Jornal Samambaia - Junho 2014

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

nº 067/ ANO XIV

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EDUCAÇÃO

MONOGRAFIA ANTECIPADA Cepae introduz Trabalho de Conclusão de Curso para estudantes do 3º ano como forma de estimular pesquisa COMPORTAMENTO

ÓCIO PRODUTIVO Não fazer nada é uma maneira frutífera de criar arte

LITERATURA

NARRATIVAS QUE TRANSCENDEM Leitores mergulham no universo das grandes histórias

ACESSIBILIDADE ESPORTE PARA TODOS Iniciativas da Faculdade de Educação Física incluem pessoas com deficiência nas atividades esportivas pg.7

VIOLÊNCIA

SILENCIADOS COM RECEIO DE REPRESÁLIAS, IDOSOS SE CALAM DIANTE DE AGRESSÕES. pg. 9

Editores de Capa BRUNA AIDAR, MARIANA ARAÚJO, MARINA ROMAGNOLI, THAIS ALVES | Designers KAITO CAMPOS E VINICIUS DE MORAIS | Fotografia VINICIUS DE MORAIS

samambaia


GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

- OPINIÃO -

CADA UM DE NÓS É UM UNIVERSO, PEDRO!

R U M OR Laysse Sanches e YAgo Rodrigues Alvim

EDITORIAL

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samambaia

Por MARCO FALEIRO, MARIANA FELIPE E MURILO NASCENTE Designer KAITO CAMPOS

Ninguém é uma ilha isolada, cada um é uma partícula do continente, uma parte da Terra”. Essa frase, que o poeta inglês John Donne disse ainda no século 17, já destacava a importância de viver em sociedade, apesar das subjetividades de cada indivíduo. Chegamos ao século 21 e o pensamento continua atual, potencializado pelos dias globalizados em que vivemos. A constituição do homem como ser humano passa essencialmente pelo estabelecimento de relações sociais, que propiciam coletividade e interdependência. As soluções se tornaram mais rápidas e os debates mais abrangentes. Mas, nem por isso, os desafios são menores. Agora, devemos nos apropriar dessas possibilidades e produ-

zir conhecimentos e alternativas de forma conjunta, valorizando o olhar de cada um e tudo o que se ganha com a diversidade, em detrimento do que se perde com a padronização. Assim, a vida em comunidade tende a um mundo com menos fronteiras: entre países, entre grupos, entre nós e você. Tendo em mente essa pluralidade, a segregação deve dar lugar à inclusão. E esse tema é destaque dessa edição do Samambaia. Mais uma vez falamos sobre acessibilidade e voltaremos sempre a esse assunto, até que ele seja visto como uma solução, em vez de um problema. Além disso, várias outras dificuldades da nossa região são destaques desse Samambaia. Nas próximas páginas, você vai ler sobre formas de enxergar a

velhice, as dívidas públicas, a educação e a própria leitura. Enquanto jornalistas, esperamos que isso não seja,

para o leitor, um esgotamento dos assuntos, e sim uma forma de ampliá-los. Isso é incluir.

- RESENHA -

MAR DE AMOR, ONDAS DE MELANCOLIA Por MARINA ROMAGNOLI* | Designer KAITO CAMPOS

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osa. Uma cantora de fado, mergulhada em um relacionamento conturbado e insatisfatório com um homem casado com outra mulher. Ela é bastante complexa e vive intensamente. Após a morte de sua mãe, Rosa começa a procurar seu pai e acaba descobrindo que sua verdadeira história não condiz com a que viveu até então. Nesse processo de busca, ela se envolve com histórias de outras mulheres que procuravam escapar de suas realidades. Esse é o fio principal do mais novo romance da escritora e jornalista portuguesa Inês Pedrosa. “Dentro de ti ver o mar” entrelaça histórias, incita reflexões, procura identidades e origens. Foi por meio dessa trama cheia de personagens contemporâneos e, portanto, dotados de muitos

Edição Brasileira Editora Alfaguara 256 páginas R$ 39,90

conflitos internos, que Pedrosa expressou sua aflição no que diz respeito à busca da identidade, como relatou em entrevista ao jornal O Globo durante o lançamento da obra. O livro discute sobre o machismo, a violência doméstica, a mulher inserida em diferentes culturas, o casamento, o apego às coisas e pessoas e os relacionamentos familiares. Em alguns momentos, com a troca de personagens que ocorre a cada capítulo, há uma sensação de estar perdido na história. Entretanto, no decorrer da leitura os detalhes soltos na obra se encaixam, permitindo perceber que todos os personagens participam de um movimento em comum, de uma busca de sua identidade, de se descobrir e de entender o que se deseja. A contemporaneidade não se manteve apenas no conteúdo do livro, mas também na estrutura textual do mesmo com a incorporação de e-mails à

*Estudante de Jornalismo da UFG.

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FIC Ano XIV - Nº 67, Junho de 2014 Jornal Laboratório do curso de Jornalismo Faculdade de Informação e Comunicação Universidade Federal de Goiás

Orlando Afonso Valle do Amaral

Luciene Dias

REITOR

COORDENADORA GERAL DO SAMAMBAIA

Magno Medeiros

EDITOR DE DIAGRAMAÇÃO

DIRETOR DA FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Luciene de Oliveira Dias

COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO

história. Já a parte tradicional é representada pelo fado português. Foi por meio desse estilo musical tocante, de letras dolentes e melancólicas que fazem dele um “lamento” que a autora permitiu uma maior expressividade da protagonista. Entretanto, pensada de uma maneira moderna e sensual. Seu título é bastante instigante e é um dos elementos que mais estimula a leitura do livro. A frase “Dentro de ti ver o mar” é colocada em diversos momentos do romance, sendo que a cada um deles há mais um detalhe, o que só incentiva a querer chegar ao momento em que todo seu contexto pode ser compreendido. “Dentro de ti ver o mar” é um livro que tem o desassossego como sua inspiração, como seu desenrolar e, por fim, como a principal sensação transmitida por ele. Um livro para leitores dispostos a mergulhar em suas inquietações.

