No Entanto - Edição 76

Page 1

Edição 76-Julho de 2017

Jornal Laboratorial Universidade Federal do Espírito Santo

Mães universitárias relatam dificuldades pág. 06

Direito ao prazer e masturbação feminina entra em discussão na sociedade pág. 5

Falta de resíduos prejudica coletores de associação em Vitória pág. 8

Jornalismo Gonzo: Testando cosméticos naturais pág. 13 Alunos da Ufes criam cursinho para comunidade trans e travesti pág. 3


No Entanto Jornal Laboratorial produzido pelos alunos do 3º período de Comunicação Social - Jornalismo da Ufes para a matéria Laboratório de Jornalismo Impresso Equipe Alice Soares, Ana Luiza, Artur Meireles. Carmen Oliveira, Daniel Pasti, Iury Demuner, Lucas Santos, Mariah Friedrich, Paula Romanha, Sthefany Duhz, Yvena Plotegher

Editoras Mariah Friedrich e Paula Romanha

Diagramação Alice Soares, Lucas Santos e Matheus Galvão Logo Gabriel Moraes Professor orientador Rafael Bellan

EDITORIAL Nesta 76º edição do No Entanto preparamos uma diversidade de assuntos que transcendem as vivências oferecidas pela universidade e se inserem em um campo ainda maior de discussão sobre temas autênticos, com o interesse de estimular o debate em torno de questões relevantes e que podem ser capazes de promover mudanças. As reportagens foram desenvolvidas por e para alunos da Ufes e nesta 4ª edição da turma 2016/1 você vai encontrar matérias sobre os desafios que a mulher enfrenta na sociedade, desde a vivência na universidade até a sua sexualidade, além de temas sobre consumo, cultura, mobilidade e projetos sociais alternativos. Apesar das dificuldades de produção enfrentadas por quem começa a construir seu lugar no jornalismo, o No Entanto continua com a sua proposta de revelar os olhares de nós, futuros comunicadores, sobre uma variedade de informações que acreditamos ser de interesse público. Durante todo o período pudemos aprender mais sobre tudo envolvido na produção jornalística. Desde a produção das pautas, até a edição das reportagens, nos preocupamos em levar conteúdo de qualidade aos nossos leitores. Foi um prazer escrever para vocês neste período. Aproveitem a leitura! A turma.

ERRATA

Sigam-nos no Facebook! Para sugestões de pauta, críticas e dúvidas, entrem em contato: fb.com/JornalNoEntanto

Na última edição do jornal No Entanto, na matéria “Dinheiro de fiéis constrói fortuna livre de impostos”, foi informado que Valdemiro Santiago é pastor da Igreja Universal, entretanto, Valdemiro se desligou dessa igreja em 1998 e fundou a Igreja Mundial do Poder de Deus, a qual pertence até hoje.


No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

3

TravestiVest, uma organização para inclusão

E

Estudantes da Ufes se mobilizam para iniciativa de pré-vestibular para trans

m meio ao avanço do conservadorismo e da inexistente assistência de políticas públicas para pessoas trans no Brasil, um grupo de alunos de psicologia da Ufes resolveu por conta própria iniciar um projeto de pré-vestibular exclusivo para transexuais, travestis e não-bináries, o TravestiVest. O projeto iniciou no dia 15 desse mês no Centro de Referência da Juventude com aulas voluntárias e materiais didáticos arrecadados por doações. Castiel Vitorino, bicha preta não-binária, universitária da Ufes, conta que o projeto TravestiVest vai causar um avanço importante para a inclusão da população trans e travesti no meio universitário. “Nós enfrentamos muitas barreiras na vida e uma delas é a educação, acredito que o TravestiVest abriria mais portas para essas pessoas”, afirmou ela. Também foram ressaltados os preconceitos e as dificuldades encontradas na permanência na universidade. “Entrar na academia é apenas uma barreira vencida, permanecer aqui também é complicado por faltar assistência, segurança e a administração da Ufes ser omissa nos casos de transfobia”, finalizou. A organização TravestiVest está funcionando todos os sábados pela manhã no Centro de Referência da Juventude (CRJ) de Vitória e abrange todas as categorias de gênero da população trans e travesti. “Todos os organizadores e professores são voluntários, a maioria inclusive é estudante da Ufes” conta

Matheus Soave, estudante de psicologia e um dos organizadores do projeto, “encontramos muita burocracia em efetuar as aulas na universidade, que era a ideia inicial, então o CRJ foi a melhor alternativa”. Ele ainda disse que careciam de alimentos para oferecer aos alunos nos intervalos e que todos os tipos de doações seriam aceitos.

