No Entanto - 84ª Edição

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Edição 84 - Dezembro de 2017

Jornal-Laboratório Universidade Federal do Espírito Santo

Fonte: Pedro Ventura / Agência Brasília

Empregos temporários aquecem a economia e garantem renda extra no final do ano

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Foto: Maria Fernanda Conti

Trabalho escravo persiste no interior do Espírito Santo Foto: Rickey Rogers / Reuters

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Arte e tradicionalismo: caminho acessível para a censura? Pág. 4

Discussão: Ônibus para universitários!

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Procon de Vitória orienta os consumidores na hora de comprar Pág. 3

Foto: Reprodução / Mundo Estranho


editorial No Entanto Jornal Laboratorial produzido pelos alunos do 3º período de Comunicação Social - Jornalismo da Ufes para a matéria Laboratório de Jornalismo Impresso Equipe Giovanni Werneck, Isabella de Paula, Lavynia Lorenção, Marcos Paulo Federici, Maria Fernanda Conti e Marina Coutinho. Editoração Marina Coutinho

Diagramação Giovanni Werneck e Lavynia Lorenção Logo Gabriel Moraes Professor orientador Rafael Bellan

Durante o segundo semestre de 2017, o No Entanto foi organizado pela turma de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, de 2016/2. Com o objetivo de propor discussões sobre temas pertinentes e críticos, o jornal buscou um vínculo com a comunidade e nós, alunos, procuramos cada vez mais reportar e apurar temas de interesses gerais e sociais. Nesta 84a, e última, edição do ano de 2017, o No Entanto será capaz de sanar algumas dúvidas sobre os direitos do consumidor, trazer debates sobre o campo da arte e censura, juntamente com a analogia do trabalho rural como escravidão, que aconteceu no interior do nosso estado, em Domingos Martins. A discussão permanece plural e aborda o crescimento de contratos temporários e suas consequências positivas para a economia e a luta pelo transporte de universitários de Venda Nova do Imigrante para Vitória, após o corte de verba. Para concluir o ano com chave de ouro, desejamos um ótimo 2018 e boa leitura. A turma.

Sigam-nos no Facebook! Para sugestões de pauta, críticas e dúvidas, entrem em contato: fb.com/JornalNoEntanto


No Entanto Edição 84 - Dezembro de 2017 economia

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Como evitar problemas nas compras de fim de ano Marcos Paulo Federici

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om a chegada das festas de fim de ano, muita gente deixa para ir as compras nos dias que antecedem as comemorações. Nesse período, as lojas registram um grande fluxo de compradores e por isso muitos vendedores utilizam diversas estratégias para atrair a clientela. Para o consumidor é necessário estar atento e consumir com sabedoria. Pensando nisso, o No Entanto conversou com a Coordenadora de Atendimento do Procon de Vitória, Larissa Cicilioti. Ela deu algumas dicas para que o consumidor não tenha dores de cabeça após as compras. Larissa destaca a importância da realização de pesquisa de preços dos itens que pretende adquirir (porque o valor de um mesmo produto pode variar bastante de um estabelecimento para outro), sempre solicite notas fiscais e que, principalmente, se informe sobre a política de troca das lojas. “As lojas não são obrigadas a efetuar trocas por arrependimento. Algumas oferecem o serviço com o intuito de fidelizar o cliente, mas não é um direito previsto por lei”

Compras podem esconder algumas “ciladas” para o consumidor São garantidas, por lei, trocas em casos de defeito, com prazo de até 30 dias para bens não duráveis, como os alimentos, e de 90 dias para os duráveis, como roupas, calçados e eletrodomésticos. Nas compras por telefone ou pela internet o comprador tem o prazo de sete dias (a partir do recebimento) para desistir da compra ou contratação do serviço e entrar em contato com o vendedor. Recentemente, a aluna de Logística do Ifes, Lana Mendes, realizou uma compra pela internet, mas segundo ela o prazo de entrega do produto não foi cumprido e o vendedor culpou os correios pelo atraso. Em casos como esse, Cicilioti destaca que o comprador tem direito de desistir da compra pelo não cumprimento do prazo ofertado ou exigir a entrega imediata da mercadoria.

