Jornal Laboratorial - Ufes
Edição 93 - Outubro 2018
Entanto
Apesar dos traumas da Ditadura Militar, há quem ainda a defenda
Nem todos concordam com os registros históricos e estudos acerca das consequências dos 21 anos de autoritarismo no Brasil P. 6
PREFEITURA PROMOVE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM VITÓRIA Secretaria Municipal de Meio Ambiente desenvolve P. 3 ações para conscientização popular.
Famílias afetadas aguardam indenizações enquanto Samarco planeja retomada de atividades de mineração. Poder de influência da mineradora é criticado em relatório da UFJF. P. 4
CENTRO HISTÓRICO DE VITÓRIA AFASTA PÚBLICO DEVIDO AO ABANDONO Edificações da região mais antiga de Vitória estão deterioradas
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Foto: Luiz Gustavo Rossi
Foto: Semmam
Foto: Herone Fernandes Filho
Impunidade marca os três anos do crime de Mariana
EDITORIAL
EXPEDIENTE
EDIÇÃO e redação Alexandre Barbosa André Carlesso Isadora Wandenkolk Luíz Gustavo Rossi Maria Alice de Sá Sara de Oliveira Síntia Mara Ott
arte e DIAGRAMAÇÃO Isadora Wandenkolk Maria Alice de Sá
DIGITAL E MÍDIAS SOCIAIS Jonathas Gomes Júllia Cássia Julia Lopes Lara Favaris Leonardo Miranda Maeli Rhayra
Estagiária Nathalia Esteves
Dia após dia nota-se que a desvalorização do jornalismo no cenário político atual, enquanto fonte de informação confiável e agente de denúncia de utilidade pública, abre fendas muito oportunas para o surgimento de discursos e ações extremistas, que ferem a dignidade humana e a democracia. Por isso a racionalidade parece entrar em transe quando se avança ao oponente partidário, esfaqueando-o doze vezes. A notícia que relata a brutalidade é tachada de tendenciosa, imparcial. Certamente a motivação do ataque não foi partidária. A denúncia de fraudes durante o período de campanha eleitoral é, na verdade, um serviço de cabo eleitoral para o outro partido. A ditadura Militar nunca existiu. A violência não é estrutural. As reservas indígenas impedem o progresso da agricultura. Será mesmo? Essa indagação é o contraponto que garante a sobrevivência da democracia, da Constituição e da diversidade. É o porém, o contudo e o no entanto. É o questionamento que faz jus à coletividade. É a liberdade de imprensa que anda de mãos dadas com a liberdade de expressão de cada indivíduo da sociedade civil. Portanto, é hora dar a devida importância para o trabalho jornalístico que instiga, intriga e desperta. São atributos que tentamos incrementar nessa edição do NoE. Não apresentaremos críticas e questionamentos de forma escancarada mas, sem dúvidas, eles estão aí, permeando os resultados de mais esse esforço coletivo. Esperamos que o conteúdo a seguir seja proveitoso para você. Boa leitura e até a próxima edição. Turma de jornalismo 2017/2
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Gabriel Moraes
PROFESSOR RESPONSÁVEL Rafael Bellan
NoE nas redes NoE
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NoEntanto Jornal laboratorial produzido pelos alunos do terceiro período do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo.
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MEIO AMBIENTE
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educação ambiental chega aos Parques de Vitória As ações têm o objetivo de produzir uma relação sustentável entre os seres humanos e o meio ambiente. por Sara de oliveira disso, esses espaços possuem estrutura predial com centros para visitantes, área de recreação, mirantes, trilhas, entre outros. Eles estão abertos de terça a domingo, de 8h as 17h.
Prevenção de incêndios faz parte de ações da Semman Um dos objetivos desses projetos é a prevenção de incêndios e queimadas, como o que atingiu o Parque Natural Municipal Vale do Mulembá, vizinho do Parque Tabuazeiro, em Vitória. O incêndio aconteceu no dia 4 de outubro e durou cerca de três horas e meia. De acordo com o Relatório de Ocorrência de Incêndio (ROI), que é um documento de monitoramento da Semmam, a área afetada foi cerca de 6.800m². O laudo com as informações conclusivas sobre as causas do incêndio, ainda não foi emitido pelo Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo (CBMES), que atuou no local em conjunto com a equipe de brigadistas dos parques naturais. Segundo a Coordenação Administrativa de Unidades de Conservação de Vitória, entre os anos 2017 e 2018, foram registrados seis incêndios em reservas ambientais do município.