Avanço do conservadorismo brasileiro Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatistica (Ibope), feita no final de 2016, indica que 54% dos brasileiros estão demarcados com alto grau de conservadorismo e apenas 7% está abaixo de qualquer índice conservador. A pesquisa foi feita com indivíduos de todas as faixas etárias, classes sociais, etnias e religiões, girando em torno de questões sociais, como casamento homoafetivo, legalização do aborto, políticas públicas para trans e redução da maioridade penal. Os últimos dados coletados pela Secretaria de Direitos Humanos expõem um aumento de 166,09% dos casos de homofobia e de 46,6% de violações de direitos humanos aos LGBTs nas mídias audiovisuais entre 2011 e 2012. A violência psicológica e a discriminação direta correspondem a quase 90% dos casos registrados, sendo 59% deles vindo de pessoas conhecidas da vítima.


4

No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

DIVERSIDADE

Coca-Cola estampa latinhas em ação contra homofobia Foto: Divulgação

A edição especial foi uma ação interna para funcionários da empresa.

A

LUCAS SANTOS

frase “Essa Coca-Cola é Fanta. E daí?” que faz uma crítica ao trocadilho homofóbico, veio estampada nas latinhas, não comercializadas e exclusivas para funcionários, de refrigerante Fanta Laranja em homenagem ao Dia Internacional do Orgulho LGBT+. “Criamos uma lata especial para reconhecer quem ignora rótulos, desafia os preconceitos e assume quem realmente é. Essa Coca é orgulho. Essa Coca é respeito. Essa Coca é Fanta”, ressalta a mensagem localizada na parte de trás da lata. O publicitário capixaba Jean Zamprogno, que atualmente reside em São Paulo, foi o responsável pela ideia de marketing da empresa e conta como essa representatividade é necessária nos dias atuais. “Acredito que uma marca é como uma pessoa, e por isso tem que se posicionar diante de algumas questões importantes. Uma marca em cima do muro é uma marca irrelevante”, explica. “No caso da CocaCola, uma empresa tradicional e profundamente inserida na cultura da família brasileira, isso é ainda mais necessário”, acrescenta. A mensagem com viés ativista que a empresa passou chegou até a internet por meio das fotos compartilhadas por funcionários da empresa, e o publicitário comemora que ideias como essa estão sendo propagadas de forma positiva na internet. “Acho que a ideia foi um sucesso porque ela aconteceu de uma maneira muito espontânea desde o começo, já que foi uma

ação interna para os funcionários da Coca e agora, com o compartilhamento, todos estão pedindo para que o produto seja comercializado de verdade. A diferença foi justamente essa, não teve um real de investimento de mídia, foi tudo de dentro pra fora”, relata. O publicitário ainda conta um pouco sobre a ideia de inverter o que é passado pelo jargão homofóbico e fala sobre o que a ação da empresa pode gerar na sociedade. “’Essa Coca é Fanta’ é uma expressão típica do preconceito brasileiro, que se disfarça no humor para ofender. Daqui pra frente, toda vez que alguém disser essa frase, ela vai vir acompanhada de um ‘e daí?’”, finaliza. Com a divulgação online, membros e não-membros da comunidade LGBT+ comemoraram a diversidade na ação proposta pela Coca-Cola. A estudante Beatriz Santos considera a campanha necessária na atual conjuntura. “Apesar de eu não pertencer à comunidade LGBT+, acredito que ações como essa contribuem fielmente a liberdade de gênero, pois na sociedade conservadora que vivemos, campanhas

como essa da Coca são necessárias para que o preconceito contra essa comunidade tenha um fim”, explica. A Natura foi outra empresa que decidiu apostar em uma campanha que celebra a diversidade, no dia 16 de maio estava no ar o comercial “Simpatia para amarrar o seu amor”, que tinha como protagonista um casal lésbico. O vídeo foi divulgado um dia antes do Dia Internacional de Combate à Homofobia, celebrado no dia 17 de maio, e viralizou na internet com diversas mensagens positivas de apoio a empresa. Dia do orgulho LGBT

Comemorado sempre no dia 28 de junho em todo o mundo, o Dia do Orgulho LGBT celebra um episódio ocorrido em 1969, na cidade de Nova Iorque. Um grupo de ativistas da causa se rebelou contra constantes batidas policiais no bar Stonewall Inn, frequentado pelos militantes. Desde então, diferentes cidades do mundo realizam eventos semelhantes, na luta por direitos iguais.


