Enfoque Vila Kédi 3

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Convívio com repórteres muda a rotina Página 2

SUSI TESCH

PAULO EGIDIO

SUSI TESCH

GENTE NOVA POR AQUI

COMÉRCIO SOLIDÁRIO

Lojas vizinhas promovem ações Página 3

BOM É DE GRAÇA

Cortes de cabelo com estilo Página 7

ENFOQUE VILA KÉDI

EDIÇÃO

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SUSI TESCH

PORTO ALEGRE / RS OUTUBRO DE 2015

MINHA CASA, MINHA VILA É HORA DE RECOMEÇAR PÁGINA 5


2. CRÔNICA

| ENFOQUE VILA KÉDI | PORTO ALEGRE (RS) | OUTUBRO / 2015

Três vezes Kédi

T

rêssábados.Trêsmanhãs. Três edições de jornal. Na primeira, surpresa para os dois lados, repórteres e moradores. Na segunda, frio, muito frio. Na terceira, afinidade. Criam-se relações que ninguém cogitou. Já eram sabidos os nomes de algumas fontes, suas profissões e onde moravam. Ainda assim, em cada conversa, descobertas. As crianças se divertem. Pedem doce, rabiscam os cadernos, convidam para brincar e trazem a ingenuidade da infância. Os adultos esperam por respostas, abrem as portas de suas casas e revelam suas histórias. Na Vila Kédi, cachorros, gatos, galinhas, bodes e patos completam o cenário. Durantes três meio turnos, alunos de jornalismo misturam-se com moradores. Conhecimento. Curiosidade. Compreensão. De jornalistas a jornaleiros, entendem a rotina, as peculiaridades e as precariedades do local. Com entusiasmo, algumas crianças perguntam como faz para aparecer no jornal. Com paciência, outros vizinhos pedem melhorias. Nos registros, fotografias de cada detalhe. Todo mundo traz

um sorriso no rosto, independente das baixas temperaturas. Mundos desconhecidos são explorados ao mesmo tempo. Explica-se o trabalho fora da universidade, as saídas de campo, o objetivo e a produção de um

RECADO DA REDAÇÃO

Missão cumprida Jornalista tem síndrome de super-herói. Quer resolver todos os problemas, fazer do mundo um lugar melhor. Foi isso o que fomos fazer na Vila Kédi naquela manhã de sábado, 3 de outubro: tentar mudar a realidade da comunidade. Ajudar a resolver problemas do dia-a-dia, como saneamento básico, coleta de lixo e tantos outros. Fazemos isso com a nossa melhor e única arma: palavras. Na nossa terceira e última visita como repórteres e fotógrafos deste jornal-laboratório, encontramos a Vila adormecida. Com as chuvas que ocorreram em Porto Alegre nas últimas semanas, o chão era barro e água. Muitas passagens eram feitas por cima de tábuas. Foram três sábados mudando a rotina dos moradores da Vila. Criou-se uma atmosfera de intimidade. Quando os moradores te

cumprimentam pelo nome é sinal de que o laço foi criado. A última visita tem até um ar triste. Ninguém saiu da Kédi do mesmo jeito que entrou. As histórias e lições de vida que nos emocionaram seguirão conosco. A Vila Kédi agora pulsa em nós. A terceira edição do Enfoque Vila Kédi traz um panorama geral da nossa estada na vila, além de histórias que ainda não haviam sido contadas. Como essas, existem várias nos mais diferentes lugares do mundo, e é claro que nem todas conseguiremos contar, mas a promessa é de que contaremos da melhor maneira possível. A profissão de jornalista tem desses desafios: procurar histórias para contar, encantar e emocionar. Nesta edição contamos a nossa história com a Vila Kédi. REBECCA ROSA Editora-chefe

jornal sobre a vila. Entende-se que a eletricidade não chega, o lixeiro não chega, o saneamento não chega. Percebe-se que isso não é o essencial. Onde a família está próxima, os amigos compartilham bons momentos

e todas as necessidades, como farmácia, colégio e supermercado estão por perto, a violência também não chega. Agradecer mais e reclamar menos é uma das frases ouvidas. Cadernos, câmeras fotográfi-

