Jornal Laboratório - UFES
NO ENTANTO edição 100 - Junho/2019 sOCIEDADE
estilo de vida vegano ganha cada vez mais adeptos p. 10
Dívida interna é o principal problema orçamentário no brasil, aponta dados Previdência é o principal problema econômico em pauta para o Governo Bolsonaro, mas dados apontam a dívida interna como verdadeiro impasse aos cofres públicos
saúde
extração de amianto gera debate no senado p. 3 Educação
Fotos: Arthur Chiesa
estudantes que trabalham lutam para estudar p. 9
Crônica: “sufocada”
sOCIEDADE
preconceito contra idosos contribui para violência Mudanças de comportamento, autodepreciação e hematomas são sinais de possíveis agressões contra o idoso
por eduarda moro
p. 13 p. 8
contraponto: uber eats e precarização do trabalho
p. 12
Expediente edição, arte e diagramação Beatriz Heleodoro Gabriela Brito Esther Mendes Hérick Coutinho Marcus Vinícius Reis Newton Assis Rafael Sguerçoni
Redação Aline Almeida Anderson Barollo Andressa Antunes Arthur Chiesa Beatriz Bessa Beatriz Heleodoro Camila Borges
digital e mídias sociais Esther Mendes Gabriela Brito Hérick Coutinho Izabela Toscano João Paulo Rocha João Vitor Castro Luisa Cruz Marcus Vinícius Reis Isadora Fadini Mylena Ferro Myllena Viana Newton Assis Noélia Lopes Rafael Sguerçoni Teresa Breda
logo Gabriel Moraes
Professor orientador Rafael Bellan
editorial É com prazer que a turma de Jornalismo 2018/1 da Universidade Federal do Espírito Santo apresenta a edição 100 do No Entanto. Reconhecemos que a responsabilidade é grande, então, além da própria edição, vamos publicar também um suplemento especial, que vai sair neste mês ainda. Como não poderíamos deixar de lado os acontecimentos de meses de maio e junho, a centésima edição conta com as editorias Economia, Saúde, Sociedade e Educação, onde falamos sobre as controvérsias do Amianto, orçamento da União e Previdência Social, violência contra idosos, a dupla jornada dos estudantes e sobre veganismo, além de contarmos com o Contraponto e com um texto literário sobre relacionamentos abusivos devido ao Dia dos Namorados. Leitores, leitoras e jornalistas que já passaram e que ainda vão passar pela redação, aproveitem a nossa 100ª edição. É uma honra fazer parte da história de um jornal-laboratorial com a proposta de pensar os fatos de uma perspectiva que transcenda o usual. Esperamos também ler a edição 150, a 200, a 300, a 500… Enfim, lembrem-se sempre que não existem limites enquanto estivermos resistindo a cada tentativa de nos criminalizar por estarmos fazendo nosso papel. Turma de Jornalismo 2018/1
Noe nas redes facebook.com/jornalnoentanto @jornalnoentanto
No Entanto
Jornal laboratorial produzido pelos alunos do 3º período do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo , da Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória, ES Email: noentanto@gmail.com Telefone: (27) 4009-2603
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SENADORES E MINERADORES DEFENDEM VOLTA DA EXTRAÇÃO DO AMIANTO no brasil Mesmo com classificação da OMS que trata o amianto com ameaça clara a saúde humana, senadores cogitam votar aprovação para a volta da liberação da extração do minério Por Beatriz Bessa
“Usuários também podem se contaminar ingerindo água das caixas d’águas desse material ou quando telhas de amianto quebram” - Emanuela Figueira (médica)
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á algumas semanas depois de ser cumprida a decisão do STF- supremo tribunal federal de 2017 que ordenava o banimento do amianto mineral, os senadores, incluindo o presidente do senado David Alcolumbre, foram a uma cidade de Goiás para defender a volta de extração do amianto junto a funcionários de uma empresa que extraia o minério. O banimento da extração se dá porque a inalação do pó de amianto pode causar mutação nas células humanas, que fazem com que elas se tornem cancerígenas. Isso afeta principalmente
quem trabalha com a extração e com quem lida com a matéria prima. Até o banimento, vários materiais e objetos continham amianto na sua estrutura. É o caso de telhas, caixas d’água e pastilhas de freio usadas em veículos. Por recomendação da OMS - Organização Mundial da Saúde, mais de 50 países, agora incluindo o Brasil, abdicaram da extração do minério, Segundo o órgão, cerca de 110 mil pessoas morrem por ano devido doenças causadas pelo amianto. Para a medica Emanuela Figueira, de 39 anos, especialista em oncologia, nenhum nível de exposição é seguro, nem mesmo com equipamentos de proteção, os conhecidos EPI, como alegam os trabalhadores da mineradora. Ela afirma que o pó de amianto, por ser fino, tem muita facilidade de entrar nas vias respiratórias e ocupar todo o sistema, levando ao comprometimento das células do pulmão, órgão responsável pela grande parte dos casos de câncer para quem lida com o amianto. Ele também pode causar um dos tipos mais raros da doença: o mesotelioma. Esse tumor acomete os tecidos do tórax e do abdômen, entre outros órgãos.