No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

SEXUALIDADE

5

Direito ao prazer: mastubarção feminina em debate ANA LUIZA DIAS

A

sexualidade feminina foi historicamente reprimida por uma sociedade que se configura como androcêntrica (centrada no homem e seus desejos pessoais). Nessa configuração patriarcal, o corpo feminino é historicamente visto como algo apenas para a reprodução. Hoje as mulheres reivindicam que a masturbação deixe de ser um assunto tabu, para ser discutida abertamente, permitindo que elas aflorem seus desejos e exponham suas vontades. A professora do curso de Comunicação Social Gabriela Santos Alves expõe que para as mulheres não há um estímulo à masturbação. “Essa sexualidade sempre foi negada, tanto que há um desconhecimento do corpo e principalmente da sexualidade. Ter prazer com o seu próprio corpo é algo emancipador e revolucionário e para a sociedade é interessante que continuemos submissas”, explica. Ela acrescenta que essa sexualidade é negada de várias formas, como no não aprofundamento de estudos da medicina acerca do clitóris, órgão feminino com função exclusiva de propiciar prazer. “É um órgão que não aparece nos livros e a vagina sempre é representada somente com suas partes externas,

Maturbar-se pode ser um ato de resistência ao machismo dessa forma ele é desconhecido até para muitas mulheres” ressalta ela. A jornalista e mestranda em comunicação Pâmela Vieira ressalta que frases como “senta igual mocinha”, “fecha essas pernas” ou “tira essa mão daí” são comuns para as meninas desde pequenas e desencorajam gradualmente a vontade de conhecer o próprio corpo. A mulher é criada para ter uma ideia passiva do sexo, ou seja, sempre esperar pela atitude do homem. “Não somos criadas para pensar no nosso corpo como um instrumento de prazer e nem para pensar as nossas atitudes em busca desse prazer”, afirma. Essa repressão também é enfatizada por dogmas criados para que as mulheres sintam-se culpadas com o ato da masturbação. Pâmela comenta que a associação do prazer feminino ao pecado fortalece esse sentimento. “A questão é associar o prazer feminino a uma coisa suja, sendo uma coisa menor e que tem menos importância, é como se a mulher estivesse sempre cedendo na atividade sexual, com isso a sociedade sufoca as discussões”, aponta. A psicóloga Elaine Bello Bonorino organiza trabalhos com grupos de mulheres e diz que a questão que

se faz presente é a superação da vergonha, portanto, é preciso desmistificar fatos sobre o assunto. “Encontra-se na internet muito material fantasioso e irreal, por isso é importante retirar dúvidas com profissionais e falar sobre o assunto de uma forma tranquila”, relata. A masturbação também se interliga com o entendimento da mulher acerca dos seus desejos e limites no ato sexual. ”Quando a mulher tem consciência de que não é um homem que vai resolver sua vida sexual e sim ela mesma, isso evita muitas armadilhas, como a do relacionamento abusivo, por exemplo, então esse conhecimento se constrói com essa tomada de consciência e com discussões sobre o assunto” afirma Gabriela. Os benefícios do prazer adquirido com o ato de se masturbar são importantes para que a mulher se relacione melhor consigo mesma e também em outras relações afetivas. “Acredito que em primeiro lugar, ter a consciência de que a mulher consegue realmente ter prazer sozinha é algo revolucionário, por isso, é importante ouvir outras mulheres, partilhar experiências e focar no prazer individual, de forma que se pense ‘vou gozar para mim mesma’”, completa Pâmela.


6

No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

ASSISTÊNCIA

Ufes apresenta nova medida para auxiliar pais universitários

Mães relatam as dificuldades enfrentadas para ajustar as atividades acadêmicas com os filhos

Foto: Iury Demuner

IURY DEMUNER

O

auxílio creche é a nova política de assistência estudantil da Ufes para estudantes com filhos. A medida faz parte de uma das dez áreas de desenvolvimento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). O valor de R$ 200 contemplará estudantes assistidos que tenham filhos de até seis anos incompletos, a partir de setembro de 2017, com prioridade para crianças de até três anos. Um levantamento de 2015 aponta que o custo médio de meio período em uma creche particular na Grande Vitória varia entre R$ 700 e R$ 800, três vezes maior que o valor do auxílio ofertado pela universidade. Além do novo auxílio, os estudantes têm direito a 25% das vagas do Centro de Educação Infantil Criarte. Porém, a dificuldade de conseguir uma vaga na creche é grande, devido à alta procura e aos cortes no orçamento ocorridos na instituição. “Os números de vagas são pequenos e a turma de um ano foi retirada na época do Davi, quando ele completou dois anos a turma também foi sus-

pensa, ou seja, a universidade não proporcionou que eu pudesse estudar e deixar meu filho próximo a mim” relatou a estudante Olga, mãe do Davi de três anos. A dificuldade em conciliar os cuidados com as crianças e as atividades acadêmicas também é apontada pela estudante Lana Barbara. “Quando o bebê acaba de nascer o sono dele não é regular, acabamos perdendo noites de sono e temos de fazer as atividades para entregar nos prazos, é bem complicado” disse a graduanda de história, mãe do recém-nascido Heitor. Outro problema para as mães é a perda de aula junto da explicação do professor no período de licença maternidade, tendo só os textos para orientação das atividades avaliativas.

