, Vanessa Vargas dos Santos e Vinicius Nunes Ferrari. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Débora Vaszelewski e Thalles Campos. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico, diagramação e finalização: Marcelo Garcia. IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

posa e o filho de cinco anos. Lá, anuncia seus serviços de conserto de máquina de lavar, micro-ondas, fornos elétricos e outros equipamentos domésticos. Com a ajuda do cunhado, atende clientes de outros bairros e, assim, consegue se manter ativo e sustentar a família com o apoio da esposa, que trabalha no hipermercado em frente à ocupação.

- LUIS FELIPE MATOS

THALLES CAMPOS

Artemis, que já foi confeiteiro, hoje trabalha na construção civil. E é bastante requisitado pelos vizinhos – vários tiveram sua ajuda para construir parte das casas. Com muito força de vontade, Artemis e Isabel vão, aos poucos, transformando sua simples moradia em um lar e construindo um futuro melhor para a pequena Manoela, de dois anos.

Artemis e a mulher, Isabel, superam desafios para dar um futuro melhor à pequena Manoela

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ocupação, que sempre quebravam, por canos novos; e instalou até uma canalização parcial de esgoto, com um duto sem uso que encontrou no terreno. Com o novo encanamento de água – seguido pela instalação de um registro, pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), na frente da ocupação –, o abastecimento ganhou força, e algumas casas nem precisam mais de caixa d’água.

Moradores da comunidade criam formas de empreender em meio a um bairro em crescimento (foto ao centro).Trabalhando em casa, Cézar Gonçalves (esq.) enfrenta as dificuldades de ser cadeirante. Jorge Michel Santos prepara seu cavalo para mais um dia pesado de trabalho

à

tadores. Até três anos atrás, quando, às 5h15min da madrugada, dormiu ao volante e saiu da estrada. “Eu fui ganancioso”, lamenta. “Não lembro de nada daquela noite, mas no relatório da Samu estava escrito que reclamei muito de dores nas pernas.” Com o acidente, ele perdeu os movimentos da cintura para baixo. Sua condição de cadeirante limita bastante as oportunidades de trabalho. “O INSS não considera minha situação como invalidez. Mas cadeirante e cego só encontram empregos temporários. As empresas que reservam vagas para PCDs contratam só amputados”, aponta. Depois de ter que vender o carro, Cézar conseguiu comprar uma casa na comunidade, há seis meses, para morar com a es-

A união construindo lares Em meio às dificuldades, não faltam exemplos de solidariedade e superação. O casal Artemis da Silva Goulart, 29 anos, e Isabel Taube de Carvalho, 28 anos, fez, em parceria com os vizinhos, boa parte da infraestrutura básica de que precisavam. Artemis puxou e distribuiu os fios de luz – irregularmente, pois a companhia de energia não aceitou fornecê-la à comunidade – entre as casas; trocou as primeiras mangueiras da

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DÉBORA VASZELEWSKI

Quem trabalha quer casa rotina dos à Amembros da

EDIÇÃO

- GUILHERME MOSCOVICH

FALE CONOSCO (51) 3591 1122, ramal 3727 enfoquequilombos@gmail.com

LEGENDAS - REPÓRTER

FOTÓGRAFO

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Bairro Três Figueiras – Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@ unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Próreitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Próreitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinicius Souza. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thais Furtado.


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