Jornal Laboratorial - Ufes
Edição 94 - Novembro 2018
Entanto
aumenta população que desiste de procurar emprego, aponta pesquisa De acordo com IBGE realizada no último trimestre deste ano, jovens entre 18 e 24 anos representam 25% do grupo que desanimaram de buscar postos de trabalho P. 5
Justiça determina que 39 famílias abandonem suas casas na Serra Após decisão, moradores devem deixar suas residências. Construtora reivindica a posse do terreno, no bairro São Diogo I P. 4
ENTREVISTA EXCLUSIVa COM ESCRITORA BRASILEIRA BABI DEWET
Mais um acordo contra a onda preta nas praias de Camburi
Autora conta quais foram as escritoras e personagens que influenciaram sua vida
Termo gera custo de 1,27 bilhão de reais para reparação da poluição por pó preto da Vale
P. 8
P. 3
EDITORIAL
EXPEDIENTE
ARTE, DIAGRAMAÇÃO E REDAÇÃO Andrezza Steck Brunella Rios Gabriela Lúcio Gleiciane Marriel Maria Clara de Araújo Miranda Perozini Thauane Lima
REDES SOCIAIS
Alexandre Barbosa André Carlesso Isadora Wandenkolk Luiz Gustavo Rossi Maria Alice de Sá Sara de Oiveira
ESTAGIárIA
Nathalia Esteves
Nesta edição, precisamos falar sobre conflitos. Surgem de pontos de vista antagônicos, das diferenças culturais, políticas e ideológicas. Pelos conflitos, negros foram escravizados, crianças foram assassinadas em guerras no Oriente, mulheres foram queimadas vivas na Inquisição, jornalistas foram torturados no período ditatorial... É inegável que danificações profundas e irremediáveis no mundo foram causadas pela intolerância e pelas disputas de poder. Em tempos de eleição, as divergências estão em todos os lugares, em destaque, criando novos conflitos. O que acontece é que o medo pode facilmente assumir o controle de quem observa o destino dos que resistiram em mostrar e afirmar o que acreditam; dos que lutaram pelo direito de ir e vir, de opinar, enfim; de exercer democracia. E é exatamente nos momentos em que a situação parece caótica demais para ser enfrentada quando mais se necessita de conflitos. Porque conflitos não são circunstâncias de onde apenas surgiram resultados ruins. Pelos conflitos, surgiram os direitos humanos, os direitos trabalhistas, o entendimento de que as minorias sociais importam e, mesmo que nem sempre esse sistema de defesa funcione, ainda há o direito de se expressar, de se rebelar contra o que parece injusto e incorreto. Por isso trouxemos temas que nos pareceram necessários explorar e denunciar; que envolvem questões sensíveis como a adoção tardia, o desemprego entre jovens, a qualidade de vida dos portadores de Síndrome de Down, os problemas ambientais e de estrutura urbana e a representação feminina na literatura. Levantamos essas questões na esperança de que, tomando conhecimento, algo seja feito a respeito dessas problemáticas; que o medo do conflito não oculte ou cale o que precisa ser denunciado e solucionado.
logo
Turma de jornalismo 2017/2
Gabriel Moraes
PROFESSOR RESPONSÁVEL Rafael Bellan
NoE nas redes NoE
jornalnoentanto.wordpress.com
No Entanto Jornal laboratorial do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo. Produzido pelos alunos do terceiro período.
