Enfoque Vicentina 5

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JOYCE HEURICH

MARCELLI PEDROSO

FORMAÇÃO

Educação sexual também começa em casa. Página 5

DENIS MACHADO

ECONOMIA

As lições de Dona Terezinha. Páginas 13

MÚSICA

Pagode gospel é atração cultural no bairro. Página 14

ENFOQUE VICENTINA

SÃO LEOPOLDO / RS MAIO DE 2015

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EDIÇÃO

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THAMYRES THOMAZINI

UMA QUESTÃO DE DIGNIDADE

FALTA DE SANEAMENTO BÁSICO ADEQUADO PREOCUPA MORADORES. PÁGINA 7


2. RECADO DA REDAÇÃO

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Sonhos inacabados, nunca esquecidos

L

ugares são feitos de pessoas e por pessoas. Eles são construídos, modificados e sonhados de acordo com quem mora neles. São espaços de múltiplas histórias e diversidade. A ocupação Cerâmica Anita é um desses lugares. O local é sinônimo de esperança, luta e, para muitos, vida nova. Apesar do preconceito, quem é de lá não abaixa a cabeça. O dia a dia traz uma batalha constante para conquistar seu espaço na sociedade e uma moradia digna. Infelizmente, o que vemos ao visitar o local é que o sonho de uma vida melhor ainda está longe de ser concretizado. O excesso de lixo, a falta de saneamento básico e os problemas de saúde pública impactam. Mas é só prestar um pouco de atenção para notar que não são os problemas que definem a ocupação, mas sim a perseverança de seus moradores. Gente que não desiste e tenta, a cada passo dado, melhorar a realidade do lugar onde moram.

Criado com aproximadamente 318 famílias, o Loteamento Renascer faz parte da história da ocupação, uma história de mobilização, luta, solidariedade, resistência e liderança. Das famílias que hoje vivem lá, muitas sequer recebem correspondência em casa, o correio não chega. Algumas correm atrás da educação por conta própria, ou de uma alimentação mais saudável, implantando uma horta no quintal. Outros estão em fase de descoberta, como as jovens que em breve serão mães. Nesta edição vamos alertar sobre a questão da gravidez na adolescência, a educação que não tem idade, como o exemplo da dona Adair que decidiu que conquistar um sonho não tem um momento certo. Na editoria de economia, o empreendedorismo ganha espaço como forma de sustento alternativo. O barbeiro Gildemar mostra como a ocupação é um lugar rentável e com um comércio grande e cheio de oportunidades. O lugar também é espaço para diversão com sinucas, bares e a

televisão que está em quase todos os lares. Com o objetivo de retratar a vida dos moradores, da saúde à educação e da economia ao entretenimento, descobrimos um bairro que se desenvolve e cresce a cada dia em uma realidade de sobrevivência, onde os apelos são ignorados e as promessas esquecidas. Aqui serão contadas histórias emocionantes de moradores que vivem em condições precárias e insalubres, mas que não perdem a esperança de dias melhores, buscando novas formas de garantir o sustento de suas famílias em um espaço que já sofreu preconceito do restante do bairro, mas que aos poucos vai se integrando ao local e a sua rotina.

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ANNE CAROLINE KUNZLER JOELLEN SOARES THAÍS MONTIN KARLA OLIVEIRA EDITORES

ERRAMOS: Na capa da edição 4 do Enfoque Vicentina erramos no crédito de uma foto. Atribuída a Lucas Rodrigues, a foto foi de autoria de Pâmela Oliveira. RODRIGO CHAGAS

O excesso de lixo, a falta de saneamento básico e os problemas de saúde pública impactam. Mas é só prestar um pouco de atenção para notar que não são os problemas que definem a ocupação, mas sim a perseverança de seus moradores

à

ENFOQUE VICENTINA O Enfoque Vicentina é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Vicentina, de São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, é distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.

REDAÇÃO – Jornalismo Cidadão – Orientação: Sonia Montaño. Edição: Anne Caroline Kunzler, Joellen Soares, Thaís Montin e Karla Oliveira. Reportagem: Bruna Schneider, Caroline Paiva, Dominique Nunes, Henrique Standt, Jean Peixoto, José Francisco Ribeiro Jr., Julia Viana, Karina de Freitas, Larissa Hoffmeister, Paloma Griesang, Priscila Boeira, Rafaella Rosar, Thomas Bauer e Virgínia Machado. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Büneker, Anderson Azevedo, Andressa Dorneles, Andressa Puliesi, Bárbara Bengua, Bruna Arndt, Daniel Rohr, Denis Machado, Eduardo Zanotti, Elisa Ponciano, Emilene Lopes, Franciele Wenzel, Gabriela Stähler, Gabriela Wenzel, Joyce Heurich, Juliana Borgmann, Katerine Scholles, Kazumi Orita, Lucas Rodrigues, Luiz Schenkel, Marcelli Pedroso, Márcia Ribeiro, Pâmela Oliveira, Priscilla Mella, Rafaela Kich, Sabrina Martins, Rodrigo Freitas, Sabrina Martins, Thamyres Thomazini e Tuanny Prado. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico e finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Gabriele Menezes. IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

FALE CONOSCO (51) 3591 1122, ramal 1329

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http://olharesevozes.wix.com/vicentina Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Bairro Três Figueiras – Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos. br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinicius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


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EDUCAÇÃO .3

Os limites na educação das crianças KATERINE SCHOLLES

o desenvolvimento dos filhos

C

uidado, amor e atenção são elementos básicos para a vida de uma criança. Mas depois do amor, a coisa mais importante que eles podem receber de quem os cuida, é a educação. Aplicar os limites e a disciplina necessária nem sempre é tarefa fácil, garante Tauana Santos, mãe do Marlon de 9 anos, de João Vitor de 8 anos e de Tamara de 3 anos, enquanto busca os filhos depois da escola. “Tento conversar com eles e mostrar o que eles fizeram de errado. Não adianta tirar o que eles gostam e depois dar para eles de novo”, explica. Para a psicóloga Juliana Affonsin, a atitude da moradora da Ocupação Cerâmica Anita ajuda as crianças a compreenderem o porquê dos limites, e estimula o respeito mútuo na relação pais e filhos. Além disso, Juliana aconselha a identificar e res-

peitar o perfil de cada criança, e assim como o dos pais. “Há crianças mais geniosas, outras mais tranquilas. Existem pais mais firmes, outros coração mole. Por isso, a maneira de estabelecer limites que funciona para um, pode não funcionar para o outro”, explica. A psicóloga aconselha ainda que cada pai conheça seu filho e saiba como ele melhor reage às regras impostas. “Isso pode ser conversando ou pedindo para a criança refletir sobre o que fez”, conclui. Além de aplicar estas medidas educadoras, Tauana procura sempre dar autonomia para os filhos. “Deixo algumas escolhas e aprendizados nas mãos deles. Quem eles quiserem ser não importa, contando que sejam pessoas de bem”, afirma. Os garotos que aprenderam a andar de bicicleta sozinhos e esbanjam sorrisos inocentes, garantem que gostam de estudar e já sabem o que querem ser no futuro. “Trabalhador”, falam quase que em conjunto. Mas pensando mais um pouco, os irmãos decidem que o mais divertido é ser vendedor de abacaxi. “Porque a gente gosta

Tauana Santos acredita na educação que mistura ingredientes como afeto, autonomia e responsabilidade

à

disciplina à Aé essencial para

muito de abacaxi”, garante Marlon, irmão mais velho. Outro destaque importante na educação das crianças é a da presença dos pais na vida escolar. “Tem pais que não podem ir na escola do filho, mas eu faço questão de acompanhar eles até o portão”, revela Tauana. Ela, que não completou os estudos por causa da gravidez precoce, já que tinha 15 anos quando engravidou de Marlon, faz com que os filhos mantenham uma rotina firme de estudos e acompanhamento escolar. “Falo para eles que mesmo que eu esteja bem velhinha, vou levar eles até escola para garantir que eles terminem os estudos”, afirma esperançosa.

- KARLA OLIVEIRA

PARA LEVAR EM CONTA Ainda tem dúvidas? Para facilitar questão da disciplina e como melhor aplicá-la, a psicóloga Juliana elaborou quatro dicas para dar limites as crianças sem exagerar. Acompanhe.

1. OBEDIÊNCIA E DISCIPLINA Em questões realmente importantes, quando existe uma resistência à obediência, necessitamos aplicar a disciplina com firmeza. Uma disciplina firme diz a uma criança que ela deve parar com tal comportamento, e obedecer suas ordens imediatamente. Por exemplo: “Vá para o seu quarto agora”, ou “Pare! Os brinquedos não são para atirar”. Os limites firmes são melhor aplicados com uma voz segura, sem gritos, e um sério olhar no rosto. 2. EXPLIQUE O PORQUÊ AOS FILHOS Quando uma pessoa entende o motivo de uma regra, como uma forma de prevenir situações perigosas para si mesma e para os outros, se sentirá mais animada a obedecê-la. Deste modo, quando se aplica um limite, deve-se explicar à criança o porquê tem que obedecer. Entender a razão para a ordem ajuda as crianças a desenvolverem valores internos de conduta ou comportamento – uma consciência.

3. SEJA FLEXÍVEL COM O SEU FILHO Uma regra concreta de limite é evitar uma ordem repetitiva. Uma rotina flexível (dormir às 8 da noite, às 8 e meia na próxima, e às 9 na outra noite) é um convite à resistência e se torna impossível de cumprir. Rotinas e regras importantes na família deveriam ser efetivas dia após dia, ainda que esteja cansado ou indisposto. Se você dá ao seu filho a oportunidade de contornar as suas regras, eles seguramente tentarão resistir. 4. CONTROLE AS EMOÇÕES Os especialistas dizem que quando os pais estão muito irritados, castigam mais severamente e são mais propensos a ser verbalmente e/ou fisicamente abusivos com seus filhos. Existem fases que necessitamos agir com mais calma e contar até dez antes de agir. A disciplina é basicamente ensinar a criança como deve se comportar. Não se pode ensinar com eficiência se você é extremamente emocional. Todas as crianças necessitam que seus pais estabeleçam regras de conduta para o comportamento aceitável.