Saiba quais são as reservas ambientais de Vitória: - Área de Proteção Ambiental Baía das Tartarugas - Estação Ecológica Municipal Ilha do Lameirão - Parque Nat. Munic. Dom Luis Gonzaga - Fernandes(Baía Noroeste) - Parque Estadual Fonte Grande - Parque Nat. Munic. Gruta da Onça - Parque Nat. Munic. Tabuazeiro - Parque Nat. Munic. Vale do Mulembá - Parque Nat. Munic. Pedra dos Olhos - Parque Nat. Munic. Von Schilgen - Refúgio da Vida Silvestre Munic. André Ruschi - Refúgio da Vida Silvestre Munic. da Mata Paludosa - Reserva Ecológica Mata de Goiabeiras - Reserva Ecológica Morro do Itapenambi - Reserva Ecológica Munic. das Ilhas de Trindade e Martim Vaz - Reserva Ecológica Restinga de Camburi - Reserva Ecológica São José - Área de Proteção Ambiental do Maciço Central
Parque Refúgio da Vida Silvestre Munic. da Mata Paludosa. Em Vitória, existem projetos de educação ambiental em sete parques naturais.
Foto: Secretaria Municipal do Meio Ambiente
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educação ambiental tem se tornado cada vez mais importante para viver em sociedade. Pensando nisso, nos Centros de Educação Ambiental (CEAs) são produzidos projetos que visam a construção de conhecimentos, atitudes e hábitos voltados para o meio ambiente. Essas ações estão localizadas em sete parques naturais do município. Segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semmam), os projetos também são desenvolvidos nos demais programas de educação ambiental nas áreas protegidas de Vitória. Entre eles estão: a recuperação de nascentes e áreas florestais, o Projeto Vitória Cidade Limpa, a Campanha Praia Limpa e o Projeto Mangueando na Educação. De acordo com a Semman, o objetivo desses projetos é produzir ações e reflexões individuais e coletivas voltadas para a temática ambiental. Isso promove a construção de valores e saberes, visando uma melhor qualidade de vida e uma relação sustentável entre todos os seres vivos. Nem todas as áreas de conservação ambiental de Vitória são disponíveis para visitação. Entre as reservas que existem no município, apenas os parques naturais possuem uma estrutura administrativa que conta com funcionários para limpeza, jardinagem, serviços administrativos e vigilância florestal. Além
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SOCIEDADE
Crime ambiental de Mariana completa três anos Enquanto Samarco planeja voltar à mineração, famílias ainda esperam indenizações pelo desastre por Luíz gustavo rossi
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o dia 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão em Bento Rodrigues, vilarejo de Mariana, Minas Gerais. Com 19 mortos e diversos danos ambientais, patrimoniais e culturais, este foi o maior desastre ambiental ocorrido no Brasil. Três anos após o ocorrido, as indenizações para os afetados ainda não foram distribuídas. Em 25 de Junho deste ano, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC Governança), que propõe a organização de cada parte envolvida para a apuração dos danos causados pelo desastre, de forma a agilizar a distribuição das indenizações. Diferente dos outros termos assinados anteriormente, o TAC inclui a participação de representantes dos
atingidos pelo desastre nas decisões, além de um técnico indicado pela Defensoria Pública. Com a homologação do TAC, a ação civil pública contra a Samarco no valor de 155 bilhões fica suspensa por até dois anos, aguardando acordo. Em relatório para a revista Versos, o Homa - Centro de Direitos Humanos e Empresas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, teceu críticas na ação das empresas mineradoras durante as negociações legais. Uma das questões levantadas foi a influência das mineradoras na decisão de quem seriam os contratados para averiguar os danos causados, abrindo espaço para interferência nos resultados. Um outro ponto observado no relatório se refere à desigualdade entre as partes do pro-
cesso. Enquanto as empresas não medem esforços para contratarem o melhor corpo jurídico possível, o Ministério Público e a Defensoria Pública são estruturalmente despreparados para esse tipo de demanda. Além de operarem com recursos limitados, precisam se dividir entre outras diversas demandas enquanto se dedicam com o caso da Bacia do Rio Doce. Para a coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA) da Universidade Federal de Ouro Preto Tatiana Ribeiro de Souza “as pessoas atingidas terão que perder uma enorme quantidade de tempo e esforço para alcançarem efetivamente a reparação dos danos que sofreram.”
