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RELIGIÃO

Páginas 2e3

SEM MISTÉRIO

Hóstias de igrejas da Capital são produzidas em São Paulo Página 4

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Internet ajuda ouvintes a conhecer face de locutores de rádio Página 6

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SOLIDARIEDADE

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Haitiano auxilia outros imigrantes a se adaptarem na Capital Página 7

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JUNHO/2015 PUBLICAÇÃO EXPERIMENTAL DO CURSO DE JORNALISMO DA UNISINOS PORTO ALEGRE

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l RENATA SIMMI

Apoio em boa hora Casa de Acolhimento Apascentar oferece hospedagem e refeições gratuitas para pessoas provenientes do Interior e que têm familiares hospitalizados em Porto Alegre. Página 5


LUPA / UNISINOS / PORTO ALEGRE / JUNHO 2015

O cobrador de sorrisos

EDITORIAL

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uando você vai a uma pizzaria, sabe de quem são as mãos que colocaram os temperos no molho que você saboreia? Quando pega um táxi, sabe quantas vezes o motorista já foi assaltado? E conhece quem faz as hóstias que são distribuídas na igreja de seu bairro? Ou as pipocas que os alunos do colégio perto de sua casa comem? A vida de cada pessoa é formada por centenas de outras, normalmente desconhecidas. Esses cidadãos sem rosto, sem nome, sem voz, na verdade, têm passado, presente e futuro. Você mesmo deve ser invisível para

muita gente. Pensando nisso, os repórteres do Lupa foram descobrir histórias de pessoas que fazem Porto Alegre ser a cidade que é. Pessoas que, por exemplo, passam a ter uma enorme importância na vida de outras de uma hora para outra. Como é o caso daqueles que acolhem, na Capital, os familiares de enfermos ou acidentados internados em hospitais. Os seres humanos têm suas vidas entrelaçadas a cada dia. Uns passam pelos outros. Poucos ficam. Mas todos são importantes. Conheça, nas próximas páginas, a vida de quem raramente é notícia.

LUIZ CESAR DA SILVA PAULO BERNARDI

EXPEDIENTE Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744, Bairro Três Figueiras - Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thaís Furtado. REDAÇÃO – O Lupa é um jornal produzido por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre. TEXTOS: produção dos alunos das disciplinas de Introdução ao Jornalismo e Jornalismo Impresso I. Orientação: Anelise Cardoso e Thaís Furtado. FOTOS: produção dos alunos da disciplina de Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. ARTE – Projeto gráfico: produção dos alunos da disciplina de Planejamento Gráfico. Orientação: Carlos Jahn. Criação: Luis Felipe Matos. Diagramação: produção da Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Adaptação do projeto gráfico, arte finalização

Uma infância perdida CORA MARIANA ZORDAN REBECA SOUZA

LARISSA CAETANO MASCOLO

O morador de rua Aluísio Borges, 48 anos, começou a ter uma vida difícil assim que perdeu seu pai, o que fez com que sua família começasse a se afastar. Logo depois perdeu a mãe, piorando a situação. De acordo com ele, assim que sua mãe morreu, não deu muito tempo para que seus irmãos começassem a brigar pela herança, um querendo ganhar mais que o outro. Isso ocasionou uma desavença na família. Devido aos desentendimentos que tinha com seus irmãos, decidiu ir embora de Santa Catarina, onde morava, e mudou-se para Gravataí, no Rio Grande do Sul. Demorou algum tempo até conseguir um emprego e estabilizar sua vida. Acabou se envolvendo com uma mulher que, em seguida, o traiu. Quando se viu sem família, sem mulher, longe de casa, se sentiu abandonado. “Perdi tudo que tinha e tive que morar na rua.” Atualmente mora no Parque dos Eucaliptos, em Gravataí. Sua moradia, dividida com mais um

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EDUARDO BRUM LARISSA CAETANO MASCOLO

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Por trás da Rua

Aluísio: “Perdi tudo que tinha e tive que morar na rua”

morador de rua, foi improvisada com lonas e lençóis. É ali que ele prepara suas comidas. Tudo com materiais que encontrou na rua. Atualmente, Aluísio cata latinhas e papelão pela manhã e pela tarde. À noite, trabalha cuidando de carros e caminhões de um estabelecimento, onde ganha algum dinheiro.

PAULO BERNARDI

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e diagramação: Marcelo Garcia. Impressão: Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

vação para desempenhar bem seu ofício vem da possibilidade de crescimento profissional, além da forte interação com as pessoas e, principalmente, da sensação de ter prestado um bom serviço. Relata que já passou por muitos momentos positivos em sua atividade como cobrador, como quando encontrou uma bolsa com chaves e dinheiro e a entregou ao dono, sendo depois presenteado pela atitude. Contudo, para ele, o que mais valeu foi o reconhecimento pelo bom trabalho prestado: “Me sinto bem fazendo o bem”, afirma. Mas Pacheco ainda tem um sonho: “A casa própria. Ter e cuidar da minha casa.”