Salvio Peixoto

Alunos da disciplina Laboratório Orientado - Diagramação DIAGRAMAÇÃO

Kaito Campos

Alunos da disciplina Jornal Impresso II EDIÇÃO EXECUTIVA

Marco Faleiro, Kaito Campos e Vinícius de Morais

Alunos da disciplina Jornal Impresso I PRODUÇÃO

MONITOR

PROJETO GRÁFICO

Contato - Campus Samambaia | Goiânia-GO - CEP 74001-970 | Telefone: (62) 3521-1854 - email: samambaiamonitoria@gmail.com | Versão online no issuu.com/jornalsamambaia | Impressão pelo Cegraf/UFG - Tiragem de 500 exemplares


GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

samambaia

- EDUCAÇÃO -

AO IMPLANTAR TCC NO ENSINO MÉDIO, CEPAE INCENTIVA PESQUISA E CRIAÇÃO A DISCIPLINA COMO COMPONENTE CURRICULAR NA GRADE DO 3º ANO

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Repórter FERNANDA GARCIA Editor MARCELO GOUVEIA Designer NICOLE REIS

tesouro da humanidade está na diversidade criadora. Essa fala é de Edgar Morin, sociólogo francês que defende uma reforma no sistema educacional em favor de um ensino que transmita não o mero saber, mas o pensar livremente. Em meio a tantos colégios visivelmente preocupados em somente garantir vagas em universidades para o maior número de alunos possíveis, o Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae) acaba se destacando. Há, em todo o mundo, mais de cem colégios de aplicação vinculados a faculdades e universidades. O Cepae da Universidade Federal de Goiás (UFG) iniciou suas atividades em 1968 com o intuito de ser um colégio experimental que incentivasse a pesquisa, a criação e a formação de futuros professores, possibilitando um aprimoramento nas metodologias de ensino. Baseado na tríade ensino, pesquisa e criação, segundo resolução divulgada pelo Conselho Diretor, o Cepae, em 2013, acrescentou em sua grade curricular a produção de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para os alunos do último ano do ensino médio. A proposta foi feita pelo professor Guilherme Colherinhas, que se tornou professor tutor da disciplina durante a sua implantação no ano passado e permanece na função neste ano. De acordo com Colherinhas, a disciplina estava em fase de teste em seu primeiro ano. Como os resultados foram satisfatórios, passou a ser componente curricular de forma definitiva. Algu-

mas produções dos alunos já foram, inclusive, inscritas em congressos regionais e nacionais, como o Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão (Conpeex) e a Feira Brasileira de Colégios de Aplicação e Escolas (Febrat). EXPERIÊNCIAS Aluna do primeiro período de Engenharia Elétrica na UFG, Bruna Fideles, 17 anos, fez parte da primeira turma de 3º ano do Cepae a ter que desenvolver um TCC para concluir sua formação. Bruna, que não esconde a paixão pela física atômica, escolheu Guilherme Colherinhas como orientador de seu projeto. Colherinhas, além de tutor da disciplina de TCC, é também professor de física. O tema final de Bruna foi bastante específico: influência do meio solvente sobre as propriedades geométricas e elétricas dos isômeros do Ácido Tartárico. A aluna contou que seu trabalho envolveu estudos em nível de pós-graduação, mas, que, ainda assim, não encontrou dificuldades. “Claro que eu tive que estudar várias matérias de física e química que ainda não tínhamos visto, mas vi isso como um grande ganho”, revelou. Bruna Fideles recordou que estava um tanto apreensiva no dia da apresentação de seu TCC. A banca avaliadora foi composta pelo professor de física Leonardo Bruno e pela professora de química Luclecia Dias. “Correu tudo bem e atingi o conceito máximo A”, lembra. Além disso, a estudante apresentou seu trabalho no Conpeex 2013 e teve um pôster exposto na Semana da Física 2013 da UFG. “Sem dúvidas, foi uma grande experiência e sou grata por ter tido a oportunidade de desenvolver esse trabalho. Essa oportunidade é um diferencial, pois, na maioria das vezes, os estudantes do ensino médio se encontram envolvidos somente com o vestibular e, quando chegam na faculdade, demoram a perceber que estão em um ambiente de ensino, pesquisa e extensão, e não apenas um caminho pelo qual precisam passar para ter uma profissão”, finalizou.

Pôsteres de Trabalhos de Conclusão de Curso dos alunos que apresentaram em 2013.

Fotos: Bruna Fidelis

COLÉGIO ACRESCENTOU

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Bruna Fideles, ex-aluna do 3° ano, no dia da apresentação de seu TCC.

RELATOS INACABADOS: ALUNOS ENFRENTAM DEFESA PELA PRIMEIRA VEZ Os estudantes que cursavam o 2º ano do ensino médio no Cepae já estavam familiarizados com a ideia de fazer um TCC para concluírem sua formação e, assim, ingressarem em uma universidade. Vander Finotti, 16 anos, aluno do 3º ano, contou que foi o primeiro estudante do 2º ano a escolher um tema e dar início ao projeto antes de cursar de fato a matéria. Vander contou que, como iniciou seu trabalho antes, levou seu projeto para a I Febrat, ficando em 14º lugar entre todas as apresentações feitas por alunos de colégios de aplicação do Brasil. “Meu projeto é sobre manifestações e mídias sociais. O trabalho visa relacionar o uso da rede nessas manifestações, uma vez que o uso de redes sociais é uma característica da juventude do século XXI”, explicou. O aluno disse que tem participado de reuniões do grupo de pesquisa ProLuta, organizado pela Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da UFG, o que, segundo ele, além de tê-lo ajudado bastante, amplia ainda mais seu contato com a universidade. Vander revelou que pretende cursar Relações Internacionais e está até recebendo ajuda de João Roriz, coordenador do curso na UFG. Já Gabriela Neres, 16 anos, também aluna do 3º ano, contou que começou a desenvolver seu trabalho apenas neste ano. “Estou pensando em abordar a simbologia da mandala, que engloba a história, a psicologia da mandala, entre outras coisas. Escolhi esse tema pois acho as mandalas fascinantes, as produzo e é um tema pouco conhecido, então gostaria de apresentá-lo às pessoas”, disse.