4. EDUCAÇÃO

já adulta, é hoje exemplo e incentivo para os netos

N

adir Gonçalves, 75 anos, desde muito cedo teve negados o acesso e a oportunidade ao estudo. Aprendeu a ler apenas depois dos 30 anos, até então, nunca soube sequer assinar seu nome. Com 6 anos perdeu a mãe e foi morar com a avó. “Nós morávamos no interior, o colégio era longe e eu tinha que ajudar minha avó com as minhas duas irmãs. Uma delas era doente e não podia caminhar”, explica. Com 13 anos começou a trabalhar de doméstica e com 17 já estava casada. Seu tempo foi tomado pelos afazeres de casa e pelo trabalho. Porém, a falta de oportunidade não roubou sua vontade de aprender. Mesmo sem incentivo e por conta própria ela encontrou motivação para querer ler. “Tinha vontade de aprender, mas não tive chance”, lamenta. O estímulo inicial para escrever foi a necessidade de saber assinar o nome. “Precisava assinar meu nome, para poder fazer minhas compras nas lojas. Também porque meu marido era muito doente e eu tinha que assinar os documentos

Aprender não tem idade do INSS dele”, conta. A idade exata Nadir não se recorda, mas foi por volta dos 30 anos, já com seus quatro filhos, que ingressou no Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), programa do governo que visava a alfabetização de jovens e adultos. Por três meses teve aulas através do programa e adquiriu conhecimentos básicos. Até hoje ela lembrase das primeiras assinaturas. “A primeira vez foi para fazer minhas compras nas lojas, e depois pude assinar minha carteira de identidade”, lembra. Por anos Nadir seguiu com seus conhecimentos básicos de alfabetização, poder assinar já era suficiente, para aquele momento. Porém, ela encontrou uma nova motivação para continuar aprendendo ainda mais. Cerca de 20 anos se passaram até o dia em que ela se converteu para a Igreja Assembleia de Deus. A nova experiência de fé gerou uma vontade profunda de poder ler a Bíblia. “Queria me aprofundar na Bíblia, porque eu faço o máximo para aprender de Deus”, declara. Com uma Bíblia na mão e uma grande vontade de aprender, sozinha mesmo, dona Nadir começou a ler. A prática foi fazendo com que ela se aperfeiçoasse cada vez mais na leitura. Hoje, a idosa, ainda com alguma

dificuldade, mas sem errar nenhuma palavra, lê e recita com alegria o Salmo 102 e o Salmo 4, os seus preferidos. “É o que leio quando acordo e quando me deito”, afirma. O esforço de Nadir para aprender é ainda exemplo para as novas gerações. A neta Andressa do Nascimento de Borba, de 15 anos, vê com positividade e orgulho a história da avó. “Eu acho legal, ela quase não pede ajuda só quando realmente não entende algo, aí ajudo. Tenho muito orgulho ela é um exemplo”, diz a garota. Dentro do livro sagrado ela guarda a foto dos netos, a quem ela cria com muito carinho, e a quem dedica esforços. Ela garante que hoje os apoia a aproveitar a oportunidade que um dia ela não teve. “Eu incentivo, o que posso fazer por eles eu faço. Sem estudo ninguém é nada, sem estudo não se consegue nada”, conclui. A neta é um exemplo dos estímulos da idosa. A jovem pretende continuar os estudos até chegar a faculdade. “Eu quero ser veterinária e estudo para alcançar isso”, afirma. Hoje, Nadir com seu esforço, impulsiona as novas gerações da família a buscar oportunidades e lutar pelo que desejam.

GABRIELA STÄHLER

JULIANA BORGMANN

JULIANA BORGMANN

As dificuldades não tiraram de Nadir o sorriso, nem a vontade de aprender

à

à Nadir, alfabetizada

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- PALOMA GLIESANG

Uma escola em casa procura satisfazer os desejos do neto. “Quando está aqui em casa, é ele quem escolhe o que vamos fazer de almoço”, explica a avó, com uma fisionomia de quem não se importa muito de que isso aconteça. Ela, que também mora com o filho, Luís Stransburg, 33 anos, pai de Nícolas, faz de tudo para aproveitar o tempo que tem com o menino. “Eu cuido dele desde os três meses! Criamos um laço forte de cumplicidade e carinho e sei que sou a avó preferida” diz, num tom de brincadeira ao ver o neto sorrindo. Sempre que vai para a casa da avó, Nícolas é acompanhado de sua mochila, que mesmo pequena, é preenchida com livros, cadernos, lápis de cor e também com expectativas de uma criança que anseia viver as experiências da vida escolar. Em julho de 2016, quando completará quatro anos, o menino irá iniciar os estudos na pré-escola. “Ele é muito inteligente e hiperativo. Com a idade que tem já fala de tudo e sabe contar até 10. Tudo o que é ensinado ele aprende com muita facili-

dade e sei que isso vai ser bom para o desenvolvimento dele na escola”, reflete a avó. Entre uma brincadeira e outra, Nícolas sempre lembra dos estudos e, incentivado pela avó, arrisca traçar as primeiras letras de seu nome. Para ajudar o neto, Elza dedica algumas horas para acompanhá-lo. Segundo ela, no intervalo de cada atividade, procura fazer com que ele folheie os livros, mesmo que ainda não saiba ler. “Acredito que de alguma forma isso pode despertar nele ainda mais o interesse pela leitura”, afirma. De acordo com a pedagoga Juliana Milene, da E.E. de Ensino Médio Cristóvão Colombo,o incentivo dos pais e familiares antes mesmo de os filhos começarem nas séries iniciais é fundamental para o desenvolvimento escolar deles. “A criança é capaz de absorver tudo aquilo que vê os pais e familiares fazerem. Ela aprende muito mais com os exemplos de conduta e caráter, do que através de métodos pedagógicos de ensino”, destaca a pedagoga.

Por isso, a profissional lembra que uma rotina organizada com horários definidos para dormir, brincar e também para estudar, por exemplo, são essenciais para a formação do intelecto das crianças. Ela ainda destaca que, para manter uma vida equilibrada entre lazer e estudos, é necessário que toda a família adquira Incentivado pela avó, Nícolas, de 3 anos, já dá seus primeiros passos em direção ao conhecimento

à

A mesa que imita uma classe escolar. A mão que segura, ainda sem muita firmeza, o lápis para traçar em uma agenda antiga desenhos cheios de significados de uma criança que ainda não experimentou a escola. A posição de um pequeno menino diante da realidade de uma cena montada frequentemente na casa da avó. É assim que, com 3 anos de idade, Nícolas Davi Stransburg, repete a frase: “Já sou grande. Quero ir para a escola!”. Na casa da avó Elza Trindade Stransburg, 55 anos, localizada no Bairro Vicentina, onde vai quase toda semana, Nícolas é constantemente confrontado com uma realidade bem diferente da sua. A pequena moradia de Elza não tem vídeo-game e nem mesmo TV por assinatura, como na casa da mãe do menino. Porém, é no lar da avó que Nícolas encontra os abraços apertados e os beijos de amor de uma “segunda mãe” que, mesmo com pouco, faz o possível para incentivar o neto a ter gosto pelos estudos. A diarista Elza sempre

os mesmos hábitos.Com a colaboração de todos os integrantes da família,as crianças poderão absorver com naturalidade essa mudança de estilo de vida. “Se os pais desejam que os filhos gostem de ler, por exemplo, é necessário que eles mesmos estimulem isso de alguma forma, como ler um livro para a criança an-

tes de dormir. Assim como exigir da criança que ela vá dormir cedo, se os próprios pais não têm o costume de fazer isso, não faz o menor sentido. A regra do exemplo familiar vale para muitas situações. Por isso, necessita ser melhor trabalhada”, avalia Juliana.

- RAFAELLA ROSAR ELISA PONCIANO


EDUCAÇÃO .5

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jovens de regiões de risco

T

abu, constrangimento e despreocupação: todas essas palavras estão relacionadas, para algumas famílias, à educação sexual. Mas, em um país onde cerca de 100 mil meninas com menos de 18 anos transformam-se em mães todos os anos, é essencial tornar este assunto mais presente em escolas, postos de saúde e principalmente dentro de casa. É o que pensa a dona de casa Silvia Patrícia, de 37 anos. Silvia, que teve a primeira filha aos 17 anos, imaginou um futuro diferente para a menina desde o início de sua adolescência. “Já com 12 ou 13 anos eu levei ela no médico, para que tirasse todas as dúvidas e começasse a entender melhor como funcionam os métodos contraceptivos. Isso foi algo que fez muita falta na minha própria casa”, explicou a mãe, que não teve o apoio de seus pais ao engravidar cedo. Jeniffer, filha de Silvia, levou a orientação a sério. Hoje, com 20 anos, também já é mãe, mas teve a gravidez planejada. As explicações recebidas ainda são seguidas à risca. “Procuro ajuda no posto de saúde e já até voltei a tomar a pílula”, esclareceu. De acordo com ela, Gabriel Vicente, de apenas seis meses, foi recebido com muita alegria. “Os avós que pediram! Já estavam loucos para ter um neto”, brincou Jeniffer. Casada com o pai da criança, a jovem mora em Sapucaia, mas visita Silvia, moradora do Vicentina, sempre que pode. Quando Gabriel crescer um pouco mais, o sonho de Jeniffer é retomar os estudos – deixados na 6ª série – e encontrar um novo emprego. Essa também é a realidade da estudante Bruna Marques, de 14 anos. A mãe engravidou com apenas 16 anos, e quis tornar o assunto um tema aberto dentro de casa. “Minha mãe conversa muito comigo, mas eu ainda não procurei um ginecologista porque

não quis”, declarou a adolescente. Segundo ela, a decisão de esperar é respeitada pelo seu namorado. “Ainda acho que é muito cedo para isso. Tem uma hora certa para tudo”, acredita a adolescente. Entretanto, ainda existem famílias que preferem nem tocar no assunto. É o caso do vigia Ronaldo Canosa, de 58 anos. Em casa, os filhos - uma menina de 14 e um menino de 13 anos - não recebem explicações sobre sexo. “Não converso sobre isso com eles. Na verdade, nem gosto de tocar no assunto”, assumiu o pai. “Hoje em dia as crianças sabem muito mais do que a gente. Aprendem na escola, na rua. A gente chega para falar e eles que nos explicam”, espantou-se Ronaldo. INFORMAÇÃO É ESSENCIAL De acordo com dados do Ministério da Saúde, a gravidez na adolescência é mais comum em áreas rurais ou periferias, prevalecendo em famílias de baixa renda. A baixa escolaridade dos jovens e falta de informações sobre as consequências do sexo sem proteção é citada como a maior causa. Mas a preocupação de profissionais da saúde não é apenas a gravidez: as doenças sexualmente transmissíveis (DST’s) são cada vez mais comuns entre adolescentes. Em 2010, um estudo realizado no serviço de Ginecologia da Infância e Adolescência da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública mostrou que 20% de meninas com idades entre 14 e 19 anos apresentavam sintomas de DST. A informação é a maior arma contra os problemas. Durante essa fase, nas quais diversas descobertas são feitas, é fundamental a proximidade com a família. Quanto maior a presença dos pais, menor a ocorrência de dúvidas e informações incorretas sobre o assunto. As questões devem ser sempre esclarecidas e dialogadas, inclusive com apoio de médicos e especialistas da área.

- THAIS MONTIN

Postos de saúde Todos os postos de saúde distribuem gratuitamente, através do Sistema Único de Saúde (SUS), anticoncepcionais de barreira e camisinhas masculinas. Nas instituições, os médicos também estão aptos a orientar quanto ao uso correto dos métodos e dar mais informações sobre sexo aos jovens.

JOYCE HEURICH

A Prefeitura de São Leopoldo também realiza campanhas regulares contra as DST’s, que promovem a prevenção em grupos de risco. Para mais informações, basta entrar em contato com a Secretaria Municipal de Saúde (SEMSAD), através do telefone (51) 3575-4321.