Figueira afirma que as doenças que podem ser causadas pelas fibras de amianto chegam a demorar até 20 anos para aparecer. Isso dificulta o diagnostico da doença e o tratamento. Já o medico do trabalho Francisco Silveira, de 42 anos, defende que os equipamentos de proteção são suficientes, que eles são trocados semanalmente e que os funcionários são submetidos a exames de controles periodicamente. Desde o momento da admissão até 30 anos após a demissão os trabalhadores são avaliados, evitando que sejam acometidos por qualquer doença. Silveira alega que o impacto econômico do banimento do amianto seria desastroso. “Os prejuízos seriam de mais de R$20 milhões pela ausência de exportação do amianto, sendo principalmente no estado de Goiás”. Entretanto, o professor de química Ricardo Xavier afirma que as fibras de amiantos podem ser substituídas por vários tipos de materiais, como a fibra aramida ou a fibra de vidro. Esses materiais substituíram o elemento sem deixar nada a desejar com relação a função que o amianto cumpriria.
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Quem são os culpados? Previdência não é o único problema do orçamento da União Dados no Portal da Transparência e economistas apontam a Dívida Interna como a principal problemática da crise orçamentária no Brasil. Por anderson barollo e arthur chiesa
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rincipal pauta do governo Bolsonaro, a reforma da previdência é considerada fundamental para recuperar o crescimento da economia e realinhar a crise no orçamento brasileiro, segundo o Ministro da Economia Paulo Guedes. O objetivo é fazer com que, a partir da aprovação do texto, a diferença entre receitas e despesas diminua no curto e médio prazo, reduzindo déficit de quase 200 bi. Só em 2018 a despesa com a Previdência Social foi de aproximadamente 586,4 bi , gerando um déficit de 195,2 bi no orçamento desta pasta. Além da transição demográfica, isto é, o envelhecimento da população
alinhado a queda da fecundidade, segundo o professor de economia da Ufes, Paulo Nakatani, outros fatores também devem ser levados em conta para melhor compreender o saldo negativo. Um deles é a migração para o trabalho informal diante do desemprego. No final de 2018 cerca de 25% dos assalariados não tinham a carteira de trabalho assinada, segundo o IBGE. Ou seja, não eram contribuintes e nem beneficiários da previdência. Segundo o Portal de transparência do governo, os custos com a previdência ocuparam mais de 21% do orçamento total do Estado no ano passado, superando os gastos com saú-
Gráfico comparativo e expandido das despesas com Gastos efetivos e Encargos e contingências. Fonte: Portal da Transparência do Governo Federal
de, educação e segurança juntos. No entanto, existe um outro fator crucial que compromete ainda mais as contas do país: a dívida interna. Boa parte do orçamento anual que o governo anuncia é destinado para refinanciamentos e juros de dívidas públicas, que ocupou em 2018 70,7% dos aproximadamente R$1,3 trilhões previstos para Encargos Especiais e reserva de contingência. Isto é, aproximadamente 38% do orçamento total foram destinados à dívida, sendo maior parte em juros e amortizações.
Entenda a política por trás da dívida pública
A dívida pública, ou dívida interna, bateu aproximadamente R$ 3,917 trilhões no primeiro trimestre de 2019, evidenciando um aumento de 1,15% em relação ao mesmo período do ano anterior. O principal motivo desse aumento segundo a Secretaria do Tesouro Nacional foi a emissão de títulos e pagamentos de juros. A política adotada em relação à manutenção da dívida corresponde às vendas de títulos públicos, na qual, pessoas físicas ou jurídicas possam ‘comprar’ a dívida do Estado almejando um pagamento posterior, com juros. Dessa maneira, o governo pratica a ‘rolagem da dívida’.