Alexandro Pacheco da Conceição, o Pacheco, tem 36 anos. Torcedor do Grêmio, é casado e pai de um menino de 12 anos, fruto de um relacionamento anterior. Trabalha como cobrador na Carris há cinco anos e seu objetivo é tornar-se motorista da empresa, cargo já desempenhado no emprego anterior, onde atuava como manobrista: “Já dirigi os melhores carros de Porto Alegre”, conta. Ele deixa de ser um simples invisível social no dia a dia, demonstrando alegria pelo que faz e interagindo com todos que passam por ele durante seu trabalho, tornando as viagens descontraídas e agradáveis. Entretanto, julga que sua profissão é desvalorizada principalmente por estar prestando um serviço. Na sua opinião, muitas pessoas aproveitam-se disso para subjugá-lo. “Na maioria das vezes, a pessoa já vem com o problema, e nos vê como alguém em que pode descontar”, diz. Segundo PaN A SO G Pacheco: “Me sinto bem fazendo o bem” R checo, a moti-

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Juarez Oliveira da Rosa, de 38 anos, vende pipoca durante o horário da saída do colégio Anchieta, de onde tira seu sustento. Bem humorado, revela que trabalha nesse local faz 15 anos. Ele quase não tem folga, mas os dias de chuva acabam atrapalhando seu negócio. Com 14 anos começou a trabalhar, primeiro vendendo picolé, depois casquinha e algodão doce. Por ter começado a trabalhar muito cedo, não completou seus estudos e não teve sonhos durante a infância. Atualmente, no resto do dia, Juarez trabalha em obras, e, no verão, é picoleteiro na praia de Capão da Canoa. No seu tempo livre, fica com seus dois filhos e com sua mulher, com quem é casado há 18 anos. Na opinião dele, trabalhar é importante e é o que move a sua vida. “Trabalhando é que a gente chega lá! Eu até tive estudo, mas a gente não tem interesse e só depois se dá conta que faz falta”, diz. Juarez já enfrentou algumas dificuldades na vida, mas hoje é uma pessoa tranquila. Seu pai morreu

quando tinha apenas oito anos, por isso precisou começar a trabalhar cedo para poder sustentar a família. Na época, sua mãe estava desempregada, a irmã era muito nova para trabalhar e seu irmão não tinha interesse em ajudar a família. Se hoje sua realidade fosse outra, compraria um carro e uma casa na praia. “Todo mundo adora casa na praia.” Mas, de acordo com ele, está tudo bem. Apesar das dificuldades, está sempre com um sorriso no rosto vendendo pipocas para os estudantes. REBECA SOUZA

Juarez: “Trabalhando é que a gente chega lá!”


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Entregador de informação

Dedicação e humildade

à tarde, ainda percorre 4 km. Mesmo com quase 700 jornais para entregar, ele sempre lembra a rota. O entregador, Enquanto Porto Alegre começa a que dorme às 20hs para acordar quatro adormecer, os entregadores de jornais horas depois e voltar para casa pelas já estão distribuindo informações às fa- 6h, diz que o segredo é disposição e mílias da Capital. O relógio aponta 1h responsabilidade. Apesar de trabalhar da manhã quando o entregador Paulo de madrugada, nunca foi assaltado. César de Oliveira Andrade, 42 anos, se A vontade de comprar uma Kombi dirige ao parque gráfico para mais um levou este bem humorado trabalhadia de trabalho. dor à profissão. “Eu quis comprar uma Há 12 anos como entregador da Kombi na rua, e a negociação acabou Zero Hora, ele prepara os jornais em por R$ 4.400,00 e comigo entregando uma de suas duas Kombis para per- os jornais do fim de semana”, lembra correr os 32 km diários. No sábado Paulo, aos risos. Casado há 25 anos e JHEINE SIEBEN pai de três filhos – o mais novo, um bebê de dois meses –, afirma que seu esforço visa o bem-estar de sua família. Paulo, que trabalha todos os dias da semana, com chuva ou sol, também tem como paixão viajar e jogar sinuca. Ele acredita que os jornais impressos estão com os dias contados, devido às novas tecnologias. Mas parar de entregar jornais não está em seus planos: “Só mais 25 anos e NA SO G Paulo César: “Só mais 25 anos e paro” R paro”, brinca.

Cumprimentando e sorrindo, é assim que o aposentado em mecânica José Roberto Correa Furtado, 62 anos, vive mais um dia como porteiro do Edifício Célia Irmãos, no Centro de Porto Alegre. Ele, que exerce esse cargo há 18 anos, sai todo dia da Vila Batista – bairro onde mora - até o trabalho, num trajeto de ônibus que leva 1h10min. José Roberto trabalha das 11h às 20h. São nove horas em que enfrenta os mais variados tipos de indivíduos e situações. Inclusive já sofreu um assalto a mão armada. Enquanto controlava as câmeras no último andar do prédio, notou dois homens tentando arrombar a porta. Sua maior preocupação era o zelador, que se dirigia ao térreo e poderia sofrer algo grave. A tentativa de assalto não deu certo, apesar de a dupla ter atirado na maçaneta da porta com um revólver. Sobre o ocorrido, reclama da falta de policiamento nas ruas e da segurança inexistente para os porteiros, os quais são expostos a diversas ocorrências. Além disso, comenta mais pontos negativos do emprego,

