JÁ Porto Alegre - ESPECIAL FEIRA DO LIVRO - nov/2018

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ESPECIAL 64ª FEIRA DO LIVRO NOVEMBRO/2018

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Da morte de Pinheiro Machado ao atentado a Bolsonaro PÁGINA CENTRAL

A FEIRA VOLTA AO LIVRO A sensação é de que, depois de um longo desvio, a Feira do Livro voltou ao foco original em torno da leitura, das narrativas, das ideias e da convivência

Arfio Mazzei/Jornal JÁ

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om nove mil metros quadrados de área coberta e 104 barracas na Praça da Alfândega, a Feira do Livro de Porto Alegre chegou ao seu menor tamanho em 20 anos. Desde o ano passado, tem exatamente a metade do tamanho que teve no auge do seu expansionismo em 2005, quando as mais de 200 barracas e estandes invadiam até os armazéns do Cais Mauá. No ano passado, as vendas também encolheram e não faltou quem visse nisso tudo um sinal de decadência. Em 2018, a prefeitura quis cobrar aluguel pela ocupação da praça onde a feira se realiza há 64 anos e pareceu que o evento histórico havia perdido seu status. Mas foi só um susto. A crise econômica ainda trava o movimento nas barracas. Mas o clima é outro. Com mais espaço, fica mais fácil a circulação e o contato com os livros. Talvez por isso, a venda de livros nas duas primeiras semanas cresceu 15% na compara-

Feira do Livro de 2018: menor mas com o foco no essencial

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ção com 2017, segundo os organizadores. “Não sei se chega a tanto, mas sem dúvida está bem melhor do que no ano passado”, diz Clô Barcelos, da Editora Libretos, com quatro lançamentos na feira. Mais do que as vendas, o que anima os organizadores é a sensação de que a feira, depois de um longo desvio, voltou ao leito original em torno do livro, da leitura, do debate de ideias e da convivência, como pensaram os fundadores em 1955. ”Acho que fechou mais o foco naquilo que é essencial: o livro, a troca de ideias, de experiências”, diz Isatir Bottin Filho, presidente da Câmara Riograndense do Livro, a promotora da feira. Ele lembra que além de um milhão de tí�tulos expostos nas bancas, com desconto, a feira promove mais de 800 eventos gratuitos para o público adulto e infantil, mais de 700 sessões de autógrafos e recebe mais de 70 mil pessoas por dia em média, este ano dos dias 1 a 18 de novembro.

Textos escolhidos de um mestre da narrativa jornalística. Livro que todo o jornalista devia ler. E um brinde: um retrato do autor feito por Iberê Camargo, reproduzido em papel vegetal.

Durante a 64ª Feira do Livro você encontra os títulos do JÁ nas seguintes bancas: da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), da Érico Veríssimo, da Martins Livreiro e da Rigel

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Nota do Editor

DONALDO SCHÜLER

Este ano, sem qualquer aviso, a Prefeitura de Porto Alegre emitiu um boleto de 180 mil reais referentes ao aluguel da Praça da Alfândega no período de 1 a 18 de novembro. Com orçamento curto, já cortando despesas para poder viabilizar o evento, os organizadores da feira levaram um choque. Há 64 anos a feira do livro e a Praça da Alfândega se confundem. Nunca se cogitou de aluguel. Antes que o choque passasse, outros dois boletos chegaram: taxa para retirada diária do lixo e suprimento de internet pela Procempa. Foi preciso lembrar que a Feira é patrimônio imaterial da cidade, declarado em lei. É o maior evento cultural do Estado, atrai gente de todo o interior, de outros estados até de outros países, movimentando e promovendo a cidade. Somaram-se os protestos unânimes da área cultural e a Prefeitura recuou. Isentou de aluguel e as taxas de lixo e internet foram permutadas por um espaço institucional da Prefeitura e sua citação como patrocinador. O caso, porém, é exemplar do tratamento que vem sendo dado à cultura pelo poder público em todos os níveis. A Prefeitura, por exemplo, não só cedia o espaço da praça: era um dos patrocinadoresâncora. Na gestão de José Fortunati, a verba secou e, agora, vem a intenção de cobrar aluguel Não bastasse a recessão nacional, o parcelamento de salários do funcionalismo, inclusive os mais de 80 mil professores da rede pública, a feira ainda se ressente do esvaziamento dos programas culturais, desde a compra de livros para as escolas e os cortes nas leis de incentivo à cultura, até programas para formação de leitores. Apesar de tudo, a feira resiste e mostra mais uma vez a sua importância.

