Especial
As origens do Bom Fim BOM FIM
25 anos
Por que caem as árvores na Redenção? Leia na pg 3
Ciclovia sai do papel
O
projeto da ciclovia na Vasco da Gama está atrasado. Agora, porém, a EPTC garante: as obras começam em novembro e num prazo de 30 dias a via estará implantada. É um trajeto pequeno, mas tem uma importância estratégica no circuito de ciclovias de Porto Alegre. “Agora se configura uma rede, porque ela vai conectar outros trechos que es tão isolados “, diz o arquiteto Antonio Carlos Vigna, gerente de Projetos e Mobilidade, da EPTC .A ciclovia atravessa toda a avenida Vasco da Gama/
José Otão, com dois ramais – na João Teles e na Barros Cassal. No total serão 1,8 km de via percorrendo todo lado esquerdo no sentido do tráfego da avenida. No dia 24 de setembro, a EPTC conseguiu fazer uma reunião na Associação Israelita para apresentar à comunidade a Ciclovia do Bom Fim, a Rede 1 do programa cicloviário de Porto Alegre. Tinha pouca gente, a maioria ciclistas, cuja militância não descuida. Da comunidade, apenas os freteiros da rua Garibaldi foram saber o que
vai acontecer com o ponto onde estão há 40 anos, na esquina Osvaldo Aranha. Eles vão continuar, do outro lado da calçada. “Como as reuniões são abertas, muitos ciclistas acabam participando e a discussão acaba se repetindo sobre detalhes de projeto, mais que do que o possível impacto ao bairro. De qualquer maneira houve questionamento sobre o tipo de ciclovia, a questão dos estacionamentos, carga e descarga, além dos freteiros que estacionam na João Teles.
Cabral (24), Fernandes Vieira (25), Barros Cassal (26)
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Editorial
Voltamos U
m retângulo com oito quarteirões de comprimento, seis de largura, 35 mil moradores e uma população flutuante de cerca de 50 mil pessoas, atraídas pela estrutura de comércio, lazer e serviços. É o Bom Fim, “o mais vivo exemplo da efervescência urbana, da contradição das nossas cidades” – esse foi o espaço que escolhemos para testar um projeto de jornal de bairro, em outubro de 1988. Concebemos o jornal como um serviço que os anunciantes, especialmente os empresários que tinham seus negócios no bairro ofereciam à comunidade. “Primeiro Mundo É o Bairro”, este era o princípio. A proposta do jornal era levar aos moradores e aos frequentadores do bairro a única informação que não estava disponível em nenhum meio – a informação local, o que acontece na esquina. Os 25 anos que estamos comemorando dizem bem da receptividade que a proposta encontrou na comunidade. Dificuldades, que nada tem a ver com o jornal, atingiram nossa empresa e fomos obrigados a suspender sua circulação, desde o final de 2012. Não foi uma parada inútil. Aproveitamos para rever o projeto, avaliar os erros e os acertos para poder avançar. Agora estamos de volta. Queremos retomar não só as nossas origens, mas às origens do próprio bairro, até para entender o tamanho da mudança em que estamos metidos.
A equipe na redação em 1988
Expediente O JÁ Bom Fim é uma publicação de Jornal JÁ Editora Editor: Elmar Bones Reportagem: Elmar Bones, Patrícia Marini, Naira Hofmeister, Tiago Lobo
Redação: Av. Borges de Medeiros 915, conj 203, Centro Histórico CEP 90020-025 Porto Alegre/ RS Edição fechada às 22h do dia 29/10/2013
Contatos:
Fotografia: Arquivo Jornal JÁ, PMPA Diagramação: Tiago Lobo Comercial: Jovana Moreira Distribuição Gratuita
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(51) 3330-7272 www.jornalja.com.br jornaljaeditora@gmail.com jornaljaeditora jornal_ja
Caso JÁ é denunciado à Corte Interamericana
O processo que levou o Jornal JÁ à falência foi denunciado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) como “uma clara violação aos princípios constitucionais de liberdade de expressão e liberdade de imprensa”. A denúncia, protocolada no dia 10 de outubro, é de iniciativa da Artigo 19, organização internacional que atua no âmbito
da Organização dos Estados Americanos. Por reportagem publicada em maio de 2001, o jornal foi condenado a pagar uma indenização por dano moral à família do ex-governador Germano Rigotto. Sem conseguir pagar, o jornal foi enfrentando dificuldades crescentes, inclusive com bloqueio de suas contas e intervenção financeira, até sair de circulação. A edi-
tora, que além do JÁ, tinha outras publicações e mais de 40 títulos de livros editados, também foi obrigada a suspender suas atividades. A denúncia levada à CIDH aponta vícios e cerceamento de defesa no processo judicial que condenou o jornal e responsabiliza o Estado brasileiro pelos danos sofridos pela empresa e pelo jornalista Elmar Bones, autor da reportagem e editor.
Reforma do HPS só termina em 2014 A Secretaria da Saúde divulgou em outubro que 64% do cronograma da reforma do Hospital de Pronto Socorro está concluído. A primeira etapa foi entregue em agosto, quando o novo setor de emergência começou a funcionar. O atendimento seguirá restrito temporariamente, pois será fechada a outra parte para a reforma do setor de radioimagem. O HPS vem atendendo de 350 a 500 pessoas por dia. A previsão continua sendo que as obras da emergência estejam totalmente concluídas no primeiro semestre de 2014, incluindo a transferência das áreas de assistência e de exames de imagem para o pavimento térreo, para atender as determinações da Anvisa. Atualmente o hospital passa por reformas no bloco cirúrgico e na sala de recuperação pós-anestésica. Além da ampliação da ala de urgência e emergência e da construção da nova UTI, com dez leitos
JÁ com QR CODE
Parte da nova emergência funciona desde agosto
Bom Fim Urgente INFORME PUBLICITÁRIO
Prefeitura recorre ao IPT paulista para avaliar árvores
Porque as árvores caem em parque. Foi plantado na época porque cresce rápido (o governo preparava a exposição de 1935) e consome muita água, seria ideal para drenar o terreno alagadiço. Há cerca de uma centena deles no parque, todos septuagenários, a maioria concentrada no local onde se deu o acidente, junto ao cachorródromo. O guapuruvu também é inadequado para um terreno como o da Redenção, onde o lençol freático fica próximo à superfície. Ele tem uma raiz pivotante que precisa de solo profundo para dar firmeza ao tronco. A principal providência da SMAM será a contração de uma equipe do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo para fazer um diagnóstico de cerca de 150 árvores, a serem escolhidas conforme o porte e localização. Os técnicos
paulistas utilizarão aparelhos especiais, como resistômetro e tomógrafo para a análise interna dos vegetais. O trabalho do IPT deve começar em novembro.