Com reconstrução de Bento Rodrigues, Samarco busca retomar atividades
Foto: Herone Fernandes Filho
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m agosto foi dada a liberação da licença ambiental que permite a construção de uma nova Bento Rodrigues, vilarejo de Mariana (MG) destruído após o rompimento da barragem de rejeito de minério de Fundão. Segundo a Fundação Renova, a construção deve demorar entre 22 e 24 meses. A Fundação Renova é uma organização privada criada pela Samarco, Vale e BHP Billiton após acordo com o governo federal e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. A fundação é responsável pela reconstrução das comunidades afetadas pelo desastre de Mariana Segundo declaração da Samarco, a empresa pretende ter todas as licenças para a retomada da mineração em Mariana ainda em 2019, porém com capacidade de produção reduzida.
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SOCIEDADE
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ONGs de adoção de animais atuam nas redes sociais Trabalho voluntário compartilhado na internet leva animais a encontrarem novos lares por maria alice queiroz também são fundamentais para a existência do projeto. “Somente por meio da divulgação do trabalho voluntário nessas redes é que conseguimos as adoções para os gatinhos resgatados que estão em lares temporários e as doações para custear as despesas de alimentação, castração e tratamento quando necessário”, conta Renata Ramos, voluntária do projeto. A adoção no Patinhas Carentes pode ser
feita pelo e-mail ou presencialmente nas feiras de adoção promovidas pela ONG. O projeto pode ser encontrado no Facebook na página Patinhas Carentes e no Instagram @ patinhascarentes. Para adotar no Adoção Gatinhos ES, o procedimento é o mesmo. A ONG pode ser encontrada na página Adoção Gatinhos ES no Facebook e também no Instagram, no perfil @adocaogatinhoses.
Mel é uma das gatas que espera por um lar no Patinhas Carentes
Foto: Maria Alice Queiroz
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s redes sociais são a maior forma de compartilhamento de informação atual e atingem milhares de pessoas diariamente e cada vez mais o compartilhamento ultrapassa o ambiente virtual, acentuando a sua função social. Contando com doações e apoio voluntário, as ONGs de adoção de animais são uma das grandes beneficiadas pelo crescente papel social da internet. Em Vitória, muitas das ONGs de adoção trabalham por meio da internet. A maior parte da ajuda e até mesmo das adoções são possibilitados pelo meio online. Segundo a voluntária da ONG Patinhas Carentes Helena Fabris, sem as redes sociais não seria possível dar continuidade ao projeto, pois elas possibilitam doações, adoções e divulgações. O Patinhas Carentes existe desde 2008 e sua página no Facebook possui mais de 36 mil curtidas. O mesmo acontece na ONG Adoção Gatinhos ES, que atua desde 2007 e já resgatou mais de 800 animais da rua. As mídias sociais
LEI PREVÊ PENA PARA CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL Lei que tipifica importunação sexual e divulgação de cenas de estupro como crimes entrou em vigor no dia 24 de setembro por andré carlesso
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m meio a um período eleitoral marcado por protestos liderados por mulheres, foi sancionada na última semana de setembro (dia 24) uma lei que criminaliza a importunação sexual e estabelece punição para a divulgação de cenas de estupro. A nova deliberação revoga o artigo 61 da Lei das Contravenções Penais de 1941, que estabelecia apenas multa para a importunação “de modo ofensivo ao pudor” em locais públicos. Segundo a jurista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo Catarina Cecin Gazele, o artigo agora revogado se tornou ultrapassado quando uma nova conduta de importunação passou a acontecer com certa frequência especialmente contra às mulheres, nos transportes públicos, como metrô e ônibus. “O transporte é público, mas o corpo das pessoas é privado”, frisa Gazele.