Gabriela contou, ainda, que a experiência de realizar um TCC irá contribuir muito com seu aprendizado. “Trará muita facilidade na universidade, quando tivermos que fazer nosso próprio TCC. Aumenta nossa capacidade de pesquisa e senso crítico em cima de um determinado assunto”, continuou. Sua colega, Miriã Cristina, 16 anos, também está na fase inicial de seu trabalho, que traz a cultura japonesa como tema. Ela confessou que acha o trabalho um pouco complicado, mas relatou que o professor Guilherme Colherinhas fez uma aula específica, no início do ano, para dar orientações gerais sobre como elaborar um trabalho deste tipo. Os professores do Cepae são doutores, mestres e pesquisadores e, portanto, já são acostumados a dar orientações para o desenvolvimento de trabalhos de cunho acadêmico. “Teve uma professora de sociologia que tirou algumas aulas para nos mostrar como fazer uma pesquisa, questionários, o que deve ter no TCC e normas”, contou Miriã. Dificuldades à parte, os relatos dos alunos revelam a capacidade de criação deles. Visivelmente preocupados com o percurso universitário e não com o simples ingresso em uma instituíção de ensino superior, os três estudantes concordam que a realização de um TCC, logo no ensino médio, incita a curiosidade e o pensar, aumenta as habilidades de pesquisa e prepara o aluno para um caminho muito mais produtivo dentro da universidade. (F.G.)


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GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

- CIDADANIA -

RUMO AO FIM DA DISCRIMINAÇÃO JURÍDICA

OBRIGATORIEDADE DE ASSINATURA NA CTPS É NOVA CONQUISTA DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS Repórter FERNANDA GARCIA Editora MARIANA FELIPE Designer ALEX MAIA

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uita gente e pouca expressão. O Brasil tem o maior número de empregados domésticos do mundo, segundo dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no ano passado. São 6,7 milhões de trabalhadoras domésticas e 504 mil homens na função. Apesar dos números tão grandes, a categoria tem ganhado voz há pouco tempo, conquistando somente em abril deste ano a obrigatoriedade da assinatura na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Muito se falou, em 2013, sobre direitos trabalhistas para empregados domésticos. O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) das Domésticas foi aprovado pelo Senado Federal em março do ano passado, garantindo para os trabalhadores domésticos

os mesmos direitos previstos em lei para trabalhadores formais. Alguns direitos tiveram aplicação imediata, como o salário mínimo fixado em lei, a irredutibilidade salarial, a licença à gestação durante três meses, décimo terceiro, jornada de trabalho de oito horas por dia, entre outros benefícios. No entanto, seguro-desemprego e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ainda continuam facultativos. Com a publicação da lei nº 12.964, nota-se uma conquista em andamento. Aprovada pouco mais de um ano depois da PEC, a lei em questão prevê a multa pela falta de anotação de data de admissão e da remuneração do doméstico na CTPS. Além disso, de acordo com o Superintendente Regional do Trabalho e Emprego em Goiás (SRTE/ GO), Arquivaldo Bites, “o que a lei fez foi possibilitar ao Ministério do Trabalho a aplicação das multas nas questões de não cumprimento do previsto na PEC”. Desta forma, o Ministério do Trabalho terá autorização para fazer autos de infração e aplicar multas ao empregador que não cumprir com as mudanças legislativas. As multas variam entre R$ 403,00 e R$ 604,50. A grande dúvida que fica é: como fiscalizar? Bites concorda que é preciso

pensar estratégias de fiscalização, já que o local de trabalho do empregado doméstico, a residência, é um ambiente restrito. O lar é inviolável, a não ser em situações de ordem judicial ou flagrante delito, casos em que o Ministério do Trabalho não atua. O superintendente explicou que não é permitido realizar uma fiscalização in loco. Mas a partir de uma denúncia do trabalhador, o auditor fiscal emite uma notificação para o empregador. “Se o empregador não apresentar a documentação de que está atendendo à legislação, ele poderá ser autuado por falta de apresentação de documentos”, disse. LUTA O primeiro registro legal que se tem sobre o trabalho doméstico data de 1923. O Decreto-lei nº 16.107 regulamentava a locação de serviços domésticos, não fazendo qualquer distinção entre serviços prestados às casas particulares e, por exemplo, a hotéis. Somente em 1989, as organizações e associações de empregados domésticos começaram a se tornar sindicato. No ano passado, a classe finalmente conseguiu ganhar os mesmo direitos previstos na legislação para trabalhadores formais.