Entre as dez maiores agências da Caixa A agência Bom Fim está entre as 10 mais movimentadas da Caixa Federal em Porto Alegre. Trinta e três mil transações (mais de mil por dia) foram feitas no auto atendimento, em um mês. Além da agência, que é uma referência na avenida Osvaldo Aranha, a rede de atendimento da Caixa no bairro Bom Fim dispõe de duas Unidades Lotéricas,
seis Correspondentes CAIXA AQUI, dois quais um é transacional (recebe e efetua pagamentos), e por cinco terminais de autoatendimento (dois no HPS, um Hospital de Clínicas, no São Jacó e no Spinelli). A mais movimentada da rede da Caixa na capital é a agência Rua da Praia. Ali foram feitas mais de 64 mil operações no auto-atendimento em um mês.
Nesta área, somente neste ano, já foram realizadas mais de 220 ações educativas em escolas, estações de ônibus, vias de intenso fluxo, associações comunitárias e empresas, com o objetivo de multiplicar uma mensagem de paz no trânsito. A Equipe de Educação é formada por um grupo multidisciplinar, integrado por agentes e apoiado por professores, técnicos e outros profissionais que, em conjunto, desenvolvem e disseminam o conhecimento na área de gestão da mobilidade e educação para o trânsito.
Administrador abalado A morte do juiz Lenir Heinen, de 64 anos, atingido por um eucalipto, foi considerada uma fatalidade pelo inquérito policial que apurou as causas da queda. Não havia qualquer sinal externo de que a árvore poderia cair. Nem por isso o acidente deixou de abalar o administrador do parque, o agrônomo Paulo Jardim, a ponto de influir na sua transferência para a área de Licenciamento da SMAM. “Não foi a causa determinante, mas influiu. Fiquei realmente muito abalado”, disse ele ao JÁ. Ele deixou o cargo no dia 23 de outubro.
EPTC realiza ações no Dia do Pedestre
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) trabalha para qualificar a mobilidade urbana de Porto Alegre em defesa da vida e do desenvolvimento sustentável. A EPTC desenvolve ações de planejamento, implantação e conservação de estratégias de engenharia de trânsito, apoiadas em atividades permanentes de educação para o trânsito.
Uma das principais ações da EPTC está voltada aos pedestres que, reconhecidamente, representam o lado mais frágil nas relações do trânsito. Além das abordagens educativas, também estão sendo reforçadas ações de fiscalização e monitoramento na cidade, como a intensificação da presença do radar móvel nos corredores de ônibus e nas avenidas de grande movimento. O objetivo é reduzir o número de atropelamentos e preservar vidas.
Anselmo Cunha/PMPA
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queda de um eucalipto de 20 metros que matou uma pessoa e deixou dois feridos na Redenção, no dia 31 de agosto, alertou a prefeitura para a necessidade de melhorar o controle das árvores do parque. Um mês e pouco depois outra queda, causou novo susto desta vez um guapuruvu de 14 metros, que ao tombar, derrubou uma cerejeira,um ligustro e um eucalipto, mas não feriu ninguém. “Este é um parque da terceira idade”, diz o novo administrador, agrônomo Celso Waldemar Kopstein, explicando que a arborização do parque (que era um banhado) se deu entre 1930 e 1940. Boa parte das árvores, portanto, tem em torno de 70 anos. Há também o plantio inadequado de muitas espécies. O eucalipto, por exemplo, hoje não se planta mais
Anselmo Cunha/PMPA
EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO: CONVIVER PARA VIVER MELHOR.
Ciclovias ganham mais espaço na cidade
Todo mundo é responsável por um trânsito mais seguro. Abaixo, algumas dicas de segurança no trânsito para todos os públicos:
• Pedestre: atravesse sempre na faixa. Ela foi criada para proteger você. • Motociclista: usar o capacete pode salvar a sua vida. • Ciclista: para a sua segurança, trafegue à direita no mesmo sentido dos carros, na faixa mais lenta. • Motorista: nunca saia antes de colocar o cinto. E não use o celular no trânsito.
Editado pelo Gabinete de Comunicação Social da Prefeitura de Porto Alegre
www.portoalegre.rs.gov.br • twitter: @nossa_poa
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Araújo Vianna
Prefeitura paga para usar Por Naira Hofmeister
U
m parecer conjunto do Ministério Público de Contas e da Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre aponta indícios de irregularidades na exploração do Auditório Araújo Vianna pela Opus Promoções. O documento, de 16 de setembro de 2013, constata que a concessionária está cobrando taxas do município a cada atividade pública realizada no espaço. A cobrança seria para cobrir gastos com manutenção, conservação, limpeza e segurança interna e externa do auditório, “quando há previsão expressa de que tais responsabilidades são da permissionária”. Os auditores apuraram a existência de pagamentos de até R$ 10 mil a cada utilização pública do Araújo Vianna. O secretário Roque Jacoby diz que os valores pagos à Opus não foram para ressarcir serviços previstos no contrato, mas sim para bancar a estrutura de iluminação dos espetáculos públicos que lá ocorreram. “A Opus tem as justificativas, mas eu não tenho como expô-las”, observa o secretário. Ele informa que “quando recebemos as recomendações (do Ministério Público), encaminhamos para a Opus um documento solicitando que manifestassem os esclarecimentos”. Contatada pela reportagem, a Opus optou por manifestar-se através de uma nota. “A Opus orgulha-se de ter investido na reforma do Auditório Araújo Vianna e tê-lo devolvido à comunidade absolutamente recuperado, após dois anos de obras e R$ 18 milhões aplicados. A área jurídica da empresa está em busca de informações para compreender e atender todas as demandas do Ministério Público e da Prefeitura, mas entende que não houve descumprimento de qualquer cláusula do termo firmado”, diz o texto, assi-
Ministério Público quer explicações sobre o uso do auditório
nado pelo presidente da empresa, Carlos Konrath.