facebook.com/jornalnoentanto @noentantojornal
w
@jornalnoentanto
Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras |Vitória, ES Email: noentanto@gmail.com Telefone: (27) 4009-2603
No Entanto Novembro, 2018
SAÚDE
3
Vale assina acordo para diminuir poluição Desde 2009 promessas de reversão da poluição por pó preto são realizadas pela mineradora POR GLEICIANE MARRIEL
A
Foto: Gleiciane Marriel
Vale é uma das maiores empresas no ramo de mineração do mundo e, no dia 21 de setembro deste ano, assinou um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) onde vem sendo investidos mais de 1,27 bilhão para reparação da poluição através da emissão do pó de minério, mais conhecido como pó preto. O transporte do carvão é feito através de navios, e para o minério de ferro são utilizadas esteiras. Mesmo com tantas tentativas de barrar a evasão desse material, as soluções não foram totalmente eficazes. Na nova proposta, a Vale juntamente com a Acellor Mittal, firmaram o compromisso de reduzir a poluição e cumprir 191 metas elaboradas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), com colaboração do Iema até 2023. Os resíduos de minério que acabam no fundo dos oceanos afetam a vida marinha, causando, entre muitos fins, a extinção ou anomalias de algumas espécies. Para quem acompanhou esse processo de perto o problema só piora, como ressalta o pescador Sebastião Gonçalves que desde os anos 90 pesca na praia de camburi “O Sarnambi que tinha em abundância, acabou. Somente os peixes mais resistentes a gente consegue pegar hoje”, expressa.
O pó preto é um problema que afeta moradores e estabelecimentos
As maiores queixas por parte da população e comerciantes são a sujeira que os resíduos do pó deixam. Segundo o gerente do Quiosque 3 na praia de camburi Luan Dimitriunes, os clientes já reclamaram das sujeiras nas janelas e mesas, fazendo com que a limpeza seja constante: “Toda hora tem limpeza, se demoramos a limpar fica tudo preto”, comenta. Moradores das regiões próximas a vale e ao complexo do tubarão, reclamam da quantidade contínua do pó preto em suas residências. “Eu e meu esposo temos que limpar a casa mais de três vezes por dia, caso o contrário fica tudo cheio de poeira”, afirma Brunella ridone da Silva Ribeiro, moradora de Jardim da Penha, em Vitória. Para Brunella o problema vai além da sujeira, seus dois filhos contraíram bronquite por conta da poluição no ar que vem piorando ao passar dos anos. As consequências também foram sentidas por Isabela Guedes, que frequenta a praia de Camburi todo final de semana, seu filho de apenas dois anos de idade teve problemas respiratórios agravados pela frequência na praia. A professora de fisiologia da UFES Maria Teresa diz que pequenos resíduos do material podem trazer complicações: “Quando o pó entra em contato com as vias respiratórias, pode-se criar um processo inflamatório, causando doenças como a asma. A situação piora se a pessoa for mais reativa fisiologicamente”, explica. A empresa já conta com obras em andamento, como a instalação de canhões de névoa (equipamento que não permite com que as partículas de minério se espalhem) no pátio de Pelotas, o fechamento inferior do píer de carvão e o início do enclausuramento da rota de embarque dos píeres I e II. O novo termo prevê a instalação de quatro novas barreiras de vento (wind fences) e a adequação de 40 km de correias transportadoras. A assessoria de imprensa da Vale informou por nota que, com essas e outras ações, reduzirá gradativamente em 93% suas emissões difusas de poeira até 2023. Além de gerar cerca de 1.500 empregos diretos no pico das obras.