Segundo a economista Hildete Pereira de Melo, em texto para o livro Muchacha, Cachifa, Criada, Empleada, Empregadinha, Sirvienta y... Más nada, a peleja para formalizar o trabalho doméstico é difícil, porque muitos empregados têm medo de perder o emprego ao reivindicar seus direitos e, por trabalharem isoladamente, a influência da chamada “patroa”, na linguagem popular, é maior. Isso dificultaria a participação em sindicatos e movimentos mais organizados. Em Goiás, a luta se arrasta ainda mais. Há, no estado, o Sindicato dos Empregados Domésticos de Goiás (Sintradego). Mas, de acordo com o superintendente Arquivaldo Bites, não está registrado formalmente e, portanto, encontra-se irregular. “As entidades sindicais de empregados domésticos são incipientes e, em Goiás, praticamente inexistentes”, concluiu. A presidente do Sintradego, Rosária Ribeiro, explicou que os trabalhadores domésticos são bastante desunidos. Sobre a nova lei que multa o empregador que não assinar a carteira, Ribeiro considera ser um avanço, já que a multa é uma forma de assegurar o cumprimento da legislação e evitar negociações entre empregador e empregado que só prejudicarão esse último.

TRANSFORMAÇÃO, ADAPTAÇÃO E OUTRAS HISTÓRIAS Sua irmã, Emilene Cândida de Oliveira, 38 anos, é empregada doméstica e trabalha há 20 anos na mesma casa. Emilene contou que ainda não sabe exatamente quais são seus direitos enquanto trabalhadora, mas que sua patroa já assina sua carteira de trabalho. Ela confessa que sua rotina de trabalho continua do mesmo jeito de antes das modificações. “Nem minha patroa sabe direito o que fazer”, afirmou. Marcilene e Emilene admitiram ter ainda pouca ciência quanto ao assunto. O caso das irmãs Oliveira não é único. Arquivaldo Bites disse que a falta de conscientização dos trabalhadores domésticos quanto aos seus direitos se deve muito ao fato de a própria classe ser desunida. Ainda de acordo com ele, “a parte que o governo pode fazer” é a distribuição de cartilhas com informações e orientações. “No ano passado, o Ministério do Trabalho providenciou

a edição com os direitos garantidos pela PEC. Foram milhares e milhares de cartilhas. Agora, com essa nova lei, está sendo preparada uma segunda edição atualizada”, alegou. Em entrevista ao jornal A Tarde, Creu- Creuza Maria Oliveira, presidente da Fenatrad. za Maria Oliveinão tinha salário ou perspectiva de ra, presidente da Federação Naciooutra profissão. nal dos Trabalhadores Domésticos Vítimas de uma injustiça histó(Fenatrad), afirmou que se a PEC rica, os trabalhadores domésticos das domésticas tivesse existido antêm finalmente começado a se livrar tes, ela não teria sofrido tanto. Sua da “discriminação jurídica”, como pele negra foi marcada por diverexpôs o doutor em Ciência Política, sas cicatrizes deixadas pelo Brasil Cássio Casagrande, em texto publiescravocrata: começou a trabalhar cado pelo Centro de Estudos Direicomo doméstica antes dos 10 anos to e Sociedade. (F.G.) de idade, sofreu assédio de patrões,

Valter Campanato

O “novo pacto laboral”, como coloca o superintendente da SRTE/ GO, Arquivaldo Bites, ainda está em processo de assimilação. Apesar de admitir não ter embasamento estatístico, Bites especulou que um dos impactos causados pelas mudanças legislativas é a dispensa dos trabalhadores domésticos. “Eu tenho avaliado que é um momento de adaptação. Depois, voltará à normalidade”, finalizou. Marcilene Cândido de Oliveira, 41 anos, trabalhou como doméstica durante dez anos. Hoje, atua como diarista. Apesar de não poder usufruir dos direitos garantidos pela PEC das Domésticas e não ter carteira assinada, Marcilene ainda prefere trabalhar em sua profissão atual, pois não tem boas recordações dos tempos de empregada doméstica. A diarista conta que chegava a trabalhar mais de oito horas por dia sem pagamento com valor fixo.


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GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

- POLÍTICA -

- ECONOMIA -

MULHERES À FRENTE DO GOVERNO

E QUEM PAGA PELOS ERROS? Por Ananda Petineli

Valdir Araújo

CRESCE PRESENÇA FEMININA NA DIREÇÃO DO PAÍS E DISCUSSÃO DE GÊNERO PASSA A GANHAR VOZ NO AMBIENTE POLÍTICO Repórter LUIZ FERNANDO CARVALHO Editora BRUNA AIDAR Designer VINICIUS DE MORAIS

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governo brasileiro, que sempre foi um ambiente de predomínio masculino, teve pela primeira vez em sua história uma presidenta a frente de sua gestão. Dilma Rousseff, chefe de Estado brasileira desde 2011, é um símbolo da afirmação feminina na política. Tal consolidação cresce gradativamente neste meio, como assegura a titular estadual da Secretaria de Estado de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial de Goiás (Semira), Gláucia Maria Teodoro. Teodoro atesta a importância da participação feminina não só no Parlamento, mas também nos demais espaços de decisão. De acordo com o IBGE, a mulher representa aproximadamente 52% da população brasileira e, no entendimento da secretária, a presença das mulheres é decisiva para incorporar suas demandas, necessidades e expectativas nas pautas de decisão política. A secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Goiás (Seppir), Ana Rita Marcelo de Castro, garante a importância de levar a discussão de gênero para o ambiente político. “A discussão de gênero nesses espaços é altamente importante para desnaturalizar a ausência das mulheres e reafirmar que a superação do machismo e do patriarcado não é uma tarefa somente das mulheres, mas de toda sociedade”, afirmou. DISCRIMINAÇÃO O Brasil está na posição de número 156 no ranking da representação feminina no Congresso, entre 188 países. De Castro atesta que podemos verificar essa situação, na forma como as mulheres são tratadas na sociedade, sendo desvalorizadas simplesmente por serem mulheres. Além disso, mulheres são constantemente vistas como objeto sexual, bem como vítimas de estupro, violência doméstica e familiar, chegando ao homicídio, ela garantiu. O enfrentamento e superação desta realidade no campo da política passam, inicialmente, por estratégias compensatórias representadas pelas leis de cotas de participação das mulheres, não só como candidatas nas campanhas de eleição dos partidos, mas também na ocupação de cargos de direção dos mesmos. Os movimentos sociais, principalmente as organizações feministas, desempenham importante