Com a mudança, a lei define que o réu pode enfrentar de um até cinco anos de cadeia, além de aumentar as penas de estupro, caso seja cometido coletivamente ou com a intenção de controlar o comportamento da vítima. Contudo, a professora explica que a pena mínima de um ano para a importunação e a divulgação de conteúdos sexuais sem o consentimento da vítima deixa brecha para uma possível suspensão condicional do processo, possibilitando que o agressor não seja condenado criminalmente ao final, caso cumpra certos requisitos. Em relação à divulgação de cenas de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, o artigo 218-C é do tipo aberto, ou seja, a redação visa uma certa flexibilidade justamente para abarcar possíveis novas tecnologias e condutas consequentes que possam vir a motivar agressões semelhantes às tipificadas pela lei.
O projeto de lei de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM) tramitou por mais de dois anos, desde a sua apresentação, em junho de 2016. A caminhada até a eventual transformação em lei ordinária foi curta se comparada a de outras proposições reivindicadas pela militância feminina. Em relação a essa diferença, a professora Catarina Gazele atribui que “o Legislativo é masculino. Os delitos sexuais também tem como vítima o sexo masculino. Creio que a sensibilização do Congresso Nacional seja facilitada por tal motivo.” A professora reitera, ainda, que para a lei alcançar as expectativas da sociedade de ser uma medida eficaz contra esse tipo de violência é indispensável que as vítimas ou testemunhas denunciem.
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política
Defensores da Ditadura Militar afrontam a história A falta de discussões sobre os efeitos da Ditadura no Brasil abre brechas para interpretações superficiais e deslocadas da realidade histórica POR síntia mara ott
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general Aléssio Ribeiro Souto, integrante da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), propôs uma leitura da Ditadura militar distinta da que consta nos livros de história. O relato consta em uma entrevista concedida ao Estadão, no dia 15 de outubro. Souto diz que houve mortes de ambos os lados. Dos que “queriam implantar a ditadura do proletariado” e dos que lideraram o “regime de 1964”, afirmou. Segundo o doutor em História Social e coordenador da Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Pedro Ernesto Fagundes, a reinterpretação de um fato histórico como a do general, que também vem sendo feita por grande parte da população brasileira, tem profunda relação com a falta de discussões cotidianas sobre os efeitos da Dita-
dura Militar no Brasil. Fagundes critica a criação tardia das Comissões da Verdade, do beneficiamento de militares que praticaram crimes durante a Ditadura, através da Lei da Anistia de 1979, e impunidade das elites que apoiaram o governo autoritário no país. “Os militares, enquanto instituição, nunca vieram a público e pediram desculpas, pediram perdão ou assumiram os excessos que cometeram durante a Ditadura Militar”, completa. Um outro exemplo de afronta à historiografia sobre a Ditadura ocorreu na Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB). A direção do local divulgou uma nota denunciando a danificação proposital de cinco livros com temáticas relacionadas aos direitos humanos. As páginas danificadas abordam o fim da ditadura no Bra-
sil e a luta por direitos. O comunicado sobre o caso foi feito nas mídias sociais da Instituição no dia 5 de outubro. De acordo com Fagundes, releituras e apologias à Ditadura Militar emergem com mais frequência em períodos eleitorais e de polarização política. O historiador também alega que a negação de fatos históricos como os que sucederam entre o período de 1964 e 1985, no território brasileiro, afrontam o trabalho de diversos pesquisadores da área, desenvolvido mediante amplo levantamento de informações e dados. “Já imaginou se todo o governo que assumisse [o poder] tivesse o interesse de mudar um fato histórico? Os livros de história teriam que ser reescritos de 4 em 4 anos, e a comunidade acadêmica já repudiou isso”, alerta.
A favor da história, a memória Histórias de vida de quem sofreu com a Ditadura Militar comprovam casos de violência e tortura
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com parentes. No sul, os pais foram presos, torturados e trocados por um embaixador suíço, o que os obrigou a se exilarem no Chile em 1971. Janaína Leite, professora do departamento de Comunicação Social na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), relata as experiências de seus pais durante a Ditadura Militar no espírito Santo. Ela conta que seus pais eram jovens estudantes de medicina recém-chegados à Vitória na década de 70. Os pais de Leite decidiram filiar-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e integrar o Dire-
tório Central dos Estudantes (DCE) da UFES. Quando souberam que seus amigos estavam sendo presos pelos militares, eles fugiram, mas acabaram se entregando ao Estado em 1972. Foram, então, levados ao 38º Batalhão dos Caçadores (38º BC), que hoje é o 38º Batalhão da Infantaria (38º BI) no Espírito Santo, e torturados. Na ocasião a mãe de Janaína Leite estava grávida da filha e, durante algum tempo, ficou na mesma cela que a jornalista Miriam Leitão, também torturada durante a Ditadura.