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Redação: Av. Borges de Medeiros, 915, conj. 203, Centro Histórico - CEP 90020-025 - PoA/RS EDIÇÃO FECHADA ÀS 18H DO DIA 13 DE NOVEMBRO DE 2018 O Jornal JÁ é uma publicação da JÁ Editora Editor responsável: Elmar Bones Editor: Higino Barros Redação: Ana Carolina Pinheiro, Francisco Ribeiro, Higino Barros e Patrícia Marini Fotografia: Arfio Mazzei, Ricardo Stricher, ALRS, Arquivo JÁ Comercial: Fernanda Feltes Edição de arte: Andres Vince CONTATOS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA (51) 3330-7272

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Uma viagem às origens da literatura Autor que escreveu trezentas páginas diz que poderia ter escrito três mil

Arquivo/Jornal JÁ

A feira da resistência

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ESPECIAL 64ª FEIRA DO LIVRO / NOVEMBRO de 2018

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os 86 anos, Donaldo Schüler lança nesta Feira de 2018 o seu mais novo livro: Literatura grega: irradiações (Ateliê Editorial). Trata-se de um ensaio de quase 300 páginas sobre a literatura oral e escrita da civilização fundadora daquilo que entendemos por Ocidente. Sem perder profundidade, o autor rastreia a influência de uma literatura cujos traços são encontrados na poesia, no romance, no teatro e até em prosaicas cantigas folclóricas gaúchas como o Tatu e a Chimarrita. Ou na prosa de escritores brasileiros como Erico Verissimo e João Guimarães Rosa, Machado de Assis ou Nelson Rodrigues. Professor, escritor, tradutor de James Joyce, Schüler sabe que mexer na mitologia e na literatura grega pode transformar-se num interminável entreabrir de gavetas de narrativas que se interligam. Afinal, “somos todos gregos”, como ele diz nesta entrevista, cuja í�ntegra está no jornalja.com.br. JÁ - Por que os gregos? Trata-se de uma reflexão antiga. Na verdade a Grécia funda o Ocidente. De certa forma somos todos helenizados por causa desta herança grega, forma de pensar e de refletir. E com a globalização, na medida em que os povos forem se ocidentalizando,

Donaldo Schüler: “Quanto tempo aguentaríamos viver no paraíso?”

entra em vigor também este modo de pensar grego.

É um livro para iniciados? Não, não é dirigido a especialistas com um vocabulário que só eles entendem. Procurei escrever de uma forma bem acessí�vel. Mas isto não deve prejudicar os problemas que são colocados em discussão. Quero me comunicar com pessoas que têm a mesma preocupação, refletir sobre a narrativa. É� um convite para aqueles que querem conversar, debater.