Novas propostas Alguns projetos para aumentar o auxílio aos pais universitários estão em trâmite na Ufes, entre eles a ampliação da licença maternidade de 120 para 180 dias e o aumento no percentual do número de vagas na Criarte, passando de 25 para 40%.


No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

CIDADES

7

Moradores da Grande Vitória sofrem com dificuldades de mobilidade urbana

Apesar de medidas adotadas em benefícios do transporte, cidadãos exigem melhorias

Foto: Alice Soares

YVENA PLOTEGHER

F

alta de ônibus, atrasos, lotação e insegurança são situações presentes na realidade de muitos moradores da Grande Vitória. Eles enfrentam diariamente estes e outros problemas relacionados ao transporte público. Aqueles que buscam alternativas, como a bicicleta ou a caminhada, se deparam com a falta de ciclovias, buracos e calçadas desniveladas. De acordo com o estudante de Física da Ufes Arthur Schiavo, as faltas de ônibus em algumas linhas e as superlotações nos coletivos atrapalham o uso do sistema Transcol. “Algumas linhas têm as frotas de ônibus muito reduzidas, então os horários são muito ruins. Outra coisa é que como a frota tem diminuído, os ônibus estão cada vez mais cheios”, explica. As prefeituras têm buscado outros meios de amenizar o problema. Em maio do ano passado, a prefeitura de Vitória implementou o

Ciclista precisa recorrer à calçada pela falta de ciclovia na Reta da Penha

Sistema de Bicicletas Públicas Bike Vitória, com o intuito de ser uma opção de transporte sustentável. Usuário desde sua criação, o professor de inglês Henry Antoni elogia o sistema, mas diz que é possível melhorar. “Deveria ter estações em mais lugares como em Maruípe, por exemplo, que não tem. Deveria abrangir mais esses bairros internos de Vitória, porém eu acho que funciona bem”, relata. Antoni também comenta sobre a falta de ciclovias nos trajetos que percorre. Segundo ele, ir do Centro até a Ufes é complicado devido a esse fator. O estudante de Publicidade da Ufes Luiz Otávio Calado que mora em Vila Velha e utiliza a bicicleta para chegar à faculdade também reclama da falta de ciclovias no seu percurso, o que já resultou em quedas e quase atropelamentos. Porém prefere utilizar a bicicleta como meio de transporte por evitar o trânsito, poluir menos e ainda

ser uma atividade física. Em 2014, devido à crise econômica, o governo do Estado suspendeu a implantação do sistema BRT (Transporte Rápido por Ônibus) que propõe um transporte mais rápido, confortável e seguro, por meio de uma infraestrutura segregada. O projeto era anunciado como grande promessa de melhoria na mobilidade urbana na Grande Vitória. Este ano as prefeituras de Vitória e Vila Velha começaram movimentações com o intuito de instaurar um sistema turístico de balsas, ligando a Prainha à Praça do Papa. A princípio, o serviço funcionaria apenas de sexta a domingo, limitandose ao turismo e lazer, mas não é desconsiderada a hipótese de extensão durante a semana. Seria assim, o primeiro passo à retomada do aquaviário, que funcionou entre a década de 1970 e 2000 no Espírito Santo.


8

No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

TRABALHO

Falta de resíduos prejudica coletores Associação dos catadores de materiais recicláveis buscam alternativas para superar as dificuldades e continuar exercendo essa atividade por meio do cooperativismo