Procon Vitória Endereço: Avenida Maruípe, 2.544, 1º piso, bloco A, Itararé (Casa do Cidadão) Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira das 12 às 19 horas, com distribuição de senhas até as 18 horas. Telefone: Fala Vitória 156, de segunda a domingo, das 6 horas à meia-noite, incluindo feriados.

Produtos que possuem garantia ao apresentarem defeitos, devem ser encaminhados diretamente para assistência técnica, que tem um prazo máximo de 30 dias para efetuar a troca ou consertar o aparelho. Se o prazo não for cumprido, o consumidor deve ser ressarcido. São necessários alguns outros cuidados na hora de comprar online, como verificar se o site é confiável. Todo ano, no dia 15 de Março, os Procons divulgam o cadastro de reclamações fundamentadas. Nesse cadastro o consumidor pode verificar quais sites e empresas tiveram o maior índice de reclamação no ano anterior. Em casos de problemas, o consumidor precisa procurar uma solução com o fornecedor do produto ou estabelecimento. Caso não seja resolvido, o consumidor deve entrar em contato com o Procon da sua cidade. O Procon de Vitória realiza atendimentos através do aplicativo “Procon Vitória” para auxiliar de forma ágil no esclarecimento de dúvidas. Além disso, é possível agendar um atendimento através do site da Prefeitura de Vitória no www.vitoria. es.gov.br.

Foto: Reprodução / Next Avenue

Procon de Vitória orienta os consumidores na hora de comprar.


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Criação de leis sobre o campo artístico promove debate sobre censura

Foto: Maria Fernanda Conti

Depois de polêmicas, a arte se encontra sob o julgamento de parlamentares

Obras com teor sexual e de nudez ainda são criticadas Maria Fernanda Conti

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campo da arte experimentou, esse ano, uma guerra cultural em que os valores coletivos ficaram sobrepostos à atividade artística. De um lado, grupos libertários que defendem a ruptura do tradicionalismo; do outro, grupos conservadores que buscam impor limites e censuras à arte. Estes, na tentativa de restringir as movimentações, estão procurando regulamentar em caráter legislativo o que será ou não exibido para o público em termos de conteúdo. O ponto de partida para o debate aconteceu em setembro, quando a exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença

na Arte Brasileira”, desde o mês de agosto aberta pelo Santander Cultural em Porto Alegre, precisou ser interrompida após grande protesto dos movimentos reacionários. Ainda no mesmo período, a performance de Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, repercutiu nas redes sociais depois de crianças serem gravadas interagindo com o artista completamente nu. Ao lado de instituições religiosas, o Movimento Brasil Livre (MBL) é o principal articulador das manifestações contrárias às exibições. Diante de acusações feitas pelo grupo, de pedofilia e incentivo à zoofilia, os municípios cogitados para receberem a exposição foram pressionados a abandonar as negociações, a exemplo do veto

submetido pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. Em meio ao episódio, investigações sobre os casos passaram por avaliação na Câmara dos Deputados, como a encaminhada pelo deputado Flavinho (PSB/ SP), que solicitou a declaração e a coleta precisa de informações por parte do Ministério da Cultura sobre a exposição no Santander Cultural. Com a aprovação desse requerimento pelo presidente da casa Rodrigo Maia, parte do legislativo que detém caráter tradicionalista enxergou uma possibilidade de intervir, por meio de leis e normas, em obras que, segundo eles, interferiam na moralidade da sociedade brasileira. A partir disso, uma série de pedidos foi encaminhada para


No Entanto Edição 84 - Dezembro de 2017 cultura

discussão no Plenário, onde alguns ainda estão em tramitação e esperando o voto dos legisladores.