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A rolagem consiste quando o governo emite títulos públicos para refinanciar a dívida: Suponha que um Banco compre um título público de mil reais com a promessa de que, após um ano, ele receba o valor do seu investimento mais um juros de 10%. Após o vencimento desse período, o Estado emite outro título para ser vendido a outra pessoa, de modo que utilize o valor desta nova venda para pagar o investimento do Banco, ou seja, os mil reais. Desse modo, o governo transfere sua dívida para um novo comprador, tendo que pagar somente o juros (10% ou cem reais) para o investidor. Acompanhe a ilustração:
O problema é que quanto maior a dívida, menos pessoas vão querer “comprá-las”. Para isso, o governo aumenta o juros desses títulos para se tornarem mais atrativos aos investidores, o que a longo prazo faz com que a dívida se torne cada vez maior e mais complexa de se lidar. O chefe do departamento de Economia da Ufes, Celso Bissoli, também aponta que ‘’Se tivéssemos que eleger um problema como principal, esse problema seria a dívida pública‘’, ao falar sobre a crise fiscal brasileira. “Se tivéssemos que eleger um problema como principal esse problema seria a dívida pública” Celso Bissoli, Professor de Economia
Esquema da emissão e venda de títulos públicos. Crédito: Arthur Chiesa
NoE pergunta O Jornal No Entanto entrevistou Celso Bissoli, Doutor em Economia Aplicada e Chefe de Departamento de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), para falar sobre a crise fiscal e seus protagonistas: previdência e dívida pública.
“Se a reforma da previdência não for aprovada o país quebra’’. A previdência pública hoje está quebrada? Uma reforma hoje é de caráter urgente? Atualmente, todos os países enfrentam esse problema previdenciário; porém, no Brasil, estamos chegando a um patamar quase insustentável. Desde 1988, nosso sistema não sofre uma mudança significativa, somente alterações pontuais. O problema é que o governo anuncia a reforma como o principal passo para retomada de crescimento econômico no país, o que é uma grande falácia. A reforma por si só não irá resolver todos nossos problemas. Dizer que vários investidores externos estão esperando a aprovação da reforma para poderem ingressar no país é uma falsa campanha para legitimar a reforma. Não há essa relação de dependência. Já tivemos outros momentos de crise previdenciária e com investimentos a todo vapor.
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Nos últimos anos, as despesas orçamentárias estão concentradas principalmente na Previdência Social e na Dívida Interna. A Dívida Interna também é o ‘grande vilão’ da economia brasileira?
O processo de ‘rolagem da dívida’ resulta em um déficit que se retroalimenta de maneira vitalícia. O que aconteceu nos últimos anos para se chegar a esse quadro e o que pode ser feito para alterar esse cenário?
De longe nosso maior problema é a dívida interna. Quando se discute previdência, a divulgação dessas informações são classificadas de forma diferente. Há uma ‘separação’, ou seja, tira-se o valor que se refere às dívidas públicas (para dar maior peso em cima do sistema previdenciário), e com o restante calculam-se os demais gastos: Previdência, Educação, Saúde etc. Nossa dívida é tão grande que o governo acaba refinanciando esse défice. Basicamente isso ocorre com vendas de títulos públicos; na qual, seus compradores são em geral, os bancos. A rentabilidade desses títulos é a taxa de juros que elas compõem. O que ocorre no Brasil é que, para manter atrativa a compra desses títulos, o estado coloca altas taxas de juros para garantir a rentabilidade de seus compradores. Acontece que essas altas taxas se tornam referência, gerando uma pressão inflacionária. Com esse cenário, o país desestimula o investimento na economia e aumenta o interesse na compra de títulos. Esse processo encarece a dívida interna do governo, que se compromete a pagar as taxas, criando um ciclo vicioso de baixo crescimento econômico.
Todos os governos do mundo operam em déficit, logo, necessariamente eles iniciam seus processos de rolagem da dívida. O que devemos analisar aqui no Brasil é a questão estrutural que ocorreu em vários países classificados como ‘em desenvolvimento’. Recursos externos financiaram suas atividades durante muito tempo, e muito deles, como é o caso do Brasil, mantinham uma taxa de juros baixa. A estratégia que os países investidores começaram a adotar principalmente em meados das décadas de 70 e 80 foi pressionar os países dependentes de seus recursos a ampliarem as taxas de juros da dívida para garantir suas rentabilidades. A partir desse momento, o Brasil passou a operar com altas taxas de juros para atrair capital externo. No entanto, esse discurso de ‘’incentivo de investimentos produtivos’’ não ocorreu, havendo somente investimentos financeiros, que aumentou nossa dívida pública. Se nosso governo tivesse uma política de financiar sua dívida com taxas mais baixas a economia seria muito grande. Nossa taxa de juros já chegou a cerca de 10-15% ao ano enquanto países como Estados Unidos não passava de 1%.