Onde os gregos entram no Brasil? Na grande literatura, Machado de Assis, por exemplo. Mas também percebi o reflexo dela na poesia feita no Rio Grande do Sul, nas cantigas Av. Venâncio Aires nº 876 Bom Fim - Porto Alegre Fone 51-3332 0063 Av. Sarmento Leite nº 811 Cidade Baixa - Porto Alegre Fone 51-3221 9390

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do nosso folclore como as do Tatu e da Chimarrita, cujos modelos vieram da Europa, mas se desenvolveram autonomamente aqui. Letras do Tatu falam de um sujeito marginalizado que luta pela sobrevivência e que conta as suas dificuldades aos que passam. É� um herói popular. A Ilí�ada e a Odisséia têm uma mesma origem. Uma literatura oral que depois vai se tornando escrita. Também tem muita semelhança com o sistema métrico que se encontra no cordel nordestino. Algumas das narrativas têm caracterí�sticas épicas. Esta poeticidade épica nasce do próprio povo. O tempo e o vento, do Erico Verissimo, caberia em algum canto de Homero?

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Erico Verissimo

Homero

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Machado de Assis Reprodução/ Wikimedia Commons

Nelson Rodrigues

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James Joyce

Claro. Em 1948 estavam em discussão temas que envolviam, por exemplo, o contador de histórias e o sujeito que trabalha com a palavra. João Guimarães Rosa versus Clarice Lispector, ela com o novo romance francês – gente – que não contava mais história. Muitos passaram a desprezar o contador de histórias. Erico

Verissimo dizia que era um contador de histórias. Era autêntico. O mérito dele é esse: escreveu uma história da qual não há documentos. O iní�cio de O tempo e o vento é puramente ficcional, mí�tico, é Homero. Nós nos reconhecemos naquelas origens que são puramente ficcionais. Um passado puramente inventado.

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Não posso negar as vantagens da internet. Mas devo saber o que fazer com isso. O mesmo ocorre com a Ilíada e a Odisséia, muitos lêem como fatos históricos. Isso é um problema milenar. Poderia dizer que toda a História é ficção. Essa coisa, a partir do século XIX, quando nasce a historiografia, de narrar as coisas como elas efetivamente o são, isso não acontece. Trata-se de uma questão de perspectiva, tese, de escrever algo diferente. Não se deve fazer diferença entre o mito e uma sociedade cientí�fica como a nossa. Claude Lévi-Strauss, antropólogo, já disse que os homens são racionais desde o momento em que apareceram. Esta é a caracterí�stica principal do Homo sapiens. Pode-se voltar para as cavernas, 50 mil anos atrás, e verificar que há representações de gente que pensava. E que ficcionava? Exato. Ora, fora Homero, naquela época, não há nada. Ele pega banalidades e as transforma. Heródoto, o pai da História, faz a mesma coisa. Hoje valorizamos muito a verificação. Deixamos de nos exprimir e isso põe em risco a nossa humanidade. Espero que um astrônomo, por exemplo, diante de um universo, talvez, de bilhões de galáxias, narre-o de um jeito que eu possa participar. E não com cálculos que eu jamais possa decifrar. Uma das indagações, hoje, é sobre o desaparecimento da narrativa. Em seu lugar entraram os dados e, com a internet, milhões deles. Muita gente, principalmente os jovens, anda na rua com um aparelho na mão, e o que rece-

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bem? Dados. As pessoas não conversam mais, recebem informações pelas redes sociais, e acabam se atrapalhando pela abundância. Se não tomar cuidado, elas apenas passam de imagens a discursos soltos que não se conectam uns com os outros. A narrativa serve justamente para ligar uma coisa à outra. Quem fez isso pela primeira vez no ocidente foi Homero. Arte de narrar é o que estamos fazendo agora, conversando. A narrativa popular começa aí�, quando um grupo de pessoas se reúne em torno da fogueira e começa a contar coisas que são reelaboradas, são únicas. Enfim, nós não somos unidos pelos dados, que atrapalham, mas pelo discurso, pela palavra. Nosso problema é o excesso de informação. Os teóricos também estão refletindo sobre a sociedade do cansaço. Como assim? Somos uma sociedade do cansaço. A sociedade atual, de mercado, é de competição e estabelece metas cada vez mais elevadas, sempre superiores ao que o indiví�duo pode realizar. E a robotização pode chegar a um ponto tal em que o homem seja eliminado. Estamos todos nivelados nesta situação. Chego em casa, cansado, sento na frente do televisor e fico recebendo imagens até dormir. Seria melhor sentar, tomar um chimarrão e conversar. Esse foi o ponto de partida desta literatura grega. Conversar e construir narrativas – misturando deuses, mitos e homens – como a viagem de Ulisses... Isso, encontrar a nossa Í�taca.