Gláucia Teodoro, secretária do Semira/GO. papel neste sentido. Atuam organizando e oferecendo cursos e debates para conscientização das mulheres sobre a importância de sua participação nos quadros políticos do país, alegou Teodoro. De Castro vê com bastante otimismo a inserção e participação das mulheres, pois a luta é diária. “As mulheres estão mais mobilizadas, participativas e exigindo o que lhes é de direito. Somos ainda um número pequeno participando dos espaços institucionais da política brasileira, mas percebo que estamos a cada dia mais conscientes da necessidade de enfrentarmos os obstáculos que nos excluem.” Gláucia Teodoro afirma que “não podemos mais conviver com as mulheres sub-representadas no parlamento brasileiro”. Ela cita Michelle Bachelet, presidente do Chile “quando uma mulher entra na política, muda a mulher, mas quando várias mulheres entram na política, muda a política”.

DE ACORDO COM A LEI 12.034 DE SETEMBRO DE 2009 • Mínimo de 30% e máximo de 70% devem ser reservadas para candidaturas de cada sexo • Pelo menos 5% dos recursos do fundo partidário para criação de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres • Mulheres devem ocupar pelo menos 10% do tempo de propaganda partidária gratuita.

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A crise financeira da Prefeitura de Goiânia chegou a uma situação limite, que vai além dos horizontes dos enormes gastos acumulados de cerca de R$ 334 milhões – com um déficit mensal de R$ 33,5 milhões e outros R$ 600 milhões em dívidas negociadas – e das divergências entre o prefeito Paulo Garcia (PT), vereadores e secretários. É possível perceber a proporção da dívida diante do repasse de R$ 195 milhões do governo federal a Goiânia nos cinco primeiros meses de 2014. Lógico que uma dívida dessa grandeza é mais do que relevante e preocupante por si própria, porém o que muitas vezes é deixado de lado ou colocado em segundo plano são as implicações dessa conjuntura para a população. Somente neste ano, as dívidas da Prefeitura com os fornecedores já causaram a crise da coleta de lixo que afetou toda a cidade em março e abril, a paralisação do serviço de tapa-buracos por semanas em maio e a suspensão da obra do viaduto da Marginal Botafogo, entre outros problemas. Esses transtornos no fornecimento de serviços, muitas vezes essenciais, atingem diretamente a população, que, no final das contas, é sim quem acaba sofrendo mais com as consequências das dívidas. E, não fosse a insistência de alguns vereadores em contestar as propostas de solução para a crise financeira, a população sofreria ainda mais com a falta de outros serviços importantes. Prova disso é a mudança que foi realizada na votação definitiva do projeto, feito por Paulo Garcia, de reforma administrativa da Prefeitura, que tem como objetivo reduzir os gastos, cortando 734 cargos comissionados e algumas secretarias municipais. Inicialmente, a reforma previa a extinção de oito pastas, incluindo as Secretarias do Turismo e Trabalho, Emprego e Renda, que oferecem serviços importantes para a população, como ofertas de vagas para empregos e cursos profissionalizantes. Contudo, depois de muitos debates entre prefeito e vereadores, que culminaram na decisão de incorporar a Secretaria de Turismo à de Esporte e Lazer e a Secretaria de Emprego à de Indústria e Comércio, a proposta foi aprovada por unanimidade. Apesar de ser realmente necessário extinguir as demais pastas que continuaram na proposta final da reforma – e só serviam para acomodar cada vez mais servidores –, a Câmara poderia ter aprovado as emendas de vereadores que propunham a extinção de mais secretarias extraordinárias. A Prefeitura de Goiânia adotou ainda outras medidas para tentar resolver a crise com um pacote de 60 metas, que incluem aumento da arrecadação tributária em 15%, suspensão do pagamento de gratificações e horas extras e a proibição da contratação de novos servidores comissionados. Apesar de o aumento da arrecadação novamente refletir na população – que vai precisar destinar uma parte ainda maior da renda para os impostos –, as medidas relativas aos servidores são mais do que bem vindas, já que os gastos com o funcionalismo foram responsáveis pela superação do teto da Lei de Responsabilidade Fiscal em R$ 130 milhões no ano passado. Contudo, diante de todo esse “aperto” das contas, uma pergunta continua a pairar no ar: isso será suficiente para a quitação da dívida da Prefeitura? Claro que não! Tanto que uma das medidas do Paço prevê a obtenção de empréstimos no valor de R$ 300 milhões, o que resultará em uma nova dívida. Além disso, a própria atual reforma administrativa deve gerar uma economia de pouco mais de R$ 1,5 milhão por mês, enquanto a proposta do ex-secretário de Finanças, Cairo Peixoto, previa uma economia de R$ 45 milhões mensais. As medidas do ex-secretário acabaram sendo rejeitadas pelo prefeito, que a considerou “muito rígida”. Grande parte das dívidas poderia ser quitada se a Prefeitura recebesse os mais de cinco bilhões de reais de devedores, sendo que a maioria é proveniente de IPTU e ISS. Isso se as 20 maiores empresas e entidades devedoras já não tivessem se posicionado contrárias à cobrança, declarando que vão recorrer em todas as instâncias. Se a conjuntura municipal continuar nesse passo, com um “bolo” de dívidas acumuladas e medidas – ainda – muito modestas, será que o sucessor de Paulo Garcia vai, conforme o atual prefeito disse, conseguir “pegar a administração em condições ideais”?