FELIPE VICENTE JULIANA COIN

JHEINE SIEBEN DAVID FERRÁS

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Valtor Silveira conduz um dos 3.800 táxis que circulam na Capital gaúcha. Com 69 anos – 19 como taxista –, trabalha das 14h até a meia noite e diz não se incomodar com os picos de trânsito que enfrenta todos os dias. “Minha ANA DIEHL maior preocupação é atender bem o cliente.” Tarefa que ele diz ser difícil com a correria do dia a dia. O que também preocupa o taxista é a violência, pois já sofreu oito assaltos no exercício de sua função. Ele afirma que se arrepende de ter reagido em um desses casos, pois o agressor estava armado e o episódio poderia ter terminado tragicamente. Segundo ele, enquanto a cultura do passageiro de pagar em dinheiro prevalecer, o uso do cartão Valtor: “Minha maior preocupação é atender bem o cliente” de crédito para re-

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ceber pelas corridas não auxiliará na prevenção da violência. O que mais alegra Valtor é a crescente conscientização das pessoas sobre a relação entre álcool e direção. Ele consegue descansar tranquilo após o expediente sabendo que levou vários passageiros sãos e salvos para casa.

JULIANA COIN

José Roberto: “As pessoas precisam de humildade”

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ANA CLÁUDIA DIEHL SUSI TESCH

como a falta de educação de algumas pessoas, que, segundo ele, se acham superiores pelos cargos que ocupam ou por terem boa situação financeira. Também não gosta da impaciência dos jovens quando querem uma informação. No entanto, diz que a maioria das pessoas é gentil. José Roberto acredita que muitos não sabem o que realmente é “ser um porteiro” e não o valorizam. “As pessoas precisam de humildade. O que está faltando hoje em dia é isso.”

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Duas décadas de histórias

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Vendedora caprichosa

JOSIANE SKIERESINSKI LARYSSA SALENAVE DA SILVA

principalmente, o valor do aluguel. Ela paga R$ 1.000 pelo box. No entanto, sente-se bem trabalhando no local, e esses não são motivos para desistir. Seu filho, de 12 anos, gosta de ir ajudá-la às vezes. Trabalhar no comércio é a maior alegria de Giane. “Foi a melhor decisão da minha vida, afinal temos que trabalhar com o que amamos”, diz a vendedora. Ela gostaria de, no futuro, ter sua própria loja física, comprar uma casa e um carro, mas acha que isso será difícil. Assim como não imaginava que sua vida tomaria o rumo que tomou, Giane hoje afirma que não sabe o que pode lhe ocorrer nos próximos dez anos. Vai deixar que o futuro lhe surpreenda.

Giane, 32 anos, é vendedora no camelódromo de Porto Alegre. Sempre trabalhou no comércio e há cinco anos é sócia independente da loja de roupas Capricho, que possui confecção própria. Ela começou a trabalhar com 15 anos, após a separação dos pais, para auxiliar na renda familiar. Como se achava muito comunicativa, se direcionou para o comércio. Saiu do emprego de vendedora para, com uma amiga, abrir a loja – mais conhecida como box – no camelódromo. Ela acredita que é importante estar dentro da lei, ao contrário de muitos que trabalham de forma irregular e, quando ocorre revista policial, LARYSSA SALENAVE DA SILVA precisam sair correndo. Como o box é pequeno, ela consegue se relacionar com facilidade com seus clientes. “Isso aqui é um grande jornal, não precisamos sair em nenhum momento para saber o que se passa no mundo”, diz, rindo. Os principais problemas para quem trabalha no camelódromo, em sua opinião, são a Giane: “Temos que trabalhar com o que amamos” falta de segurança e,


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LUPA / UNISINOS / PORTO ALEGRE / JUNHO 2015

Os segredos da fabricação da hóstia

O pão ázimo, consumido nas igrejas da Capital, é fabricado em empresas paulistas ALESSANDRO SASSO

RAFAEL MARTINS

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e todas pessoas que vão ao encontro de Deus na missa, poucas sabem o significado, o sentido e o processo de consagração da hóstia, além de não saber a procedência dela. O padre Querino José Ludwig, da Igreja Divino Espírito Santo, zona norte de Porto Alegre, conta que as hóstias são industrializadas por empresas de São Paulo. Tanto o pão quanto o vinho são considerados hóstias, corpo e sangue de Cristo. O pão ázimo é feito apenas de farinha de trigo e água e tem receita simples. A massa é colocada entre duas chapas, fazendo com que saia de forma muito fina. A mistura se torna um pão puro, representando o corpo de Cristo. Ele não leva fermento pois, dessa maneira, pode-se levar comida aos mais distantes, sem mofar, durando mais tempo. A partir daí, é cortado em vários pedaços, de diferentes formas e tamanhos, mas sendo apenas de caráter estético. Atualmente, o pão ázimo se