A educação sexual foi fundamental para que Jeniffer, filha de Silvia (foto acima), fosse mãe na hora certa. Bruna (à direita) recebe orientações da mãe em casa. Já Ronaldo prefere não conversar sobre sexo com os filhos

à

sexual e à Educação urgência na vida dos

Entre pais e filhos

ANDRESSA DORNELES

JOYCE HEURICH


6. SAÚDE infértil à Solo do bairro

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Frutos que a terra dá ANDERSON HUBER

desfavorece o cultivo de plantas em uma época que os produtos orgânicos pedem espaço

O

O SAUDÁVEL VENENOSO Você está sendo envenenado sempre que come salada no almoço. Não é por menos. Hoje, o Brasil ostenta o tenebroso troféu de maior consumidor de defensivo agrícola do mundo. Em 2009, cada brasileiro consumiu, em média, o equivalente a um galão de 5 litros de agrotóxico. Os

dados são de uma pesquisa da Anvisa publicada neste ano. No início de abril, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) divulgou um documento técnico pedindo a redução de agrotóxicos no País. Segundo a instituição, é praticamente impossível encontrar um produto livre de veneno no supermercado. Não adianta apenas evitar tomates e pimentões, campeões

Um jardim de pedras Pedras, lama, chão duro. O solo do Vicentina não é nem um pouco fértil. Assim também é a vida dos que nele pisam. A grande maioria das pessoas do bairro precisa trabalhar arduamente para colher alguns poucos frutos, que nem sempre são perfeitos. Essa é a pura realidade dos moradores da Rua Arno Schuch. Há um ano eles adquiriram casas pelo financiamento do “Minha casa, Minha Vida”, mas a construtora não concluiu a obra, deixando um terreno acidentado e pedregoso nos fundos das casas. “Gostaríamos muito de fazer uma horta, plantar árvores frutíferas, mas é impossível nesse jardim

de pedras”, lamenta a dona de casa Rita Ivone, 52 anos. Segundo ela, o problema maior são as pragas urbanas que se proliferam em meio aos pedregulhos e ao mato. “Sofremos com infestação de ratos, baratas, mosquitos e até mesmo vespas que invadem nossas casas”, conta. O metalúrgico Marcos Wolff, 34 anos, lamenta não poder aproveitar melhor o terreno. “Tenho uma filha que não tem pátio para brincar. Gostaria de cercar, montar um jardim e uma horta mas, infelizmente, hoje isso aqui está inutilizado”, queixa-se. A indignação com a falta de conclusão da obra

também fica evidente na fala do aposentado Gilmar Cardoso, 56 anos. “Para o senhor ver, estamos aqui há um ano pagando as prestações em dia. Só eles que não cumprem a parte deles e nos deixam abandonados com esse chão duro onde não dá nem para capinar”, ressalta. Conforme o Secretário de Obras leopoldense, Sandro Cassel, algumas etapas da construção das casas populares do programa “Minha Casa, Minha Vida” são atribuídas ao município. “Temos um cronograma para finalização da obra. Até o final de maio deste ano os terrenos devem estar nivelados e os trabalhos concluídos.

de contaminação. Lavar os alimentos só tira uma parte do veneno, conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A recomendação do órgão é comprar ao menos um produto orgânico da sua dieta direto de produtores locais, que utilizam índices baixos ou nulos de agrotóxicos.

Itamar cultiva a horta todos os dias sem utilizar nenhum tipo de agrotóxico

à

saudável”, enfatiza o exmetalúrgico. Apesar de produzir pouco, sempre que pode ele distribui as plantas para os vizinhos, nem que seja sob a forma de muda ou um galho de chá. “O que a terra nos dá é de todos. Nunca cobrei pelas coisas que plantei aqui. Se alguém precisa de alguma coisa é só pedir que dou”, afirma.

- THOMAS BAUER

Marcos Wolff reclama da lentidão da Prefeitura em concluir as obras

à

ex-metalúrgico Itamar da Silva, 54 anos, é um homem desconfiado. Não atende qualquer um que bate na sua porta e gosta de ter segurança com o que está lidando. “As coisas mudaram, a gente tem que ficar sempre de olhos bem abertos”, comenta. A cautela de Itamar está presente até na hora de se alimentar. A maioria do verde que compõe o almoço da família é cultivada por ele mesmo em uma horta no quintal da casa. Nos pequenos canteiros crescem pés de couve, alface, tomate e rúcula. Em um canto, amadurece um mamoeiro e guarnecendo a horta, está um valioso pé de limão. Temperos e chás também não faltam: salsinha, manjericão, hortelã se espalham pelos vasos e horta. A diversidade agrada a todos os paladares e olfatos. A prática agrícola, pouco comum em centros urbanos, é conservada como uma herança da família que vivia do campo em Santa Catarina. Mesmo vindo jovem para trabalhar na cidade grande, o cultivo da terra nunca parou. “Se o chão do bairro não fosse tão ruim, plantava até onde a vista alcançasse”. Além do regador e da inchada utilizada para remover as ervas daninhas, Itamar usa a internet como ferramenta no cultivo das plantas. “Sempre que posso busco informações na internet sobre os modos de plantar, como e quando colher. É muito útil”, relata. A preocupação dele é principalmente com os agrotóxicos presentes no hortifruti do supermercado. Na plantação não é aplicado nenhum tipo de veneno. Itamar apenas aduba a terra com restos de alimentos e matéria orgânica. Foram necessários anos para que o espaço de terra onde ele cultiva estivesse preparado. “É preciso cuidado constante com a terra. O solo do Vicentina não é nem um pouco fértil: muito molhado ou cheio de saibro”, explica. Outro fator levado em conta por Itamar é o preço dos alimentos orgânicos, que são mais caros do que as frutas e verduras comuns cultivadas a base de agrotóxicos. “Plantar ajuda um pouco a complementar a alimentação da família. Além disso, é muito mais

ANDERSON HUBER


SAÚDE .7

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Não há bem-estar sem saneamento

à Moradores que vivem em

SABRINA MARTINS

condições precárias sofrem com a falta de uma infraestrutura que é básica, mas não existe

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Maria sonha com uma realidade diferente para o neto e para as demais famílias da ocupação

à

ados preocupantes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2011, 71,8% dos municípios brasileiros não possuíam uma política municipal de saneamento básico, que é um conjunto de medidas que abrangem água, esgoto, lixo e habitação e que visam prevenir doenças e promover a saúde. No bairro Vicentina, em São Leopoldo, muitas famílias também sofrem com esse problema. Patrícia de Mello, 43 anos, mora com o marido e os quatro filhos em uma casa improvisada na Ocupação Cerâmica Anita, com luz e água provenientes de instalações irregulares. A doméstica relata que, em toda a área, o esgoto é a céu aberto. “Aqui o saneamento é zero. As poucas famílias que tem banheiro em casa, como nós, não possuem uma saída adequada”, adverte. Segundo Patrícia, além de todo lixo e esgoto expostos e o cheiro que às vezes é insuportável, também preocupa a grande quantidade de ratos que circulam entre as casas e a incidência de mosquitos. “Outro dia o bebê de uma vizinha, que usava uma sonda devido a um problema de saúde, morreu por conta de um mosquito que entrou no aparelho”, lamenta. Os filhos de Patrícia, que tem entre 6 e 14 anos, já tiveram problemas com vermes e sofrem constantemente com dores no estômago, sintomas frequentes de algumas doenças relacionadas à falta de saneamento. Quanto às soluções, ela conta que os moradores já desistiram de buscar ajuda junto à prefeitura. “O prefeito só nos diz que essa é uma área que está destinada à implantação de uma praça. Fomos totalmente isolados. Acabamos ficando quietos por medo de sermos despejados, porque ninguém aqui tem para onde ir”, denuncia a moradora que vive na ocupação com a família há um ano e três meses. Os dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS) são ainda mais alarmantes. Segundo as pesquisas, 65% das internações hospitalares de crianças menores de 10 anos estão associadas à falta de saneamento básico, sendo a principal responsável pela morte por diarreia das crianças menores de cinco anos no Brasil. No mundo todo, oito milhões de crianças morrem anualmente em decorrência de enfermidades relacionadas à falta de saneamento. A vizinha de Patrícia, Maria Marisa dos Santos, 47 anos, tem a casa rodeada pelo esgoto. Ela mora ali há nove meses com o neto, Estevão Gabriel dos Santos, de 2 anos. Maria reclama que a quantidade de ratos é enorme e que eles andam livremente dentro

Doenças causadas pela falta de saneamento Amebíase ou disenteria amebiana – Ingestão de água ou alimentos contaminados por cistos Ascaridíase ou lombriga – Ingestão de água ou alimentos contaminados por ovos Ancilostomose – A larva penetra na pele (pés descalços) ou ovos pelas mãos sujas em contato com a boca Cólera – Ingestão de água contaminada Disenteria bacilar – Ingestão de água, leite e alimentos contaminados Esquistossomose – Ingestão de água contaminada, através da pele

Febre amarela – Picada do mosquito Aedes aegypti Febre paratifoide – Ingestão de água e alimentos contaminados, e moscas também podem transmitir Febre tifoide – Ingestão de água e alimentos contaminados

Hepatite A – Ingestão de alimentos contaminados, contato fecal-oral Leptospirose – Contato com urina de animais infectados (ratos) Malária – Picada da fêmea do mosquito Anófeles Peste bubônica – Picada de pulgas Poliomielite – Contato fecaloral, falta de higiene Salmonelas – Animais domésticos ou silvestres infectados Teníase ou solitária – Ingestão de carne de porco e gado infectados

das casas tanto de dia quanto de noite.A criança nunca teve nenhuma doença, mas a preocupação é grande. Vivendo atualmente do Bolsa Família, dona Maria pretende colocar o menino na creche para poder conseguir um emprego e tentar viver em condições melhores. Ela se emociona ao dizer que a vida ali não é fácil, ainda mais sem ajuda nenhuma das autoridades. “Na época da eleição, os políticos estavam aqui o tempo todo, alegando que nos ajudariam e que lutariam pela nossa causa. Até hoje não foi feito nada”, lamenta. Dona Maria ainda conta que, quando chove, o barraco fica alagado. “Chove aqui dentro como chove lá fora. Nós só queríamos que as autoridades olhassem por nós, não estamos pedindo nada absurdo, apenas o mínimo que merecemos. Queremos o que todo cidadão brasileiro quer, um lugar digno para morar”. Na casa de Tainá Caroline Rodrigues, 18 anos, onde mora com o marido Alex Panitz, 24, e com a filha de 9 meses, a água e a luz também são de instalações irregulares. No dia da entrevista, o marido estava construindo o primeiro banheiro da família, que ia contar com uma fossa. Segundo eles, antes da construção, eles iam até a casa de parentes que moram no Vicentina. Eles também afirmam que a prefeitura em momento algum se dispôs a ajudá-los. “Nós sabemos que isso aqui é ocupação, mas não temos para onde ir. Se tivéssemos outra opção, eu não estaria aqui montando meu barraco”, admite Alex. Januza Cardoso, 30 anos, também sofre com a falta de saneamento. Apesar de possuir um banheiro e uma fossa séptica, os problemas surgem por todos os lados. Casada e mãe de seis filhos, ela desabafa: “A prefeitura não ajuda. O objetivo deles é nos tirar daqui e não implantar um sistema de esgoto”.A filha de 7 anos, Ingrid, foi mordida por um rato durante uma noite. Levada para o Posto de Saúde do bairro, foram feitos exames e constatado que estava tudo bem, o que não muda a realidade em que vivem. O filho, de 12 anos, sofre frequentemente de dores no estômago, um sintoma típico da exposição. O mais apropriado seria que fossem feitas melhorias nas redes de esgoto, nos encanamentos, no recolhimento de lixo e no fornecimento de água para a população. Além disso, deveriam ser proporcionadas habitações adequadas e programas de controle e prevenção. Mas, com todos esses problemas e nenhum interessado em sanar as dificuldades, podem ser tomadas algumas medidas básicas de saúde para evitar doenças, como ferver a água por 15 minutos antes de bebê-la, adicionar uma gota de água sanitária (2%) em um litro d’água, evitar ingestão e contato com água contaminada e não andar descalço.