ENTRE EM CONTATO

cas, canetas e gravadores estão nas mãos dos futuros jornalistas. Os meninos fazem graça com as bicicletas e as meninas carregam bonecas pra lá e pra cá. Ainda existe bolita, despreocupação e assuntos para resolver. Atenção máxima, nada pode passar despercebido. As pessoas se dispõem a sugerir assuntos, acontecimentos e indicar quem pode falar sobre o quê. Sempre tem novidade. Cada casa traz experiências de gente que sabe muito sobre a vida. A simplicidade se sobrepõe. A partir do Enfoque, os moradores conseguem enxergar suas próprias histórias em outra dimensão, impressas em páginas coloridas, distribuídas em diferentes locais, escritas por recém-conhecidos. São vinte e quatro páginas de um jornal produzido por estudantes com fragmentos de relatos, narrativas e notícias de uma vila que tem, em média, 400 m de extensão e passa despercebida pelo movimento da Avenida Nilo Peçanha. Dentro da Vila Kédi, interação é comunicação. GABRIELA GONÇALVES ALESSANDRO SASSO

DATAS DE CIRCULAÇÃO

(51) 3590 1122, ramal 3727

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12 / 9 / 2015

enfoquevilacaddie@gmail.com

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3 / 10 / 2015

Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Petrópolis – Porto Alegre – RS Cep: 90470 280 – A/C Coordenação do Curso de Jornalismo

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6 / 11 / 2015

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Vila Kédi é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Kédi, em Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, é publicado a cada dois meses e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.

EDIÇÃO E REPORTAGEM Disciplina Jornalismo Cidadão Orientação Luiz Antônio Nikão Duarte Edição geral (chefia) Rebecca Rosa Edição de fotografia Leonardo Stürmer Reportagem Débora Vaszelewski Gabriela Gonçalves Guilherme Engelke Leonardo Stürmer Lucas Proença Luciano Del Sent Matheus Martins Rebecca Rosa Rodrigo Ávalos Stéphany Franco

FOTOGRAFIA Disciplina Fotojornalismo Orientação Flávio Dutra Fotos Alessandro Sasso Cora Zordan Laíse Feijó Nicole Steinmayer Paulo Egidio Rebeca Souza Susi Tesch

ARTE Realização Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) / Unisinos São Leopoldo Projeto gráfico e arte-finalização Marcelo Garcia Diagramação Gabriele Menezes IMPRESSÃO Realização Grupo RBS Tiragem 1.000 exemplares

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Petrópolis – Porto Alegre – RS. Cep: 90470 280. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Thaís Furtado.


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GENTE .3

Entre o preconceito e a inclusão Como é a convivência com a vizinhança além da Vila

O pequeno Gabriel e seus amigos têm o hábito de jogar futebol em frente à Vila para se divertir

C

rianças costumam brincar na entrada da comunidade pela avenida Nilo Peçanha, por não haver lugar adequado para as atividades. O comércio ao redor reconhece o problema que a Vila Kédi enfrenta, principalmente pela falta de infraestrutura do local. A loja Saccaro, ao lado da Kédi, organiza, em conjunto com outras lojas, um torneio de futebol em uma praça da proximidade, a fim de proporcionar um dia de recreação para a criançada da vila. “Sempre buscamos fazer algo por eles, só que às vezes eles querem mais do que podemos dar”, relata George Jardim, consultor de vendas da loja. “Uma vez fizemos uma árvore de natal e expusemos as cartinhas com os pedidos de presentes deles aos nossos clientes”, afirma a vendedora Letícia Souza. Segundo os funcionários da Saccaro, no ano em que houve essa ação, foram atendidos os pedidos de mais de 50 crianças. “Eles sentem falta de um espaço para atividades”, relata Tatiane Martins, funcionária da loja Moldura Minuto, vizinha a vila. Segundo ela, a convivência dos moradores com os comerciantes ao redor é tranquila. Embora alguns clientes se incomodem com a presença das crianças em frente à loja, Tatiane afirma

que, na maioria das vezes, são os adolescentes de fora que causam problemas. “Muitas crianças ficam olhando a nossa vitrine, os quadros com paisagens, acredito que elas fiquem imaginando a vida fora dali” completa. O ex-morador da vila, Rafael Pacheco, acredita que a população da Kédi sofre o preconceito das pessoas que moram nos condomínios de luxo ao redor. “Qualquer assalto que tenha perto as pes-