Prefeitura abre mão dos dias a que tem direito Pelo contrato, o município tem direito a utilizar o espaço durante pelo menos 90 dias ao ano. Esse foi um importante argumento para justificar a concessão do Araújo à Opus, em 2007. No primeiro semestre de 2013, no entanto, a prefeitura ocupou o espaço em dez ocasiões apenas, para eventos públicos. O atual titular da pasta da Cultura, Roque Jacoby, alega que não há recursos para contratar espetáculos “para um público expressivo, como requer o Araújo Vianna”. Ele explica que “os dias disponíveis para a Secretaria não são obrigatórios que utilizemos”. Para a Procuradoria do Patrimônio Público o pouco uso do auditório está associado justamente à cobrança de taxas. A cobrança, avalia o parecer, “configura potencial enriquecimento
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sem causa e inibe a própria administração de fazer uso de um bem que é seu”. A vereadora Sofia Cavedon (PT), que fez a denúncia ao MP, lembra que a Orquestra Villa-Lobos, formada por crianças da Vila Mapa, pediu ao município um espaço para apresentações mas ninguém se lembrou do Araújo Vianna. “Ora, se tem algo que poderia ocupar esses dias que a Prefeitura dispõe é uma agrupação escolar como esta”, conclui. Em seu relatório, o MP critica o secretário: “As respostas fornecidas pelo Senhor Secretário Municipal da Cultura deixam materializado o desconhecimento sobre o teor do contrato com a Opus e evidenciam a ausência de medidas efetivas e eficazes por parte da administração pública visando ao cumprimento do Termo de Permissão”.
Cpers gastou R$ 40 mil para realizar evento Além de apontar possíveis pagamentos irregula-
res da prefeitura de Porto Alegre para a Opus, a recomendação conjunta do Ministério Público de Contas e da Procuradoria Estadual em Defesa do Patrimônio Público elenca outros problemas na administração da concessão. A sublocação para terceiros e a realização de atividades que não tem fins culturais e artísticos, são dois pontos do relatório. “Ao menos em duas ocasiões, em março e julho, o auditório foi locado para o Cpers-Sindicato, ao preço de R$ 40 mil cada evento. E há diversos shows realizados por outras produtoras”, diz a vereadora Sofia Cavedon (PT). Outra questão é que, ao conceder o Araújo Vianna à iniciativa privada, o município fez constar no Termo de Permissão de Uso que seguiria utilizando diversas salas no local, inclusive para sediar a Banda Municipal. “O Araújo foi construído para abrigar a Banda Municipal e agora ela virou mambembe”, diz a vereadora. O secretário Roque Jaco-
by avalia que a banda não tem condições de ensaiar no local, pois a agenda do Araujo Vianna inclui atividades diurnas que sofreriam interferência do som. E projeta uma reforma e ampliação no teatro Túlio Piva para ser transformado na nova casa dos músicos. Quanto ao uso ordinário de salas dentro do auditório, Jacoby diz que é uma questão de sinalização. “Nós já temos os locais disponíveis, mas agora vamos colocar placas, deixar tudo bem definido”. Por fim, é apontada como irregular a “exploração de naming rights” pela Opus Produções, que acrescentou ao nome tradicional do espaço, que é tombado pelo patrimônio histórico e cultural – Auditório Araújo Vianna – a marca da telefônica Oi. O secretário Roque Jacoby afirma que tudo vai ser resolvido da melhor maneira possível. “Estamos atentos ao espaço, é um motivo de orgulho para nós e para a cidade da forma como está. Não pretendemos prejudicar ninguém, mas vamos definir as coisas para que haja uma gestão tranquila daquele espaço”, conclui.
Secretaria quer mudar o contrato O secretário municipal da Cultura, Roque Jacoby, diz que a prefeitura já tinha se dado conta de que há pontos a corrigir na relação com a Opus. Os equívocos, na opinião do secretário, estão no próprio termo de concessão para a produtora, que teria “muitas indefinições”. “Desde que assumi temos tido muitas reuniões com a Opus no sentido de fazer adaptações no edital que foi feito e no contrato de gestão que existe. Há muitas coisas que precisam ser definidas para que haja uma tranquila gestão da Opus daquele espaço. Estamos atentos, buscando preencher o que não foi previsto”, revela.
Especial
As origens do Bom Fim
A Av. Osvaldo Aranha na década de 1920, quando ainda estava sendo calçada.
No meio havia um caminho N
o princípio, era uma estrada rural, um caminho natural, por onde se podia entrar ou sair do povoado que era a Porto Alegre dos idos de 1800. Desembocava bem no portão da vila. Por ali se chegava a Viamão, a capital, de onde se podia alcançar Laguna, posto avançado da ocupação portuguesa rumo ao extremo Sul. Por ali entrou o séquito imperial quando D. Pedro I visitou Porto Alegre, em 1826. Por causa da estrada, toda a região foi por muito tempo conhecida como “Caminho do Meio”. Na parte final do Caminho do Meio, junto à vila, havia dois ambientes. De um lado, barrancos e terrenos altos descendo
até a estrada. De outro, uma grande área alagadiça, chamada Várzea ou Campo da Várzea. No lado mais alto, ocupado inicialmente por chácaras, depois loteado para imigrantes, se desenvolveu o bairro Bom Fim. O outro lado, que foi inicialmente abrigo de tropas e carreteiros, tornou-se o principal parque da cidade. Entre ambos, a estrada – o antigo Caminho do Meio, que na sua parte final, junto a uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, hoje se chama avenida Osvaldo Aranha e continua sendo uma das principais vias da cidade. A parte que leva a Viamão chama-se Protásio Alves e é radial mais extensa de Porto Alegre.