Segundo a constituição de 88, o Estado, além de usar a arrecadação previdenciária, deve contribuir para o pagamento total da previdência através da Contribuição sobre o lucro líquido das empresas (CSLL) e a Contribuição para o financiamento da Seguridade Social (Cofins). Porém desde 89 os recursos dessas duas áreas são usados com outras finalidades. O cumprimento dessa medida seria suficiente para cobrir o déficit da previdência? O problema não seria tão grande como é hoje, mas não solucionaria tudo. A grande dificuldade nesse caso, é que recursos que eram destinados a previdência durante todos esses anos não foram utilizados, agravando a situação. Para se ter uma ideia, nos anos 50, o governo JK usou dinheiro da previdência para injetar recursos na construção de Brasília. Lá atrás a gente tem exemplos de desvios de recursos. Hoje, intencionalmente ou não, se esquecem dessas situações históricas, olham somente para previdência e falam: “Esse sistema é insustentável”. Vale ressaltar também que estamos vivendo um processo de transição demográfica em um período muito curto e acelerado. A população envelhece, mas o baixo ingresso de jovens no mercado de trabalho devido a essa recessão econômica causa um desequilíbrio no sistema.
“Mexer na previdência e achar que isso vai mudar a situação econômica brasileira é um erro. Na verdade o problema estoura na previdência.” Celso Bissoli
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Professor Celso Sessa explicando os problemas da dívida pública e o sistema previdenciário. Foto: Arthur Chiesa
Não analisam quais são os tipos de trabalhadores que estão vivendo mais. Há diferenças regionais e profissionais, com expectativas de vida específicas. Na ânsia de querer um sistema mais rigoroso e supostamente mais justo, acaba-se passando por cima dessas diferenças, afetando sempre mais as populaEm partes sim. A equipara- ções e regiões mais pobres. ção das categorias do servidor O texto prevê que o trabalhador público com o servidor privapossa optar por um sistema de capido (que é a grande parcela da população); traz um sistema talização, que, segundo alguns econoum pouco mais justo. Porém, mistas, poderia prejudicar o orçamenhá dois problemas associados a to do país a curto e médio prazo. Com isso. O primeiro é que a refor- menos trabalhadores contribuindo, o ma ainda não foi aprovada, logo, Estado teria que arcar com os custos os grupos de interesses ainda daqueles que recebiam pelo antigo estão negociando suas próprias sistema. Ao invés de ‘solução’, esse condições de aposentadoria. Só novo sistema poderia ser um gasto a depois de aprovada, que iremos mais para os cofres? saber se essa reforma combate A capitalização compromeprivilégios ou não. O segundo é que com o aumento da idade te o principal pilar do sistema mínima e tempo de contribui- previdenciário: Cumprir a função, não se considera aqueles ção social de garantia de redisque exercem trabalhos altamen- tribuição de uma renda mínima para a população. Quando você te degradantes. A reforma previdenciária do atual governo é intitulada pelo Ministro Paulo Guedes como ‘’a reforma contra os privilégios’’. A nova proposta sugere alterações que impactam no tempo de contribuição do trabalhador é do tempo mínimo para se aposentar. Essa reforma de fato combate os privilégios?
coloca um sistema onde cada indivíduo é responsável pela sua aposentadoria, você reproduz e potencializa um sistema de desigualdade já existente: os que ganham mais vão se aposentar com mais e os que ganham menos se aposentarão com menos. Outro problema é a transferência da responsabilidade do sistema para bancos. Se houver qualquer problema de gestão dessa empresa o que será feito? Não há garantia de rentabilidade. A previdência acabaria sendo tratada meramente como um problema de ativismo financeiro, onde todos esses recursos estariam centralizados na mãos de poucos: quatro ou cinco bancos. Algumas mudanças são necessárias no sistema previdenciário brasileiro. A discussão é: que alterações devem ser feitas para equilibrar uma conta que hoje não fecha e só tende a piorar? A alteração da idade mínima (levando em consideração os tipos de profissões e regiões) e o combate ao privilégio de fato são necessários. Porém isso não reverte o problema. Quando se estancar a sangria da previdência, qual será o próximo vilão? A dívida pública está na mão de banqueiros. Tirando a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, o restante são bancos privados. E apesar da recessão econômica no país, essas instituições trimestralmente batem recordes de lucratividade. Por serem problemas complexos e automaticamente de longos prazos, os governos preferem atuar nos problemas pontuais fazendo com que a gente se mantenha nessa ‘ciranda financeira’ que já gira a pelo menos 50 anos.