M

ARTUR MEIRELES Foto: Artur Meireles

esmo com diversos obstáculos, a ASCAMARE (Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Vitória) sobrevive de contratos e parcerias, para que seus 33 coletores associados possam continuar utilizando dessa prática como forma de obter renda. A instituição cooperativa existe há 18 anos, e atualmente fica localizada em um galpão no bairro Constelação, em Vitória. No antigo galpão que ficava a associação, em Goiabeiras, ocorreu um incêndio em 2013, e desde então os coletores passaram a trabalhar em um espaço improvisado sob um toldo, com condições precárias, até junho deste ano, quando conseguiram alugar um novo galpão através de um contrato com a Prefeitura de Vitória. A associação funciona dentro do princípio do cooperativismo. Após a venda do material triado, as despesas são pagas com o recurso ganho e o restante do valor é dividido igualmente entre todos. Segundo o presidente da ASCAMARE José Carlos Santana, 50 anos, associado há 11, o recurso não é muito, mas é suficiente para que eles paguem suas contas. O novo galpão proporcionou melhores condições de trabalho, mas a falta de resíduos continua sendo um problema. “Resíduos gera muito dinheiro, mas aqui é o lugar onde chega menos”, declara. O contrato estipula que eles cumpram uma meta de 70 toneladas mensais para que seja enviado o valor do aluguel do espaço, e caso não seja cumprida, o dinheiro não é repassado por completo. Por isso, quando necessário,

Associados da ASCAMARE realizando triagem dos materiais.

trabalham até mais tarde, e até mesmo em feriados ou finais de semana, para cumpri-la. “O importante é final do mês a gente ter nosso dinheiro para pagar aluguel e sustentar a família”, explicita. Embora possuam um carro, não realizam coleta pelo fato de ainda não terem motorista. Os resíduos são enviados pela prefeitura através de um programa de coleta seletiva, porém a quantidade que encaminham para a associação não é suficiente, e o município diz não ter condições de enviar mais materiais. Como escape, procuram estabelecer parcerias com empresas para que elas levem seu próprio material. A assistente social da ASCAMARE, Tereza Rosa de Souza, 45 anos, dá suporte aos associados, trabalhando com eles a geração de serviço e renda, além de auxiliar na administração. Ela busca parcerias e também capacitação para que eles possam se organizar, pois em sua maioria são pessoas de baixa escolaridade e por isso possuem dificuldade em realizar sozinhos a gestão. O jovem Carlos Henrique Salles Santana, 19 anos, está na associação há pouco tempo, junta-

mente com seus pais. Ele acredita que a instituição é uma oportunidade de conservar o meio ambiente ganhando dinheiro para ajudar sua família, e que a boa convivência dos associados facilita o desenvolvimento no local. “É um trabalho cansativo, mas dá para seguir em frente”, comenta. Da coleta ao desenvolvimento cultural Uma das parcerias da associação é a Igreja Batista Morada de Camburi, que envia material reciclável e doações para eles, como roupas e alimentos. A entidade religiosa ministra aula de canto para os coletores, que deu origem ao Coral ASCAMARE, que já realiza apresentações em abertura de eventos, além de aulas de violão, sendo que conseguiram todos os instrumentos por meio de doação. Ruth Vieira Rosa, 61 anos, associada na ASCAMARE há 9, também participa do coral e mesmo com as dificuldades, acredita que é um bom espaço para trabalhar e interagir. “Daqui sai o meu ganha pão. Passo mais tempo aqui do que em casa, e todos possuem uma boa relação”, relata.


No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

CONSUMO

9

Novo conceito de brechó chega à Vitória Clientes são atraídos por uma nova forma de comercializar produtos da moda já utilizados

A

PAULA ROMANHA

ideia do brechó como um lugar bagunçado, onde só existem produtos em mau estado de conservação ou de coleções antigas já não está mais em uso. Um novo conceito de brechó está tomando conta das principais cidades do Brasil. O que antes era visto apenas como uma forma de economizar comprando roupas ou acessórios baratos, agora está se transformando num ponto de moda alternativa, unindo bom gosto e qualidade. De acordo com pesquisa realizada pelo SEBRAE em 2016, o número de empresas desse segmento no Brasil cresceu 210% nos últimos cinco anos. E não demorou muito para que esse novo padrão chegasse à Vitória. Comerciantes da capital enxergaram nesse novo negócio uma grande oportunidade, como relata Antônio Ferreira, proprietário do

Foto: Paula Romanha

Balacobaco Brechó, localizado no bairro Jardim da Penha. “A ideia surgiu quando eu morei por um tempo em São Paulo, minha esposa frequentava alguns brechós de lá, daí quando voltamos para Vitória começamos a ter vontade de trazer esse novo conceito que conhecemos para cá, porque era muito diferente de tudo que tínhamos aqui”, comenta Antônio. Ainda de acordo com o lojista, existe um tabu quando se fala em brechó, as pessoas ainda possuem desconfiança em torno da ação de comprar algo que já foi utilizado anteriormente. “No começo até eu tive um pouco de preconceito, mas com o tempo, visitando alguns brechós, percebi que o que existe é um tabu, que vem sendo quebrado aos poucos”, explica. Em busca de um ambiente diferenciado, os proprietários investem na decoração e também apos-

tam na organização como forma de atrair os clientes. Peças etiquetadas, organizadas por tamanhos, modelos e cores são um diferencial. De acordo com Antônio, essa é também uma forma de popularizar a moda. “Esse novo modelo de brechó possibilita às pessoas o acesso a peças de marcas de grifes que antes não podiam comprar, devido o valor original da loja, isso é uma forma de democratização da moda, sem falar no consumo consciente que esse conceito do brechó gera”, finaliza ele. A internet também é uma aliada para os investidores desse comércio, além da divulgação do estabelecimento, os empresários utilizam as redes sociais como pontos de vendas online desses produtos, o que exclui a necessidade de um imóvel, gerando menos despesas e cada vez mais lucro.