Criação de leis versus a liberdade artística

dezembro. Contudo, serviu anteriormente como espelho para que outros parlamentares agissem. O deputado mineiro Laudivio Carvalho (SD/MG), em novembro de 2017, protocolou a PL 9019, que veda “o acesso de crianças e adolescentes a manifestações artísticas que incitem à sexualidade e ao erotismo”. A partir de declarações no seu site, o autor da lei alega que é uma forma de denunciar o incentivo à sexualidade precoce e à exploração de menores. A ação ainda está em tramitação e sob o regime de prioridade. Passando para a região Nordeste, o deputado estadual de Pernambuco, Ricardo Costa (PMDB/ PE), submeteu o Projeto de Lei 1774/2017. Bastante específico em suas restrições e citando Deus e “a” família para justificar a proposta, o deputado abrange em seu projeto “expressões artísticas ou culturais que contenham fotografias, desenhos, pinturas, estátuas, modelos nus ao vivo que insinuem o ato sexual humano ou animal”.

Como primeira proposta, um Projeto de Lei foi apresentado no Espírito Santo pelo deputado federal Carlos Manato (SD/ES), o qual defendia por meio da PL 8863/2017 “a restrição de acesso a exposições públicas de obras e manifestações culturais que possuam conteúdo pornográfico ou de sexo explícito”. Em frente à proposta, feita no início de outubro, o Secretário de Direitos Humano do estado Júlio Pompeu, diz que a tentativa do parlamentar é indevida. “Isso é inconstitucional. Não é competência dos deputados federais e estaduais legislarem sobre o assunto. A PL também é inadequada em relação ao conteúdo, pois afronta diretamente a premissa de liberdade posta na Constituição”, ele explica. A iniciativa foi vetada Também foram colocados em pela Procuradoria Geral do voga as classificações indicatiEspírito Santo no dia 04 de va em exposições de museus, mostras e exibições de arte. Dis“Querer censurar é pondo do Estatuto da Criança dizer que o Estado é e do Adolescente, procuram o do acesso por menores melhor que você pra controle à “pornografia” nos teatros, cidizer o que é arte ou nema e outros. A título de exemque não é, o que é cer- plo, existe a proposta de Vitor to ou não. Isso é dimi- Valim (PMDB/CE), com sua PL nuir a moralidade que 8927/2017 e a de Elizeu Dionizio (PSDB/MS), criador do projeto tanto se busca nas pro- 9291/2017. Ambos são pequepostas, porque você tá nas amostras do grande número infantilizando a capa- de propostas, com essa temática, cidade de raciocínio da que foram enviadas à Câmara dos Deputados em menos de sociedade inteira” dois meses.

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Resposta da classe cultural e estratégias de mudança A potência de transformação que a arte promove é o fator preponderante para que busquem censurá-la, segundo o Secretário de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Rogerio Borges. “A arte é o grande bastão da democracia. Algemá-la é promover uma massificação geral do público e acabar com o processo evolutivo humano, pois foi a partir dela que construímos a civilização”, ele explica. E o olhar do outro, segundo Borges, completa o teor de construção e provocação que a arte é capaz de produzir. “O que a mim pode parecer sentimento de vergonha, ao outro pode ser permissivo. Um nu pode ser belo ou uma afronta, e no entanto, ser o mesmo nu que eu vejo e que o outro, com outra leitura, o vê”, conclui. O secretário Júlio Pompeu também se posicionou e criticou a intencionalidade dos legisladores. “Querer censurar é dizer que o Estado é melhor que você pra dizer o que é arte ou que não é, o que é certo ou não. Isso é diminuir a moralidade que tanto se busca nas propostas, porque você tá infantilizando a capacidade de raciocínio da sociedade inteira”. Para ele, a mobilização social é muito importante para que não seja alimentado a ilusão de que essas ideias são predominantes. Já para o secretário de Cultura, a mudança precisa vir também da reflexão. “O que devemos propor é que nos aventuremos a procurar entender que a supremacia moral ou de costumes, a imposição de regras, não são ações democráticas”, ele defende.