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Preconceito contra idosos contribui para casos de violência Mudanças de comportamento, autodepreciação e hematomas podem ser indicadores de possível agressão Por beatriz heleodoro barbosa
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om uma população com cerca de 208 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos no Brasil ultrapassa 30 milhões. Projeções do instituto indicam que o crescimento populacional tem desacelerado, o que contribui para o envelhecimento da população — resultado do aumento da expectativa de vida e da diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade. Apesar de ainda possuir uma população considerada jovem, o Índice de Envelhecimento (IE) estima que a partir de 2031, haverá 1,02 idosos para cada jovem no Brasil. O IE é medido a partir do número de pessoas com 60 anos ou mais para cada 100 jovens com menos de 15 anos. Com esse envelhecimento da população, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) alertou, em 2017, sobre os sinais de violências contra as pessoas de terceira idade no Brasil e sobre a importância de ações de proteção dos seus direitos. O fundo aponta que as agressões, de natureza física ou psicológica, podem estar ligadas ao preconceito sobre os idosos e ao processo de envelhecimento, muitas vezes associado à perda de habilidades físicas e ao aumento de problemas de saúde. Segundo o Estatuto do Idoso,
é garantido aos idosos todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurandolhe por lei todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física e mental, sua liberdade e dignidade. Apesar disso, ainda em 2017, o Ministério dos Direitos Humanos registrou cerca de 30 mil denúncias de violência contra idosos, através do Disque 100. Este canal é usado para registrar situações de violência contra mulher, racismo, lgbtqfobia ou qualquer outra forma de discriminação e violação de direitos humanos.
PRINCIPAIS SINAIS DE VIOLÊNCIA
hemorragia nas regiões genitais. E a negligência e o abandono, atos de omissão da garantia de necessidades básicas dos idosos pelo responsável, podem ser observadosquando há sinais de má nutrição ou falta de condição de higiene, por exemplo. A assistente social afirma que os sinais de negligência são os mais comuns no seu ambiente de trabalho. “As pessoas têm envelhecido com mais facilidade e o maior problema que eu vejo é o do cuidado das famílias com os idosos. Às vezes, acontece de deixarem ele um dia inteiro numa cama sem trocar fralda ou o amarrarem pra não cair.”, afirma. Além desses casos, a apropriação do patrimônio de uma pessoa idosa por parte de seus responsáveis, de forma ilegítima, também é considerada uma forma de violência, lembra a assistente. “Algumas famílias recebem o dinheiro da aposentadoria do idoso, por exemplo, e não usam para garantir suas condições básicas”. “Para mudar esse quadro de violência, é preciso investir em numa cultura que desassocie envelhecimento com dependência extrema de cuidados.”, afirma a assistente.