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- ACESSIBILIDADE -

CIDADE CRESCE E DEMANDA MAIS ACESSO

TÁXI ACESSÍVEL PROMOVE INCLUSÃO E CONTRIBUI PARA CONSTRUIR UMA CIDADE ONDE CAIBAM TODOS

Carlos Antolini

sempre, mas formalmente começou em 1990, quando se filiou à Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás. Desde então, ocupou vários cargos até se eleger vereadora, em 2004, e ser reeleita em 2008. Hoje ela ocupa o cargo de Secretária Municipal de Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida. Durante os mandatos, Cidinha teve 54 projetos Repórter BÁRBARA FALCÃO transformados em leis. Uma Editor MURILO NASCENTE de suas grandes contribuiDesigner KAITO CAMPOS ções foi a lei que tornou 90% dos ônibus da cidade utro dia, enquanto transitava acessíveis. Recentemente, de uma aula para outra entre como Secretária, ela coloos corredores dos Centros cou em pauta o projeto dos de Aulas da Universidade Federal de táxis acessíveis. A ideia foi Goiás (UFG), ouvi um comentário adiante e entrou no edital de infeliz. Melhor seria se não tivesse licitação para novas vagas de Motorista auxilia cadeirante a entrar em táxi acessível em Vitória (ES). ouvido, mas fato é que um rapaz retáxis no fim do ano passado. de implantar mais táxis acessíveis. Mas ridas dos táxis acessíveis não varia clamava para a amiga sobre a exisAo todo, 350 vagas foram liberadas. para isso, alguns pré-requisitos precisam em relação aos táxis convencionais. tência de banheiros para cadeirantes Destas, 35 para táxis acessíveis, além ser cumpridos, “todo serviço de táxi é Horácio Ferreira disse que esse cusna Universidade, sob o argumento de de 17 vagas reservadas para taxistas prestado por meio de licitação, recenteto inicial será compensado, já que o que “aqui nem tem cadeirantes”. Não portadores de necessidades espemente houve o processo licitatório que público é diferente dos outros, fato sei o nome do rapaz e neste momenciais. O treinamento dos motoristas abriu vaga para que interfere to me arrependo por não ter voltado dos táxis especiais é feito por meio os táxis acesna demanda. lá e ter tido uma boa conversa com de palestras ministradas por Cidinha Caso o serviço dê certo síveis. Caso o A diferença ele. Mas pensei, na hora, é por causa Siqueira e Patrícia Veras, secretária serviço dê certo do táxi acessíde pensamentos assim, egoístas, que Municipal de Trânsito, Transportes e e a demanda seja muito e a demanda vel para o táxi vivemos em uma cidade pequena deMobilidade de Goiânia. seja muito alta, comum é que o mais, e que talvez nunca seja grande alta, nada impede que a O Rio de Janeiro foi a primeira cinada impede passageiro tem o suficiente para caber todos. dade do Brasil a adotar o conceito, em que a prefeiprefeitura abra nova licitação mais conforto Felizmente há pessoas que lutam 2007. São Paulo veio em seguida, no tura abra nova e não precisa para que a cidade cresça. É o caso da ano de 2008. Em Goiânia, o primeilicitação para sair da cadeira para implantar mais táxis cadeirante Maria Aparecida Siqueira, ro táxi acessível começou a circular implantar mais para ir de um ou Cidinha Siqueira, como é conheno fim de março deste ano. Seguntáxis acessíveis. lugar a outro, acessíveis. cida. A luta de Cidinha em prol das do o chefe da divisão de projetos de Mas antes, deve podendo estar pessoas deficientes acontece desde educação para o trânsito da Secretaser feito um esacompanhado ria Municipal de tudo com muiou não. O veíHORÁCIO FERREIRA Trânsito (SMT), ta cautela”. culo escolhido Chefe da divisão de projetos de Horácio Ferreira para sofrer moeducação para o trânsito da SMT a expectativa é de DIFERENÇAS dificações foi o que até junho toFiat Doblô, por causa do tamanho. O dos os táxis esteA adaptação do táxi não é feita carro recebe uma rampa ou um elejam circulando. em Goiânia, esse é o principal motivador que possibilita ao cadeirante A distribuição vo pelo qual todos os veículos acesse transportar do exterior para o indeve ser feita de síveis ainda não estão em circulaterior do veículo (e vice-versa) com forma a atender ção. Uma das empresas que realiza segurança, em sua própria cadeira à demanda em a transformação é a Technobras, sede rodas. Rosimeire Melo dos Santos qualquer parte diada em Betim (MG), que pertence tem 59 anos e é cadeirante, ela aproda cidade, mas a um grupo europeu. Vale lembrar vou a ideia do táxi acessível porque, algumas regiões que o custo (que pode chegar até segundo ela, o veículo proporciona devem receber R$ 90 mil) é totalmente por conta ao deficiente maior independência e cuidado especial, do motorista e que o preço das cormenos constrangimento. como por exemplo, a região do Centro de Reabilitação e Readaptação (CRER), além de hospitais, shoppings e Existe uma reivindicação noturno e na madrugada, que aeroportos. dos taxistas para que a bandeiexige mais do motorista. Ainda De acordo ra 2 volte a vigorar em Goiânão há nada aprovado na precom Ferreira, nia. O principal motivo é infeitura, embora haja diálogo socaso a demanda centivar o trabalho no período bre o assunto. seja muito alta, há a possibilidade Cidinha Siqueira luta desde sempre pela acessibilidade.