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O ócio contra o negócio. Não podemos deixar que o negócio nos destrua. Qual o sentido da vida de um indiví�duo que luta para sobreviver? Fazer algo para o qual uma máquina ainda não foi inventada? Como me humanizo? Diante da minha mulher, dos filhos, netos, amigos etc. Mas não sou um saudosista. Meu melhor momento é este. Exige de mim que eu reflita o momento que estou vivendo. Não posso negar as vantagens da internet. Mas devo saber o que fazer com isso. Tempos atrás eu precisaria ir para Londres consultar livros que só existiam lá. Hoje tenho acesso a tudo.

Exceto a imortalidade, a sociedade de consumo tenta nos oferecer o mesmo que Calipso a Ulisses. Fazemos isso via academia de ginástica, remédios, cosméticos, cirurgias. Uma luta pelo rejuvenescimento. Ulysses, mesmo no paraí�so, escolhe a dor, a morte. Isso é uma advertência para quem busca o paraí�so: por quanto tempo aguentarí�amos viver nele? A morte nos estabelece o limite dentro do qual nós vivemos. Somos a única espécie que conhece a morte. É� um conhecimento, vou desprezar isso? Heidegger, no Ser e tempo, fala que vivemos para a morte. Escrevi este livro de quase 300 páginas, que poderia ter 3.000 se vivesse mais 50 anos. Também é preciso aceitar a idade que se tem. Nasce-se todos os dias. E a cada dia se é outro. Enfim, tenho 86 anos pela primeira vez na vida. É� uma descoberta. Não dá pra ficar pensando no que seria se tivesse 40.

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O enterro de Pinheiro Machado, em 1915, foi o maior já registrado na história de Porto Alegre

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História do Brasil republicano registra três atentados à faca por motivos políticos

Foto: AFP

jornalista José Antonio Pinheiro Machado trouxe à tona o mais célebre atentado a faca da polí�tica brasileira: o assassinato do senador Pinheiro Machado, em setembro de 1915. O Senador Acaba de Morrer foi lançado na 64ª Feira do Livro de Porto Alegre. É� mera coincidência o lançamento agora, logo depois da facada que atingiu o candidato Jair Bolsonaro, na campanha eleitoral. O autor trabalhava no livro desde 2010. A facada em Pinheiro Machado, há 103 anos, tirou-o da disputa presidencial. Ninguém duvidava que seria presidente mais cedo ou mais tarde. A facada em Bolsonaro de certa forma contribuiu para sua eleição à presidência da República com 57 milhões de votos neste outubro de 2018. A história registra uma terceira facada por motivos polí�ticos no perí�odo republicano no Brasil. Foi em novembro de 1897, oito anos depois da queda da monarquia, quando a República era instável ainda. Foi assassinado o ministro da Guerra, general Machado Bittencourt. O alvo era o presidente da República, mas o ministro se meteu na frente e foi mortalmente ferido. O paulista Prudente de Morais era o primeiro civil a ocupar a presidência na Re-