A assistente social da Secretaria de Saúde de Venda Nova do Imigrante, Renata Lopes, afirma que além de casos de agressões físicas, devem ser denunciados todos os demais tipos de agressão. “Qualquer tipo de omissão ou agressão contra a pessoa idosa, que prejudique sua saúde física ou mental, é considerado violência”, explica a assistente. A profissional também atenta para os principais sinais de cada tipo de violência. Casos de lesões sem explicações, fraturas ósseas ou qualquer uso de força caracterizam a violência física. Quanto a violência psicológica, humilhações podem resultar em abalo no emocional do idoso ou Estatuto garante saúde física e em depressão não habitual. A mental, liberdade e dignidade do violência sexual pode ser notada idoso quando há sinais de agressão ou
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Estudantes que trabalham enfrentam dificuldades com rotina acadêmica A fadiga é um relato comum dos estudantes que trabalham no contraturno, situação que pode levar a evasão das escolas e universidades Por camila borges
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egundo a OCDE (Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico), 43,7% dos jovens brasileiros entre 15 e 16 anos declararam algum tipo de trabalho remunerado. A jornada dupla, isto é, pessoas que trabalham e estudam é uma cena bastante comum no Brasil. Aos 20 anos, Matheus Dias Ramos trancou a faculdade de Administração e o fator principal para a sua evasão foi o cansaço. Estava sendo extremamente cansativo trabalhar e estudar ao mesmo tempo. “Acabava que eu não fazia nenhuma das duas coisas bem.”. Ele saía de casa ás 5 horas da manhã, trabalhava como recepcionista num posto de saúde durante o dia e a noite ia para a faculdade, por isso chegava em casa aproximadamente ás 23 horas. Para ele a maior desvantagem é que seu trabalho não estava diretamente relacionado com a sua faculdade, por isso ele podia ver poucos benefícios diretos da jornada dupla. Bruna Firmo Alamino Ribeiro, também de 20 anos, trabalha como estagiária e está estudando para se tornar técnica de enfermagem. Ela estuda a noite e acorda muito cedo, por isso explica que o principal problema é administrar o tempo. Bruna tra-
A estudante Eduarda Ramos luta pra administrar seu tempo entre a faculdade pela manhã e o trabalho à tarde, o que é uma problemática recorrente entre grande parte dos estudantes. Foto: Arquivo Pessoal
balha como uma maneira complementar de aprendizagem, não porque realmente necessita do emprego. Esses são exemplos de casos em que trabalhar durante os estudos estava gerando um estresse na rotina dos estudantes. Segundo a psicóloga Iara Sanara, a jornada dupla pode ter vários prejuízos para a pessoa, como “menos tempo disponível para atividades que envolvam interação com familiares, amigos e lazer, maiores cobranças, mais atividades e menos tempo para realizá-las.” A solução para ter uma qualidade de vida melhor é diferente em cada caso específico. Iara contou o exemplo de uma menina que atendeu que em sua comunidade era a primeira a ser aluna de uma faculdade, e também trabalhava porque não teria a possibilidade de se manter sem essa renda. Ela chegou com a queixa de que
estava pensando em sair da graduação por conta do cansaço e estresse da rotina. Mesmo que estivesse realizando um sonho de fazer a faculdade, trabalhar era necessário nesse caso. O que pode ser considerado, de acordo com a psicóloga, é que “Será uma fase por tempo limitado, frente a consequência positiva que esse trabalho terá na sua carreira.” Quando a questão é jornada dupla a análise cuidadosa de cada caso é essencial. Como foi mostrado, os contextos sociais diferentes mudam a maneira de enxergar a questão. Para Iara, sempre vale a pena questionar “Quem está inserido nesse contexto tinha a escolha de apenas estudar ou a única possibilidade de estudar tinha por consequência a jornada dupla?” É sempre importante buscar ajuda de terceiros para passar por essa fase em que é necessário conciliar trabalho e estudos.
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Veganismo cresce como alternativa para a redução de impactos ambientais Dados do Ibope mostram que existem aproximadamente 29 milhões de brasileiros vegetarianas e 5 milhões de veganos Por aline Almeida
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mente olhar as injustiças e a forma como os animais são tratados na indústria alimentícia, de cosméticos, entre outras, e me calar. Creio que o mínimo que podemos fazer é não consumir um produto que tenha algum tipo de sofrimento incluso” afirmou. Além da preocupação com os animais, os adeptos ao veganismo também prezam pelo meio ambiente de modo geral, buscando levar uma vida mais sustentável. A Amanda possui uma loja online, a Organeba, que visa priorizar produtos que diminuam o impacto ambiental, como por exemplo, não possuírem embalagens plásticas e serem produzidos com material biodegradável.