“VALE” LEMBRAR 2009 - Espírito Santo já conta com equipamentos para conter o ‘pó preto’. “Grandes cercas evitam a dispersão com o vento”. Matéria Iema 30/06 2010 - Iema monitora retirada dos descarregadores de navio da Vale após queda no mar. Matéria Iema 19/11. 2011 - Iema divulga estudo sobre emissões de poluentes atmosféricos na Grande Vitória. “A porcentagem entre os principais poluidores é: 68,2% das vias, 15,8% da Vale, 6,1% da Arcelor Mittal Tubarão e 3,7% de escapamento e pneus dos veículos”. Matéria Iema 10/05. 2015 - Vale é multada em R$ 220 mil e intimada pelo Iema “A mineradora é acusada de lançamento de minério de ferro durante o carregamento do produto, atingindo o ar e o mar. Matéria Folha Vitória 27/07. 2016 - Porto de Tubarão, administrado pela Vale em Vitória, é interditado “Investigações sobre crimes ambientais decorrentes da emissão do pó preto no mar e no ar da Grande Vitória”. Matéria G1 ES 21/01 2017 - Vale e Arcelor firmam acordo para reduzir poluição do ar “Orgãos públicos e as empresas Vale e ArcellorMittal firmam Termo para reduzir a poluição do ar na Grande Vitória. ”. Matéria ES Brasil 13/11
4
No Entanto Novembro, 2018
SOCIEDADE
RESTRIÇÃO de Perfil Atrasa Filas de Adoção No Brasil, 32,4% dos pretendentes afirmam que só querem crianças de até dois anos de idade POR MARIA CLARA CASAGRANDE
Para entrar na fila de adoção, o primeiro passo é entrar em contato com a Vara de Infância e Juventude do seu município. Contato 1° e 2° Varas Especializadas da Infância e da Juventude de Vitória, ES: (27) 3222-5077. Endereço: Av. Pres. Florentino Ávidos, 100 - Centro, Vitória - ES, 29010-240
O Espírito Santo reflete os números da realidade nacional. Apesar de existirem 831 crianças/adolescentes nas 112 entidades de acolhimento e 862 pretendentes habilitados, 60% dos pretendentes desejam crianças somente com até 2 anos de idade, porém essa faixa etária representa apenas 5% do total, de acordo com dados disponibilizados pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Estado do Espírito Santo (CEJA).
Um ato de bondade Davi, na época com apenas dez meses estava em situação de abandono, sua mãe era dependente química e junto de seus irmãos, na época com dez e sete anos, respectivamente, viviam uma situação de extrema negligência quando o Conselho Tutelar de Castelo – Espírito Santo foi acionado. Sem estrutura alguma para receber um bebê, profissionais do Conselho Tutelar foram até a igreja da cidade com intuito de encontrar alguém que pudesse acolher Davi temporariamente e acabou se deparando com o casal
“mais de 100 crianças acima de 10 anos estão a espera de uma família,No EsTADO” César e Renata Maziole. Eles, que já tinham uma filha, se prontificaram a cuidar do pequeno Davi e, apesar de não estarem na fila de adoção, passado um tempo, não conseguiram mais se desvincular do irmão caçula e deram início ao processo, enfrentando toda burocracia necessária. Davi não vivenciou uma adoção tardia como seus irmãos, mas apesar de ter tido um “final feliz”, o vínculo entre os três foi praticamente extinto quando Maria e Jefferson foram adotados por famílias diferentes. A adoção, que é considerada um ato humanitário, pode ter como consequência em alguns casos a quebra do antigo vínculo familiar, uma vez que, em muitos casos, a nova família tende a querer criar suas próprias memórias com a criança.
Davi, César, Renata e a filha mais velha do casal, Thaís
Foto: Reprodução/Instagram
A
pesar de dados do Conselho Nacional de Adoção (CNA) mostrarem que há 40.060 pretendentes cadastrados e 7.714 crianças e adolescentes juridicamente disponíveis no Brasil, as famílias esperam, em média, de dois a três anos. Isso porque as filas de adoção são marcadas por lentidão e uma longa espera. Ao cadastrar-se no CNA é necessário que os pretendentes tenham paciência. Mas isso não é devido somente à burocracia que envolve esses processos, há, principalmente, a restrição de um perfil imposto pelos pretendentes. O termo “adoção tardia” refere-se ao processo de adoção de crianças maiores, ou seja, que já tenham uma percepção maior de si, do outro e da sociedade, em média a partir dos 3 anos. Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que, no Brasil, 12.978 (32,4%) dos pretendentes cadastrados desejam apenas crianças que tenham de 0 a 2 anos da idade, mas apenas 651 (8,4%) estão nessa faixa etária. Os dados revelaram que o maior empecilho para a adoção é, de fato, a idade avançada, superando fatores como doenças, gênero e cor de pele. Segundo a psicóloga e analista judiciária do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Ivy Campista Campanha, os desafios que o sistema de justiça vivencia em relação à adoção tardia ainda são muitos. “Os pretendentes precisam estar cientes da vulnerabilidade da criança, sem esquecer que ela tem uma história e que eles precisam acolher isso de forma muito tranquila”, explica.