Segundo o Padre Querino, as hóstias duram até cinco meses

tornou algo altamente industrializado, produzido em grandes empresas do estado de São Paulo, que possui um grande maquinário, e enviado para Igrejas de todo o país. O produto vem embalado em caixas fechadas, com variadas quantidades e de diferentes tamanhos. Algo que é muito diferente do passado, quando as paróquias eram responsáveis pela fabricação desses

pães. A mudança se deu a partir do Concílio Vaticano Segundo, que conforme o padre Querino José Ludwig foi um momento de reflexão global da Igreja sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo. O pão pode durar até cinco meses, por conta da pureza, e porque não possui conservantes. Após virar “corpo de Jesus”, deve ser guardado no sacrário,

para oração e para levar aos doentes. Depois disso, se estragar, deve ser feito um processo de dissolução da hóstia em água e ser colocada em plantas. O momento de comungar a hóstia é algo especial para os católicos. Como é considerado corpo e sangue de Cristo, não pode ser recebida das mãos de qualquer pessoa. No passado, Jesus determinou que apenas os 12 apóstolos ficariam encarregados de levar o “corpo e sangue” para as comunidades. Mas, com o crescimento dessas comunidades, os apóstolos foram delegando outras pessoas para ajudar no cumprimento dessa missão, os Bispos. Hoje temos a figura do Padre, sendo colaboradores dos apóstolos. Quando se fala de “corpo e sangue” de Cristo, toca-se em um ponto sagrado da história. Existem muitos detalhes e acontecimentos anteriores que possibilitaram chegar ao que se tem hoje. Muitos processos foram e devem ser seguidos, para que se mantenha o sentido de comungar o corpo de Jesus, fazendo com que viva em comunhão com ele.

Curiosidades l A palavra hóstia vem do latim e é uma expressão usada para sacrifício. Nas guerras romanas, aos soldados que eram vítimas de agressões inimigas, defendendo o imperador e a pátria, eram chamados de “hóstias”. Para o Cristianismo, Jesus fez o mesmo pelo seu povo, se sacrificando por eles, recebendo assim a expressão hóstia como parte do seu corpo. l Pão e vinho só viram hóstia após serem consagrados durante a missa. O pão tem que vir com atestado de que não contém fermento em sua composição. Além disso, não pode ser usado qualquer tipo de vinho, ele tem que ser de uva canônico, especiais para a Igreja, que são mais licorosos, e certificado que é vinho de verdade.

Um motorista diferente em Porto Alegre Há 29 anos, Jacir Carbonera, 55 anos, acorda cedo, sai de Canoas e vai para a Estação Mercado, em Porto Alegre, para começar a rotina de trabalho. Em uma sala para condutores de metrô, ele encontra colegas e pega a escala. Em seguida, caminha até um terminal, onde espera o metrô estacionar para entrar na cabine. Em uma viagem de quase 50 minutos em uma sexta-feira, o metroviário é um profissional solitário. Mesmo assim, tem histórias repletas de dedicação. O condutor tem grande responsabilidade, maior até que a de um piloto de avião, afinal, passam uma média diária de 200 mil usuários pelos vagões do trem que pilota. A Trensurb foi criada no ano de 1980 e Jacir entrou para a empresa em 1986. “Eu trabalhava como bancário. Aí, abriu o concurso para metroviário. Fiz e passei. Eu achei que seria melhor por causa da estabilidade”, explica. Para se tonar um operador de trem, após ser aprovado no concurso e fazer o teste psico-

técnico, Jacir fez curso teórico de três meses e prático de um mês, fornecido pela empresa. Cabelos grisalhos, óculos de grau. Desde o primeiro momento que soube que daria uma entrevista, já disse sorrindo: “Peraí, que vou passar o número da minha conta.” Assim foi a viagem, cheia de emoção e risos. De Porto Alegre, na estação Mercado, até chegar no fim da linha, em Novo Hamburgo, Jacir pilota o metrô sempre com muito cuidado e preocupado com os passageiros. “Estação terminal Novo Hamburgo. Desembarque pelo lado esquerdo. Tenha um bom dia!”, anuncia. Durante o trajeto, ele revela que adora a profissão e diz que não a acha solitária. “Como faço sempre o mesmo horário, os passageiros passam aqui na minha janela, dão bom dia, perguntam ‘como é que tá’. Às vezes reclamam de atrasos, mas nada grave.” A rotina da profissão é feita com escalas, em que trabalha quatro manhãs, duas noites e quatro folgas. “É o mesmo caminho, mas a rotina não é sempre igual. Faço tudo isso

TINA BORBA

BRUNA FERNANDES

um ótimo metroviário, piloto de metrô, maquinista, operador de trem, indiferente qual seja o nome correto. O importante é que ele sabe a grande profissão que exerce. Uma atividade que até pode ser invisível, mas que é admirável e encantadora. UM DIA TRISTE E DOLORIDO

Jacir transporta em média 200 mil pessoas por dia

com muito prazer”, conta, feliz e emocionado. Quando o metrô chegou na estação Mathias Velho, em Canoas, um gesto o surpreendeu. Um senhor de idade e com deficiência visual estava acompanhado de um funcionário da empresa, que avisou: “Bom dia! Ele vai descer na estação São Luís”. Assim, o piloto avisou o Centro de Controle Operacional sobre o passageiro especial. Chegando na estação programada, havia

outro funcionário aguardando para receber o usuário cego. “Tenho orgulho em trabalhar em uma empresa em que considera a segurança muito importante para mim e para os usuários”, comenta Jacir. O condutor diz se sentir bem por levar as pessoas para casa, para o passeio, para o trabalho. “É muito bom fazer parte disso.” Sempre preocupado, falando muito sobre a segurança dos passageiros, Jacir é exemplo de