Foto: Arquivo pessoal
veganismo não é apenas uma restrição alimentar. De acordo com a estudante Amanda Ribeiro, vegana há um ano, essa cultura é uma militância e um estilo de vida. O número de adeptos a esse modo de vida quase dobrou no Brasil desde 2012, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). Segundo o estudo, 55% dos entrevistados consumiriam mais produtos veganos se houvesse uma melhor sinalização nas embalagens. Para a estudante, optar pelo veganismo veio de um sentimento de empatia ao ver o sofrimento de um animal e de respeito pela biodiversidade. “Não dá para eu simples-
A estudante Amanda Ribeiro conta suas experiências com o veganismo
Um levantamento do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), em conjunto com a
Agência Alemã para a Cooperação Internacional (GIZ), mostra que, para cada R$1 milhão faturado pela pecuária, são gerados R$22 milhões em impactos ambientais. Dados como esse explicitam que o estilo de vida carnívoro gera muitos danos ao meio ambiente. O setor agropecuário é responsável por 69% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil, segundo balanço divulgado em 2016 pelo Observatório do Clima - rede que reúne 40 organizações da sociedade civil.Um simples hambúrguer de carne de cerca de 200g libera na atmosfera tantos gases de estufa em sua produção quanto dirigir um carro por 16 km. Apesar da pecuária ser um dos maiores problemas, não é o único. Uma pesquisa divulgada recentemente pela Universidade de Oviedo, na Espanha, revelou que cada dúzia de ovos tem o mesmo impacto que 2,7 kg de CO2 no meio ambiente. No Brasil, segundo a ONU, mais de 80% do desmatamento entre 1990 e 2005 foi provocado para consumo de carne. Além disso, o setor agrícola é o que mais usa recursos hídricos, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e para a Agricultura (FAO), sendo responsável por nada menos que 70% do consumo de água mundial em 2016.
Foto: Arquivo pessoal
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Sâmia Morais Siller mostra sua produção de produtos veganos
Visando minimizar todos esses impactos e prezar pela vida dos animais, o veganismo vem crescendo em todo o mundo. Seus adeptos mudam não somente a rotina alimentar, mas também a vestimenta, acessórios, cosméti-
11 cos, entre outros produtos. A comerciante Sâmia Morais Siller, de 31 anos, possui uma loja de sapatos e bolsas veganas que surgiu da necessidade em criar um mercado como esse no Espírito Santo. “Eu comecei a mudar os meus hábitos alimentares e percebi que aqui no Estado não existia esse mercado de sapatos veganos. Ao pesquisar sobre o assunto, vi que tinham muitas marcas legais em outros lugares do Brasil e busquei trazer isso pra cá”, disse Siller. Segundo a comerciante, não são apenas os veganos e vegetarianos que procuram a loja, mas também simpatizantes da causa ou pessoas que gostam de produtos artesanais. “Meu público é bem variado, atendo adeptos dessa militância mas também pessoas que não são. O veganismo é pra todos, qualquer um pode consumir”, comentou. Ela começou com a marca nas
redes sociais e hoje tem um ponto físico em uma loja colaborativa.
Veganismo para todos
É possível encontrar várias páginas em redes sociais que abordam o veganismo, entre elas a “Vegano Periférico” e a “Pobres Veganos Brasil”, que visam mostrar que esse estilo de vida é acessível. O primeiro perfil publica fotos de alimentos de origem vegetal que o administrador da página e sua família consomem, além de pratos simples e nutritivos que podem ser feitos no dia a dia, sem alterar a rotina. Já o “Veganos Pobres do Brasil” compartilha receitas de baixo custo. “Este grupo foi criado para desmistificar que veganismo é um estilo de vida caro, e você, como um Vegano Pobre, está mais do que convidado a ajudar-nos nessa missão“, diz a descrição.