soas acham que foi gente daqui”. Pacheco afirma que sente-se bem no local e sempre quando pode faz visitas aos parentes que moram na comunidade. A dona de casa Ariana Pacheco, de 19 anos, conta que as pessoas de fora passam rápido pelo lugar por sentirem medo.“Eles têm medo daqui, mas a gente se sente muito mais seguro aqui dentro do que na rua”, afirma. Ariana completa dizendo que as pessoas dos con-

domínios vizinhos não têm diálogo com a comunidade. “Qualquer barulho de música à noite eles já ligam para a polícia”. Nicolas Gabriel Machado, de 11 anos, conta que costuma jogar futebol em frente à Kédi com os amigos. Porém, sempre quando recebem reclamações de alguma das lojas, eles buscam ir para o outro lado da vila brincar em um canteiro de obras ou, quando possível, vão até a praça mais próxima.

Os moradores da Vila Kédi lamentam não haver um lugar dentro da comunidade para o lazer e prática de esporte de todos, pois as crianças têm que brincar na beira da, movimentada, Avenida Nilo Peçanha ou em um canteiro de obras no final da vila, onde não há o mínimo de segurança. STÉPHANY FRANCO PAULO EGIDIO

Avenida expõe duas realidades A dualidade da Vila Kédi ser uma comunidade humilde, que fica no coração do bairro Bela Vista, não é escancarada apenas pelo aspecto financeiro, mas também por pessoas como Carlos Alberto Santos Maciel, de 56 anos, que tem 14 filhos e 12 netos. Uns moram na vila, outros não. Todos são oriundos dos seus quatro casamentos, alguns não estudam. Maciel representa a desigualdade social do Brasil , se comparado à realidade de Neide Milnitsky, 49 anos, que mora do lado mais conhecido da Avenida Nilo Peçanha. Professora de inglês de cursos pré-vestibular, ela, que tem uma vida econômica estável, consegue dar educação privada aos seus dois filhos. O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo, mas, também, o oitavo país com o maior índice de desigualdade

social e econômica. Apesar de estudos apontarem para uma diminuição dessa desigualdade, ainda são observadas grandes diferenças. Maciel trabalha das sete da manhã até às cinco e meia da tarde, de segunda a segunda, como jardineiro; “Transformo um arbusto em qualquer coisa”, conta. Também já trabalhou como office-boy para OAB. Neide, que tem uma carga horária de trabalho que não se diferencia tanto da do morador do Quilombo Silva, trabalha das sete da manhã até às quatro da tarde, lecionando, e também um sábado sim, outro não, com aulas extensivas: “Como eu gosto do que faço, acabo não sentindo muito a carga horária, mas gostaria de ter mais tempo com meus filhos, antes que eles cresçam e saiam de casa”. A diferença entre os dois é o

quanto cada um obtém com os seus trabalhos e que os faz contrastar no tipo de vida que levam e nos lugares em que moram. O trabalho também já mu-

dou muito a vida e a rotina de Maciel, que morou em várias cidades do Rio Grande do Sul como Uruguaiana, Charqueadas, Tupanciretã e Minas do Leão.

Apesar de não ser morador da Vila, ele é frequentador do Bar do João pela manhã, principalmente aos finais de semana, para conversar com os amigos e jogar sinuca. Enquanto Neide nunca precisou se mudar para trabalhar ou para estudar e aperfeiçoarse profissionalmente, morou em Porto Alegre a vida toda, exceção feita ao intercâmbio que fez nos Estados Unidos, para melhorar o domínio da língua inglesa. LUCAS PROENÇA CORA ZORDAN

Carlos Alberto Maciel, morador do Quilombo Silva e frequentador do Bar do João, fala sobre sua rotina


4. INFRAESTRUTURA

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Em meio às casas, um recanto Clarita, moradora da vila, cria em sua casa uma horta com várias espécies de legumes e verduras