No Entanto Novembro, 2018
SOCIEDADE
5
Aumenta para 22,4% número de trabalhadores que desistem de procurar emprego Jovens entre 18 e 24 anos representam 25% do grupo que deixaram de buscar oportunidades POR ANDREZZA STECK
C
resce o número de brasileiros que desistiram de procurar trabalho. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) essa população, identificada como desalentados, é composta por maioria de mulheres, jovens entre 18 e 24 anos, não chefes de família e com baixa escolaridade. Ainda de acordo com a pesquisa, dois grupos têm influenciado no aumento dos desalentados: o primeiro, são as pessoas que estão à procura de emprego há muito tempo, mas desistiram. E o segundo, são trabalhadores que foram demitidos recentemente e já se enquadram como desalentados, mesmo permanecendo pouco tempo buscando uma recolocação. Na pesquisa, foi verificado que a população economicamente ativa, a mão de obra empregada ou desempregada que ainda procura por trabalho, caiu 1,6%, aumentando o número de brasileiros desalentados e reduzindo os índice do desemprego. Portanto, o tempo de procura de emprego, influencia os desalentados, mas não é o único fator. Para o professor do curso de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Rafael Moraes, é comum essa “inversão” nas taxas. “Em um período que a economia está em crise durante muito tempo, pode haver um período que a taxa de desemprego começa a cair, porque muitas pessoas vão se desalentando e parando de procurar emprego”, explicou. Assim como em um cenário oposto, em um período de recuperação, a taxa de desemprego aumenta, pois surgem novas vagas e as pesso-
Foto: Ana Oggioni
Taxa de desemprego caiu por falta de força de trabalho
Quem são?
O Desalentados são pessoas que desistiram de procurar emprego, e portanto estão fora da população economicamente ativa.
As 4 razões do desalento, segundo IBGE: - Não conseguia trabalho adequado; - Não tinha experiência profissional ou qualificação; - Por ser considerado muito jovem ou muito idoso; - Não havia trabalho na localidade;
as deixam de ser desalentadas e voltam a ser classificadas como desocupadas, isto é, quando estão desempregadas mas procuram postos de trabalho, afirma. A desaceleração nas contratações está afetando, também, o grupo de chefes de família que cresceu mais de 2% em comparação com o mesmo período de 2017. Luciana Lopes, 40, possui vários cursos profissionalizantes e está na busca por um posto de trabalho há 2 anos “Esse período de procura está bem difícil. E só conseguimos vir aqui no Sine [Agência Municipal do Trabalhador], porque é aqui perto de casa e dá para vir andando. Senão, como pagar a passagem?”, disse. O esposo de Luciana, Ismael Lopes, 45, também está desempregado. E juntos, vendem pururucas para obter uma renda: “serviço está bem difícil. Trabalhamos de manhã, para comer de noite”, declarou.
Uberização do trabalho
Considerado nas pesquisas como uma ocupação igual ao emprego com carteira assinada, o trabalho informal aumentou no último trimestre. Esse tipo de ocupação somado ao autônomo, mais o recuo da população economicamente ativa, foram os três responsáveis pela desaceleração dos desocupados, ou seja, dos desempregados. Mas a ascensão deste tipo de ocupação, que inicialmente seria algo realizado esporadicamente, devido sua facilidade e flexibilização, se transforma em uma profissão e um problema. “O lado negativo é a precarização do trabalho. A medida que esse perfil de trabalho informal vai se tornando o padrão. E aparentemente, como a própria reforma trabalhista segue esse caminho, vai acontecendo uma crescente perda de direitos do trabalhador”, afirma o economista. Aguinaldo Minchio, 47, trabalha na área de administração, mas à dois anos realiza diferentes “bicos” até conseguir uma oportunidade formal. “Com carteira assinada, sempre tem um salário garantido ao final do mês. Diferente do informal, pois as vezes não aparece nada”, afirmou.