Setembro de 2018: em plena campanha à presidência da República, Bolsonaro é atingido

pública brasileira, sucedendo o marechal Floriano Peixoto. Marcelino Bispo, um cabo do Exército, foi quem tentou matá-lo. Preso, revelou uma conspiração militar para assassinar o presidente e dar um golpe para implantar “um governo forte, seguindo a polí�tica do marechal”. Uma multidão foi às ruas em solidariedade ao presidente, que saiu fortalecido do episódio. A facada em Pinheiro Machado, 8 anos depois foi uma comoção nacional. O enterro em Porto Alegre ainda é o maior que a cidade já viu. Diz-se que 100 mil dos 150 mil habitantes da cidade foram às ruas. O terceiro aconteceu este ano no dia 6 de setembro, em plena campanha eleitoral para a presidência da Repúlica. O candidato Jair Bolsonaro, lí�der nas pesquisas, foi esfa-

queado enquanto participava de uma manifestação de rua em Juiz de Fora (MG). O candidato era carregado nos ombros de correligionários, quando um homem, Adélio Bispo, enfiou-lhe a lâmina de 25 centí�metros na barriga. Levado às pressas, Bolsonaro recebeu o primeiro atendimento na Santa Casa de Juiz de Fora e depois foi para em São Paulo onde passou por extensa e delicada cirurgia, da qual ainda tem sequelas. Uma outra cirurgia para restabelecer as condições normais de seu intestino está marcada para 12 de dezembro, mas ainda não tem data certa. Tal como no caso de Pinheiro Machado, o homem que atentou contra Bolsonaro invoca razões pessoais e diz que agiu sozinho.

Pinheiro M um dos po influente e da Velha R

Fascínio e tragédia de u Muito se escreveu sobre o fascí�nio e a tragédia do senador José Gomes Pinheiro Machado. Nascido em Cacimbinhas, no Rio Grande do Sul em 1851, fugiu de casa aos 14 anos para alistar-se nos batalhões de voluntários que iam lutar no Paraguai. Depois da guerra, fez a vida levando tropas de mulas para Sorocaba, numa época em que a mula era a energia muscular que movia as minas, os engenhos e até os bondes no Rio de Janeiro. Era um dos chefes polí�ticos republicanos quando rebentou a Revolução Federalista, a mais sangrenta das

guerras gaúchas. Desceu de São Paulo com as tropas que perseguiram e mataram Gumersindo Saraiva. Seus biógrafos assinalam que era contra a degola, prática comum naquela guerra. Teria impedido se pudesse que cortassem a cabeça do chefe maragato. Mas, quando soube da degola, a cabeça de Gumersindo já estava a caminho da capital, para ser mostrada a Julio de Castilhos, o presidente do Estado. Vencedores, Pinheiro e Castilhos se tornaram muito poderosos. Castilhos governava o Rio Grande do Sul

“Ah, canalha. Fui apunhalado pelas costas”

Eram nove horas da manhã quando o senador José Gomes Pinheiro Machado foi atacado, no Rio. Ele estava com outros polí�ticos no hall do Hotel dos Estrangeiros, onde se hospedavam os figurões da República. Um homem entrou sorrateiramente e o espetou com um punhal. Ele ainda andou até um banco, mas não resistiu. Morreu dias depois.

Pinheiro Machado era o homem mais poderoso da República naquele momento. Uma figura que fascinava e era temida. Em nome do Rio Grande do Sul desafiava o pacto de poder entre São Paulo e Minas, a polí�tica “café com leite”. Influenciava o presidente da República e ele mesmo chegaria ao cargo se aquela punhalada não o tirasse do caminho.


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uma vida com mão de ferro, Pinheiro Machado abria os caminhos no poder federal. Aproximava-se uma eleição, Pinheiro com apoio de Castilhos e de Estados menores queria a reeleição de Hermes da Fonseca. Ele mesmo dizia que queriam matá-lo e até os jornais comentavam que seria assassinado. “Matam-me pelas costas... Pena que não seja no Senado, como Júlio César”, declarou, dois meses antes, ao jornalista João do Rio. Apesar disso, as reais motivações do crime permanecem obscuras. Seu assassino, Francisco Manso de Paiva Coimbra, gaúcho – desertor do exército, ex-cabo de polí�cia, e, na época, padeiro desempregado, disse que agiu por vontade própria. Ninguém acreditou nisso e o principal suspeito foi o ex-presidente Nilo Peçanha, adversário polí�tico do senador, em cuja casa o assassino pernoitou na véspera do crime. Mas nunca houve provas conclusivas. Manso Paiva cumpriu vinte dos trinta anos de prisão a que foi condenado. José Antônio Pinheiro Machado, autor do mais recente livro sobre o senador alinha-se à tese de que foi um atentado polí�tico, a mando de Nilo Peçanha.