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Contratos temporários crescem no fim do ano e aceleram a economia

Foto: Camilla Werneck

Para temporários, nova legislação trabalhista assegura mesmos direitos dos empregados definitivos

Propostas recém alteradas asseguram renda extra para temporários e intermitentes Giovanni Werneck

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ara a Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o final do ano, tempo de confraternizações, é tempo de oportunidades. Quem deseja buscar alguma renda extra deve ficar de olho nas mais de 73,1 mil vagas disponíveis para contratos temporários pelo Brasil. Uma alta de 10% em relação ao ano passado. Essa estimativa do CNC é decorrente do tímido aumento de poder de compra dos brasileiros. A expectativa é de que 27% da mão de obra temporária contratada seja efetivada até o fim de 2017, segundo a Confederação. “Os contratos temporários devem ter sua vida útil um

pouco maior, em relação a 2016, porque os empregadores querem seus novos funcionários trabalhando até o réveillon, o que não ocorria”, afirma Érica de Sousa, pesquisadora das leis trabalhistas do Centro Universitário do Espírito Santo, UNESC. Para Érica, a mudança recém-aprovada no Congresso Nacional não altera muito as regras para a contratação de pessoal de forma limitada. “A nova CLT cria outra categoria de empregados que não tínhamos antes. Ao invés de modificarem as regras atuais, criaram o trabalho intermitente, que atende às demandas do setor contratador”, assegura. Para o trabalho intemitente, o empregado poderá ser contratado por dias, horas e meses, sem necessidade de carga horá-

ria previamente estabelecida. A nova categoria permite que estabelecimentos de demanda variável tenham contratados formais. A Consolidação das Leis Trabalhistas garante ao empregado, seja ele fixo ou temporário, as mesmas condições: salário da categoria, jornada de 8 horas,

“A nova CLT cria outra categoria de empregados que não tínhamos antes. Ao invés de modificarem as regras atuais, criaram o trabalho intermitente, que atende às demandas do setor contratador”


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horas extras, adicional noturno, repouso semanal remunerado, seguro acidente, FGTS, férias, 13º salário, vale transporte e contribuições previdenciárias. Só não está previsto o aviso prévio e nem a multa de 40% sobre o FGTS, visto que os contratos têm data de término pré-definida. De acordo com a Associação Brasileira de Trabalho Temporário (Asserttem), os trabalhadores temporários consistem em sua maioria, cerca de 64%, de pessoas entre 18 e 24 anos. Os chamados “empregos de verão”, movimentam principalmente o comércio no interior do país. Os jovens são os mais cotados para assumirem cargos temporários, porque “as vagas são menos exigentes e contratam em volume considerável. Por não terem vínculo profundo, os empregados podem desatar-se da empresa a qualquer momento”, destaca Érica. Em pesquisa realizada pelo Sindeprestrem (Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário), as duas regiões que mais contratam tempo-

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Foto: Camilla Werneck

emprego

Trabalhador deve se submeter aos novos formatos de emprego rários é a Sudeste (54%) e a Sul (26%). Os dados apontam também para uma movimentação na economia do Sudeste e Sul correspondente a cerca de R$ 14 bilhões. Os setores que mais contratam empregados de forma temporária são os de serviços, cuja base é o comércio. Devido à sazonalidade da demanda, aumentando consideravelmente em épocas festivas, os empregadores contratam mais funcionários de novembro a fevereiro. Érica alerta: “cabe ao trabalhador buscar o meio oficial para adquirir trabalhos temporários. É imprescin-

dível que haja um órgão para mediar e fiscalizar os direitos do contratado. O SINE pode ajudar nesse sentido.” A pesquisadora avisa que os temporários podem tornar-se efetivos caso mostrem bom desempenho. “Sempre vai ter a oportunidade de contratação, seja para substituir eventuais funcionários que não estão atendendo às necessidades ou mesmo com a criação de novas vagas”, diz. Para 2017, espera-se, de acordo com o Sindeprestem, que os empregados temporários movimentem cerca de R$ 20 bilhões no país.

Dicas para conseguir um emprego temporário e ser efetivado 1 - Procure no lugar certo É recomendado que os candidatos entreguem os currículos pessoalmente. Para consultores, passa uma imagem de compromisso e afetividade.