- ANNE CAROLINE KUNZLER


8. SAÚDE desafios à Os e as dúvidas

da gravidez geram insegurança entre as jovens

O

momento do nascimento de um filho, sendo ele planejado ou não, gera medo, dúvida e expectativa em todas as mulheres. A sensibilidade toma conta no instante em que uma mulher se dá conta de que há uma vida habitando seu corpo, e que isso significará mudanças drásticas em sua vida. Ao engravidar, a menina torna-se mulher. E não importa tudo que se diga sobre gravidez, toda informação não será suficiente para esclarecer as mudanças que irão ocorrer com ela a partir do instante que descobre que é mãe. Taís de Azevedo Spazin, 16 anos, está grávida de sete meses e ainda não sabe como terá o bebê. “Vou ver como vai ser na hora”, admite. A primeira filha, hoje com quase um ano, foi decorrente de uma gravidez planejada, apesar da idade precoce da mãe. Já o segundo, foi descuido com o anticoncepcional que, segundo ela, nunca fez efeito. “Quando fiquei sabendo me desesperei, era mais um! Pensei em tirar, mas tenho certeza que a vida me cobraria depois”, explica. Taís estudou até a sexta série e parou logo que engravidou pela primeira vez. O marido, de 22 anos, sustenta a família em expansão com o salário de servente de pedreiro. Os dois moram na Ocupação Cerâmica Anita desde seu início, e torcem para que, com a regularização das moradias, as condições de vida melhorem e as crianças possam ter onde estudar. Grávida de cinco meses, Victória Rodrigues Blanke, 17 anos, sempre quis ser mãe. Casada há dois anos, parou de estudar quando se formou no ensino fundamental. “Sempre tive o sonho de ser mãe, e mesmo não sendo planejado, eu fiquei muito feliz quando soube”, explica ela. Quando questionada sobre as dúvidas em relação à gravidez, Victória é rápida: “Só tenho medo na hora, deve doer né?”. A jovem, que mora com o marido, de 19 anos, no meio da Ocupação, em uma casa pequena, espera que o bebê nasça de parto normal, mas não quer sentir dor. Segundo ela, a mãe, que mora no litoral gaúcho, não acredita que ela vá conseguir cuidar de um bebê. “Claro que tenho medo, principalmente por morar aqui. Tenho medo dos bichos tentarem se aproximar do meu bebê, quero sair daqui se as coisas não melhorarem”, planeja. O Dr. Ricardo Herbert Jones, obstetra com 30 anos

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Um momento delicado de experiência em partos, explica que o corpo feminino se prepara para a gravidez. Além das mudanças do corpo, como aumento das mamas, bexiga sensível e aumento na produção de soro, atividade que faz os pés incharem, são consequências do preparo do organismo para formar o bebê. Além disso, ele destaca que o emocional também fica muito sensibilizado, e por isso a importância de um acompanhamento médico de todo o período de gestação. “São mudanças naturais e passageiras, que prepararão a mãe para essa nova fase da vida”, explica ele.

RODRIGO CHAGAS

SER MÃE NO BRASIL Segundo o estudo realizado pela organização “Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa”, chamado de ‘Dossiê da Violência Obstétrica-“Parirás com dor”, realizado em 2012 para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, o Brasil lidera o ranking de cesárias, tantos nos hospitais públicos quanto privados. Para a Organização Mundial de Saúde, o índice recomendado é de 15% e a cirurgia só deve ser realizada em casos graves, no qual mãe e bebê corram risco de vida. O Ministério da Saúde ainda aponta que mais de 50% dos partos realizados são através da cesariana, e se analisarmos somente os hospitais particulares, este número sobe para 83%. Integrante da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa), o doutor salienta a importância do parto normal. “É uma preparação de ordem física, emocional, psicológica e espiritual para os desafios da maternagem, que faz com que as mulheres sejam fortes não só para parir, mas para o desafio de ser mãe”, salienta. Para ele, a grande importância do parto normal é porque o corpo está preparado para isso, fazendo com que a mãe tenha facilidade para amamentar o bebê. “O leite materno é o maior remédio para prevenção de doenças”, explica ele. Jones ainda alerta para o risco das instituições utilizarem a cesariana como método principal, sendo que os riscos de fazer uma cirurgia são bem maiores do que deixar que o corpo realize seu processo natural. PRECISAMOS FALAR SOBRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA O instante mágico da gravidez de Aline Gonçalves Belmonte, 24 anos, dona de casa, foi quebrado pelo pânico e a angústia. Quando ficou grávida da primeira filha, Aline tinha apenas 17 anos e hoje, sete anos depois, ainda não consegue esquecer o que sentiu ao ser mal tratada desde

16 anos, à Aos Taís está à espera do segundo filho

o primeiro instante em que entrou em trabalho de parto na maternidade do Hospital Centenário, de São Leopoldo. “Quando o médico veio me informar que já iria me atender, disse a ele que eu não estava enxergando”, conta Aline. Quando o médico retornou, ela já havia perdido muito sangue e mal se lembra de como chegou à mesa de cirurgia. Após o parto, a jovem foi proibida de ver a filha Mariany. Os médicos disseram que sua “saúde era prioridade e que o bebê viria depois”. Entretanto, isso deixou a mãe confusa e insegura. No primeiro banho após a cesárea, a enfermeira responsável foi auxiliá-la, quando Aline pediu para não lavar o cabelo, já que sua mãe disse que faria mal, conforme uma crença popular. “Eu aprendi com a minha mãe assim, e acredito mais nela do que em uma médica”, defende. Por insistir, Aline foi deixada no banheiro, com a médica dizendo para “que se virasse sozinha, já que sabia mais”. Aline faz parte de um índice alto de brasileiras que sofreram com a violência obstétrica. Uma pesquisa, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, aponta que uma em cada quatro mulheres é vítima em partos realizados no Brasil. Segundo a agência Pública, esse tipo de violência é caracterizado como “qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem

o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências”. A falta de esclarecimento, informação e condições financeiras fazem com que muitas mulheres cheguem à mesa de cirurgia sem saber como será o procedimento, ficando susceptíveis aos maus tratos. Aline, hoje, tem duas filhas. Andrielly, de apenas 3 anos, teve o parto pago pelo pai, que economizou durante toda a gravidez para que a esposa não sofresse o mesmo trauma. “Fiquei com mágoa, mas nunca pensei em pressionar o hospital. Sei que não adiantaria”, explica ela. O trauma pela violência foi tamanho queAline passou toda gravidez apreensiva, com medo de que no momento do parto ela revivesse o pesadelo de sete anos

atrás. “O que eu passei, não desejo para mulher nenhuma. Nem bicho merece ser tratada como eu fui”, conta. O obstetra explica que esses casos acontecem por conta da falta de conhecimento dos direitos básicos das mulheres, principalmente em situação vulnerável como uma grávida em trabalho de parto. Em questões como as crenças antigas, ele explica que isso se justifica pelo medo do desconhecido. “Desfazer os mitos é também função dos profissionais, sempre respeitando os referenciais e crenças de suas clientes”, alerta. Como alternativa para esses casos, Jones defende o parto humanizado. Para ele, o processo natural humano está sendo modificado pelas instituições patriarcais. “O parto humanizado devolve a mãe o protagonismo no nascimento de um filho, um momento dela,

que é natural e importante para o bebê”, explica. O médico ainda explica que esse processo independe da condição financeira, pois já existem Casas de Parto do Sistema Único de Saúde (SUS) com piscinas próprias para partos na água. Além deste método, o acompanhamento de uma doula( acompanhantes que dão suporte a mãe na hora do parto) já está sendo discutido, evitando casos como o da Aline. O doutor ainda atenta para as diversas formas de se tirar dúvidas sobre este período e como escolher a melhor forma. Uma sugestão é criar grupos de discussão nas comunidades, na igreja ou até mesmo no posto de saúde. O acompanhamento profissional é indispensável, principalmente para desfazer mitos que podem colocar em risco a vida da paciente.

- VIRGÍNIA MACHADO

MITOS E VERDADES SOBRE GRAVIDEZ Dr. Ricardo Herbert Jones responde: Lavar o cabelo após o parto faz mal? Não há comprovação científica de que lavar o cabelo pode estar relacionado à recuperação. Este mito é muito antigo e está relacionado aos medos que se tinha de lavar o cabelo no período menstrual. Ter azia durante a gravidez é sinal que o bebê vai nascer cabeludo? A azia, ou muitas vezes náusea, está ligada ao aumento da acidez estomacal, muito normal durante a gravidez. Não há nenhuma relação com a quantidade de cabelos que o bebê terá.

Passar vontade de alguns alimentos na gravidez pode fazer o bebê nascer com a cara do alvo do desejo? O “desejo” de comer determinados alimentos, muitas vezes até estranhos, se dá por conta de algum nutriente necessária. Em casos como vontade de comer giz, areia ou cal pode significar falta de alguma vitamina. Importante informar ao médico. A barriga pontuda é gravidez de menino e redonda de menina? Apesar de ser muito conhecido, é apenas mito. O tamanho da barriga está relacionado ao tamanho do bebê, tempo de gestação e quantidade de líquido na barriga, mas não ao sexo da criança.


SAÚDE .9

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Olhos atentos aos pequenos

precárias à As condições das

EMILENE LOPES

moradias e a falta de saneamento básico redobram os cuidados com as crianças

A

A gestação do caçula foi descoberta nos dois primeiros meses. Embora mesmo com o breve conhecimento da gravidez, Viviane não conseguiu fazer o pré-natal. O sexo do filho foi uma surpresa após o parto e somente na chegada do bebê descobriu que era mãe de um menino. Adrian Cauê chegou ao mundo com 2,3kg, medindo 45 centímetros. Após 1 mês e meio do nascimento Adrian está com 4.740kg e 50 centímetros. Viviane nunca trabalhou com carteira assinada, era empregada doméstica. Com a renda de 200 reais mensais do programa Bolsa Família, a dona de casa precisa saber dosar os gastos para dar conta

das compras para o lar. A pequena moradia não tem banheiro, a água é encanada e, segundo a mãe, as crianças não tiveram nenhum problema em decorrência do uso dela. Viviane precisa levar diariamente os três filhos maiores para tomar banho e usarem o banheiro na casa do irmão que mora a algumas quadras dali. A higiene do neném é feita na banheira no humilde quarto com água aquecida no fogão. No meio dos filhos durante a noite, a mãe precisa levantar três vezes para amamentar o pequeno. Para sair da casa de Viviane o improviso é grande. São pedaços de madeiras colocados entre a água que corre diaria-

mente por ali. Na rua de trás vive um jovem casal, que após mais de um ano morando no local, estão construindo um banheiro. O novo cômodo da moradia é sinônimo de conforto, pois era preciso caminhar algumas quadras para usar o banheiro e tomar banho na casa de seus pais. A moça de sorriso tímido carrega uma menina no colo, Taina Caroline Rodrigues de Oliveira, 18 anos, estudou até a sexta série, é mãe de primeira viagem da pequena Alice Gabriely Oliveira Sebulsque, de nove meses. A gravidez foi descoberta aos cinco meses. E mesmo tardiamente, a jovem reali-