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ma mancha verde em meio a tantas casas na Vila Kédi chama a atenção de quem passa na frente de dois terrenos que acabaram por virar um só. Quando se entra pela primeira vez na residência de Clarita Valadam Soares, não há como deixar de se surpreender com a simplicidade e beleza do lugar. Clarita nasceu em Três Passos, de onde veio há 48 anos, desembarcando na Kédi. Trouxe consigo alguns dos hábitos interioranos, entre eles o de plantar. Em sua residência e no terreno vizinho, que se supõe propriedade de uma rede de supermercados, ela planta há três anos tomate, milho, batatadoce, pimentão, pepino, salsa, chuchu, entre outras diversas verduras e legumes que afrouxam um pouco as contas da casa. “É graças à horta que eu consigo pôr comida na mesa todos os dias. Nos supermercados, hoje, não se compra mais nada com menos de R$ 500,00, né?”, pondera. Ela fala também da relação com os donos do terreno, que viabilizam o espaço para a plantação. “Nos damos muito bem, com muito diálogo nós conseguimos um espaço

para plantar, e sempre que conversamos nos tratamos com respeito para não haver problemas”, ressalta Clarita. Por muitos anos, ela trabalhou como auxiliar de serviços gerais, em diversos lugares. Hoje, Clarita e seu marido sobrevivem com a aposentadoria dele. Porém, ela conta que o caminho nos últimos anos foi duro, pois o dinheiro demorou

para chegar. “Levou quase meio ano até que conseguíssemos ganhar a aposentadoria. Se não fosse a horta, os milhos, nós teríamos morrido de fome”. Árvores frutíferas, verduras e legumes resumem o que é o terreno do casal. Uma parreira, que lota de cachos em temporada, e alguns cachorros ocupam lugar nesse terreno, que parece ter espaço para

tudo. Os filhos, já adultos, usufruem da horta. Sempre que Clarita consegue, congela as verduras para eles, que já não moram mais com os pais. O casal também tem uma cabrita e um cavalo, trazendo ainda mais um clima de interior para os arredores do bairro. MATHEUS MARTINS ALESSANDRO SASSO

Clarita: “Se não fosse a minha horta, teríamos morrido de fome”.

Terreno segue inativo Claudina Martins é vizinha do terreno de propriedade misteriosa da qual o Enfoque Vila Kédi vem tratando desde sua primeira edição. Seu pátio dá diretamente para a entrada. A lateral de sua casa faz parte do corredor estreito que dá acesso ao terreno. É ela quem liga para o Zaffari quando o mato está alto. Devido às muitas tentativas de falar com a empresa, sem sucesso, em busca de uma utilidade ao terreno ou que a Companhia cedesse uma parte para a construção de uma área de lazer, alguns moradores da Vila decidiram tomar a iniciativa. Começaram a ocupar o terreno para a construção de cinco novas casas: “Vieram até com Polícia”, conta Claudina. Embora negue a posse do terreno, a empresa realiza as limpezas e envia pessoal uniformizado para cortar o mato. Claudina tem a tarefa de cuidar do terreno, em razão de sua casa estar na divisa com a propriedade. Ela diz que foi incumbida da função pela própria Companhia. O número de telefone para contato disponibilizado ao Enfoque é o mesmo usado pelos moradores, mas não atendeu a nenhuma das diversas ligações feitas pelo jornal. REBECCA ROSA ALESSANDRO SASSO

Moradores seguem privados de usar o espaço ignorado pelo proprietário


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INFRAESTRUTURA .5

Mudança de ares Ainda em construção, residência receberá novos vizinhos

U

m terreno vazio da vila ganhará, em breve, uma nova moradora: Daphne Teixeira. Sua casa, ainda em construção, foi projetada e está sendo feita

por seu padrasto, um construtor aposentado. Por causa das constantes chuvas, a obra está demorando para sair. Ela, o marido (filho de moradores da vila) e o filho pequeno sairão do IAPI para o bairro Boa Vista. O espaço que a receberá é onde antes ficava um bar. O terreno pertencia ao sogro

de Andrea Regina Ortiz Gonçalves, esposa da “cabeça” da obra. Conseguiram transferir o terreno de nome, sem custos, assim como a mão-de-obra, que não será gasta devido ao trabalho de José Antônio Moraes. Trabalhando sozinho no momento, ele diz que tem uma equipe, caso precise de ajuda.