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Divulgação

Cinquenta anos depois de morto o senador Pinheiro Machado ainda tinha poder para livrar um parente de uma enrascada. Foi o que comprovou José Antonio Pinheiro Machado, em 1968. Ele tinha 18 anos quando foi preso em São Paulo com outros 300 estudantes que participavam de um congresso clandestino em Ibiúna, São Paulo. Naquela época reuniões não autorizadas eram punidas com a Lei de Segurança Nacional e corriam histórias sobre a prática de tortura nos porões do regime militar. Preso há dois dias, sem banho, o jovem Pinheiro temia o pior quando foi levado ao interrogatório. O policial deparou com o sobrenome notório: “O senhor é parente do senador Pinheiro Machado?”. Ele disse que era bisneto (na

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Pinheiro Machado, bisneto do senador

verdade era sobrinho bisneto). Foi o suficiente para ganhar a liberdade poucas horas depois. Ele se criara ouvindo histórias do senador, figura mí�tica na familia. Mas nada como a gratidão que sentiu naquele dia, quando saiu à rua, suado e amarrotado e tomou um táxi em direção ao aeroporto, para voltar a Porto Alegre. “Acho que ali começou a nascer este livro”, diz José Antonio. Reprodução

Machado era olíticos mais e respeitado República

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“Acho que ali começou a nascer este livro”

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“Núcleo de resistência” soma 187 anos de feira Todos têm mais de 20 anos “de casa”, eles fazem a feira acontecer Foi um momento em que senti medo mesmo”. Nóia Kern estreou na feira em 1984, ainda como funcionária do Instituto Estadual do Livro. No ano seguinte, foi escalada para ler avisos transmitidos pelo alto-falante. Foi assim que surgiu a “voz do poste”, função que ocupou até 1999. Afastou-se por uns anos e voltou para a produção. Hoje é responsável pelo balcão de informações, na área central. “Voz do Poste” há 18 anos, Clea Motti é como uma agenda viva da programação oficial. No primeiro ano, chorou quando a feira encerrou. “Quando começou o cortejo de encerramento, não resisti. Era como se a feira estivesse acabando para sempre”. Há 20 anos, o engenheiro Eduardo Bergallo é responsável pela montagem da estrutura da feira. Ele lembra o perí�odo entre 2005 e 2012, quando a feira ocupou todo o cais do porto, além da praça. “Foi o tempo em que tive mais trabalho, mas foi incrí�vel ver tudo aquilo funcionar.” Bergallo não esquece também a tempestade de granizo que derrubou parte da cobertura em 2014. O mais novo do grupo é Gérson de Souza, que há 21 anos cuida da parte administrativa da Câmara do Livro. Sua maior satisfação é ver os eventos lotados, como foi a sessão de autógrafos da Monja Cohen, que teve longa fila. “É� muito bom ver que a gente acertou, que o público queria ver mais aquele autor”. (Com reportagem de Ana Carolina Pinheiro)

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Carlinhos, Jussara Rodrigues, Sandra La Porta, Eduardo Bergallo, Sônia Zanchetta, Gérson de Souza e Nóia Kern

Maria Carpi, a patrona, lança Uma Casa no Pampa “Eu não quero foto com livro na mão. Por que todo mundo acha que escritor tem que tirar foto com livro na mão?”. Maria Carpi, patrona da 64ª Feira do livro de Porto Alegre, não gosta de gestos estereotipados. Ela tem 14 livros publicados, com um inédito chegando para a Feira do Livro. Uma Casa no Pampa será lançado dia 15 de novembro, às 18h30min, na praça central de autógrafos, pela editora Ardotempo. Para a autora, o lançamento foi um milagre: “quando fui indicada para ser patrona, fiquei triste por não ter um livro novo. Mas o editor, o meu amigo Alfredo Aquino quis lançar para a Feira.