Um dos mapas mais antigos de Porto Alegre, onde já aparece o caminho do meio (destaque)
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As origens do Bom Fim
Várzea, Campo do Bo O
documento mais antigo é um ofício da Câmara de Vereadores, datado de 23 de fevereiro de 1807. É dirigido ao presidente da Província, pedindo a doação da área então denominada “Várzea do Portão” para “servir de logradouro público e conservação do gado trazido para o abastecimento local” . O presidente Paulo José da Silva Gama não demorou um ano para ceder a área ao município, “para os utilíssimos e necessários fins de conservação de gados que se matam nos açougues desta vila”. A esta altura, a “Várzea do Portão” era “uma grande planície alagadiça situada logo abaixo do primitivo portão da vila”. Já era o lugar onde estacionavam as carretas, onde acampavam os tropeiros que traziam o gado para matadouro da cidade. Porto Alegre tinha cerca de 4 mil moradores.
“É sina da Várzea viver sob agressões constantes”. A conclusão é do historiador Sérgio da Costa Franco, depois da pesquisa que fez sobre “o mais antigo, mais arborizado e mais popular dos parques da cidade”, para seu “Guia Histórico de Porto Alegre”.
A povoação se restingia à península, limitada pelo espigão da Rua da Igreja (atual Duque de Caxias). Eram apenas sete ruas, três paralelas à Margem do rio, quatro transversais. O primeiro hospital, a Santa Casa de Misericórdia, estava em construção há quatro anos, mas não saia dos alicerces. A primeira dificuldade foi medir a área. O Conselho
Municipal chegou a convocar os “moradores de fora do portão para assistirem à medição que se deve fazer da Várzea”. À última hora a operação foi suspensa porque não chegaram os marcos que assinalariam os limites. A medição, só iniciada em 1820, demorou cinco anos. Foram medidos 69 hectares, considerando como limites os terreno da atual
praça Argentina e da Santa Casa, ao norte, indo até o alinhamento da atual Venâncio Aires, para o Sul. Mal concluída a medição, em 1826, houve a Câmara Municipal tentou “parcelar e distribuir a Várzea em terrenos foreiros”. O Imperador D. Pedro I teve que intervir. A área estava destinada a “exercícios militares”. Num documento de
O parque no tamanho original
Cronologia
1872 Construído o
No tempo das carretas, o Campo da Várzea era um dos pontos de acampamento
1
Colégio Militar
1920 Loteamento de
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duas áreas junto ao quartel
1930/35 Construção de prédios
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4
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da UFRGS e Instituto de Educação
1964/70 Construção do
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Araújo Vianna e Ramiro Souto
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om Fim, Redenção... 1827, o governador reclama providências da Câmara para que a Várzea “fosse conservada enxuta de águas”, o que signfica que estava abandonada. Respondem os vereadores que “as finanças municipais não permitiam assumir o encargo”, embora “reconhecendo quão danoso e nocivo é a conservação das águas que principalmente na estação invernosa , ficam estagnadas”. Alagado, “o belo lugar da Várzea” era “intransitável a pé” e, em vez de ser uma ”paragem de salubridade, passara a ser um sítio pestífero”.
Loteamento aprovado Em 1833 os vereadores aprovaram da Várzea um projeto do vereador Francisco Pinto de Souza, o Chico Pinto. Previa que uma parte da área seria dividida em terrenos e vendida a particulares. Um “abaixo assinado de cidadãos” frustrou o plano. Um ano depois chegou à Câmara um ofício do presidente Fernandes Braga acompanhado de uma planta da Várzea, dividida em quadras “para serem distribuídos os respectivos terrenos por aquelas pessoas que quiserem neles edificar”. A Câmara não chegou a discutir o plano. Logo veio a Revolução Ferroupilha, Fernandes Braga teve que fugir às pressas e o assunto foi esquecido.
Estação ferroviária Durante o sítio de mil dias que os farroupilhas impuseram a Porto Alegre, a Várzea ficou fora da linha de trincheiras de defesa da cidade. Findo o cerco, a Câmara fez uma vistoria e encontrou “cercas fora do alinhamento, avançando dentro do logradouro e uma casa da chácara de Antonio José Pedroso , sendo construída na área pública”. A Câmara mandou derrubá-la em abril de 1842.
Na euforia da reconstrução do Estado, depois de dez anos de guerra, o governador Manoel Antonio Galvão mandou fazer nova planta da área e determinou ao engenheiro que assinalasse os terrenos “destinados para ruas e edifícios”. Vereadores foram à Justiça e suspenderam o projeto. Como logo trocou o governador, a tal planta sumiu. Nessa época, várias foram as propostas para o ajardinamento da Varzea, sem sucesso. O projeto feito pelo engenheiro Frederico Heydtmann estava pronto desde 1868, mas não havia recursos. Três anos depois uma nova ameaça: o empresário Sebastião Braga, concessionário de uma estrada de ferro requereu um terreno no centro da várzea para ali colocar a estação terminal da ferrovia. Não levou.
Quartel tira pedaço Em março de 1872 , o presidente da Província manda ofício à Câmara informando que foi “autorizado” pelo Ministério da Guerra a construir um quartel em Porto Alegre e o “lugar mais próprio” foi “reconhecido ser o situado no Campo do Bom Fim”. “Os vereadores sucumbiram”, diz Costa Franco. Autorizaram o primeiro grande desmembramento da velha Várzea: o projetado quartel (depois escola militar), cuja pedra fundamental foi lançada em 29 de abril de 1872. Hoje é o Colégio Militar de Porto Alegre.