“Por enquanto, apenas eu e a betoneira”, brinca. Segundo ele, os custos mais altos de toda a obra foram os materiais de construção. “Mas a gente parcela e fica tudo bem”, diz. Durante três ou quatro vezes por semana, ele vai checar e dar continuação a obra. Tanto ele quanto os futuros mora-

dores querem a casa pronta o quanto antes: “O que atrapalha é essa chuva, me impede de trabalhar”. Depois de pronta essa casa, o objetivo é reformar a de Andrea, trocando as madeiras por tijolos. No meio de um bairro nobre, eles não veem benefícios em sair de lá, só se fosse para algo melhor. A luz e a água são “gatos” e, conforme os moradores afirmam, as autoridades sabem mas não fazem nada. “O que mais me preocupa é no verão, que fica quente e dá curtos-circuitos. Às vezes, até pega fogo”, lembram. Apesar de todos os problemas, eles ficam tranquilos de viver por lá. Reclamam por causa dos benefícios que não têm, como as promessas de rede elétrica para todos. “Pelo menos estamos em uma boa localização aqui”, dizem os moradores, que, em breve, receberão novos vizinhos. LEONARDO STÜRMER LAÍSE FEIJÓ

José Antônio Moraes trabalha sozinho na construção da casa de sua enteada

A conquista de um sonho Em tempos de crise, comprar uma casa própria, desejo de consumo de grande parcela dos brasileiros, parece distante de tornar-se realidade. Contudo, a história da diarista Silvia Fernandes, de 50 anos, percorre um curso diferente dessa premissa da atualidade. Mulher de sorriso fácil e determinação envolvente, ela adquiriu, com os recursos obtidos em seis anos de trabalho, uma residência na comunidade, com o objetivo de sair da rotina de dormir no quarto de hóspedes de seus empregadores. A necessidade de afastar-se da casa dos patrões devido ao sentimento de que, praticamente, estava trabalhando durante toda a estadia e o crescimento dos filhos que, gradualmente, seguiram suas vidas, foram os principais incentivos de Silvia. “O amadurecimento dos meus filhos felizmente possibilitou um

afastamento saudável e foi um fator determinante para comprar minha casa própria”, afirma a compenetrada diarista. Com voz firme, ela ainda destaca que conquistou esse desejo somente com o dinheiro obtido pelos serviços domésticos prestados, afirmando que não precisa de doações ou empréstimos. “Sempre batalhei muito para conquistar os meus sonhos, pois lugar bom para morar é aquele que a gente constrói, com nosso suor e dedicação”, destaca Silvia, apontando com orgulho para as vigas e escoras da futura residência de dois pisos. Seguindo um caminho parecido, os vizinhos de Silvia, visualizando a atitude positiva da diarista, também promovem reformas em suas residências. De acordo com a cozinheira Daphine Teixeira, de 19 anos, a necessidade de acomodar melhor seu primogênito foi o principal

ponto de partida. “Mais do que um sonho, a construção de uma nova casa para minha família era muito necessária, pois, com o nascimento do meu filho, não nos sentíamos seguros devido à precariedade das acomodações antigas”. O bem-estar familiar, assim como as necessidades encontradas durante a vida, se sobrepõem às dificuldades impostas pelo atual momento financeiro mundial. LUCIANO DEL SENT CORA ZORDAN

Silvia Fernandes: “Sempre batalhei muito para conquistar os meus sonhos, pois lugar bom para morar é aquele que a gente constrói


6. SAÚDE

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Zézinho, que trabalhou desde a infância, hoje depende dos vizinhos para fazer tarefas básicas

Uma vida de adversidades Com muita dificuldade para se locomover, João Estevan mora sozinho, em condições precárias

E

le mal se recorda há quanto tempo está ali. As memórias mais vivas são dos cuidados das filhas, após aquele dia que mudou drasticamente sua vida. João Carlos Lúcio Estevan, conhecido como Zézinho, tem 64 anos e vive há quase 20 na Vila Kédi. De origem humilde, sempre teve muito trabalho para adquirir suas coisas. Trabalhava como carroceiro em Alvorada e a seguir com carreto em Porto Alegre. Sua residência na Vila Kédi passa quase desapercebida. A única abertura da casa é a da porta de entrada e saída. Uma madeira muito fina faz esse papel e revela uma frágil sensação de segurança. Sobre o chão frio e úmido, o pequeno espaço abriga João Carlos, sua cadeira de rodas, uma cama, um televisor, um armário, banheiro e os poucos pertences que lhe restaram. Por ser paraplégico e pela dificuldade de acessibilidade, ele prefere passar a maior