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ão oito pessoas. Juntas, somam 187 anos de trabalho para garantir que tudo corra bem naquela que ainda é a “maior feira do livro a céu aberto da América Latina”. Carlos Henrique Alves, o Carlinhos, é o mais antigo, com 32 anos de feira. Seus olhos enchem-se de lágrimas ao lembrar do “momento mais difí�cil”, em 2013, quando faleceu Júlio La Porta, o lendário “xerife” da Feira. “É� difí�cil até hoje”, diz. Para ele, a experiência é que faz tudo dar certo. “Eu já conheço o jeito de cada um, o que gosta, o que não gosta. Então a gente está sempre afinado.” Jussara Rodrigues está há 31 na equipe de produção, e concorda: “A gente toca de ouvido, só pelo olhar...” Os dois são os mais antigos do “núcleo de resistência” da feira. Apesar de tanto tempo, Jussara ainda se emociona: “Nada se compara ao olharzinho de criança pegando um livro e se encantando”. A experiência não elimina a tensão, na hora de ir para a praça. “Até colocar no ar e calibrar tudo a tensão é total”, afirma. Sônia Zanchetta coordena as áreas infantojuvenil, internacional e de formação de leitores há 22 anos. “A Feira só ocorre porque temos muito parceiros”, diz ela. Cita a editoras que pagam a passagem dos autores convidados, as empresas que fornecem mesas, cadeiras e tecidos, até o Exército que mantém o plantão médico na praça. “Se não fosse por essas parcerias a Feira não aconteceria”, diz. Responsável pelos Encontros com o Livro, como são chamados os eventos como oficinas e seminários, Sandra La Porta faz parte da produção há 18 anos. Lembra em especial da feira de 2008: “Ariano Suassuna veio com o Grupo Arraial, deu uma aula-espetáculo e depois fez um cortejo pela feira, foi maravilhoso”. Naquele ano veio também Eduardo Galeano, um de seus favoritos, responsável por seus momentos mais tensos na Feira. “O auditório tinha 500 lugares, entraram mais de 800 pessoas e tinha mais de mil pessoas querendo entrar.

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“Dentro do Brasil, me sinto muito gaúcha”, diz a patrona Maria Carpi

Assim aconteceu. Milagres ainda acontecem”. Uma Casa no Pampa, para Maria Carpi, é um livro que trata sobre a cordialidade pampeana. “Eu sou sulina, muito latino-americana. Eu amo desde o Martí�n Fierro, Atahual-

pa Yupanqui, todos poetas latino-americanos. Tenho empatia muito grande por eles. Dentro do Brasil, me sinto muito gaúcha. Nesse livro novo procuro refletir o que é a imensidão do Pampa que cabe no coração”.

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Pioneiro do humor gráfico, homenageado em livro um ano depois de sua morte

O homem do xixi, marca registrada Imagens: Reprodução

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le foi um dos pioneiros do humor gráfico no Brasil. Sua página na então famosa Revista do Globo era a primeira que os leitores buscavam, a cada edição entre 1947-1955. Um desafio era sempre encontrar nos intrincados desenhos um homenzinho de costas fazendo xixi. “Era a primeira coisa que eu fazia quando via um desenho do Sampaio, achar o homenzinho”, conta Luí�s Fernando Verissimo. José Miguel Pereira de Sampaio (1927-2017) foi o primeiro cartunista a fazer carreira profissional no Rio Grande do Sul. Iniciou como aprendiz na Livraria do Globo. Redesenhava cartuns estrangeiros (transformava os desenhos coloridos em preto e branco para possibilitar a impressão), depois passou a criar suas próprias narrativas, as famosas cenas de multidão que acabaram por ocupar toda a página da seção de humor Ria por favor.