2 - Procure por vagas que se encaixem no seu perfil

3 - Elabore um currículo objetivo

Considera-se mais os que moram mais próximo do local de trabalho. As chances são maiores também se você se candidatar nas áreas que domina.

Na correria do fim de ano, o melhor é entregar informações diretas e rápidas. Os currículos devem ser criados especificamente para o ambiente visado. Um currículo para um supermercado não é o mesmo para uma loja de departamento de roupa.

4 - Prepare-se para as entrevistas

5 - Conheça o ambiente de trabalho

As entrevistas para esses cargos costumam ser curtas e objetivas. Os recrutadores estão em busca de qualidades específicas, como experiência e disponibilidade. Esteja preparado para contar por que você está procurando essa vaga.

Para evitar surpresas durante o processo de seleção para uma vaga temporária, é necessário que o candidato conheça a loja na qual pretende trabalhar. Prepare-se de acordo com o ambiente. Você vai representear a loja. Se puder, visite o estabelecimento antes.

6 - Dedique-se São efetivados os empregados que se destacarem na função. Para isso, devem-se concentrar no aprendizado e nas experiências da rotina de trabalho e executá-las com primor.


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Trabalho análogo à escravidão ainda é uma problemática enfrentada no estado

Foto: Isabella Hell de Paula

Entrevista com uma ex trabalhadora do campo retrata as dificuldades dos empregados rurais, entregues ao serviço integral e com uma renda mensal inferior ao salário mínimo no interior do Espírito Santo

Trabalhador carregando alimento até o local de armazenamento, em Domingos Martins Isabella Hell de Paula

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29 anos após a abolição da escravidão, a sociedade brasileira ainda vive contradições que cercam a questão escravista, que continua em vigor em algumas regiões do país, principalmente no interior dos estados, onde há escassez de fiscalização e informação para a população residente, afetando assim os seus direitos fundamentais humanos. A dona de casa, Celita Hell de Paula, trouxe em depoimento a realidade vivida dia-

riamente por ela antes de se mudar para a capital do Espírito Santo, Vitória. “Eu acordava às 4:15 todos os dias junto com meus irmãos para ir à lavoura trabalhar até à noite, ganhando às vezes 3 reais ao dia”. O trabalho era a única forma de sustento da família, que percorria cerca de 5 quilômetros diários a pé, contando os finais de semana, para colherem na plantação. Além da exaustão física e mental, o dinheiro não era suficiente para a alimentação e cuidados com a saúde. As condições precárias do ambiente e do esforço resultava em doenças e fome.

“Já tive anemia inúmeras vezes e não existia sequer uma farmácia próxima a minha casa, então minha mãe fazia receitas caseiras para me tratar, o que nem sempre resolvia”, relatou à reportagem. Celita acrescentou ainda que na região em que ela morava, a exploração era a atividade mais lucrativa, devido ao baixo custo da mão de obra e a não preocupação com benefícios aos trabalhadores. “Os donos de terras conseguiam garotos novos como a gente lá de casa, que não precisavam se ocupar com escola, só tra-


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balho durante todo o dia para receber no final moedas que mal alimentava um de nós.” Ainda jovem, a dona de casa encontrou a possibilidade de se mudar após o casamento com um rapaz que ela na cidade. Aos vinte e quatro anos, saiu de casa e se deslocou para um município próximo a Vitória. Anos depois, passou a residir na capital, juntamente com seu marido e filhos. Os irmãos foram aos poucos também constituindo uma família e saindo de casa, porém alguns ainda permanecem no local. É o caso de Satelim Hell, irmão de Celita, que continuou morando na região e disse ter desenvolvido com o tempo. “Daqueles tempos para cá, houve melhoria na pecuária e na colheita também. Não tem tanto sufoco como antigamente, hoje ainda tem muito o que melhorar, mas o pessoal que trabalha por aqui consegue ter uma casinha simples e alimentar a família”. Para muitos outros empregados rurais, não há expectativa de melhoria nos setores básicos de trabalho. Ainda existem diversas regiões localizadas dentro e fora do estado que utilizam des-

“Eu acordava às 4:15 todos os dias junto com meus irmãos para ir à lavoura trabalhar até à noite, ganhando às vezes 3 reais ao dia”.