parte do dia deitado do que na cadeira de rodas. Zézinho ficou paraplégico devido a um acidente de moto, quando ele tinha seus quarenta e poucos anos foi o motivo. Ao sair da Vila Nazaré, na Zona Norte de Porto Alegre, um pequeno descuido foi fatal. - Eu tinha que ter olhado para a esquerda, mas saí a“miguelão”e o caminhão me pegou em cheio, me jogou pra cima, fiquei um mês em coma no Hospital Cristo Redentor. Não morri porque não era minha vez – conta Zézinho. Após aquele mês no hospital, sua filha Viviana Estevan, que morava junto com ele antes do acidente, o levou para casa no bairro Safira e o cuidou. Por causa de uma desavença no bairro, Viviana, grávida, foi atingida por uma bala perdida na costela. Precisou então, se cuidar. A outra filha, Silvana Farias Estevan, passou a tomar conta do pai. Além da paraplegia, o acidente causou um traumatismo craniano. Durante o tempo que estava em coma no hospital Cristo Redentor, ficou à beira da morte. - O estado de saúde do meu pai ficou tão ruim que os médi-

Elas têm entre 16 e 17 anos e já lidam com sérias responsabilidades. Além de cuidar umas das outras, colaboram como podem com os afazeres do vizinho

cos disseram que seria melhor desligar os aparelhos, mas não deixamos. Depois que ele se recuperou, vendemos a casa e compramos uma aqui na Vila Kédi – revela Viviana Estevan, de 39 anos. Viviana e Silvana são as filhas do primeiro casamento com que teve com Ana Edineia Farias Estevan. Ana e Silvana já são falecidas. Ainda, existem mais quatro filhos que teve com Sônia Darci Kennedy, sua segunda

esposa. Atualmente, ela vive com eles em Santa Catarina. Não fazem contato com Zézinho há dez anos. Apesar de morar sozinho, dos divórcios e do pouco contato com os filhos, Zézinho não vive totalmente na solidão. Ele conta com as vizinhas Cássia, Laura, Letícia e a neta Stéffani. - Nós fazemos comida para ele, limpeza também e o que mais ele nos pedir. Se pudermos, nós ajudamos – explica

Laura Fernanda Vargas Vieira, de 16 anos. O sustento dele vem da aposentadoria. Com o valor, ele pode comprar comida e remédios para dor. Mesmo vivendo “a bangu” e com uma rotina “péssima” como ele define, o dia-a-dia é aliviado quando ele liga o rádio e escuta as músicas que tocam da sua cabeceira. DÉBORA VASZELEWSKI CORA ZORDAN


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LAZER .7

Fazendo a cabeça Jovens moradores se especializam em desenhos modernos e atualizam os penteados dos vizinhos e amigos

seja, os cortes de cabelo não são cobrados. Tendo os cabelos cortados pelo amigo há aproximadamente dois anos, ele tem confiança no trabalho e na amizade. Os cortes são acompanhados de outros moradores, dando dicas e muitas risadas, pois piadas é o que não faltam entre os frequentadores do salão de beleza improvisado. Uma cadeira de plástico vermelha, uma mesa de madeira para apoiar os pentes da máquina de corte e um amigo servindo de ajudante para alcançar os pentes e lâminas são suficientes para que surjam variados desenhos e formas geométricas nas cabeças dos moradores da Vila Kédi, principalmente dos mais jovens. Cachorros e galinhas completam a cena do local onde tudo acontece. Apesar da habilidade com a máquina Philco que utiliza e a lâmina que manuseia com as próprias mãos, sem navalhas ou suportes, da vontade de abrir o próprio negócio e quem sabe prosperar no ramo, no suporte oferecido pelos amigos e vizinhos com os cabelos por cortar para aprimorar suas habilidades, José admite que guarda o sonho, como vários rapazes de sua idade: o de ser jogador profissional de futebol. Com certeza, desfilará cortes diferentes pelos gramados onde passar.