Depósito de lixo À medida que avançava a ocupação humana nas áreas adjacentes à Várzea, surgiam os problemas de higiene: em 1878 o presidente da Província denunciou à Câmara “o abuso de se lançarem animais mortos ao Campo do Bom Fim”. Os pró-
prios vereadores, mais tarde, mandaram depositar lixo urbano “na parte mais baixa do logradouro da Várzea”, em valos que teriam dois metros da largura por dois de profundidade. No ano seguinte foi também autorizada “a secagem de couros ao sol” naquele local. Em setembro de 1884, um movimento popular levou à libertação dos escravos em Porto Alegre, cinco anos antes da abolição. O Campo do Bom Fim, onde se abrigavam os primeiros escravos libertos, teve seu nome oficial mudado para Campo da Redenção – “nome até hoje enraizado na memória do povo”. A partir daí, já cercado de moradores por todos os lados, o “grande logradouro” sofreu os maiores ataques. A Escola Militar tentou ampliar seu espaço, pedindo para construir gradis de ferro, no seu entorno. Desta vez, a Câmara soube reagir e negou o pedido.
rto Alegre, recém
de Po O Colégio Militar
O parque visto pelo lado da Av.
construído
João Pessoa em 1920
“Plano de má inspiração” José Montaury, o primeiro prefeito eleito de Porto Alegre, foi também o que mais tempo ficou no cargo: 27 anos. Ele assumiu em 1897, já com planos de “urbanizar o Campo da Redenção”, o que incluía “abrir ruas em seu interior, dividindo -o em várias praças” . A ideia era “sacrificar a integridade do campo”, para, custe a reforma. A proposta foi ao Conselho Municipal em 1899, obtendo aprovação: permitia à Pre feitura vender em hasta pública os terrenos situados no alinhamento da Escola Militar. Na primeira oferta não houve interessados. Só em 1901 os terrenos dos quarteirões formados entre as avenidas Venâncio Aires e José Bonifácio foram “oferecidos à venda em quatro prestações anuais com juros de 7%s ao ano”.
O portal de entrada da exposição
O velódrom
o que em 1
940 ocupava
de 1935 no parque
parte do pa
rque
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As origens do Bom Fim
“Poucas capitais terão parque igual”
N
o lado norte, o prefeito José Montaury cedeu terrenos do campo para a construção da Escola de Engenharia (1900), para a Exposição Estadual de 1901 e para o velódromo da União Velocipédica. Os terrenos ocupados pela Exposição foram, depois, cedidos para a construção do ginásio Julio de Castilhos (hoje, a Faculdade de Economia da UFRGS) para a Faculdade de Direito e para dependências diversas da Escola de Engenharia. Mais tarde outras faculdades e institutos universitários tomaram espaço do parque. A última foi a Facudade de Arquitetura, já nos anos 1970. Hoje as instalações da UFRGS ocupam um terço da área original da Várzea . O primeiro a pensar o parque como espaço integrado à cidade foi o arquiteto João Maciel, que fez o Plano de Melhoramentos de Porto Alegre, em 1914. Mas seus planos só foram aplicados vinte anos anos depois, quando iniciaria efetivamente o ajardinamento do Campo da Redenção. No seu relatório de 1927, o prefeito Otávio Rocha justifica: “E o Campo da Redenção? Faria mal em ter empregado ali até agora 500 contos em nivelamento e ajardinamento de uma pequena área? Tão belo logradouro, no centro da cidade, poucas capitais do mundo terão”. Um projeto foi encomendado ao urbanista francês Alfredo Lagache, mas só em 1935, quando o governo
As tourada
decidiu fazer uma grandiosa comemoração do “Centenário Farroupilha” surgiu dinheiro para drenagem, nivelamento e urbanização de toda a parte sul do campo. Na véspera da “data Farroupilha”, 19 de setembro de 1935, por decreto municipal o Campo da Redenção passou a dominar-se Parque Farroupilha. Desse mesmo ano é a construção do Instituto de Educação, que tirou outro naco do parque. No canto formado pelas avenidas José Bonifácio e Osvaldo Aranha implantou-se um estádio esportivo. Postos de gasolina foram instalados nas extremidades do lado sul (um foi derrubado). O novo Auditorio Araújo Viana inaugurado em 1964, para substituir o que foi demolido na Praça Marechal Deodoro, tirou mais um pedaço. O parquinho de brinquedos que permaneceu trinta anos junto ao Mercado Bom Fim, ganhou espaço definitivo no interior do parque. As duas últimas perdas decorreram do cercamento do Instituto de Educação e, com a reforma do Araújo Viana, também uma cerca tomou mais alguns metros quadrados ao parque. Recentemente, andou em estudo um projeto para uma garagem subterrânea dentro da Redenção, embaixo do Estádio Ramiro Souto. O parque foi salvo pelo seu lençol freático, proximo à superfície, o que exigiria custos que até agora inviabilizaram o projeto.
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8 • Já Bom Fim Especial 25 anos
Gravura mostra uma visão da cidade a partir do Moinhos de Vento
Muitas chácaras, poucas casas
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uando a capela do Nosso Senhor do Bom Fim começou a ser construída, em 1867, toda a região entre a colina dos moinhos de vento e o Caminho do Meio era ocupada por chácaras. “Nessa baixada da Independência, a região nada mais oferecia do que árvores e alguns tapumes”, registra Ary Veiga Sanhudo em suas “Crônicas da Minha Cidade”. As primeiras casas surgiram junto ao “terreno da Santa Casa”, eram dela e alugadas para renda. Destacava-se “uma grande chácara com farto arvoredo ali pelas imediações da estreitíssima Cauduro”. Era a quinta do velho José Francisco da Silva. Nessa época, o escritor Felicissimo de Azevedo pedia “ingentes aterros para diminuir a ingremidade das subidas”. O engenheiro e cronista Catão Coelho, nascido em 1850, descreve a Várzea que conheceu na infância (“A Várzea de Outrora”): “Nessa campina havia duas pequeninas lagoas mais para o centro onde também se viam muitas e várias aves aquáticas”. “Moradores que tinham seus animais vacuns e cavalares soltavam-nos pela
manhã e recolhiam à tarde”. Havia também aí um sobradinho onde morava o Chico Sacristão, que ajudava na missa e, em casa, “andava de camisolão vermelho”. E o português chamado Domingos, “fabricante de cepas para tamancos”. Nas chácaras, muitas árvores frutíferas - uvas (“tão boas ou melhores que as de Fontainebleau”), laranjas, bergamotas, peras, figos, pêssegos. Na altura do atual Pronto Socorro, morava a “generala Ana Ribeiro”, viúva do general Bento Manoel Ribeiro, o caudilho que “traiu os Farroupilhas”. Obesa, a viúva era transportada numa liteira por dois escravos. Nessa época, a Várzea era também onde se reuniam os escravos para seus “candomblés”. Em 1870, projeto do vereador Francisco Olinto de Carvalho deu à Várzea o nome oficial de Campo do Bom Fim.