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A legislação brasileira e a escravidão

A PEC 57-A/1999 tramita no Congresso há 18 anos e encontra resistência e dificuldade em sua promulgação. A proposta trata exclusivamente de endurecer as leis que regem o banimento do trabalho escravo no Brasil. O problema, na verdade, é que essa PEC propõe questões que desagradam profundamente muitos grandes proprietários de terras, como o confisco de propriedades onde o trabalho escravo foi flagrado e o seu destino para a Reforma Agrária, sem indenização ao proprietário. O escravismo é considerado internacionalmente uma violação grave aos direitos humanos, no sentido de explorar e privar o ser humano do exercício de sua liberdade. A lei atual ordena que: “é vedado reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.”

se meio para induzir indivíduos com pouca informação sobre seus direitos a trabalharem sem limite determinado de horário e recebendo um valor irrisório de dinheiro ou troca por moradia e alimento. O Estado tenta por meio do Ministério Público e do trabalho, além de outras áreas de defesa do cidadão, combater situações de risco à pessoa seja física, psico ou socialmente. Minas Gerais lidera o ranking de ocorrências desse tipo no Brasil. Nos últimos anos, foram feitos mais de 1.000 resgates e autuações de proprietários que indiciam esses trabalhadores, muitas vezes advindos de zonas pobres e pouco supervisionadas pelo poder público. O Espírito Santo, apesar de ter um número menor de acontecimentos, ainda sofre com casos constantes de denúncias, principalmente do interior das cidades, onde há uma dificuldade de controle sofre o crime, devido a um acesso restrito, localização imprecisa. O Ministério do Trabalho aponta que do total de trabalhadores em situações de serviço

análogo à escravidão, menos de 5% consegue ser libertado. Em pesquisa, o Ministério do Trabalho e Previdência Social fiscalizou mais de 4.303 postos de trabalho, libertando cerca de 49 mil e 800 pessoas de condições precárias. Os grupos de controle, mais conhecidos como DETRAEs (Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo), funcionam desde 1995 e servem de base para acrescentar os nomes de instituições e empresas à “lista suja”. Essa “lista” foi alvo de polêmicas no segundo semestre de 2017, quando o presidente da República atuou para evitar sua divulgação. Além disso, o governo de Michel Temer publicou uma portaria estabelecendo que somente o Ministério do Trabalho poderia registrar os nomes à “lista suja. Dessa forma, a influência de empresas e terceiros no Ministério ficaria mais fácil. A fiscalização ainda é escassa, sendo o número de fiscais muito inferior ao de denúncias, dificultando assim a solução das queixas.


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Luta por transporte público pode resultar em auxílio para universitários em Venda Nova do Imigrante

Foto: Lavynia Lorenção

Estudantes da Ufes estão entre os possíveis beneficiados de Projeto de Lei Municipal

Pedido da permanência do transporte dos estudantes foi protocolado na Prefeitura da cidade Lavynia Lorenção

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ecisão de corte de transporte universitário por parte do prefeito de Venda Nova do Imigrante, Braz Delpupo, foi revogada na última terça-feira, 19 de dezembro, onde juntamente foi apresentado um Projeto de Lei (PL) que visa a regulamentação da distribuição de veículos utilizando de critério social. No final de novembro, a prefeitura de Venda Nova noticiou que o fornecimento de ônibus para o transporte de universitários seria cortado para o ano letivo de 2018, devido a contenção de gastos. De acordo com

a estudante de Direito, Isabelle Camporez, ao contatar o prefeito, ele afirmou não ser obrigação da prefeitura fornecer os veículos. Porém, após reuniões com representantes dos usuários e a ajuda de três vereadores, projetos para a regularização foram discutidos. O transporte universitário que leva estudantes do município para as cidades vizinhas de Castelo e Cachoeiro de Itapemirim, atualmente é custeado pelos próprios estudantes usuários que pagam, em média, o valor de R$70,00 por mês para que todos tenham como ter acesso as faculdades. Cerca de 200 estudantes utilizam diariamente os quatro coletivos disponibilizados pela

Secretaria Municipal de Transporte. O Projeto de Lei tem por objetivo criar um cadastro único e a utilização de critérios sociais que possibilitarão o auxílio do município aos estudantes que realmente necessitam de apoio.