Crédito: Aline Almeida
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Novo aplicativo de delivery potencializa cenário de uberização do trabalho Chegada do Uber Eats promete facilidade e novas oportunidades de emprego, mas expõe precarização do trabalho e instabilidade no mercado atual Por andressa antunes
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Espírito Santo, desde setembro de 2018, conta com mais um aplicativo de delivery: a Uber — maior empresa de transporte individual atuante no país — lançou o Uber Eats, uma plataforma que conecta restaurantes à motoristas (que podem trabalhar de carro, moto e até mesmo bicicleta) para realizarem entregas em um tempo mais curto para os clientes. Com esta novidade, a empresa vende a ideia de que motoristas que antes trabalhavam apenas transportando passageiros agora tem um novo segmento de trabalho, podendo também realizar o serviço de entrega de alimentos e aumentar a sua renda. Além disto, o Uber Eats também permite que usuários abram restaurantes apenas na plataforma online, sem necessidade de fachadas, registro e funcionários, realizando suas vendas somente pelo app. A adesão a este novo modelo de empreendimento é perceptível. Pelas ruas da grande Vitória nota-se um número cada vez maior de entregadores com o equipamento de identificação do aplicativo — em todos os meios de transporte autorizados. No entanto, por trás de
um discurso liberal que prega a independência do trabalhador e que oferta uma alternativa de ocupação em um estado com mais de 260 mil desempregados, condições precárias de trabalho e instabilidade permeiam a rotina dos associados ao Uber Eats. O discurso da mídia está dividido: apesar de divulgar a chegada do aplicativo ao estado e a facilidade que o mesmo apresenta para trabalhadores e consumidores, também há relatos que demonstram as dificuldades enfrentadas por aqueles que realizam entregas pelo app. É o caso de uma matéria do G1, publicada no último dia 16. A reportagem traz o depoimento de um entregador que chega a pedalar nove horas por dia na cidade de Fortaleza - ganhando de 300 a 400 reais por semana, renda essa que é resultado do trabalho pelo aplicativo e outras ocupações do jovem. Além de cargas horárias extensas, pouca remuneração, instabilidade financeira e falta de infraestrutura nas cidades para comportar essa nova fração de classe trabalhadora (sobretudo a que utiliza bicicletas para realizar as entregas) há também relatos acerca da insegurança,
uma vez que não há exigências por parte da Uber em relações a equipamento de segurança para quem realiza o delivery pela empresa. Apesar de todas as controvérsias ao que cercam este novo modelo de trabalho, iniciativas como essa são uma tendência. É o que pesquisadores como o professor Marco Antônio, do departamento de Sociologia da USP, nomearam de uberização do trabalho. “O conceito de uberização faz referência ao pioneirismo do modelo de trabalho ofertado pela Uber, e exemplifica bem o ideal de trabalho proposto por essas empresas: um trabalho intermitente que se propõe flexível e independente, gerido por plataformas digitais particulares e por sua lógica de algoritmos.”, afirmou. O pesquisador também reforça o processo de precarização do trabalho que esta tendência mercantil simboliza: “Diante de um olhar mais crítico, estas novas formas de trabalho assemelham-se a um assalariamento em massa e informal, camuflado sob o discurso do empreendedorismo e das benesses do avanço da tecnologia da informação.”
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Charge “o Circo”
POR GABRIELA BRITO
CRÔNICA “sufocada”
Q
ueria gritar. Chorar. E rir ao mesmo tempo. Mas só agradeci com um tímido “obrigada” ao meu chefe e saí prestando atenção em cada passo que dava para não cair, enquanto ouvia a batida do meu salto no chão do escritório. Depois de muito suspense do patrão com aquele papo de “Ana, você pode vir até a minha sala?” e de ouvir muitas histórias que não tinha nada a ver com o meu trabalho, me ofereceu um cargo de correspondência em Londres. Agora sou, oficialmente, a mais nova correspondente internacional da emissora. Este é o dia mais feliz da minha vida. Cheguei ansiosa em casa para poder surpreender meu namorado, que estava morando comigo há sete meses. Eu estou contando e procurando narrar cada segundo
POR eduarda moro antes, durante e depois do momento em que recebi a notícia. A cada palavra a mais que digo, minha voz vai ficando mais alta e fina. Já havia sonhado acordada planejando em tudo no caminho de casa: nós dois agarradinhos, na capital britânica com aquela chuva gostosa. Estou contando tudo, porém ele parece não estar me ouvindo. Por que ele está tão sério? Até que ele me manda falar baixo. Ele tem razão. Os vizinhos vão achar que eu sou louca. E foi assim que começou a discussão. Ele não parava de gritar comigo, dizendo, dentre outras coisas, que, para eu ter conseguido a promoção, eu só posso ter dado para o meu superior e que eu só penso em mim mesma. Mesmo estando chocada em estar ouvindo tudo aquilo, eu
não chorei. Talvez por já ter ouvido isso pela boca dele algumas vezes. Meus olhos arderam, mas não chorei. Não sou mais uma menininha. Pela primeira vez na vida, me senti corajosa ao ponto de enfrentá-lo. Queria gritar. Ele foi mais rápido e avançou em mim primeiro. Me senti sufocada com seus braços fortes, que sempre achei atraente e que me apertava cada vez mais. Ficamos alguns dias sem trocar uma palavra um com o outro, até que, em uma manhã bem ensolarada, ele chegou com um buquê de rosas chá, minhas favoritas, se ajoelhou no meio da cozinha, com uma aliança em uma caixinha e me pediu em casamento. E eu prontamente aceitei. Ele está arrependido. Como prova de que o perdoei, aceitei ficar no Brasil.
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um suplemento comemorativo vem aĂ...