A grande transformação A grande transformação do bairro, no entanto, seria na virada do século, quando os terrenos começam a ser loteados para imigrantes – italianos, espanhóis, principalmente judeus de
várias procedências que acabaram dando a “cara” do bairro ao longo de quase um século. Na década de 1920, segundo Ary Veiga Sanhudo, “israelitas começaram a se radicar ao longo da avenida Bom Fim. Algumas residências, uma lojinha, uma oficina e assim foi nascendo descuidadamente o bairro judaico”. A avenida Bom Fim passou a chamar-se Osvaldo Aranha em 1930, em homenagem a um dos líderes do movimento que levou Vargas ao poder nacional. Em 1934, quando Catão Coelho, já com 85 anos, escreveu seu livro, a área já estava se consolidando como parque. “Este recanto está arborizado, com bastante sombra, viveiros com lagos onde se encontram um grande número de nossas aves aquáticas, veados, avestruzes, jardins. Ele observa também que “o principal comércio na avenida Osvaldo Aranha é do elemento judeu, que está infiltrado em todo o comércio de fazendas e miudezas da Rua da Praia” “Nesta avenida existe um grande cine-theatro, chamado Baltimore, cuja frequência é constituída de gente desta raça. Aí existem bons prédios.”
Ao Crochét: a mais antiga
É
preciso estar atento para ver. na Osvaldo Aranha. a placa discreta da loja Ao Crochét, a mais antiga do bairro, fundada em 1935, por Jacó Katz. Ele veio da Polônia em 1929. Tinha o curso de engenharia mas, pela barreira da língua, não conseguiu trabalhar na profissão. Ajudado por patrícios que já estavam instalados no Bom Fim ele começou como vendedor ambulante. Toda a região ainda era pouco povoada, tinha que andar muito com a mala de tecidos indo de casa em casa. Dois anos depois, chegou sua noiva, Jacheta, que tinha ficado na Polônia. Casaram-se e com a euforia da grande Exposição do Centenário Farroupilha, ele se encorajou para alugar uma pequena casa na Osvaldo Aranha. Na parte de trás era a moradia do casal, na frente
uma lojinha que se chamou “Avenida”. A primeira mercadoria exposta na vitrina foi o vestido de noiva da proprietária. “Ela contava que era um vestido lindo, trazido da Polônia” lembra Raquel, uma das filhas. O negócio prosperou, mudaram-se para um pequeno sobrado na mesma Osvaldo Aranha e, em 1948, com as grandes mudanças do pós-guerra, foi possível comprar um terreno e, com empréstimos feitos por colegas, construir um prédio de dois andares – em cima para morar a família, no térreo a lojinha de miudezas, já com o nome de Ao Crochét. Hoje Ao Crochét é o último testemunho do comércio que se desenvolveu no Bom Fim, integrado com a comunidade judaica. “Na Osvaldo Ara-
A loja mais antiga do bairro, especializadas em artigos para aviamentos, vai completar 80 anos
nha o movimento ia até a meia-noite, as lojas ficavam abertas, os bazares colocaram a mercadoria
na rua”. O casal Katz, já falecido, teve três filhas – Rosa, Regina e Raquel, as duas
últimas tocam o negócio do mesmo modo que os pais. “Eu não saberia mudar”, diz Regina.
Comércio é uma vocação histórica
O
comércio é uma vocação que se revela desde as origens do Bom Fim. As carretas que traziam mercadoria, quando Porto Alegre era uma vila, já propiciavam as primeiras trocas, em feiras improvisadas no Campo d a Várzea. “Chegavam carretas de Santo Antonio da Patrulha, trazendo açúcar branco, açúcar mascavo, aguardente, rapadura, mel, farinha de milho, manteiga, ovos, galinhas. Era a feira rural em visita à capital”, registra Catão Coelho.
Logo se instalaram os primeiros comerciantes fixos. Ary Veiga Sanhudo em suas “Crônicas de Minha Cidade” menciona a “vendola do José Capenga, “na esquina do Caminho do Meio”, seria um pioneiro. O engenheiro Catão Coelho em suas memórias da antiga Várzea lembra “da venda do português Bastos, que vendia pão, erva-mate, farinha, açúcar, cachaça, fósforo, sabão, velas de sebo. Ficava nos fundos do terreno da Santa Casa”. Havia tam-
bém aí um açougue “que vendia a 30 réis a libra de carne”. Outro comerciante lembrado é “um português chamado Domingos, “fabricante de cepas para tamancos”. Quando começaram a chegar os imigrantes italianos e, principalmente, judeus, na virada do século XX, o bairro foi adquirindo o aspecto que o marcaria por quase um século - as pequenas lojas e as fábricas semi-artesanais, que atraiam uma clientela de toda a cidade.