“O dinheiro não cobre as passagens de ida pra casa, que com recursos limitados e aumento dos preços, está cada vez mais difícil de acontecer.”


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Além disso, ficará a critério do Poder Executivo Municipal suspender o transporte quando não houver disponibilidade financeira. “A ideia é organizar a concessão do auxílio, que hoje não tem regras muito claras. A prefeitura precisa ter acesso ao cadastro de usuários e acompanhar de perto”, afirmou o chefe de gabinete, Frederico Rodrigues, em entrevista à Radio FMZ. Apesar de mostrar-se satisfatório, o projeto prejudicará muitos acadêmicos, pois, de acordo com a representante dos estudantes, a universitária Flávia Cardoso, a maioria dos usuários do transporte é de baixa renda e não sobrará vagas para todos, já que essas passarão a ser limitadas. Quem não for beneficiado com o auxílio, caso precise pagar o valor integral, deverão desembolsar cerca de R$380,00 por mês. “O único pedido dos estudantes é que se mantenha do jeito que está sendo feito atualmente, porque com o novo modelo muita gente vai ter que trancar a faculdade se não conseguir vaga no critério social. Eu sou uma dessas que trancariam e muitos outros irão parar, pois não tem como bancar livros

mensalidade, lanche e ônibus.”, ´que “o auxílio que o prefeito Braz quer nos fornecer é de grandesabafa Flávia Cardoso. de ajuda e uma garantia de que Benefício para mais univer- iremos pra casa ao menos uma vez por mês, mas mesmo assim sitários não acho justo que prejudique Outra das reclamações prin- outros estudantes com essa decipais do grupo é de que estu- cisão.” Em nota, a prefeitura refordantes que residem em outras çou a criação do benefício para localidades como Vitória, Viçosa e Alegre, mas permanecem com universitáros de outras cidades. família no município, não deve- “Hoje, estudantes de Venda riam ser favorecidos pelo projeto Nova matriculados em instituipor não contribuírem em nada ções de ensino superior de dois para a economia da cidade, en- municípios são atendidos: Casquanto eles trabalham e conso- telo e Cachoeiro de Itapemirim. mem produtos locais, e recebe- Contudo, há vendanovenses em rem auxílios das universidades universidades de outras cidades dentro e fora do Estado, como federais. A estudante de biologia da Vitória, Alegre e Viçosa, em MiUfes, natural de Venda Nova do nas Gerais. Esses estudantes, no Imigrante, Sabrina Peterle, afir- entanto, não recebem nenhuma ma que a situação não está sen- forma de custeio por parte da do vista de forma correta pelos administração municipal.” Após a divulgação do Projeto representantes. “A ajuda que de Lei não houveram mais inforrecebemos mensalmente da universidade é pequena e ajuda no mações divulgadas por ambas pagamento do aluguel, alimen- as partes. Há a expectativas, por tação e transporte, que é apenas parte dos estudantes, de conclupara estudantes que moram a são da questão até o final de jamais de 3km da Ufes. O dinhei- neiro, antes do próximo período ro não cobre as passagens de ida letivo iniciar. pra casa, que com recursos limitados e aumento dos preços, está cada vez mais difícil de aconteQuem tem direito ao cer.” Reforça, complementando

Alunos que precisam do transporte reivindicam direitos

Foto: Reprodução / Rádio FMZ

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auxílio?

O direito de utilizar o transporte ou de receber o benefício financeiro, quando for o caso, só será concedido a quem atender a uma série de requisitos baseados em critérios sociais. Será preciso comprovar frequência de pelo menos 75% no curso matriculado; e receber até um salário mínimo ou ter renda familiar de até três salários mínimos; dentre outras exigências.


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