Reforma Trabalhista
Outro ponto da pesquisa PNAD Contínua, foi a alta em 9% da subutilização do trabalho, ou seja, pessoas que possuem uma ocupação com carga horária menor que 40 horas semanais e desejam trabalhar por mais horas. Segundo o IBGE, este mesmo grupo representa 7,2% da população ocupada, superando os anos de 2017 e 2016 que contabilizavam 6,6% e 5,3%, respectivamente. Com a promessa de recuperar vagas de emprego, sugerindo uma “modernização” na legislação, a Lei da reforma trabalhista completa um ano de sua aprovação neste mês novembro. A reforma que foi aprovada com folga na Câmara dos Deputados e no Senado, gerou, ao mesmo tempo, expectativa e desconfiança na população. Na visão do economista entrevistado,a economia necessita de outros fatores para geração de empregos. “A própria expectativa de rentabilidade do empresário. Se o empresário não tem expectativa que a economia vai voltar a crescer de fato, mesmo ele podendo contratar mais pessoas com essas novas modalidades que são flexíveis, ele não tem porquê o fazer”.
6
No Entanto Novembro, 2018
CIDADE
Justiça determina que famílias abandonem suas casas Ação de reintegração de posse envolve 39 famílias no bairro São Diogo na Serra POR THAUANE LIMA
“As ocupações nascem por necessidade, e não por conveniência” Ainda de acordo com o advogado, trata-se de um processo complexo, pois é de um assunto processual pela reintegração de posse desde 2013. “Essa reintegração foi ajuizada em face de outras pessoas e já havia sido arquivada. Ela foi desarquivada, e foi feito a expedição de mandado de reintegração em favor de outras pessoas utilizando-se do mesmo processo”, ressaltou. Muitos moradores, na tentativa de saírem do aluguel, trocaram bens como veículos como forma de garantir a permanência no terreno. Ao se apossar do terreno muitos moradores não tiveram uma escrituração reconhecida no Cartório, que prevaleceu um “contrato de boca”, firmado entre o morador e o dono do terreno. Um dos moradores do local, o pedreiro Silvio Correia dos Reis,49 anos, reclama da ação de reintegração de posse e defende a permanência das famílias.“Aqui, só mora gente de bem,
Foto: Thauane Lima
M
oradores do bairro São Diogo, na Serra, receberam uma liminar da justiça, solicitando a desapropriação de terrenos, em função de um pedido de reintegração de posse, movido por uma empresa de engenharia, que é a proprietária da área. Desde que receberam essa liminar da Justiça, há 60 dias, os moradores contrataram um advogado para suspender o processo e defender a permanência de moradia das 39 famílias. De acordo com a ação de reintegração de posse, as famílias têm até segunda-feira, 5 de novembro, para desocupar o local. O advogado Arthur Brumatti, que representa os moradores, entrou com uma terceira ação cível e está aguardando decisão do juiz da 5ª Vara Cível da Serra, responsável pelo caso. A maioria dos moradores comprou o terreno sem garantia de escritura. Deram bens em troca de terrenos, sem saber que a empresa de engenharia era a proprietária legítima dessas áreas. “Existe uma relação jurídica processual, que é a reintegração de posse, mas a preponderância é social. A Serra é um dos exemplos dos municípios que ao longo de toda nação sofre com essa falta de direitos de habitação para as pessoas. As ocupações nascem por necessidade, e não por conveniência”, comentou Brumatti.