Um andador, a dificuldade em caminhar, os pés cansados e um sorriso no rosto. Quem ouve Ernestina Fiuza, 71 anos, listar seus problemas de saúde nem imagina o quanto já fez para que isso fosse evitado, nos outros. Dona Ernesta, como é conhecida no bairro Vicentina, conta quais são as dificuldades que seu corpo enfrenta: “Dois AVCs, problema na bacia, hipertensão e problemas cardíacos. Deve ser só isso”. Contudo, o passado da viúva e mãe de cinco filhos e incontáveis netos e bisnetos, guarda boas recordações de fé. Dona Ernesta atuava como benzedeira há alguns anos. Hoje ela se considera aposentada da função, mas a filha,

Begair Fiuza, 42 anos, não a deixa esquecer. “Muitas pessoas procuravam a mãe para resolver alguns problemas pessoais, mas o que acontecia com frequência era a busca por força e saúde, evitar doenças. Vou confessar: as orações dela costumam dar certo”, confidencia. Dona Ernesta é mais cética em relação ao seu poder, mas não esconde que é feliz em poder ajudar as pessoas. “Eu só faço orações pelas pessoas”, comenta. Porém, Begair acrescenta: “Quem buscava a mãe acreditava muito no poder das preces. A força da fé ajuda bastante”. Católica confessa, hoje utiliza as orações para interceder por sua família e entes queridos, “aposentando-se”

da função de benzedeira, algo que hoje ela prefere não comentar muito. As mãos calejadas e os olhos cansados revelam as dores que Dona Ernesta carrega, resultado de uma história difícil, mas repleta de aprendizados. O irônico destino quis que o seu marido morresse devido a complicações respiratórias, consequência de uma vida trabalhada no garimpo. Nem ela nem sua família puderam evitar a fatalidade, e utilizaram-se da perda para se unir e superar as dificuldades juntos. Hoje, Ernesta se dedica a fazer o que mais gosta: artesanato. Ela exibe com orgulho todas as colchas, os panos de pratos e as toalhas que bordara, revelando que

GUSTAVO SCHENKEL

zou o acompanhamento da menina. Nascida no hospital Centenário de parto normal, a mãe e filha permaneceram quatro dias internadas. Os cuidados com a filha sempre preocuparam Taina, que sabe da falta de condições que o local possibilita à família. Um dos maiores cuidados com a pequena são com os ratos que circulam livremente entre

“Aposentada” da função de bezendeira, moradora se dedica atualmente ao artesanato

- KARINA DE FREITAS

à

“Uma bença, dona Ernesta”

Crianças circulam pela ocupação livremente, não sabendo dos riscos que podem correr

à

criançada correndo nas ruas sem asfalto é uma das frequentes cenas encontradas na ocupação CerâmicaAnita do bairro Vicentina, em São Leopoldo. As famílias estão ocupando a área destinada a uma praça localizada no Loteamento Minha Casa Minha Vida, desde fevereiro de 2014, vivendo em condições precárias pela falta de estrutura do local. As casas foram construídas em sua maioria com restos de madeiras e não possuem banheiros entre os cômodos. Abrigando pessoas que batalham diariamente por melhores condições de vida. A falta de saneamento básico afeta os moradores. As condições das moradias podem provocar problemas de saúde às crianças. As famílias precisam buscar formas alternativas para tarefas simples, como usar o banheiro, tomar um banho e preparar a alimentação. Em uma pequena casa de madeira, com duas peças e a água correndo pelo lado de fora, Viviane Selene Peres, 26 anos, abriga os quatro filhos. O quarto não tem cama. Somente os colchões no chão acomodam à família. O filho mais velho tem 11 anos e está no quarto ano do ensino fundamental na escola Rui Barbosa. O de 5 anos está na creche. Entre as tarefas do lar, a dona de casa dedica-se aos cuidados dos dois filhos menores, de 2 anos e um recém-nascido de 1 mês e meio.

uma casa e outra. As roupas são lavadas, secas e guardadas cuidadosamente na parte mais alta do armário para evitar o contato com qualquer animal que possa prejudicar a saúde da filha. Já aos nove meses, a alimentação sofreu alterações, Taina passou a compor as refeições da filha com legumes, verduras e frutas. Alice tem uma dieta parecida com a alimentação dos pais. A partir dos seis meses de vida o ideal é que deve ser introduzido de forma lenta e gradual outros alimentos como cereais, carnes, legumes, frutas e verduras nas refeições das crianças. “Esse complemento alimentar pode ser dado três vezes ao dia, se a criança ainda estiver sendo amamentada e cinco vezes ao dia se estiver desmamada”, orienta Felipe Angeli, formado em Nutrição pelo Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. A dica é manter o aleitamento materno até os dois anos ou mais. “Os pais precisam estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições das crianças. Não é recomendado oferecer açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, doces, salgadinhos e demais guloseimas nos primeiros anos de vida. O sal também merece atenção durante seu uso”, complementa. Taina sabe das dificuldades e dos riscos que as condições atuais da ocupação podem trazer à saúde da filha. Ela destaca a preocupação que tem com o armazenamento dos alimentos. “Sempre lavo bem as frutas e verduras e guardo dentro da geladeira. O risco de pousar algum inseto é menor lá”, conclui a jovem mãe.

os preferidos são os fuxicos. É a sua maneira de passar o tempo e de se divertir quando não está em filas de postos de saúde e hospitais. Mesmo longe das benzas há alguns anos, Dona Ernesta mantém-se fiel a Deus. A Bíblia está na gaveta, mas o coração permanece querendo o melhor para as outras pessoas. A filha Begair é o melhor exemplo de que as preces da mãe realmente funcionam. “Não pego sequer uma gripe. Não posso reclamar”, ressalta, aos risos. Ao ser questionada se pede as bênçãos, ela não pestaneja: “Certamente. Não saio de casa sem um ‘bença, Dona Ernesta’”.

- BRUNA SCHNEIDER


10. ECONOMIA

diversos segmentos movimentam a economia da comunidade

P

or definição, família representa um grupo de pessoas que possuem relação de parentesco e habitam o mesmo local. Entretanto, ao percorrer as ruas do Vicentina, é possível perceber que o conceito de família se estende também às relações profissionais de diversos empreendimentos da comunidade. Na residência de Vladimir Ortiz, 45 anos, a maior parte da renda é fruto do trabalho em família. Do portão, sempre aberto aos visitantes, quem chega logo se depara com a peculiar vista de três tornos mecânicos no mesmo espaço onde funciona um bar. Diferentes finalidades são destinadas aos ambientes, separados apenas pela mesa de sinuca situada no centro da área. O “Bar do Gordo” abriga dois empreendimentos distintos com um aspecto em comum, ambos são administrados pela família de Vladimir. Torneiro mecânico há mais de duas décadas, há dois anos, Vladimir decidiu abrir seu próprio negócio. Com apenas uma furadeira industrial, ele deu início à sua empresa. Relata que possui três clientes fixos e efetua diversos trabalhos sob encomenda. O metalúrgico conta com o auxílio de Lucas, 18 anos, que além de estudar trabalha com o pai na linha de produção. Douglas, 21 anos, o filho mais velho trabalha em uma indústria da região. Anteriormente também auxiliava o pai nas lidas da metalúrgica. Hoje, com sua formação técnica concluída, no Centro Tecnológico de Mecânica de Precisão (Cetemp), o jovem segue os passos do pai exercendo a mesma profissão. Vladimir relata que já cursou todos os módulos técnicos relacionados à metalmecânica ministrados no Senai Lindolfo Collor, em São Leopoldo. Paula dos Santos Pereira, companheira de Ortiz há 22 anos, nos últimos seis anos tem comandado o bar da família. Relata que sua rotina começa pela manhã e se encerra à noite. “O movimento geralmente começa próximo do fim da tarde”, diz. Apesar da variedade de condimentos comercializados no local, Paula afirma que o produto mais vendido é a cerveja. No mesmo espaço em que trabalham o pai, o irmão e a mãe, entre maquinário e caixas de cerveja, é onde cresce o pequeno João Vitor, com quatro anos de idade, o filho caçula.

Do torno ao forno Conforme pesquisa publicada pelo International Stress Management do Brasil (ISMA-BR), casais que trabalham juntos entendem melhor a carga horária e as angústias do parceiro, em virtude disto há aumento na produtividade. Em geral, esses casais passam em torno de 12 horas diárias no emprego, enquanto a média nacional é de 9 horas. Com postos de trabalho — ainda que distintos — sob o mesmo teto, Paula diz que sua relação com o marido funciona muito bem dentro desse sistema. “Nos vemos na maior parte do tempo, mas ele do lado dele e eu do meu”, relata. Moradores do bairro há quase 30 anos, o casal afirma que nunca foram vítimas de assaltos e que sua clientela é fiel.

DANIEL ROHR

O PÃO DE CADA DIA Alguns metros à frente, na mesma rua estreita e semi asfaltada localiza-se a Cia do Pão. A padaria hoje é também um armazém onde, além dos pães, são comercializados ovos, salgados e bebidas. Atrás do balcão de cores vibrantes, o olhar receptivo de Maria Celoí Lopes de Lima acolhe a todos com um sorriso iminente. Mãe e avó, a empreendedora de 48 anos, cuida do negócio sozinha. Maria conta que há dois anos, após sua separação, iniciou o trabalho na padaria. Desde então sua rotina incia às 4 horas da manhã e se estende até as 22 horas, sete dias por semana, trinta dias por mês. “Não tenho tempo para folgar”, conta a empresária, que ainda concilia o trabalho na padaria com os afazeres domésticos e eventualmente o cuidado dos netos, Leonardo, 11 anos, e Rafael de 3 anos. Com a ajuda da filha, a agente de saúde Nadia, 25 anos, Maria entrega a domicílio os salgados que prepara. “Em dia de jogo o bar fica lotado”, relata. Atrás do balcão em que atende, fica a casa onde Maria vive junto da filha, do genro, o metalúrgico Anderson, 24 anos, e dos dois netos. Com uma produção que chega a 70 pães por dia, ela garante que nunca sobra nada no estoque, “meu pão é um pão personalizado”. A padaria, estrategicamente localizada, é parada garantida de quem vai ao Mercado São Jorge, poucos metros à frente. O aumento no custo da energia elétrica, estimado em 60% nos últimos 12 meses, segundo dados de março do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já foi sentido no bolso da população do Vicentina. Maria Celoí afirma

A padaria de Maria Celoí e a tornearia de Vladimir são administradas em família, assim como diversos empreendimentos locais

à

à Empresas familiares de

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que tem reduzido a utilização do forno elétrico para poupar energia. Reitera que sua fatura teve um aumento de mais de cem reais no mês de março. Do ofício aprendido em um curso realizado no Senac há 10 anos, Maria tira o sustento e aposta no futuro. Com planos de ampliar o seu negócio até o final de 2015, a empresária conta que assim que a construção do novo prédio com dois andares estiver concluída, dará prioridade à padaria, encerrando as atividades do bar. Na nova Cia do Pão, ela contará com o auxílio da filha, que pretende sair do atual emprego para se dedicar integralmente ao empreendimento familiar. “Amo o que eu faço e pretendo trabalhar na padaria enquanto eu viver”, o relato otimista de quem trabalha sem tirar férias, mas nunca tira o sorriso do rosto.