Dez de outubro de 1992. A data ficou marcada na vida de Jacir. Ele pilotava o metrô rumo a Porto Alegre. Próximo à estação Esteio, atropelou um homem. Na época com 32 anos, Jacir entrou em choque. A vítima também tinha 32 anos e morreu na hora. “No trecho eu estava a 70 km/h. Então, quando eu fiz a curva e vi a pessoa, tentei frear. O sistema de freio era antigo e, mesmo aplicando toda a força, demorou muito para parar”, relata, com tristeza. Após o atropelamento, o trem parou e a viagem foi cancelada. A vítima, que sofria de problemas psicológicos, pulou o muro de proteção do metrô e se atirou contra o trem.


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Projeto acolhe mais de 500 pessoas Pensão completa é oferecida a familiares de pacientes do interior do Estado FOTOS RENATA SIMMI

KALLEB FRANÇA

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om o objetivo de acolher familiares de pessoas do interior do Estado que são internadas nos hospitais Conceição, Criança Conceição e Cristo Redentor, a Igreja Brasa Zona Norte criou, em 30 de setembro de 2013, a Casa de Acolhimento Apascentar. O projeto, que já atendeu mais de 500 pessoas é mantido pela igreja e por doações. Neli Maria de Mello, coordenadora da casa, mora no local desde da abertura. “Quando o pastor disse que eu podia morar aqui, doei minhas coisas, fiquei com meu quarto, minha geladeira e uns armários que trouxe pra cá. Abri mão de tudo para morar aqui e ajudar estas pessoas”, conta. Os pacientes geralmente não têm previsão de alta. Com isto, os acompanhantes não tem onde ficar durante o tratamento e não são contemplados com um leito. Por vezes, chegam a passar meses dormindo na recepção do hospital ou até mesmo na rua. A Casa oferece pernoite gratuita, quatro refeições por dia, roupa lavada e local para banho. A comida é preparada com cuidado e os alimentos selecionados dentro de uma dieta balanceada. Os dormitórios bem arrumados, banheiros limpos e sala com televisão a cabo para momentos de descontração. Para aliviar a tensão, oficinas de teatro, artesanato e crochê são oferecidas. O momento que elas vivem é delicado e muitas desembarcam em Porto Alegre, sem conhecer absolutamente nada da cidade, não sabem se retornaram com seus familiares vivos, não sabem onde ficar e nem para onde vão. Mas tem uma certeza, dormiram na recepção do hospital ou na rua. “Eu vim na fé, ia ficar na rua. Não conhecia ninguém. Fui encaminhada para casa, pela assistente social. Cheguei aqui e fui recebida com um sorriso. Um abraço. Me deram uma cama para dormir. Eu estou até

Acolhidos pela Casa Apascentar recebem quatro refeições por dia e hospedagem

pensando em ficar por aqui”. Relata, emocionada, Ester Open, de Santiago do Sul, que está com o pai internado no Hospital Conceição, com parte do corpo queimado, pois sofreu um acidente com produtos químicos. Os acompanhantes sentem-se em casa, e muitos deles fazem questão de permanecer no local para ajudar. Alguns, após a conclusão do tratamento dos familiares, voltaram para as cidades, mas se comprometeram em ser voluntários no local. A outra pessoa responsável pelo local, é Fernanda Muller. Ela compreendeu a necessidade e dedica a maior parte do seu tempo na organização do local e no apoio aos familiares. “O mínimo que eu poderia fazer, era estar servindo as pessoas”, afirma. Não há apoio financeiro da Prefeitura de Porto Alegre, que reconhece o trabalho e dá legitimidade, porém não há investimento previsto. Para ser acolhido, é necessário passar por uma avaliação do Serviço Social

da respectiva unidade hospitalar. A Casa de Acolhimento Apascentar funciona os sete dias da semana e está localizada na Rua Antônio Joaquim Mesquita, 317, Bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre.

Lupa – Você esteve doente também? Neli – Sim eu tive câncer de mama, fiz quimioterapia e radioterapia. O tratamento foi bem difícil, eu fiquei bem ruim. E Deus me curou. Lupa – A igreja tinha algum recurso para a abertura da casa? Neli – Não, nossa igreja investe tudo em projetos sociais. Pensamos: “Como vamos fazer isso?”. Começamos a orar, e as pessoas se sensibilizaram. As doações chegaram, móveis, utensílios domésticos, panelas, geladeira e máquina de lavar roupas... ganhamos tudo, e ofertas em dinheiro também. Lupa – Você recebe incentivo financeiro? Neli – Não recebo dinheiro, é um trabalho voluntário. Eu gosto muito. Nas minhas folgas fico tão envolvida que não quero sair. Acabo ficando aqui. Eu moro aqui me desfiz da minha casa, doei uns móveis, trouxe outras coisas pra cá. Abri mão de tudo, minha vida hoje é aqui.