Para a Constituição de 1988, o direito à moradia estampa a necessidade básica do homem, sendo requisito imprescindível para uma vida plena.
não tem tráfico, não tem nada. E eles não têm o direito de desapropriar ninguém. Aqui era uma área ambiental, mas já foi desmatada. A Construtora cercou o que é dela. Aí o pessoal que invadiu primeiro, vendeu para a gente. A própria empresa disse que nós podíamos construir. E todos nós compramos os lotes na mão de terceiros. Apareceu um oficial de Justiça, que deu 30 dias para a desapropriação das nossas casas. Todos os moradores foram até a Prefeitura da Serra e a mesma disse que desconhecia o caso. E é isso, e eles não tem coração porque existem pessoas idosas, e pessoas portadoras de necessidades especiais”. Luciano Barbosa Januário, de 35 anos, outro morador do local e que está desempregado, fala das dificuldades das famílias.“Eu comprei o meu lote de segunda mão na troca de uma moto no valor de R$ 5 mil reais e com muito café que apanhei para comprar, ainda estou pagando. Antes, eu pagava aluguel no valor de R$ 450 reais. Não sabia se comia, ou se pagava aluguel. E hoje, todo mundo se encontra desempregado e pagando aluguel, não dá. Estamos morando aqui por necessidade, por-
“E com essa crise que está aí, está muito difícil de pagar aluguel. E a gente saindo daqui, não temos para onde ir”
que se tivéssemos condições, não estaríamos aqui”, comentou. As famílias afirmam que existiam muitos terrenos vazios e, por isso, resolveram ocupar por necessidade, como foi o caso do senhor Waldemar dos Santos, 56 anos. “Não foi comprado, foi invadido. Eu não pagava aluguel, mas morava de favor com a minha família na casa de meu cunhado, em que moramos dez anos. Tem o último lote lá, eu cerquei e estou morando eu e minha família. Eu vim morar aqui por necessi-
As famílias aguardam a decisão da Justiça O advogado Arthur Brumatti, que representa os moradores, já ajuizou uma ação na Justiça e aguarda o parecer, que irá definir o futuro dos moradores do bairro São Diogo. “Só estamos aguardando que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, via 1ª Câmara Cível, possa julgar o nosso pedido de suspensão, para que tanto a Prefeitura da Serra, quanto a requerente da empresa e o dono do terreno nos dê possibilidades de garantia de abrigo para todas as famílias. Há um processo administrativo imposto na Secretaria de Habitação na Prefeitura da Serra, tanto para deferimento de aluguel social quanto para a autorização de inscrições no programa de habitação ‘Minha casa, Minha vida’. Há uma negociação com Acta Engenharia, que é a empresa que ajuizou a ação de reintegração de posse, para que todos possam permanecer dentro de suas moradias”, finalizou Brumatti.
No Entanto Novembro, 2018
CIDADE
7
Projetos contribuem para melhorias na vida da pessoa com síndrome de Down Laboratório de extensão da Ufes e a associação Vitória Down são responsáveis por realizar atividades que auxiliam no desenvolvimento e inserção dessas pessoas na sociedade. POR BRUNELLA RIOS Educação Física Rayanne Rodrigues de Freitas,21, atua no Laefa desde 2015 e é bolsista do projeto. Para ela, o Laefa ajudou no desenvolvimento da sua sensibilidade para com as pessoas com deficiência. ‘’O olhar minucioso para os alunos, para saber como alcança-los, acabou se misturando com minha vida cotidiana e hoje consigo ter esse olhar em qualquer lugar, para qualquer pessoa,’’ revela. Além de Rayanne, o também estudante de Educação Física e bolsista do projeto, Gabriel de Sá Ferreira, 21, afirma que a experiência no laboratório complementou a sua formação profissional. ‘’Graças ao projeto eu consigo pensar de uma maneira diferente quando vou planejar aula para uma turma no geral, pois quando estiver numa escola, vou saber que além da minha turma, eu tenho que atender as necessidades do aluno com deficiência. ’’ Outra iniciativa importante para a vida da
Segundo a Fundação Síndrome de Down, a síndrome é uma alteração genética produzida pela presença de um cromossomo a mais, o par 21, por isso também é conhecida como trissomia 21, ou T21.