- JEAN PEIXOTO

PRISCILA MELLA


ECONOMIA.11

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femininos e masculinos oferecem preços baixos aos moradores

O

ditado de que “o que é belo enche os olhos” incentivou a indústria brasileira em investir no mercado da beleza. É fácil perceber que o ramo é sinônimo de bons negócios. Assim, não poderia ser diferente na ocupação do Vicentina. Estabelecimentos como Juliana’s Boutique, Espaço Feminino e Marzinho Cabeleireiro ajudam no cuidado do visual dos moradores e possuem clientes fiéis que movimentam a economia da região da ocupação. Dados apontados em 2013 pela Associação Brasileira da Indústria Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) afirmam que, no Brasil, existem quase duas mil empresas que atuam no mercado de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. GUARDA-ROUPA VARIADO E BARATO Quando a ocupação do Vicentina iniciou, cerca de cinco anos atrás, Juliana Silva, 27 anos, foi morar na região. A moradora trabalhava como sacoleira antes de abrir a Juliana’s Boutique. As roupas comercializas eram de marcas como Rala Bela e Vida Marinha. Entretanto, a comerciante percebeu que os valores dos

produtos não faziam parte da realidade econômica de seus clientes. “As pessoas do bairro não têm condições para comprar uma calça de R$ 90, por exemplo. Por isso, montei o bazar para atender melhor quem vive aqui. É bom pra mim e bom pra eles. Compro de outros bazares e também de atacados que vendem em quantidade. Meu produto mais barato custa R$ 1 e as peças mais caras não passam de R$ 20, que geralmente são os sapatos”, conta. Apesar de vender roupas de segunda mão, as peças são escolhidas cuidadosamente pela proprietária para atender bem aos clientes. Ainda que não trabalhe com a linha de ‘boutique’, Juliana manteve o nome inicial de quando comercializava roupas de marca. A peça onde a Juliana’s Boutique está localizada foi construída pela família e abriga o estabelecimento há cerca de um ano. O rendimento mensal do estabelecimento está na faixa de R$ 300 a R$ 400 reais por mês. “As pessoas não se importam de comprar roupas usadas, principalmente para as crianças. Eles dizem que elas crescem muito rápido e não tem cuidado, então peças de segunda mão são o ideal para as famílias”, aponta. PREÇO BAIXO E QUALIDADE NO ESPAÇO FEMININO Erocilda Padilha, 37 anos, mudou-se para a ocupação do Vicentina com a intenção de melhorar o trabalho de cabeleireira e manicure que

BÁRBARA BENGUA

Proprietários encontraram na beleza uma forma de ganhar dinheiro

à

de roupas, à Lojas cabeleireiros

Vaidade dos pés à cabeça

sempre teve como próprio negócio. A loja e salão Espaço Feminino voltou a funcionar apenas quatro meses após estar há dois anos fechado por conta de problemas de saúde e gravidez de Erocilda. Voltando a trabalhar aos poucos, a proprietária tem como carro-chefe do estabelecimento o vestuário. Além disso, sua família produz produtos de limpeza e vende os galões de cinco litros a R$ 10 cada. “Acredito que sou uma das pessoas que cobra mais barato aqui na região. Mantenho o preço de R$ 18 para fazer pé e mão e cobro R$ 10 o corte feminino com escova”, enfati-

za. Os pagamentos antes eram feitos no cartão, em dinheiro ou fiado. Atualmente, Erocilda só aceita acertos à vista. Kethelyn da Silva, 14 anos, filha da proprietária, foi incentiva a seguir os passos da mãe por meio do Instituto Lenon Joel pela Paz, de São Leopoldo, onde participou por um ano de um curso de manicure e cabelereira. Nas aulas, a jovem não somente aprendeu técnicas, mas também teve noções de administração de estabelecimentos de beleza. Erocilda fatura cerca de R$ 900 com o empreendimento que funciona de segunda à sábado à tarde. “Trabalho com

clientes fiés, com hora marcada. Antigamente eu precisava convencê-las a fazer um corte diferente, mudar a cor do cabelo. Hoje todas estão diferentes, com visual novo e continuam vindo aqui”, relata. VAIDADE TAMBÉM É COISA DE HOMEM De quinta-feira à sábado, o movimento do Marzinho Cabelereiro não pára. Gildemar Carvalho, 48 anos, atualmente morador de Sobradinho, mantém o estabelcimento no Vicentina pela fidelidade da clientela masculina.“Aqui sempre está sempre cheio. Os

homens gostam de cuidar da aparência também. Uma vez, em um sábado, fiz 62 cortes de cabelo. Minha média é essa, de 40 a 60 cortes”, revela. Os cortes de cabelo variam entre R$ 7 a R$ 10. Gildemar consegue faturar cerca de R$ 2 mil reais por mês. Nos outros dias da semana, em Sobradinho, o proprietário cuida da horta que cultiva em casa. “Decidi me mudar por causa do barulho, do stress que eu vivia aqui. Lá a qualidade de vida é muito melhor, mas continuo vindo aqui porque tenho uma clientela que me espera”, afirma.

- DOMINIQUE NUNES

Improviso é a principal ferramenta de oficina “Aqui, tudo se adapta. Para tudo temos um jeito.”O autor da frase tem 26 anos, é aposentado por invalidez pelo INSS e dono de uma oficina mecânica. Ele prefere não dizer o nome para não ser incomodado pela Previdência Social. Um problema na coluna praticamente comprometeu-lhe os movimentos das pernas. Sobraram-lhe forças nos braços e liderança para, entre amigos, montar o próprio negócio. Cada um sabia um pouco do ofício. No dia em que a reportagem do Enfoque esteve no Vicentina, a equipe de mecânicos trabalhava com afinco na recuperação do motor de um velho automóvel Gol, dos modelos ainda quadrados, de 1998. No lugar de cilindros, injetores e válvulas, apenas ferramentas e alguns materiais improvisados. Ali, o improviso é quase que matéria-prima, mas, asseguram os proprietários, sem comprometer a qualidade. Em meio às brincadeiras, gargalhadas e

canções sertanejas, os rapazes davam mostras de entender do que estavam fazendo. O trabalho seria entregue dali a poucas horas ao cliente. A rotatividade na oficina dos quatro amigos é boa, e a idade e condições da frota de veículos dos moradores locais são um ingrediente a mais a oxigenar os negócios. Em média, são 40 consertos por mês. Só o aposentado consegue uma renda extra em torno de R$ 1,2 mil mensais, bem acima do salário mínimo pago pela Previdência. “Isso quando o mês tá bom. Quando não tá, às vezes bate o desespero”, reclama. Ele nem imagina como seria se tivesse que contar apenas com o dinheiro do governo. “Foi a forma que encontramos para viver mais dignamente, improvisando, adaptando.Ainda mais agora que a família cresceu”, comenta, mostrando a tatuagem no pulso com o nome do primogênito, Victor, de um ano e dois meses.

“Bem a gente não vive, mas fome a gente também não passa”, afirma Natieli Correa, 17 anos, esposa do aposentado, com semblante esperançoso, embalando nos braços o pequeno Victor. Naquele lugar, os rigores da vida parecem cobrar um pouco mais de esforço de cada um. “Minhas pernas já não são mais as mesmas, sinto elas piores a cada dia, mas tenho ainda muita força nos braços”, afirma o sócio principal. Não que a oficina, que funciona junto à casa de três cômodos, feita de madeiras corroídas e multicoloridas do mecânico seja um negócio nos padrões formais de uma empresa. A organização fica por conta dos quatro proprietários. São eles que também improvisam as rotinas administrativas, que se resumem ao controle de pagamento das contas de água e luz.

- LARISSA HOFFMEISTER

Enjambrada, oficina garante o sustento de pelo menos quatro famílias

à

AMANDA BÜNEKER


12. ECONOMIA

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RAFAELA KICH

à

As alternativas para faturar um “extra” vão desde frango assado e sacolé a aluguel de horário em uma casa de games

à Moradores encontram

alternativas para aumentar a renda e cobrir o buraco deixado pelo desemprego

A

s fontes de renda extra, os famosos “bicos”, são soluções comuns para garantir um dinheirinho a mais. Não são poucos os moradores que fazem uso deste meio para ajudar com os custos da casa. Além disso, o número de empreendedores do bairro é alto, sendo fácil encontrar diversos tipos de estabelecimentos. Necessidade, habilidade, ou oportunidade? Para nascer um empreendedor basta um incentivo. No caso de Gilson Roberto da

Quem quer dinheiro aí? Silveira, 44 anos, um dos estímulos foi o início de uma grande obra em frente a sua casa. Ele percebeu que com isso poderia ganhar uma quantia adicional, além de oferecer uma refeição completa para os novos trabalhadores do local. TÁ COM FOME? Encomende pelo telefone um frango assado com polenta e maionese. Gilson, que trabalha como motorista todos os dias, das 7h30 às 17h30, pensou na alimentação como a melhor forma de obter mais verba. O galeto, que completo custa R$ 25, é servido sempre nos sábados e domingos. Nos dias de semana, sempre depois das 18h, o churrasquinho é o prato principal, custando apenas R$3,50.

Gilson, que já havia trabalhado com assados antes, iniciou o novo empreendimento há cerca de duas semanas. “Já tinha a máquina de assar e alguma clientela, então fiz um investimento de cerca de R$ 2 mil para a compra de freezers e demais produtos”, comentou. Além da comida, ele também vende refrigerantes e cervejas. De acordo com Gilson, aos poucos o empreendimento vem ganhando destaque, e o capital investido vem retornando. “Valeu a pena. Mesmo com pouco conhecimento do local, já vendemos cerca de 20 assados por fim de semana. Divulgamos também na rádio Studio FM 87,7, o que ajuda a atrair mais clientes”, afirmou. Senso de oportunidade, energia, otimismo e

flexibilidade, algumas das características próprias de um empreendedor, podem ser encontradas em Gilson. No pátio onde funciona a pequena “churrascaria”, tem som ambiente, mesas e cadeiras para os clientes e a simpatia do casal, pois quem ajuda a temperar e preparar os frangos e os espetinhos é sua esposa, Rutimara Gonçalves, 27 anos. Juntos eles mantem a casa e quatro filhas. DA NECESSIDADE, A IDEIA Foram as dores na coluna e os problemas de saúde que afastaram Geneci da Silva do trabalho. Atualmente desempregada, e realizando sessões de fisioterapia, a auxiliar de serviços gerais de 45

anos, também pensou na alimentação como forma de garantir um extra e poder cuidar da saúde. Ela acorda cedo e produz bolos, pasteis, “enroladinhos” e demais salgados, que seu marido leva até a empresa onde trabalha para vender. São vendidos cerca de 20 salgados por dia, que já ajudam na manutenção do lar. O bacana é que na casa de Geneci ninguém fica parado. O seu filho, Anderson da Silva, 20 anos, também trabalha e mais: tem seu próprio negócio! “Ele largava currículos, aqui e ali e não conseguia nada, então resolvemos dar uma força para que ele pudesse trabalhar também”, conta a mãe, orgulhosa. O pequeno empreendimento montado na garagem de casa é nada

mais, nada menos que uma Casa de Games (videogames e jogos online). Tem Nintendo, Playstation e XBOX. Por meio do Programa de Microcrédito, que financiou R$ 16 mil para o início das atividades, que foi possível concretizar o projeto de Anderson. Aos poucos o estabelecimento vai dando conta de pagar o empréstimo e ainda dá lucro. “Tem dias, principalmente nos fins de semana, que lota tanto que a fila vai até a rua”, comenta Geneci. A Casa de Games Game Mania, que está aberta desde agosto de 2014, funciona de terça a sexta, das 13h às 22h, e de sábado a domingo, das 10h às 22h, e custa somente R$ 2 a hora.