Restaurante Casarão Do Bom Fim
O comércio da região numa foto presumivelmente de 1875
Casa
LONDRES
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Porto Alegre/RS
Já Bom Fim Especial 25 anos • 9
As origens do Bom Fim
Capela deu nome ao bairro
N
o ano de 1864, um pequeno número de devotos formou a Irmandade do Nosso Senhor Jesus do Bom Fim. No ano seguinte o “irmão” José Joaquim Mariante doou 100 mil réis, os primeiros para as obras de uma capela. Um ano depois, dona Feliciana Alexandrina da Silva Câmara fez a doação de um terreno defronte ao então “Campo da Várzea”. A capela começou a ser construída três anos depois, numa área ainda com muitas chácaras e poucos moradores. Poucos contribuintes, contribuições modestas, a capela foi inaugurada 15 anos depois, em 1883. A primeira parte, a conclusão do prédio, hoje o mais antigo do bairro, só foi possível 20 anos depois, em 1913. Nessa época o número de devotos cresceu bastante e entre eles estavam figuras destacadas da cidade, o jornalista Archymedes Fortini, o padre Landell de Moura, o general Andrade Neves, Achylles Porto Alegre, Apolinário Porto Alegre, Inácio Montanha e outros. Ao completar 90 anos, em 1973, a capela, atingida por incêndios e deteriorada pela ação do tempo, estava fechada. “A capela está sem segurança e pode cair a qualquer
momento”, declarou na época o pároco, padre Leontino Rochenback. Discutia-se a demolição da capela para construir em outro local “uma igreja simples, mas que possa receber no mínimo mil pessoas”, conforme o padre Leontino. Na época a capela não podia receber mais do que 150 pessoas. Uma comissão foi formada pela Prefeitura para estudar o tombamento da capela e das 59 peças do seu acervo. Mas o movimento pela demolição era forte e a derrubada só não se consumou devido ao movimento comunitário, em especial dos antigos devotos que chegaram a promover plantões na frente da capela com apoio de artistas plásticos que a documentaram através de sua arte. Até um incêndio criminoso, nunca esclarecido, aconteceu como parte das pressões por interesses imobiliários para a demolição do prédio. Em 1979, a capela foi tombada pelo município. Mas apenas quatro anos depois foi iniciada a restauração. No dia 12 de setembro de 1987, foi realizada a primeira missa de reabertura da capela do Nosso Senhor Jesus do Bom Fim. A capela possui em seu acervo 59 peças, sendo 15 estátuas e oito vitrais com imagens de santos.
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Capela levou 15 nos para ser construída e foi inaugurada em 1983
“Era quase uma aldeia encravada na cidade”
S
Fim, mesmo que não esteja escrevendo diretamente sobre o bairro. O Bom Fim para mim é sinônimo de infância. E infância marca muito todas as pessoas e principalmente os escritores. Até diria que o escritor é a pessoa que sabe manter viva a criança dentro de si. Eu tenho que manter viva a criança do Bom fim. Quando comecei a escrever não pensava em ser um grande escritor a nível nacional, estadual. Não pensava nem mesmo em termos de cidade. Pensava, isto sim, no bairro. Queria que as pessoas lessem minhas histórias. Era isso que eu fazia. Elas circulavam de mão em mão. As pessoas mostravam minhas estórias umas para as outras. Aquilo me deixava extremamente feliz . Ainda acho que a maior gratificação que um escritor pode ter é o reconhecimento das pessoas que estão ao seu redor.
ara e José Scliar, casal de judeus russos, faziam parte da comunidade israelita que se instalou no Bom Fim no início do século passado. Seu filho mais velho, viria a ser o escritor Moacyr Scliar. Ele nasceu em 1937 e viveu infância e adolescência na rua Fernandes Vieira, num período de grandes mudanças e muito otimismo, após o fim da segunda guerra mundial. No livro “Guerra no Bom Fim”, Scliar retrata esse período, em que o bairro formado por casinhas de porta e janela se transformou, com os primeiros prédios de três ou quatro andares. Médico de profissão, Moacyr Scliar tornou-se escritor por vocação, com uma extensa obra (mais de uma centena de romances, crônicas e ensaios), que lhe valeu o ingresso na Academia Brasileira de Letras. Em outubro de 1988, quando tinha 51 anos, Scliar lembrou do Bom Fim onde se criou, em entrevista ao repórter Sérgio Lagranha:
Você fazia cópias em mimeógrafo para distribuir?
No livro “Guerra no Bom Fim”, você lembra do “pequeno país” de sua infância... O Bom Fim da minha infância era um bairro extremamente tranquilo. Era quase uma aldeia encravada numa cidade que já não era grande. Um bairro de imigrantes judeus, ainda que na verdade ali residissem pessoas de diversas procedências. Várias famílias italianas, portuguesas, italianas, negros. Mas a característica principal era de ser um bairro de gente de posses modestas. Casinhas de porta e janela. . A travessa Cauduro era muito interressante. Toda ela era de propriedade de uma só pessoa. O comendador Cauduro. Eram dezenas de casinhas de porta e janela iguais. Todas pintadas de amarelo. Ali moravam astesãos , sapateiros, vendedores ambulantes. Estes ´ultimos eram em grande
número naquela época. As famílias eram pobres, as casas precárias, sem conforto. Por isso, buscavam a rua. As ruas estavam sempre cheias de gente. O movimento de automóveis era pequeno. As pessoas se encontravam para conversar no mercadinho, no armazém. Se era verão, ficavam conversando nas calçadas. No inverno, dentro de casa, tomando chá. A convivência desse pessoal resultava em mui-
tas histórias que eles contavam. Não havia outro tipo de diversão naquele tempo. Televisão não tinha, teatro nem falar, cinema era raro. Então, o que tinha de bom era conversar. Foi ouvindo estórias dos meus pais e parentes que aprendi as estórias que contei depois. Tens
ideia de voltar a
escrever sobre o
Bom Fim?
Eu sempre volto ao Bom
Não. Sou da geração pré-mimeógrafo. A minha família era pobre, mas se havia coisa que não faltava na minha casa era dinheiro para livro. E quando pedi para o meu pai uma máquina de escrever, ele me deu. Não tinha bicicleta mas já possuía uma máquina de escrever. Tinha 10 anos. Batia à máquina minhas estorinhas e passava adiante. Uma literatura clandestina, mesmo. O
fantástico já estava
presente nas suas estórias?