VITÓRIA DOWN pessoa com síndrome de Down, é a Associação de Pais, Amigos e Pessoas com síndrome de Down do Espírito Santo (Vitória Down). Atualmente, a associação atende cerca de 224 famílias e possui dois projetos, o ‘’Saúde, Diversidade e Inclusão’’ e o ‘’Fortalecendo Laços e Desatando os Nós’’. Segundo Lara Moura, psicóloga de um dos projetos, a Vitória Down possui iniciativas que englobam tanto as famílias que acabaram de receber o diagnóstico da síndrome de seus filhos, até o suporte pedagógico e atividade da vida diária (AVD) para jovens e adultos. ‘’Os jovens e adultos com T21, por meio de nossos projetos, possuem a oportunidade de contribuírem com uma sociedade justa e igualitária, rompendo barreiras e preconceitos, ocupando diversos espaços da sociedade, assim visando à inclusão e inserção para as gerações futuras.’’ Muito além da preparação profissional para receber as pessoas com síndrome de Down, a sociedade precisa de conscientização. ‘’Devemos apostar que a pessoa com T21 é capaz de executar o que ela quiser, claro, dentro das limitações que ela sinalizar. Pessoas com T21 tem direito a escolhas, a optar pelo seu futuro, a sonhar, a desejar e principalmente, a ser feliz’’, afirma Lara.
Participantes do projeto Cuidadores que Dançam se apresentaram na 6a Jornada de Extensão e Cultura organizada pela Proex Ufes
Foto: Reprodução/Facebook
N
o passado, as pessoas com síndrome de Down eram tratadas como eternas crianças e sua expectativa de vida girava em torno dos 20 anos. Hoje em dia, graças aos avanços da medicina, a maior difusão de informações e o desenvolvimento da consciência social, essas pessoas já fazem parte de ambientes como a universidade e o mercado de trabalho e sua expectativa de vida agora é de, aproximadamente, 70 anos. Apesar da propensão a diversos problemas, a única característica comum a todas essas pessoas é o déficit intelectual. Esse déficit torna mais lento o processo de aprendizagem, mas não o anula, por isso, é importante que sejam estimulados e inseridos no meio social desde a infância. Um dos responsáveis por realizar esse tipo de trabalho é o Laefa, projeto de extensão do curso de Educação Física da Universidade Federal do Espírito Santo, que atua desde 1995. Segundo uma das coordenadoras, doutora Maria das Graças de Sá, o Laefa trabalha com o público infantil, jovem e adulto com deficiência intelectual e autismo, além de idosos com baixa visão. O projeto oferta práticas corporais das mais variadas instituídas na cultura e vinculadas à juventude, na busca da autonomia de seus alunos, já que são indivíduos que não possuem acesso a áreas de lazer e muitas vezes se tornam reclusos dentro do ambiente familiar. Além do atendimento a três diferentes dimensões de público, o Laefa ainda possui o projeto Cuidadores que Dançam, que realiza atividades com a família dos alunos. Para Maria das Graças, a proximidade com as famílias é importante para entender mais e melhor o comportamento dessas pessoas e de onde elas vêm. Além disso, também é uma forma de cuidar de quem cuida. ‘’O projeto cria um ambiente onde essas mães podem pensar nelas, seguras de que seus filhos estão sendo cuidados e acolhidos pelo Laefa. São realizadas atividades que muitas vezes não estão presentes no cotidiano dessas mulheres, já que muitas vezes elas se anulam para cuidar dos filhos. ’’ A melhoria na qualidade de vida da pessoa com síndrome de Down também depende da preparação e apoio da sociedade para recebê -los. A estudante do oitavo período do curso de
8
No Entanto Novembro, 2018
CULTURA
BABI DEWET REVELA A IMPORTÂNCIA DA REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA PARA SEU PROCESSO DE ESCRITA A autora explica como personagens mulheres importantes da ficção interferiram em sua vida pessoal e profissional. POR GABRIELA RODRIGUES
C
om oito livros publicados, Babi Dewet é uma autora, apresentadora e youtuber brasileira envolvida na cultura pop e uma influenciadora no mundo juvenil. Em seu livro mais recente, Allegro em Hip Hop, ela traz uma protagonista feminina forte, que corre atrás dos próprios sonhos, diferentemente da maneira submissa que muitas mulheres foram representadas ao longo da literatura mundial. Babi revelou alguns de seus pensamentos a respeito desse assunto:
Qual foi seu primeiro contato com uma personagem feminina que quebrou com o estereótipo de submissa na literatura? Isso impactou sua forma de retratar as mulheres em seus livros?