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Reprodução

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GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

- ACESSIBILIDADE -

A Q U I N Ã O E X I S T E C O I TA D I N H O PROJETOS DA FEF

7 Fotos: José Abrão

des esportivas como esportes aquáticos, lutas, ginástica, PROMOVEM A musculação, dança, entre outros. Os alunos com necessiINCLUSÃO SOCIAL dades especiais são acompanhados por monitores, que DE DEFICIENTES EM são estudantes da graduação, até se adaptarem ao esporte e VÁRIAS MODALIDADES a partir de então seguem sozinhos. Em casos de deficiência ESPORTIVAS mais grave, como alunos tetraplégicos, estes podem ser acompanhados sempre por Repórter JOSÉ ABRÃO monitores. Editor JEAN MARINELI Um dos diferenciais está na escolha dos alunos. Designer CAROL ALMEIDA A professora dá o exemplo de uma aluna tetraplégica, s esportes adaptados surgiram que sonha em ser bailarina, em 1944 quase simultaneae está incluída na turma de mente nos EUA e no Reino dança: “Ela deve ter o direi- Vanessa Dalla, professora de Educação Física e criadora do projeto Dando Asas. Unido como forma de tratamento à to à escolha e a instituição deve estar reabilitação física, social e psicológica preparada para receber essa pessoa na Esporte Adaptado para Todos, do Núem coma e despertou com deficiências de pacientes severamente incapacitamodalidade que ela escolher. A mocleo de Práticas Corporais, encabeçado motoras graves após sofrer um AVC dos pelas duas Grandes Guerras Mundalidade permanece a mesma para topela professora Ana Paula Salles. Assim durante o coma. Há quatro anos, Célio diais. Aqueles tratamentos iniciais aos das, só devemos fazer adaptações para como o Dando Asas, o projeto mistura entrou para a turma de hidroginástica poucos evoluíram para diversos esporque essa pessoa possa participar e ter alunos com e sem deficiência, em esdo projeto. Naquela época, andava com tes e competições que mais tarde levabenefícios”. portes competitivos de equipe adaptao auxílio de uma bengala e tinha muitas riam às Paralimpíadas. Essa ideia veio da percepção de dos. dificuldades Mais do que uma prática, o esporte que muitas instituições restringem os Até agoem descer as possui funções terapêuticas tanto para A gente inclui a pessoa, deficientes a modalidades adaptadas ra, o projevárias rampessoas sem deficiência como deficiencomo basquete para cadeirantes, vôlei to trabalhou pas do clube tes, em virtude do seu efeito na auto-escom as características que ela onde as aulas sentado, entre outras: “Isso segrega as com basquete tima e preparo físico. Foi com grande pessoas que já são segregadas. A gente e handebol são realizadas, surpresa que a professora Vanessa Dalla tem, ao que ela quer fazer. A inclui a pessoa com as características em cadeira de já chegando descobriu em 2010 que nenhuma das que ela tem com o que ela quer fazer. O rodas, mas, exausto à pismodalidades esportivas da Faculdade gente acredita que isso é a que ela faz é muito diferente dos outros apenas parte cina. de Educação Física (FEF) da UFG ofealunos, mas psicologicamente não, ela dos alunos são Hoje, esse recia vagas para deficientes: “Tínhamos verdadeira inclusão. se sente incluída e feliz. A gente acredita cadeirantes, os não é mais o 800 alunos com a gente, nenhum deles que isso é a verdadeira inclusão”. demais não são caso. Célio não deficiente”, contou. deficientes. A precisa mais A partir daí, a professora iniciou ANA PAULA SALLES VIVÊNCIA finalidade é rede auxílio para o projeto Dando Asas, que propõe ir Coordenadora do projeto Esporte duzir e vencer caminhar e já além do esporte adaptado. Nele, o aluAdaptado para Todos O Dando Asas favorece a vivêno preconceito; recuperou boa no deficiente escolhe qual esporte ele cia social de seus alunos objetivando assim como no parte de seus quer participar e faz as aulas em turmas a inclusão, acima da prática esportiva, Dando Asas, quer-se quebrar o “olhar de movimentos e também da sua fala, antes com alunos sem deficiência. O projeto mas sem se esquecer da recuperação. coitadinho” dirigido aos deficientes: “É problemática e agora apenas um pouestá presente em cerca de 25 modalidaOutro projeto interessante da FEF é o para que pessoas tanto da Universidade co fanha. Ele elogia muito a iniciativa: quanto da comunidade possam passar “Achei bom demais. Quando saí do hospela experiência e conhecer”, explicou pital, fazia Crer (Centro de Reabilitação Ana Paula. e Readaptação Dr. Henrique Santillo), A professora explicou que tais mas o centro de reabilitação só atende os esportes adaptados permanecem alcasos graves, possui um tempo máximo. tamente competitivos e que requeQuando saí, não sabia onde continuar rem alto grau de habilidade por parminha recuperação”. te dos atletas. Quem julga o esporte Demorou até descobrir o Dando mal, acaba aprendendo: “Essas pesAsas, e diz que o projeto deve ser mais soas sentam na cadeira e precisam divulgado: “Tem que ampliar, tem que testar as mesmas habilidades que ser conhecido, me ajudou demais na um cadeirante”. recuperação. Estou quase pronto pra Infelizmente, o projeto está parado sair por aí. Antes quando chegava aqui há seis meses devido a reformas no giera muito difícil, hoje dou até de ponnásio da FEF, mas deve voltar até o final ta”, brincou ele. do ano. Se tudo der certo, incluindo no“Quando começamos, havia covas modalidades. mentários como ‘ah, coitado’, ‘que judiação’, mas fomos quebrando esses RECUPERAÇÃO conceitos”, contou a professora Vanessa. “Os deficientes fazem a mesma aula Uma das pessoas atendidas pelo que todo mundo. É importante olhar Dando Asas e muito satisfeito com o para a pessoa, para o indivíduo. A deprojeto é Célio da Silva. Ele foi atroficiência é apenas uma das característipelado há 12 anos, ficou dois meses cas dessa pessoa”, disse. Parte do projeto há 4 anos, Célio se beneficiou bastante das aulas.