ENTREVISTA Neli Maria de Mello, coordenadora da Casa de AcolhimentoApascentar:

Neli Maria de Mello

Lupa – Como surgiu a ideia da casa? Neli – Surgiu quando fazíamos o projeto amor nos hospitais e vimos pessoas dormindo nos bancos duros e no chão. Isto nos comoveu muito.

Lupa – Neste período de um ano e meio, qual a história te marcou mais? Neli – Tem uma irmã de Canela. Ela ficou aqui um ano e três meses, o netinho dela tinha câncer e foi operado doze vezes. Lutou muito pela vida, mas faleceu. Isto nos marcou muito foi muito forte.

Lupa – E durante esse um ano e três meses, se não tivesse esta casa, onde ela dormiria? Neli – Na rua ali. Na frente do hospital. Ela já estava a uns dias dormindo na rua.

Olhos atentos vigiam as madrugadas O dia acaba e, enquanto a maioria das pessoas retorna para casa, os vigilantes noturnos tomam seus postos para começar a jornada de trabalho. Com a crescente violência e a sensação de insegurança, surge a necessidade de mais aparatos de segurança, como câmeras e alarmes. À noite, enquanto todos dormem, os vigilantes noturnos tomam conta de patrimônios e vidas. O papel é vigiar, e, além disso, proteger, relata o vigilante Álvaro dos Santos Martins, que há cerca de dez anos trabalha no turno da noite. “A maioria das pessoas não sabe, ou não dá bola, mas o vigia é o primeiro alvo dos bandidos,

e é o papel de quem está aqui proteger quem dorme”, afirma. Para se tornar um vigilante noturno o indivíduo precisa de treinamento adequado e ser cadastrado, não apenas no sindicato, mas na secretaria de segurança pública do município. Aqueles que usam arma em serviço precisam de autorização da Polícia Federal, e apenas a arma da empresa pode ser usada um serviço. O piso salarial da categoria é de R$ 1.119,80, mas o salário varia de acordo com as horas trabalhadas. Se há o uso de arma em serviço, além do adicional noturno e do risco de vida, há acréscimo no valor. Segundo o vigilante noturno Thales Przibilski, 25 anos, a

CASSIO CAMARGO

NATHALIA AMARAL

Thales Przibilski faz turnos de 12 horas todas as noites

importância do trabalho está em garantir a tranquilidade das pessoas. “É uma sensação de

responsabilidade, pois as pessoas confiam em nós, por isso garantimos a tranquilidade e a

segurança de quem dorme, ou a integridade de patrimônios”, afirma. Todos os dias Thales entra em serviço as 19h, reveza as noites entre dois condomínios no bairro Rio Branco. São doze horas de serviço noturno todos os dias. Para ele, a maior dificuldade é não dormir à noite. “É difícil de se acostumar com a falta de sono noturno, mas tenho tempo para alguma atividade diurna”, comenta. Durante a jornada de trabalho acontecem algumas situações incômodas. As vezes algumas pessoas confundem os vigilantes com porteiros, um equívoco comum. “Uma vez fui xingado de porteiro por um amigo bêbado de um morador’, relata Thales Przibilski.


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Web mostra o rosto das vozes do rádio

Após surgimento da internet, é comum ouvintes conhecerem identidade dos locutores

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invento da internet mudou a relação dos ouvintes de rádio com os apresentadores e locutores. Até o final dos anos 1990, radialistas eram conhecidos pela voz. Ela dava o tom das reportagens, das narrações esportivas, dos comentários, das notícias e das novelas. Domingos Martins, radialista da Rádio Gaúcha há 29 anos, relata que ser reconhecido pelo trabalho que faz ou fez até agora é muito recompensador. O profissional é a voz líder da emissora e está em mais de 90% das vinhetas e chamadas. Questionado sobre o advento da internet e se as redes sociais modificaram a relação com o ouvinte ele responde: “As pessoas nos descobriram e acham isto maravilhoso. Eu dou o meu exemplo, eu sempre tive curiosidade de saber quem estava por trás de algumas vozes, e graças à internet e às redes sociais, estou conseguindo”. Eduardo Gabardo, repórter e apresentador da mesma emissora, relata uma história: “Eu fui trocar a pulseira do meu relógio em uma loja, o atendente ficava com o rádio ligado o dia todo, quando eu entrei ele estava de cabeça baixa. Quando eu falei o que precisava, ele levantou a cabeça e disse: Eduardo Gabardo! Ou seja, me conheceu apenas pela minha voz. Hoje não

WILLIAM SZULCZEWSKI

LEONARDO HOLDERBAUM

LEONARDO HOLDERBAUM

KALLEB FRANÇA

Domingos Martins (esq.), Antonio Carlos Niederauer e Eduardo Gabardo: antes reconhecidos apenas pela voz, radialistas agora são identificados pela fisionomia, graças à internet

acontece mais isso, até por causa da internet. Quem trabalha em rádio deixou de ter o rosto desconhecido”, lembra. É fato que a internet se tornou um concorrente do direto do rádio. Porém, as emissoras souberam se adaptar e utilizar a rede para catapultar programas, aproximar locutores dos

ouvintes e mostrar as faces do rádio para que todos possam ver. É comum,o público entrar em sites das grandes emissoras e ver os profissionais estampando capas de blogs, matérias e até ações comerciais. Uma das vozes mais conhecidas do Rio Grande do Sul é a de Antonio Carlos Niederauer.