10

No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

COMPORTAMENTO

Cultura de consumo se intensifica e afeta população

Redes sociais e internet são responsáveis por expandir a quantidade de compras Foto: Alice Soares

ALICE SOARES

O

s costumes dos brasileiros não são mais os mesmos, a prática de compras é um dos aspectos alarmantes dessa mudança. A quantidade de produtos adquiridos é outra e o próprio jeito de comprar mudou: hoje, não é difícil encontrar alguém que prefira fazer compras online. A pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil, 2016), “O perfil de consumo das mulheres brasileiras”, comprova que 65% das entrevistadas afirmam ter mudado seus hábitos de compra ao acompanhar posts nas redes sociais. Segundo o economista, formado pela Universidade Federal de Viçosa, César Alves, além da facilidade de compra online, também as pessoas são influenciadas pelo que é postado e compartilhado nas redes sociais, alterando hábitos de consumo e decisões de compra. “Toda a experiência de compra é voltada às consumidoras, sendo que cada tipo de decisão pode ser diferente de acordo com o gênero de quem vai comprar”, completa. A mudança no jeito de consumir gerou também uma alteração na forma de divulgação de produtos e as lojas físicas investem cada vez mais em divulgação por meio das redes sociais. A loja de Ludmila Pires tem páginas no Facebook e no Instagram atualizadas constantemente com os produtos e promoções. Ludmila relata que após a criação das páginas as vendas aumentaram. “As redes sociais aumentam as vendas, sim. Uma mídia bem feita desperta a

Simoni mostra vestido que comprou em leilão online.

curiosidade do cliente a respeito dos produtos, além de possibilitar que as vendas sejam feitas para outros lugares do país” disse. A funcionária pública Simoni Zucoloto é uma das várias mulheres que tem seus meios de consumo influenciados pelas redes sociais. “Hoje compro quinzenalmente e posso considerar isso pouco, já fui compulsiva”, relata. Ela conta que costumava comprar roupas em leilões simplesmente por achá-las bonitas e acabava, muitas vezes, comprando roupas que nem serviam em seu corpo. Para Simoni, as redes sociais tem grande peso no que diz respeito à vontade de comprar. “Você acaba vendo algumas novidades que as pessoas estão usando e sente vontade de usar também. É o batom de uma cantora ou o esmalte da ‘atriz tal’ e quando vê já foi influenciada por isso”, desabafa. O hábito de consumo excessivo fez com que a funcionária pública se endividasse e acabasse sem espaço para guardar suas coisas. Hoje, após vender e doar grande parte de seus per-

O ato de comprar compulsivamente não é apenas um prejuízo financeiro como também psicológico. Elaine Bonorino

tences ela ainda possui uma quantidade considerável de roupas, sapatos e bolsas, sendo que, muitos deles, nunca foram utilizados. A psicóloga Eliene Bonorino explica que o número de pessoas compulsivas por compras têm crescido e é importante encarar esse processo como uma doença, que precisa de cuidados, para que haja a recuperação. “O ato de comprar compulsivamente não é apenas um prejuízo financeiro como também psicológico. A pessoa vê nas compras um meio de aliviar o estresse e a ansiedade, mas acaba sentindose culpada depois e comprando de novo para aliviar esse sentimento. É um ciclo vicioso”, acrescenta.