Possui alguma personagem feminina favorita? Por qual motivo ela se tornou sua favorita? Essa personagem interferiu em seu comportamento e na sua visão sobre si mesma? Sou muito fã da Jane Austen e ter lido seus livros depois de mais velha me acordou para personagens a frente do seu tempo como Elizabeth Bennet, que certamente mexeu comigo e mexe até hoje. Acredito que ela seja a minha personagem favorita justamente por isso, por ter lido em um momento em que eu precisava me inspirar em alguém forte.
“personagens femininas independentes sempre existiram, só acabaram ficando mais populares inclusive entre os jovens”
Foto: Reprodução/Instagram
Conta se eu disser que foi a Mônica da Turma da Mônica enquanto lia os quadrinhos na infância? (risos) Logo depois talvez tenha sido a Magri da série Os Karas do Pedro Bandeira, que era a garota da turma e sempre enfrentava tudo de cabeça em pé. Eu não lembro bem qual foi a personagem feminina da literatura eu li quando mais velha que me fez pensar nessa quebra de estereótipo porque acho que, pra mim, eu já comecei com boas e positivas influências. Talvez Harry Potter? A Hermione definitivamente era uma personagem feminina que destoava de muitos livros juvenis e a caracterização dela certamente me influenciou muito.
O novo livro Allegro em Hip- Hop estreou em 10
Acredita que a onda de personagens de Agosto femininas fortes e independentes surgiu de um desejo genuíno de representação Considera que a maneira como as ou apenas para garantir a venda de li- personagens mulheres são construídas vros politicamente corretos? na literatura afeta a formação pessoal e a autoestima de leitoras, sobretudo É claro que personagens de livros e filmes das mais jovens? acabam seguindo modas e representam o que o público quer ler e ver em certos momentos, a gente não pode negar isso. Mas personagens femininas independentes sempre existiram e, na verdade, só acabaram ficando mais populares inclusive entre os jovens. Em algum momento a imagem de moça doce e em perigo foi mais procurada na leitura e tudo bem também, sabe? Acredito que muitas dessas personagens também fizeram história, também marcaram e ajudaram muitas pessoas e não é exatamente algo a se repudiar. Mas cada vez mais as jovens querem ser representadas de forma a se inspirarem em personagens que gostariam de ser e ter essas imagens independentes s. Todas nós queremos ser representadas e sempre na nossa melhor forma.
Com toda certeza. É algo que eu penso e que sei que muitos amigos escritores pensam também na hora de escrever. É importante conhecer e representar mulheres diferentes nos nossos livros, porque quando o leitor se sente representado, essa conexão pode ser muito forte e positiva. Uma personagem pode ensinar bastante, pro bem e pro mal. O autor precisa saber que tem esse poder e que isso não pode ser leviano. Quando falamos de imagens femininas representativas da mulher brasileira é ainda mais importante. Mostrar a diversidade definitivamente faz com que mais leitoras possam se conectar com a história e aprender com ela.