- CAROLINE PAIVA


ECONOMIA .13

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Terezinha: catadora, solidária, mulher

de à A66mulher anos que se

vira para sobreviver vendendo produtos, ajudando as crianças e reciclando materiais

MARCELLI PEDROSO

tarefas, a catadora ainda tem tempo para pedir doação de roupas aos vizinhos e, depois, repassá-las para pessoas que precisam. A catadora não tem um salário fixo. Sua renda mensal depende sempre dos materiais que recicla e consegue vender, além das vendas de toucas e produtos coloniais. “Esses dias estava na rua, catando meu material. Um rapaz estava passando por mim, me viu e me entregou uma nota de cinco reais. Perguntei o motivo disso, e ele me respondeu dizendo que era uma ajuda por ver o que eu faço todos os dias”, recorda. Terezinha ressalta o medo de deixar seu marido sozinho para ir trabalhar. José não pode lhe ajudar e a catadora nem permite que ele vá junto para conseguir os materiais. Com os olhos cheios de lágrimas, comenta que o último mês foi complicado para a família. “Muito meses consegui um bom dinheiro com as vendas, mas no último a reciclagem não rendeu muito, ganhamos apenas R$ 70,00”, lamenta. A mulher de 66 anos não para em nenhum momen-

to. Anda para lá e para cá, buscando comida todos os sábados para as crianças, vendendo seus produtos nos finais de semana e, todos os dias, catando seus materiais. Não há quem passe por ela e não a conheça. Com todas as atividades, ainda tem um tempo para alimentar seus animais de estimação e dar o carinho que merecem. “Eles são tratados como filhos. Passeio com os cachorros

na rua, dou carinho para os gatos e também para as aves”, salienta. Apesar das dificuldades, a catadora em nenhum momento tira o sorriso do rosto. “Eu sou muito feliz pelo que eu faço, ajudando o próximo. Foi um dom que Deus me deu e a minha maior alegria é transmitir essa sensação”, conta entusiasmada.

- JOELLEN SOARES

Para Terezinha, não tem tristeza e, sim, alegria em tudo o que faz

à

D

e segunda à sexta-feira, catando materiais. Sábado e domingo, vendendo doces coloniais e ajudando as crianças carentes. Isto é o que Terezinha da Silva, 66 anos, faz no Vicentina. Em uma casa simples estão os vários materiais reciclados, desde garrafas pets até um fogão antigo. Existem, também, vários animais de estimação, entre três cadelas, dois gatos, pombos, patos, galinhas e galos. Horário para fazer tudo isso? A catadora sempre acha. Na sua rotina diária, de segunda à sexta-feira, se não houver chuva do lado de fora, ela deixa seu marido José Matias, 66 anos, aos cuidados do irmão de igreja, Flávio, já que ele sofre de ataques epiléticos e também é doente do coração. Assim, mais aliviada, sai nos lixões para catar os materiais que são reciclados para

poder vendê-los. “Quando a quantidade dos materiais é grande, tem um caminhão de empresas próximo ao Parque do Trabalhador que busca os materiais aqui em casa”, ressalta. Quando Terezinha vê que está chovendo, já sabe o que vai fazer para não perder tempo: senta no sofá de sua casa e começa a tricotar polainas e toucas para vender na comunidade. Na sua simplicidade não pede preços altos pelos seus produtos. As mercadorias que vende, custam entre R$ 5,00 e R$ 10,00, dependendo do tamanho da produção. Já aos finais de semana, a catadora sai pelo bairro vendendo suas rapaduras, mandiocas, quindim e cocada, em uma média de preço de R$ 3,00. Com coração grande e generosidade, Terezinha busca todos os sábados a doação do mercado Walter, para fazer uma grande panela de comida para as crianças carentes do Vicentina. “Ele sempre me dá um pouco de batata, cebola, tomate e, quando tem, um pouco de salsicha para fazer sopão ou cachorro-quente para a alegria delas, (as crianças)”, destaca. Com todas estas


14. ENTRETENIMENTO

possibilita um recomeço àqueles que não tinham mais esperança

A

escassez cultural e as poucas opções de atividades de recreação aproximam jovens das drogas e da criminalidade. Diante dessas dificuldades, centros comunitários como igrejas, escolas e associações acabam voluntariamente oferecendo alternativas. Entre elas está o grupo de pagode gospel “Divina Inspiração”. Enquanto a Assembleia de Deus, Igreja a que pertence o grupo, preparava o cenário para a realização de um evento chamado Tenda da Salvação, os músicos ensaiavam seu repertório para o evento e davam entrevista ao Enfoque Vicentina. O backing vocal da banda Renan de Oliveira, 28 anos, almoxarife, identificou a necessidade de proporcionar uma nova realidade a um grupo de jovens músicos com problemas familiares, dependência química e proximidade com o crime. Ativista da fé, Renan percebeu que precisava encontrar um meio de utilizar o dom daqueles rapazes em prol da sua causa. “Convidei o grupo para ensinar música aos jovens que frequentavam a nossa igreja. Eles aceitaram o desafio, pois queriam uma nova razão para ter esperanças de uma vida melhor. A música supriu a carência artística dos garotos e introduziu novos valores naqueles homens”, explicou Renan. No início, os encontros eram improvisados, mas a troca de experiências com os adolescentes, sempre norteados pela doutrina Cristã, entusiasmou os músicos, que direcionaram suas energias para uma nova aposta: formar uma banda de pagode gospel. O grupo existe há um ano e quatro meses e atualmente conta com 12 integrantes. Os músicos realizam cerca de três apresentações por semana, geralmente em cultos evangélicos, mas já se apresentaram em eventos maiores, como São Leopoldo Fest. Os integrantes tocam voluntariamente e toda a ajuda financeira serve para custear despesas com locomoção e para comprar novos instrumentos. O metalúrgico Wagner Oliveira, 31 anos, toca pandeiro no grupo. O jovem afirma que a sua realidade já foi bem distante da atual. “Já toquei na noite (bares), próximo a tudo o que há de ruim como álcool, drogas e más companhias. No Divina

Pagodeiros de Deus Inspiração, nós divulgamos a palavra de Deus e tocamos de graça. O nosso objetivo é esse, usar a música para aproximar as pessoas da fé e transformar a vida delas. Isso aconteceu com a gente”, afirmou Wagner. Além do Divina Inspiração, a Tenda da Salvação trouxe outras atrações artísticas, como o grupo Distrital, que apresenta canções com influência pop dentro da linguagem gospel, e o grupo de coreografias Schekinah (Glória Deus). Oziel Bomber Roque, 42 anos, sargento do exército e pastor da igreja, reconhece a região como um ponto de degradação social e explica o objetivo desse trabalho voluntário. “É uma comunidade muito carente. Vamos trazer a Tenda de uma a duas vezes por ano. Queremos suprir esse espaço ocioso, onde faltam opções de lazer e sobram a criminalidade e as drogas, com uma programação artístico-cultural, dentro da palavra de Deus, conduzidos pela fé em Cristo. O custo disso tudo é alto, mas contamos com o trabalho voluntário de muitos irmãos”. Entre os voluntários, o sargento do exército Fabrício Rodrigues, 30 anos, é responsável pelas barracas de alimentação. Rodrigues relata como funciona o trabalho com os lanches. “Produzimos lanches simples, como pastéis e bolos. Todos os alimentos são doados e comercializados a baixo custo. O que arrecadamos é revertido em melhorias para a nossa comunidade. O nosso grupo de jovens, por exemplo, tem um departamento de teatro, onde usamos as artes cênicas como instrumento do evangelho”.

DENIS MACHADO

Leandro da Costa (14), Renan de Oliveira (28), Wagner Oliveira (31) e Douglas Santos (31), exibem a edição anterior do Enfoque Vicentina enquanto acertam os últimos detalhes para a apresentação na Tenda da Salvação

à

resgata à Música valores e

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- JOSÉ FRANCISCO JÚNIOR

Multiplicidade de ritmos

Funk, sertanejo, hinos gospel, música eletrônica, pagode. Não estamos listando os ritmos de música brasileira, só estamos caminhando pelas ruas do Vicentina. Os moradores realizam as suas tarefas domésticas, embalados pelo seu cantor ou banda preferida, em um volume alto, acima do razoável. Mas, será que isso incomoda os vizinhos? O estudante Daniel Filipe, 15 anos, ouvia Raúl Seixas ao ser entrevistado pela reportagem. O jovem afirmou que nos finais de semana, em sua casa, o som está sempre ligado e a vizinhança é agitada. “Ouço todo o tipo de música, mas prefiro funk, gospel e balada. O som é alto e se um vizinho desliga, o outro começa. As

pessoas não reclamam na maioria das vezes, mas sempre têm aqueles que não gostam. Se sabemos que tem bebê em alguma casa, nós respeitamos, mas a toda hora passam carros com um volume mais alto ainda”, contou Daniel. Wesley Machado, 15 anos, estudante, escuta música em casa com os irmãos menores Ester e Matheus, além do amigo Henrique, em um volume moderado, pois não quer incomodar. “Escutamos funk e pagode nos finais de semana, mas não aumentamos muito o volume. É mais tranquilo assim”, afirmou o adolescente. Já o metalúrgico Jéferson Santos, 41 anos, gosta de competir com os vizinhos. “Sábado é dia de escutar um som. Ligo o rádio

do carro e escuto músicas dos anos 90, a maioria do pessoal aqui escuta pagode. Meu filho diz que eu escuto música de velho. Quando um vizinho liga o som alto, ligo o som mais alto ainda, gosto de abafar. Mas a competição vai até certo ponto, dentro do limite do respeito, pois tem quem não goste”, explicou. Joel Dias, 26 anos, trabalhador da construção civil, tem um vizinho barulhento, mas diz não se importar. Dias afirma que, no local, um a cada dez moradores reclamam. “O som é tranquilo, é normal aqui no bairro. Meu vizinho do lado, por exemplo, escuta o som bem alto, mas eu não me importo. Aqui, as pessoas não reclamam, ou porque gostam,

ou porque não querem atrito”, comentou Joel. No município de São Leopoldo, a poluição sonora caracteriza delito da Lei 9.605/98 dos Crimes Ambientais. A infração pode gerar a instauração da ação civil por indenização por perdas e danos. A poluição sonora pode provocar danos à saúde que vão de alterações do humor e zumbidos, até perdas auditivas importantes e irreversíveis. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o limite tolerável ao ouvido humano é de 65 decibéis. Acima disso, o organismo sofre estresse, aumentando o risco de doenças. Com ruídos acima de 85 decibéis, aumenta o risco de comprometimento auditivo.