No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

CULTURA

11

Nova geração de mulheres na literatura desponta no estado

Coletivos e grupos feministas se organizam para fomentar a literatura feita por mulheres no Espírito Santo CARMEN OLIVEIRA

Foto: Carmen Oliveira

E

m meio ao surgimento de grupos e projetos que se apoiam no feminismo, uma vertente em particular tem chamado atenção no estado: a da literatura feita por mulheres. De diversas idades, elas têm buscado criar e participar de iniciativas que mudem o rumo do domínio masculino que encontramos na literatura do cenário nacional e estadual. Uma dessas iniciativas, do coletivo Boas de Prosa, formado por Isabella Mariano e Juane Vaillant, é o projeto Elisas, uma oficina literária apenas para meninas que desejam saber mais sobre literatura, escrever e conhecer o mercado editorial. “O objetivo principal é estimular a escrita criativa das alunas e mostrá-las que é possível sim ser mulher e produzir literatura, mesmo em um mercado dominado por homens”, conta Isabella. O resultado do projeto Elisas foi a coletânea “Elas em órbita”, que reúne 48 textos de meninas e mulheres, fruto da paixão por literatura, educação e feminismo de suas participantes. “O mercado edito-

rial, hoje, é dominado por publicações de autores homens, ainda que as mulheres estejam sempre no topo de vendas. É preciso estimular a escrita das mulheres, é preciso mostrar que existe essa possibilidade”, disse Isabella, que também cursa mestrado em Comunicação e Territorialidades e pesquisa a relação da imprensa capixaba com casos de violência contra a mulher. O feminismo e a vontade de ocupar um espaço dominado por homens há tantos anos transparece na temática das obras das autoras capixabas. O projeto Elisas recebe esse nome por causa de uma delas, a atriz e poeta nascida em Cariacica, Elisa Lucinda, que em suas poesias expõe vivências e traços da identidade da mulher negra brasileira. Aos poucos, estudantes e meninas que gostam de escrever têm conquistado lugares em eventos para expor suas obras. A estudante de jornalismo na Ufes, Lydia Spinassé, teve a oportunidade de recitar algumas de suas poesias na Festa de aniversário de 25 anos

do Fórum de Mulheres do ES. Ela conta que espaços como esse são muito importantes para que as mulheres se expressem artisticamente, já que conhece muitas que produzem arte, mas não se sentem encorajadas a mostrá-las para as pessoas. “Conheço muitas mulheres que vivem dizendo que escrevem ou desenham mas que não mostram pra ninguém, pois eu sempre digo que mostrem para o mundo que você está resistindo a ele e produzindo arte e amor”, defende Lydia. A estudante também falou sobre a relevância da arte feita por mulheres. “Acho que nós, mulheres, somos muito mais desencorajadas a sermos artistas e, então, temos essa tendência a nos esconder e a se autocriticar. Só o fato de uma mulher produzir arte já é algo revolucionário, porque somos muito ensinadas a reprimir o que sentimos, então conseguir expressar as nossas emoções, principalmente de maneira artística, é uma conquista incrível”, explica.


12

No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

EDUCAÇÃO

Famílias se unem para trazer ensino Waldorf para Vitória

Iniciativa funciona há quatro anos como espaço de recreação em Maruípe. Objetivo é se tornar a primeira escola da capital a aplicar a proposta MARIAH FRIEDRICH

A

Foto:Mariah Friedrich

s paredes da casa são pintadas com cores quentes e pasteis, para lembrar o conforto uterino. Nos quartos de brincar, objetos feitos com materiais naturais permitem que as crianças usem a criatividade. Na parte externa, as árvores, a terra e as plantas fazem parte dos brinquedos oferecidos aos pequenos. Localizada no bairro Maruípe, Vitória, a Associação Beija-Flor existe há quatro anos com objetivo de construir a primeira escola do estado que oferece o método Waldorf, um dos maiores movimentos independentes de educação no mundo. A pedagogia é uma das aplicações dos princípios antroposóficos do filósofo austríaco Rudolf Steiner. O físico Alexandre Custódio é um dos fundadores da Associação Beija-Flor e descreve a proposta dessa pedagogia: “Imagine que a criança é um alienígena que chega no mundo, o diferencial é na Waldorf fazer com que ela percorra os caminhos que a humani-

dade percorreu, ensinar estágios anteriores do desenvolvimento da humanidade para introduzir a criança aos poucos”, explica. Segundo Karime Marcenes, umas das professoras do projeto, o diferencial é olhar para a criança como um ser humano em fase de desenvolvimento. “A proposta é trazer para essa criança os “alimentos”, os “elementos” necessários para o desenvolvimento daquele ser humano, que ainda vai fazer muita coisa no mundo, mas para aquela faixa etária”, acrescenta. O desejo de trazer uma Escola Waldorf para Vitória surgiu de famílias, com crianças pequenas ou ainda bebês, insatisfeitas com as propostas de educação oferecidas na região. Inicialmente os pais se reuniam em grupos de estudo sobre a antroposofia que deram origem à criação da associação em dezembro de 2013. As crianças têm idades entre 1 ano e meio e 6 anos e são divididas nos ambientes de maternal e

Antroposofia: doutrina filosófica baseada na consciência da realidade como acessível espiritualmente através dos sentidos corporais e da experiência interna.