E

ntre duas casas simples, porém muito bem cuidadas, José Luiz, de 17 anos, lida com máquinas de corte, pentes e lâminas. Há quase dois anos ele corta o cabelo dos parentes e vizinhos. Com maestria e habilidade incomum para o pouco tempo de prática, Zé, como é conhecido na Vila Kédi, traça desenhos nas cabeças dos clientes, construídos com uma mescla de técnicas e ferramentas. Tudocomeçoucomseucunhado, William Michel, que aprendeu a cortar cabelo observando alguns amigos do Partenon que executavam a função. William ensinou a Zé as técnicas utilizadas para chegar nos desenhos, além de Wellisson e Kassiano. Zé admite que tem vontade de abrir um negócio com o amigo Kassiano, especializado nos cortes de cabelo estilosos que executam. – Queria montar um espaço atrás da minha casa mesmo, mas acho que vai ficar muito escondido. O negócio já tem até nome: ZK. João Vítor é um cliente assíduo, corta o cabelo praticamente todos os finais de semana com o vizinho, e conta que tudo é feito na base da amizade, ou

Cortes de cabelos são realizados entre risadas e muito companheirismo

RODRIGO DA COSTA ÁVALOS SUSI TESCH

Opções não faltam Apesar de os moradores da Vila Kédi serem muito unidos e concentrarem suas atividades diárias de lazer dentro da comunidade, eles ainda têm algumas opções nos arredores para se divertir. O destino preferido é a praça que fica nas proximidades da Vila. Nicolas Gabriel, de 11 anos, frequenta a praça para jogar futebol com seus amigos, quando não está estudando. O local também é um dos destinos da adolescente Ariana Pacheco, de 19 anos. Ela passa o dia cuidando de seus três irmãos pequenos, e quando tem tempo livre, vai à praça para praticar esportes. A proximidade com os shoppings Iguatemi e Bourbon Country proporciona diversas alternativas de lazer para as crianças e adolescentes, que muitas vezes vão a esses lugares apenas para passear. O Quilombo Silva, localizado

na rua João Caetano, também fica próximo à Vila Kédi, e os dois locais convivem em harmonia. Nos finais de semana, ocorrem festas voltadas para os jovens nos salões de ambas as comuni-

Os moradores não se limitam apenas às opções de lazer da Vila

dades. Laura Vargas, de 16 anos, diz que as festas ocorrem por iniciativa dos adolescentes e são abertas ao público externo. “Todo final de semana fazemos alguma coisa lá ou aqui e ficamos

até de manhã”, relata. O bar de João Carlos Gonçalves Dutra, de 73 anos, é um dos principais exemplos de integração da Vila Kédi com o Quilombo Silva. João Carlos é aposentado

e administra o bar, localizado próximo à entrada da Avenida Nilo Peçanha, como um dos principais pontos de encontro do local. Segundo ele, por conta do alto preço dos estabelecimentos do bairro, alguns moradores e trabalhadores da região vão até o seu bar para procurar produtos mais baratos. Um deles é Carlos Alberto Santos Maciel, que atua como jardineiro e divide o seu tempo livre entre o seu lar, no Quilombo Silva, e a Vila Kédi. Os dois contam que no verão gostam de ir até a Praia do Lami, na Zona Sul de Porto Alegre, para pescar lambari. Nos demais dias, a opção são as visitas aos parentes em Alvorada e aos bares, para, segundo o próprio João Carlos, dançar e tomar uma cervejinha. GUILHERME ENGELKE LAÍSE FEIJÓ


ENFOQUE VILA KÉDI ALESSANDRO SASSO

NICOLE STEINMAYER

PORTO ALEGRE (RS) OUTUBRO DE 2015

EDIÇÃO

3

LAÍSE FEIJÓ

NICOLE STEINMAYER

Pequenos olhares

N

este ensaio fotográfico estão detalhes que muitas vezes passam despercebidos aos olhos. Como o contraste entre as diferentes classes sociais, um simples varal de roupas colorindo o caminho de quem passa e o golfe que dá o nome à vila em que os alunos de Jornalismo Cidadão e de Fotojornalismo da Unisinos/Porto Alegre circularam neste segundo semestre de 2015. LEONARDO STÜRMER ALESSANDRO SASSO LAÍSE FEIJÓ NICOLE STEINMAYER REBECA SOUZA

REBECA SOUZA

REBECA SOUZA


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