O radialista trouxe as notícias do Correspondente Ipiranga Rede Gaúcha Sat por muitos anos. “Durante um período com a voz as pessoas acabam te reconhecendo. A imagem é desnecessária. Tu pegas um táxi e as pessoas te conhecem. Mesmo tendo apresentado o Jornal do Almoço em 1972, sou mais conhecido

pela minha voz”, conta. A curiosidade dos ouvintes permanece, porém, hoje em dia, é muito mais fácil descobrir a fisionomia destes profissionais. Fica claro que a internet facilita mas não tira a grande característica do rádio, fazer o uso da voz para que o ouvinte possa imaginar o que está acontecendo.

Artistas vivem de arte no Centro Ao andar no centro de Porto Alegre, muitas vezes distraído, não se percebe a existência de grandes artistas que ali se encontram. De grupos musicais a obras de arte, os trabalhos expostos nas ruas contam com a apreciação do público para seguir em frente e ganhar vida. A Praça da Alfândega é um local liberado para artistas. É onde Toni Ribeiro, 48 anos, pintor há 34, expõem seus trabalhos. Ele trabalha há 10 anos no mesmo local e relata que consegue viver bem, apenas com a venda das artes. “Normalmente, as pessoas que vêm aqui compram para decorar o escritório ou a

casa”. Além disso, acredita que tenha obras suas espalhadas pelo mundo. “Tenho obras em todos lugares, pessoas do interior e de fora, como dos Estados Unidos e até no Canadá”, conta o artista. Na Esquina Democrática, a banda Atraque Certo leva som às ruas da Capital. O nome se deve aos atraques diários de policiais, por causa da música, que incomoda os moradores. Mesmo tendo alguns problemas com a “vizinhança”, a banda, que toca estilo hardcore, comemora sua aceitação. “As pessoas param pra curtir teu som e te aplaudem depois. Isso vale mais do que tudo”, conta Pietro. Pietro, 27 anos, guitarrista, que toca há cinco anos pelas

JUAN GOMEZ

RAFAEL ACOSTA

Toni Ribeiro expõe suas obras há dez anos no mesmo local

ruas, foi o criador da banda. Juntou-se com o baterista Fernando, 34 anos e o cão Santo Daime, como mascote, e foram levar música para o centro de Porto Alegre. Para eles, que tocam há dois anos juntos, o que importa é o reconhecimento do público e eles acreditam que conseguem sobreviver com os shows. Futuramente, a banda ganhará um vocalista, Alexandre, 20 anos. Mesmo tendo reclamações pelo som alto, fazendo com que parem de tocar, quem passa pela Atraque Certo, tem motivos para ser atracado pelo som: “muitos gostam, curtem o som e essa é a nossa mensagem”, conta Alexandre.


LUPA / UNISINOS / PORTO ALEGRE / JUNHO 2015

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Um haitiano que ama Porto Alegre Há nove anos, Alix Georges saiu do Haiti para estudar e morar na Capital

PRECONCEITO EXISTE, SIM

BRUNA FERNANDES

A

lix Georges, 33 anos, veio da cidade de Marchand Dessalines, no Haiti, e mora em Porto Alegre há nove anos. Em 2006, ganhou uma bolsa integral para estudar na faculdade e se formou em Engenharia de Computação. Junto com mais 11 haitianos, ele se mudou para a Capital. Após se formar, conseguiu emprego e não voltou mais para a cidade natal. Depois da graduação, o haitiano cursa mestrado de Administração na UFRGS e também canta. “Canto zouk, que é a música folclórica no Haiti”. Além da carreira de cantor, Alix também é produtor e criou em 2013 a Festa Latina em Porto Alegre. “Quando eu cheguei aqui não existia este tipo de festa. Estou pensando em levar para Florianópolis também”, conta o imigrante. Em 2014, quando vários haitianos foram mandados do Acre para Porto Alegre, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos conseguiu o contato com Alix pela Defensoria Pública da União. “Eu sempre contribuo com os imigrantes. Eu ajudei a receber os haitianos, e eles se sentiram mais seguros com a minha presença”, relata. Um dos sonhos dele é construir uma associação para amparar pessoas que chegam ao Brasil. “Será um centro de apoio para os imigrantes negros”, explica o haitiano que busca e luta pela

Uma resposta rápida e sem pensar. Foi assim que Alix, um negro com cabelos crespos, respondeu se sofre algum tipo de preconceito. “Sofro todos os dias, mas isso não me afeta”. Ele diz que tem orgulho de ser negro e imigrante. Aqueles que um dia lhe insultaram hoje são seus amigos. Alix explica que processar a pessoa preconceituosa não é o melhor caminho, porque isso faz com que ela tenha mais ódio. VOLTAR PARA CASA