jardim. A associação não tem fins lucrativos e a mensalidade é revertida na manutenção do espaço, rateada entre os pais por R$1055 por turno. O objetivo é que em alguns anos o espaço seja reconhecido como uma escola Waldorf. A servidora pública Júlia Demuner é mãe de Ana Luísa, de 1 ano e meio. Ela conheceu a iniciativa no ano passado e desde então começou a participar dos grupos de estudo e oficinas realizadas pela associação. “O emprego do futuro vai depender de criatividade, não vejo nenhuma outra escola no estado prezando por isso. É tudo copiar, repetir e eu não acho que isso seja um método do futuro”, critica. Outra integrante da Beija-Flor é a americana Vera Swift, que começou a estudar Antroposofia e Pedagogia Waldorf nos anos 90 e participou de conselhos administrativos de escolas Waldorf na Flórida. “O conceito fundamental de uma escola Waldorf é muito diferente e ao mesmo tempo existe há muito tempo, tem escolas há cem anos, mas elas florescem nos grandes centros econômicos e culturais. Por isso a gente fica tão animado de ver essa iniciativa aqui. Isso é também um O Kantelê é um instrumento com afinação pentatônica usado nos momen- efeito do desenvolvimento econôtos de contação de história e canções mico e cultural de Vitória”, avalia.


No Entanto Edição 76 - Julho de 2017

GONZO

13

Final de semana de princesa universitária Cuidei das madeixas e do rosto com artigos caseiros e ainda produzi academicamente STHEFANY DUHZ CAVACA

O

lá meninas, tudo bom? Neste fim período, eu vou ensinar vocês como ter um fim de semana de princesa universitária! E mais: conto como foi cuidar do rosto e das madeixas com produtos feitos em casa. Uma confissão: inicialmente, essa coisa de produzir cosméticos me inquietou. O receio era de tomar muito tempo e de eu não conseguir lidar com as demandas acadêmicas. Pois bem, minha escolha foi simples: produtos caseiros fáceis de fazer (e úteis). Parti para o esfoliante, a máscara hidratante e a mistura de vinagre de maçã. Por já ser adepta do low poo*, juro que não me vi em um universo tão distante desses produtos naturais. Inclusive, logo de cara, comecei a tratar as madeixas. No sábado, lavei normalmente com meu xampu. Não apliquei condicionador porque meu cabelo tem uma certa oleosidade e a proposta inicial do cosmético caseiro é reduzi-la. Para isso,

fiz uma receita que consiste em uma colher de sopa de vinagre de maçã orgânico e cinco colheres de sopa de água. Borrifei no cabelo todo e deixei secar naturalmente. Não é que deu certo? Ajudou a reduzir real aquele óleo chato, que quem sofre de sebosidade capilar sabe como é. Fiquei com os cabelos limpos e secos, só não tão cheirosos, porque vinagre, né, mores... No domingo, investi no cuidado com o rosto; fiz o esfoliante de açúcar e azeite e a máscara de aveia e mel. Esfoliação renova a pele, além de dar aquele ar mais saudável que precisamos num fim de semestre exaustivo. Usei açúcar com o azeite de oliva (pode ser óleo de coco também). Misturei tudo até chegar a uma pasta granulosa e passei no rosto em movimentos circulares e com cuidado. A máscara de mel e aveia veio logo em seguida e, gente, dá vontade de lamber o próprio rosto. Aquele cheirinho de mel, nossa! Mas calma, a ideia é reduzir aquelas es-

pinhas chatas, e a combinação é excelente para tratar esse problema. O mel, inclusive, é uma substância calmante, antibacteriana e hidrante. É ótima para reduzir as impurezas, limpar e nutrir o rosto. A receita também é simples: uma colher de sopa de aveia em pó e duas colheres de sopa de mel. Misturei, coloquei um pouco de água e apliquei no rosto. Deixei por meia hora. Depois lavei o rosto normalmente. Olha, as atribulações e prazos consomem nossa rotina acadêmica. E muitas vezes esquecemos e deixamos para segundo plano algo tão primordial: cuidar de si. Foi uma experiência que inclusive eu já tinha pensado, mas não dedicado um tempo para isso. É algo que incluí na minha rotina, pois dedicar algumas horas a produzir os cosméticos caseiros e testá-los em mim foi relaxante, inspirador, despertou o cuidado afetuoso comigo e, veja bem, descansei a mente para conseguir conciliar com as pendências da semana. #ficadica

Cabelo após a mistura de água e vinagre de maçã

Mistura de mel e aveia para esfoliação facial

Esfoliação facial feita com mel e aveia


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.