Foto: reprodução do livro Em Nome dos Pais
xperiências de pessoas que foram afetadas pela repressão política da Ditadura Militar no Brasil confirmam os danos gerados por ela. Alexandre Curtis, professor do departamento de Comunicação Social, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), lembra que era criança quando seus pais se envolveram na luta armada. Curtis, seus cinco irmãos e seus pais começaram a fugir do regime, primeiro, em direção ao Rio de Janeiro e depois ao Rio Grande do Sul. Mais tarde, o casal decidiu deixar os filhos
Maria Frechiani e Guilherme Leite, os pais de Janaína Leite, quando foram presos durante a Ditadura Militar.
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política
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Resultado das Eleições aumenta disputa ideológica no país Além do 2º turno para Presidência, Câmara dos Deputados também rivaliza conservadorismo e progressismo. Professores da UFES analisam a nova configuração do quadro nacional POR alexandre barbosa
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rasileiros de todo o país compareceram às urnas para mais uma Eleição. Ocorrida no dia 07 de outubro, a votação para os cinco cargos em disputa (presidente, governador, senador, deputado federal e estadual) movimentou o cenário político e reacendeu o debate sobre as diferenças ideológicas presentes na política nacional. Quando o assunto é a polarização das propostas de governo, especialmente aquelas que serão decididas no 2º turno, o pesquisador em Ciência Política e professor do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Ueber Oliveira afirma que uma das principais responsáveis pela criação desse clima aparentemente polarizado é a imprensa. “É interessante pra imprensa que esse ambiente eleitoral seja tenso, principalmente quando ela vem passando por uma crise em termos planetários”, avalia. Oliveira justifica que, mesmo nos dois man-
datos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores (PT) nunca representou a radicalização da esquerda. “O PT nunca foi um partido sectário, de uma linhagem mais radical. Mesmo nos tempos de sindicato, Lula sentava com o grande empresariado e tentava conciliar a situação”, relembra ele. A partir do resultado da corrida presidencial, verifica-se que o candidato Jair Bolsonaro (PSL) venceu em todos os estados em que o tucano Aécio Neves saiu vitorioso nas Eleições de 2014, enquanto Fernando Haddad (PT) venceu em 8 dos 15 estados da companheira de partido Dilma Rousseff. Na análise do professor, o fato do PT se sair melhor nas regiões com maior vulnerabilidade social à medida que os partidos de direita e centro-direita ganham nas de maior concentração de riqueza é uma característica comum das democracias consolidadas. “Em todas as
grandes democracias do mundo, o cenário de polarização se dá entre partidos que defendem o Estado como indutor do desenvolvimento social e aqueles partidos mais liberais”, explica Oliveira, citando a realidade de países como Itália, Alemanha e Estados Unidos. O acirramento das posturas conflitantes abre espaço para a violência, como no caso do assassinato do capoeirista Romualdo Rosário da Costa, mais conhecido como Mestre Moa do Katendê, morto com doze facadas após declarar seu voto no PT em discussão com um eleitor do adversário. Ainda segundo o cientista político, o crime é reflexo de como a maldade se tornou trivial. “A violência no Brasil sempre foi banal. O problema agora é a banalização do mal, da barbárie”, alerta.