Não. Eram narrativas apenas. Gostava de contar coisa s. Na verdade, tudo o que nos acontecia era fantástico. Por exemplo: ir de ônibus para Capão da Canoa no verão era fantástico. A gente vivia aquilo como uma aventura de tal modo
empolgante que na noite anterior à saída para a praia as crianças não dormiam.. E quando voltava desses dez a quinze dias de férias, começava a escrever sobre o que tinha se passado. É bom ressaltar que a tradição judaica valoriza muito a palavra escrita, o livro, a leitra. Por isso eu era muito estimulado, não só pelos meus pais , mas pelos vizinhos e professores. A escola era o Israelita, onde ficava? Numa casa na Osvaldo Aranha, ao lado do Bar João. Na sala da frente funcionava o ensino israelita propriamente dito e atrás o curso primário. O colégio não tinha mais do que 150 a 200 alunos. Lembro-me com muita saudade porque minha mãe foi uma das primeiras professoras do colégio. Depois, foi para a Protásio Alves... Depois foi para a Protásio Alves. Todo o bairro começou a mudar. As casinhas foram demolidas e prédios foram construídos. A mudança do Bom Fim começou com o surto imobiliário que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. O Brasil ficou numa excelente situação econômica, principalmente pelo aumento das exportações e o surto de industrialização. Junto com a indústria o ramo imobiliário também se desenvolveu. Aqueles comerciantes, pequenos industriais, vendedores, começaram a investir seu dinheiro na construção de edifícios. Primeiro pequenos , de três andares. Nos de quatro andares era obrigado a colocar elevador. Depois começaram a construir prédios maiores. Hoje em dia as casas residenciais são exceção.
Já Bom Fim Especial 25 anos • 11
Cidade
A polêmica orla de Lerner Uma das simulações apresentadas por Lerner
O projeto “Parque da Orla do Guaiba” foi apresentado em tumultuada audiência pública. Prevê marina pública, estação de barcos, um calçadão,bares, restaurantes, pista de corrida, ciclovia, campos de futebol e ampliação das áreas verdes. O projeto Parque da Orla do Guaíba prevê urbanização de 1,5km na primeira fase
“O
grito é a arma do covarde!”, reagiu Jaime Lerner ante os gritos de um rapaz que interrompia sua fala. Urbanista reconhecido, três vezes prefeito de Curitiba, duas vezes governador do Paraná, Lerner falava para um plenário lotado, na audi- Lerner apresentando projeto ência pública que a Câmara de Vereadores de Porto Ale- me dedicaram” e encerrou digre promoveu para apresen- zendo que “a vaia é o aplautação do “projeto de revita- so dos que discordam”. Deilização da Orla do Guaiba”, xou a tribuna sob vaias. Do feito por sua equipe. projeto mesmo, muito pouco Cerca de 200 pessoas se ficou sabendo. lotavam as galerias e ocuO escritório de Lerner foi pavam o espaço dos vere- contratado há dois anos e adores, a maioria ausente. meio, para “requalificar” A audiência, na noite de os primeiros seis quilôme14/10, durou mais de três tros da orla – do Gasômehoras e teve vários momen- tro até o arroio Cavalhada. tos de tensão, com vaias e A polêmica começou já na gritos. Num deles, Lerner contratação, pelo critério ameaçou deixar o plenário. do “notório saber” (sem No final, visivelmente can- licitação) e pelo valor a ser sado, o famoso arquiteto pago pelo projeto: R$ 2,5 agradeceu “o respeito que milhões. “Foi um presente
Cursos de Italiano
12 • Já Bom Fim Especial 25 anos
que deram a este senhor”, disse Silvio Nogueira, da Associação dos Moradores do Centro Histórico. A primeira parte, que envolve 1,5 km a partir da usina, está pronta desde o final do ano passado. Em janeiro, a prefeitura informava que a licitação para execução da obra seria lançada em um mês. O Instituto dos Arquitetos do Rio Grande do Sul teve que recorrer à Câmara para obter a audiência pública em que o projeto fosse apresentado. Lerner abriu a audiência falando de suas ligações com Porto Alegre e disse que seu escritório está trabalhando em dois projetos para a cidade: o do Cais Mauá “que está em andamento” e o da Orla do Guaíba, que seria apresentado a seguir. “Nossa preocupação foi fazer uma intervenção que
integre a Orla à cidade e que também preserve a visão do Guaiba, que a vista fique desempedida ao longo de todo o trajeto”. A apresentação foi feita pelo arquiteto Fernando Canali, da equipe de Lerner, que mostrou uma sucessão de lâminas com desenhos em perspectiva, sem detalhes da proposta, e interrompida várias vezes pelas vaias do público, em sua grande maioria ambientalistas e líderes comunitários, que representam a comunidade nos conselhos do poder público municipal. À medida que se sucediam os desenhos projetados num painel, ia crescendo a inquietação do público. Quando o arquiteto mencionou a “colocação de um estacionamento embaixo da pista do aéromóvel” a reação explodiu : “Isso jamais!”, “não queremos Curitiba”.
Vários falavam ao mesmo tempo, gritos (“Vai prestar contas à justiça” numa referência a processos em que Lerner foi envolvido). Lerner reagiu: “Vocês não vão me fazer perder a paciência”. Em seguida quando um manifestante aos gritos não o deixava prosseguir, ele perdeu a paciência e por pouco não deixou o local. O arquiteto Udo Mohr, professor e ex-funcionário da Secretaria do Planejamento, representando a Agapan criticou o caráter superficial da apresentação. “O que foi apresentado aqui não é um projeto. São alguns desenhos, em perspectiva, algumas ideias, nem de longe um projeto”, disse. Segundo ele, fazer um projeto desse porte sem ouvir os usuários em consultas públicas é como fazer uma casa sem ouvir quem vai morar nela.