IMPRENSA DIÁRIA

De uma familia de artistas (era irmão de Sampaulo, também chargista genial), começou a trabalhar na imprensa diária em 1940. Nos anos 1960-70 passou a trabalhar também na televisão. Primeiro na Gaúcha (atual RBS TV),

Sampaio, quando jovem. Ele foi o primeiro cartunista profissional no Estado. Sua obra tem repercussão internacional

7 onde fazia charges de lutas livres para o programa Ringue Doze. Ainda na mesma emissora e depois na TV Difusora (atual Bandeirantes) iniciou um procedimento de charges em telejornais (o desenho era feito por trás, em papel de seda preso num vidro). Aos poucos, em favorecimento de sua carreira de servidor público no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, os cartuns de Sampaio foram rareando. Seu trabalho continuou a ser publicado em várias coletâneas como 14 Bis (1976), Humor de Sete Cabeças (1978), Humores Nunca Dantes Navegados (2000). Em 2007, quando completou 80 anos, sua filha, Maria Lúcia Pereira de Sampaio, quis homenageá-lo através de um livro. Reticente, Sampaio pediu que a publicação só fosse efetuada após a sua morte, que ocorreu em janeiro de 2017. Assim, no iní�cio deste ano, Maria Lúcia – através da Editora Insular, de Florianópolis - pode concretizar sua justa homenagem. A editoração e finalização das imagens são de Clô Barcellos, da Editora Libretos, responsável também pelo projeto gráfico. O livro reune em 68 páginas o melhor do trabalho de Sampaio feito para a Revista do Globo.


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ango, o personagem de Edgar Vasques que mora numa lata de lixo, é o responsável pela existência da maior editora do Rio Grande do Sul uma das grandes brasileiras, a L&PM. “Nossa editora só existe por causa desse pergonagem”, revelou Ivan Pinheiro Machado, um dos fundadores da L&PM, num debate com Edgar Vasques, criador do Rango, e o crí�tico de cinema e literatura Oswaldo Goidanich, o Goida. Os dois falavam sobre a trajetória do personagem, após o lançamento de Crocodilagem, o décimo sétimo livro do Rango na Feira do Livro de Porto Alegre. O primeiro foi lançado ali mesmo na praça da Alfândega, na feira de 1974. Rango vinha sendo publicado sem alarde numa coluna da Folha da Manhã. Era um escândalo: no momento em que o governo militar celebrava o “Brasil Potência”, vem aquele vagabundo lembrar os excluidos do sistema, os que passam fome Rango chegou à Feira pela mão de Erico Verissimo, que escreveu um prefácio elo-

RANGO

ESPECIAL 64ª FEIRA DO LIVRO / NOVEMBRO de 2018

O mendigo que fundou uma editora

Pela mão do escritor Erico Verissimo, Rango estreiou na Feira do Livro em 1974, quando o Brasil vivia em plena ditadura. Foi o mais vendido.

gioso, decisivo para a publicação e para o sucesso do livrinho de poucas páginas, que reunia as tiras publicadas no jornal. Foi para editá-lo que Ivan e Paulo Lima criaram a L&PM. “Nós tinhamos uma agência da propaganda, que faliu. Não terí�amos ido por esse caminho se não fosse o sucesso do primeiro Rango. Rango, sempre sujo, faminto e crí�tico, foi o mais vendido daquela feira.

Edgar Vasques lançou o 17º livro do Rango na 64ª edição da Feira do Livro

Ricardo Stricher/Arquivo JÁ

Personagem criado por Edgar Vasques deu origem à L&PM

PORTO ALEGRE


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