ENTRETENIMENTO .15

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Da falta de opção à profissão

distração à Uma simples fez MC

Marquinhos ficar famoso na vizinhança

“N

ão tem muito o que fazer aqui” – essa é a frase que mais se houve de resposta quando perguntam aos moradores do bairro sobre as opções de lazer e entretenimento. Se antes o programa dos fins de semana era passar um fim de tarde no Parque do Trabalhador, hoje, pelo abandono do lugar, essa opção já se descartou. Nessa ausência de distração podem surgir muitos problemas, “Algumas crianças vão brincar na rua, outras saem para fazer coisas não tão boas”, dizem as mães do bairro, se referindo aos jovens que acabam entrando no tráfico de drogas. Mas mesmo nesse deserto de alternativas, um jovem encontrou uma maneira de se divertir que acabou por se tornar uma carreira. Ele é Marcos Vinícius Nazário, hoje MC

Marquinhos. O adolescente de 18 anos começou na escola. “Via meus colegas fazendo rimas no recreio da escola e acabei gostando. Achava muito legal aquilo de criar rimas na hora”, conta o cantor que já participou, e ganhou, vários festivais de Funk. Ele também reclama da falta de entretenimento na localidade. “Os jovens não tem opção para se divertir e criar amizades boas. Muitos acabam indo pro lado errado, e isso prejudica toda a população”, destaca. Marquinhos é famoso entre os jovens vicentinos. Do tédio de não ter nenhum entretenimento, ele se tornou a diversão. “Hoje sou reconhecido pelo meu talento em qualquer bairro que eu vou. É muito gratificante ver todos cantando a sua música junto com você. Isso não tem preço”. Grupos de amigos e fãs o acompanham aos shows e aos concursos, mas a maioria, ou melhor, todas as competições ficam fora da vizinhança. O jeito é sair dali para se divertir.

Em toda a comunidade, seja na parte da ocupação ou a parte mais central do bairro, essa é a opção. Para MC Marquinhos o “divertimento” é assim, ir ao shopping, sair por aí com os amigos, mas o que ele mais gosta é fazer rima e escrever suas canções. Para ele essa é a melhor maneira de se expressar, libertar seus pensamentos, se distrair e se divertir. E foi com essa diversão que Marcos Vinícius Nazário se tornou hoje o MC Marquinhos.

BRUNA ARNDT

- JULIA VIANA

à Cantando funk,

a cada dia Marcos fica mais conhecido no bairro e na região

TV tem a preferência entre os moradores das telenovelas. A trama Babilônia, exibida no horário nobre da Rede Globo, é a que recebe mais atenção de Joceane, pelo fato de ser transmitida em um dos poucos momentos em que está em casa, descansando da rotina diária. Quando questionada sobre os temas polêmicos abordados pelos autores, como por exemplo o beijo entre as atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg – durante um capítulo da novela Babilônia - a moradora se posiciona: “Acredito que estejam fazendo isso como forma de conscientização”, relata a funcionária pública. Já a dona de casa diz não usar a TV apenas para se entreter, mas também para se informar: “Tem que saber como anda o mundo”, completa. Uma das principais formas de entretenimento para os moradores é o cinema. A sétima arte é prestigiada pela maioria, porém, a tela de visualização é menor, e o sistema de som não tem a mesma qualidade de uma sala de cinema. De lançamentos a filmes clássicos, os DVD’s são a principal forma de entretenimento de algumas pessoas. Maria Celina Dias

ANDRESSA PULIESI

1

2

3

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Nunes (2), dona de casa, e sua filha Sabrina Nunes, de 11 anos, são fãs das produções de terror. Ambas citam o filme Atividade Paranormal como o preferido por elas. A mãe, no entanto, salienta: “Ela olha o filme, mas depois quer dormir com a gente”, referindo-se ao medo que a criança sente após encerrada a sessão.

- HENRIQUE STANDT

Entre os veículos de mídia consumidos pelos moradores, a televisão é líder de audiência, seguida de rádio e cinema

à

Assunto frequente nas conversas entre jornalistas, estudantes e professores, o fim dos grandes veículos de comunicação – televisão, rádio e jornal impresso – devido ao avanço da internet e do processo de transformação dos mesmos, não é uma realidade no bairro Vicentina. Os moradores são consumidores assíduos dos programas de TV, telenovelas, telejornais e programas de rádio. Fomos às ruas para saber o que é mais assistido ou ouvido entre as pessoas do bairro. Gildemar Carvalho (4), proprietário de um salão de cabeleireiro, é ouvinte regular dos programas da Rádio Progresso. Por gostar de músicas tradicionalistas, Gildemar identifica-se com o veículo e com as canções que tocam na programação. “O rádio está sempre ligado. A hora que tu chegar aqui, pode saber que vai estar tocando música gaúcha”, afirma o cabeleireiro. As novelas e os telejornais também recebem a preferência do público feminino. Salete Bandeira (1), dona de casa, e Joceane Ribeiro (3), funcionária pública, acompanham de perto o desenrolar

O bar da rua sem saída Apenas 700 metros separam a área considerada “nobre” do bairro Vicentina e a ocupação Cerâmica Anita. Ao atravessar a avenida Thomas Edson e seguir, no sentido leste, pela rua João Alberto, a mudança de realidade é percebida aos poucos. Os detalhes começam pequenos até se confrontar com diferenças gritantes. As casas de alvenaria, pintadas e cercadas, somem a cada passo. O cenário dá lugar às casas de madeira até finalmente se transformarem em barracos desregrados, construídos com sobras de entulhos. O asfalto se transforma em paralelepípedos e, esses, em chão batido, ladeado por esgoto a céu aberto. No final dos 700 metros, a rua sem saída termina exatamente no Bar do Lacerda. É ali que os homens com mais de 40 anos se reúnem para jogar sinuca, tomar uma “gelada” e jogar conversa fora. O empreendimento de Pedro Lacerda, de 62 anos,

existe há três meses e as obras não param. Em breve será construído um palco para shows ao vivo. O capricho do bar contrasta no cenário. Pela janela é possível ver a falta de higiene da vizinhança, o lixo caseiro jogado por todos os cantos. O cheiro azedo de comida em decomposição e de esgoto toma conta do lugar. Lacerda e a esposa Nelci moram na ocupação há 12 anos. O bar foi a solução encontrada para lidar com os problemas de saúde da família. “Eu era empreiteiro, sempre trabalhei com obras, mas aí descobri que tenho problema cardíaco e não posso mais trabalhar no pesado”, justifica. Dona Nelci nunca trabalhou fora. Sua função sempre foi cuidar da casa e da sogra, que é cadeirante. “Agora eu também faço os pastéis para vender no bar. A gente abre às 13h e só fecha quando o pessoal vai embora, no fim da noite”, explica.

- PRISCILA BOEIRA


ENFOQUE VICENTINA

SÃO LEOPOLDO (RS) MAIO DE 2015

EDIÇÃO

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PALAVRA DE REPÓRTER, OLHAR DE FOTÓGRAFO

O parto humanizado de uma matéria

A

partir do momento em que uma mãe descobre que o bebê que carrega na barriga é uma menina, o mundo que a rodeia já é diferente. Desde que nascemos a carga de informação, pressão e aprendizado já é grande. Tem que usar rosa. Tem que sentar de pernas cruzadas. Tem que se dar valor. Tem que namorar um rapaz. Tem que ser mãe.As dúvidas não diminuem com o passar do tempo, pelo contrário, só aumentam. Saberemos em que momento da vida estaremos preparadas para a maternidade? Todas as mulheres querem ser mães? O que acontecerá comigo quando ficar grávida? As respostas para essas perguntas são inúmeras e nenhum conselho parece ser suficiente. Quando meu colega Jean, da disciplina de Jornalismo Cidadão, me olhou e disse: “Virgínia, alguém precisa falar sobre aborto”, eu tinha certeza que esta deveria ser a minha pauta. Sim, precisamos falar sobre aborto. Ao chegar ao bairro Vicentina, a reação das pessoas ao serem questionadas sobre o tema é o mesmo de qualquer lugar. Se retraem, olham para mim com espanto e diminuem o tom de voz para responder rapidamente que “não mocinha, ninguém conhece não”. O assunto é tabu, isso é inegável. Resolvi buscar as respostas sinceras para as minhas perguntas com quem está vivenciando esse momento: as meninas grávidas. Para a minha surpresa, ambas as mulheres que conversei - porque apesar da pequena idade já são mulheres, e não mais meninas - todas quiseram ter o bebê. Foi quando optei por falar sobre a fase que mais muda a vida destas mulheres: a gravidez. A Ocupação Cerâmica Anita, em um dos pontos mais carentes do bairro Vicen-

tina, abriga duas jovens: uma de 16 anos, grávida do segundo filho, e uma que acaba de completar 17. Ambas parecem suspeitar o desafio de colocar no mundo uma criança para dividir o teto improvisado e o futuro incerto. Ao adentrar uma realidade tão diferente da minha, onde as expectativas de vida são tão antagônicas, me vi obrigada a despir minha própria pele e me entregar como plena ouvinte, sem encaixar as minhas regras em seus mundos, mas entender as suas próprias regras. A minha matéria já estava pronta quando eu, decidida a fazer sobre gravidez na adolescência, acabo conhecendo a história da Aline, hoje uma mulher mãe de duas filhas. Maltratada após o parto da primeira filha, foi traumatizada pelo resto da vida pelas enfermeiras de um hospital público. E me fez questionar não só “que mundo é esse, onde mulheres são maltratadas após dar a luz?”, mas também “que mundo é esse?”. Saí do Vicentina não só disposta a contar a história de três jovens mulheres que modificaram suas vidas na mesma proporção que seus corpos. Mas também disposta a entender os diversos mundos que existem dentro desse mundo.

RODRIGO CHAGAS

- VIRGÍNIA MACHADO REPÓRTER

à Diversos mundos

dentro de um mundo chamado Vicentina

Jornalismo, brincadeiras e riscos Minha segunda ida ao bairro Vicentina foi diferente. O sono da manhã de sábado logo se dissipou quando pisei na periferia do bairro, onde moram dezenas de famílias. Acompanhei alguns colegas que estavam em busca de pautas relacionadas à saúde, o que não parecia ser algo difícil de encontrar dadas as precárias condições de higiene e saneamento do local. Pulando uma poça de água e desviando de algum entulho, caminhava observando as casas, as pessoas, o ambiente e tentando enxergar pautas. Nessa busca, conheci mulheres que, sem hesitar, abriram suas casas para nós. Elas falavam da dificuldade de conviver e, muitas vezes, dividir seu quarto e sua co-

o quanto as à “Vi mães se esforçam

para dar o melhor que podem aos pequenos e mantê-los saudáveis”

zinha com ratos e baratas. É impossível não falar de como me senti ao ouvir mães e avós falando da preocupação que sentem com a saúde de suas crianças, que vivem expostas a diversas doenças e perigos. Vi o quanto elas se esforçam

para dar o melhor que podem aos pequenos e mantê-los saudáveis. Enquanto a repórter Karina Freitas entrevistava uma mãe, pude acompanhar a brincadeira de algumas crianças em um lugar que havia sido uma casa. Elas estavam se

divertindo muito e adoraram a ideia de serem fotografadas. Quando entrei no ambiente onde a brincadeira estava acontecendo não pude deixar de notar os pregos e tábuas soltas. Como toda criança, elas não tinham a dimensão de risco e só queriam se divertir. Fotografei as mulheres, as EMILENE LOPES crianças e a precariedade do lugar. Fiquei pensando em como deve ser para um morador ver jovens desconhecidos vagando entre as casas com blocos de notas, canetas e câmeras fotográficas nas mãos. E ainda quererem saber da sua vida, suas dificuldades, fazer você posar para fotos. É louco! Mas os moradores do Vicentina parecem conhecer bem os propósitos da nossa profissão: informar, fazer refletir e contar histórias. Foi um desafio expressar pela fotografia esta realidade. Como futura jornalista espero não só que os moradores do Vicentina se identifiquem com as imagens, como também que eles possam realmente informar, fazer refletir e contar histórias.

- EMILENE LOPES REPÓRTER FOTOGRÁFICA


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