“A violência no Brasil sempre foi banal. O problema agora é a banalização do mal, da barbárie”
PT e PSL são maioria da Câmara dos Deputados
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pós a votação, o poder legislativo também passou por mudanças significativas, sobretudo em relação ao número de deputados dos principais partidos na Câmara. Veja no gráfico. Das três maiores bancadas na Câmara dos Deputados em 2014, duas (PSDB E MDB) perderam suas posições em 2018. Apesar da queda de 13 deputados, o PT manteve a liderança. A professora do Departamento de História da UFES e pesquisadora do Laboratório de História das Interações Políticas e Institucionais (HISPOLIS) Rossana Britto entende que a política tradicional está desgastada. “Para mui-
PT
tas pessoas, este modelo que está aí não tem legitimidade. Partidos como PT, PSDB e MDB no mundo líquido como o nosso, citando Zygmunt Bauman, são arcaicos”, argumenta Britto. Ao contrário dos partidos tradicionais, o PSL de Jair Bolsonaro saltou de um para 52 deputados no comparativo das eleições. Entre os eleitos, há nomes componentes da Bancada Evangélica ou ligados ao Exército. “O pleito de 2018 demonstra como a judicialização [da política] está acompanhada da ‘evangelização’ e da militarização da política no Brasil. São fenômenos muito complexos que sinalizam uma ‘onda’ conservadora em andamento”, atesta a
PSL
MDB
professora. Quanto à esquerda brasileira, o desempenho do PSOL, por exemplo, que dobrou de 5 para 10 o número de deputados federais, demonstra que ainda existem alternativas para o progressismo, sendo uma “vida que pulsa em um período marcado pelo ‘tsunami’ conservador”, nas palavras de Rossana. Sobre um possível consenso político para governabilidade do país, ela pondera dois caminhos. “Penso que este consenso terá que ser construído, embora também esteja pensando que a onda conservadora poderá nos engolir, com repercussões desastrosas para socieda-
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cultura
FALTA DE INVESTIMENTOS DESVALORIZA CENTRO HISTÓRICO Imóveis abandonados e degradados afastam moradores, comerciantes e turistas do centro histórico e cultural de Vitória por ISADORA WANDENKOLK O professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Milton Esteves Junior explica que além do processo de degradação natural do tempo nas edificações, que ajuda nesse cenário de abandono detectado pelos munícipes, existe a criação de novos centros. “A cidade está promovendo sempre novidades, novos bairros, novas áreas para morar, novos loteamentos fechados, cada vez mais distantes dos centros das cidades porque foi montado um ideário do capital de que morar no centro é ruim, perigoso, degradado, sujo”, afirma o arquiteto. Morador da região, ele afirma que a revitalização vai além de preservar edifícios, deve incluir, principalmente, formas de reabitar os espaços em desuso e reconstruir a vida pública.
“A revitalização da arquitetura é um reflexo da revitalização da vida pública.” Milton Esteves, professor da Ufes.
Edifícios do início do século XX sofrem com a ação do tempo e com a falta de conservação.
Para a professora do Departamento de Arquitetura da Ufes Renata Hermanny de Almeida, esse problema tem razão econômica. Segundo ela, a discussão da conservação não pode ficar restrita à preservação do patrimônio, mas deve também abordar políticas que estimulem o interesse econômico para a região. “O centro continua do jeito que está porque, por alguma razão, a legislação urbanística, o PDU (Plano Diretor Urbano) de Vitória, ainda não favorece o lucro do capital, enquanto, ao mesmo tempo, ele tem outras áreas de investimento” afirma a arquiteta. Atualmente, a Prefeitura Municipal de Vitória trabalha com projetos para a revitalização do Centro, entre eles há o programa de incentivo que oferece descontos no IPTU de imóveis com interesse de preservação, com o objetivo de trazer novamente ocupação para a região. Segundo a coordenadora de revitalização urbana da Prefeitura, Anna Karine Bellini, o setor está em processo de captação de recursos para a continuação dos projetos e ainda não tem previsão para a criação de novos projetos.
Foto: Luiz Gustavo Rossi
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onhecido como o recanto dos artistas, o centro histórico e cultural da capital do Espírito Santo conta com edificações datadas do século XVI, tendo o patrimônio histórico mais antigo do que os das cidades de Ouro Preto e de São Paulo. Contudo, essa história guardada na arquitetura da cidade está se deteriorando junto com as paredes das edificações. O estudante de Direito Caio Ávila reside em Vitória há 20 anos e diz que mesmo entendendo a importância histórica e turística do centro, ainda o caracteriza como “depredado, sujo, pichado e um pouco perigoso”. E basta caminhar pela área para se deparar com fatos que comprovam a fala do estudante. Entre os patrimônios históricos preservados pela prefeitura de Vitória, estão edificações que também possuem valor arquitetônico e histórico mas que estão abandonadas. Segundo estudo da Defensoria Pública do Espírito Santo, há mais de 100 imóveis abandonados e sem destinação. Esse esvaziamento que vem ocorrendo desde meados de 1970 é uma consequência do processo de deslocamento do centro comercial.