Haitiano faz mestrado na UFRGS e se apresenta em bares

igualdade e pelo respeito com os estrangeiros. Diferente de alguns imigrantes, que vêm em busca de emprego e sem saber onde irão ficar, Alix chegou ao Brasil com tudo pronto. A faculdade que lhe deu a bolsa de estudos também lhe deu moradia, comida e roupas. Ele lembra que passou muito frio quando chegou no Rio Grande do Sul, e com a ajuda das pessoas, recebeu roupas doadas. Quando se fala em dificuldades, logo ele lembra sobre o terrível inverno. “Lá no Haiti é 40ºC todos os dias. Eu cheguei aqui só com uma blusa e fazia 5ºC

em Porto Alegre. Continuo não gostando de frio”, conta rindo. O idioma oficial do Haiti é o crioulo e o francês. O rapaz lembra que a comunicação também foi uma dificuldade, mas não a pior, pois já falava espanhol. Antes de entrar na faculdade, o haitiano fez um curso intensivo de português durante seis meses. Depois de quase dez anos na Capital, seu sotaque é muito presente. “É meu charme. Eu gosto de falar assim, e tem vezes que digo “Bah!” quando estou falando em crioulo com meus amigos haitianos”, brinca Alix.

Diferentemente de alguns imigrantes que sonham em trazer as famílias para o Brasil, Alix quer muito voltar para o Haiti. “Muitas pessoas são qualificadas aqui e, por isso, o salário é menor. A concorrência é muito grande. No Haiti posso conseguir um emprego que eu ganhe bem pelo que eu sou”, explica o haitiano que não vê a hora de voltar para seu país. Divertido e alegre o tempo inteiro, ele elogia os brasileiros dizendo que são hospitaleiros. “Se você chega ilegalmente em outro país, eles não querem saber, te mandam embora. Aqui não. Aqui o Brasil acolhe”, afirma contente. E admira demais o orgulho que o brasileiro e o gaúcho tem. “Quero levar isso para os jovens do meu país. Ensinar o haitiano amar ser haitiano. Ter orgulho de ser negro”.

Os sabores da vida de um pizzaiolo Todos os dias centenas de trabalhadores encaram uma rotina dura de trabalho. Na maioria das vezes, ninguém os vê trabalhando, mas consomem o seu trabalho. Nas cozinhas dos restaurantes, a rotina é corrida e não há tempo para dar uma olhadinha no salão para ver quem come a comida. Ainda assim, a sensação é de dever cumprido, segundo Teresa Pereira, 49 anos, há 20 anos trabalhando como cozinheira. “Sempre gostei de cozinhar e de ver as pessoas comendo a minha comida, aqui a gente não vê quem come, mas é bom saber que eles gostam”, relata.

Todos os dias Teresa chega no restaurante por volta das 8h e com o restante da equipe começa o processo de preparo do buffet que serve cerca de 350 pessoas diariamente. “É cansativo, mas é a profissão que escolhi e eu amo fazer isso”, afirma. Everson Santos, 20 anos, pizzaiolo há pouco mais de um ano, começa a rotina por voltas das 18h de terça a sábado. Assim que chega começa a preparar os ingredientes, os queijos, tomates e o restante necessário. O molhos são preparados durante a tarde pela cozinheira e assim que chega ele os coloca no pequeno buffet com o que precisa para fazer as pizzas. Além de

GABRIELA SCHNEIDER

NATHALIA AMARAL

Everson Santos é pizzaiolo há pouco mais de um ano

prepará-las para o consumo no local, o pizzaiolo também atende a pedidos externos. “É legal saber que gostam da minha pizza, mesmo não sabendo quem come”, diz. “Aqui eu posso ver o pessoal comendo, se gostam ou não, é legal”, completa. Antes de sair de São Luiz Gonzaga, no interior do Estado, Everson ainda não tinha trabalhado no ramo. “Eu aprendi a fazer pizza quando comecei a trabalhar aqui, e é uma boa profissão”, relata. Aos 19 anos veio para a Capital por indicação de um amigo de infância que trabalhava no local, deixou família e amigos. “Não sabia se ia dar certo, mas aproveitei a oportunidade”, revela.


LUPA ENSAIO FOTOGRÁFICO O Centro e a margem RENATA SIMMI

A

ocupação Saraí fica no Centro de Porto Alegre, vizinha ao Cais Mauá, no coração da cidade. Lá dentro, nenhuma família é esquecida ou tratada com indiferença. O funcionamento é comunitário. Todos possuem voz, direitos, deveres e importância na busca pela conquista da moradia, que é tema central em suas vidas. Porém, mesmo estando em um local de movimento considerável, seus ocupantes estão à margem. Por que preferem a segurança da porta de ferro e de um cadeado na entrada do prédio como medidas necessárias para conter os perigos da rua – a violência ou o despejo, ou por que, de vez em quando, precisam sair na madrugada para colar os cartazes apelando aos outros cidadãos de Porto Alegre apoio à luta pela conquista de moradia digna. Também estão à margem quando têm suas demandas negadas, suas lutas estereotipadas. Quase curiosamente, a ocupação Saraí fica em um local bastante conhecido, com histórias que marcam a capital. Isso não é suficiente para tornar visíveis seus moradores ou suas lutas na busca de um lar.


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