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- CIDADES -

ALGUMA COISA ESTÁ FORA DA ORDEM DE HOMICÍDIOS COLOCA GOIÂNIA ENTRE AS 30 CIDADES MAIS VIOLENTAS DO MUNDO Repórter FERNANDA GARCIA Editora MARINA ROMAGNOLI Designer NICOLE REIS

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egundo pesquisa divulgada no início do ano pelo Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal, Goiânia é a décima cidade mais perigosa do Brasil, e a 28ª mais violenta do mundo. A classificação usou como parâmetro o número de homicídios ocorridos em 2013. De acordo com a pesquisa, a cada 100 mil habitantes na capital goianiense, obteve-se a taxa de 44,56 homicídios, um caso considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como epidemia de violência. Os índices continuam a crescer. A Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO) di-

vulgou que a quantidade de homicídios acumulada no primeiro trimestre deste ano superou a do mesmo período do ano anterior. Numericamente, aos olhos superficiais, a situação revela-se contraditória: a alta taxa de homicídios e seu crescimento vão na contramão do aumento do efetivo policial realizado entre 2013 e 2014. De acordo com o secretário da SSP-GO, Joaquim Mesquita, é preciso trabalhar em uma mudança na legislação penal, para que os criminosos continuem presos. A mesma posição foi reforçada pelo governador do estado Marconi Perillo em reunião de trabalho no Centro Cultural Oscar Niemeyer, no dia 3 de abril deste ano. IMPUNIDADE

O panorama: crescimento da violência, cadeias superlotadas e um movimento de endurecimento das leis. O advogado e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Júlio Moreira, explicou que a defesa de leis mais punitivas faz parte de um processo de “fascistização em curso”. Ao citar o professor de Direito e Criminologia Penal da Univer-

Calibre do Perigo Número de homicídios em Goiânia desde 2010

578 577

479

392

2010

2011

2012

2013

Fonte: Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Goiás (Sindepol).

sidade Federal do Paraná (UFPR), Juarez Cirino dos Santos, o advogado alega que o Brasil é o país que mais pune no mundo. “A punição é intensa, basta ver a quantidade de pessoas encarceradas no Brasil. Quando se fala em impu- Secretário da SSP-GO, Joaquim Mesquita. nidade, tem que se observar que a punição é seletiva”, O crime organizado é um nedeclarou. gócio lucrativo. O Escritório das Por trás dos números, existe Nações Unidas sobre Drogas e um problema estrutural que conCrimes (UNODC) publicou que dena não somente Gôiania, mas essas redes geram aproximadagrande parte das cidades brasileimente 870 bilhões de dólares por ras. Ainda de acordo com Moreira, ano. Para Moreira, há um fetiassocia-se erroneamente o creschismo em torno das organizacimento demográfico com o auções ilícitas, com quem o estado mento da violência. “O crescimenatuaria em conjunto. A droga em to da violência conforme cresce a si, por exemplo, não é o motor população está relacionado com da violência, como apregoam os um crescimento desordenado, um simplistas. Ele pontuou que não planejamento urbano excludenexiste uma ação efetiva contra o te e concentrador na especulação tráfico de drogas no país, expliimobiliária”, afirmou. Além disso, cando que toda atuação do estaa maioria populacional é exposta a do é focada no varejo, ou seja, em “situações de contradições sociais, prender os traficantes, que, na pobreza e redes de crime organizaverdade, pertencem a uma esfera do”, continuou. mais baixa da organização.

Fernando leite

ALTO ÍNDICE

“SEGURANÇA É DECORRÊNCIA DE UM CONJUNTO DE POLÍTICAS” O secretário de segurança pública do estado de Goiás, Joaquim Mesquita, contabilizou entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão investidos em segurança pública pelo governo do estado. Entre os destinos desse dinheiro estão os salários de policiais e outros funcionários, armamento, munições, locações de veículos e combustível. Existe ainda o Programa Goiás Cidadão Seguro, que já implantou 36 Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) com o intuito de padronizar as atividades das forças policiais. O secretário contou que em 22 locais onde existem AISPs já houve a redução do índice de homicídios dolosos, ou seja, quando há intenção de matar. O gorvenador Marconi Perillo, durante a reunião realizada no Centro Cultural Oscar Niemeyer, salientou que o governo federal precisa apoiarse na construção de mais presídios. Em contrapartida, os cofres públicos chegam a gastar até sete vezes mais em um detento do que em um estudante de escola pública, de acordo com da-

dos da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus). O advogado Júlio Moreira acredita que, no plano ideal, o cárcere deveria operar na reeducação e ressocialização da pessoa condenada, mas não é assim que acontece. “As cadeias no Brasil têm funcionado como uma espécie de ferramenta de vingança”, opinou Moreira. Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, a socióloga carioca Vera Malaguti fez uma observação que pode servir como o ponto de partida para solucionar o quadro de violência que assola não só Goiânia, mas o Brasil. “A questão é o que quer dizer segurança pública para nós. Para mim, é transporte coletivo não monopolizado, de boa qualidade, escola pública de boa qualidade. Segurança é decorrência de um conjunto de políticas públicas. Numa cidade que precisa de tanta polícia, exército, marinha, aeronáutica, alguma coisa está fora de ordem, como diz Caetano Veloso”. (F.G.)


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- VIOLÊNCIA -

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SÁBIOS, MAS DESAMPARADOS PELA LEI VÍTIMAS DE

Vila Vida

assistentes fazem a visita in loco eles ainda VIOLÊNCIA, IDOSOS negam, antes de ceder e confirmar”, explicou. A NÃO DENUNCIAM questão que caracteriza esse tipo de violência POR MEDO DE é parecida com a que marca a violência conSOFRER MAIS AINDA tra a mulher. Em ambos os casos, as vítimas não denunciam porque têm Repórter LORENA LARA medo de sofrer repreEditor MARCO FALEIRO sálias como consequência. Por isso, justificou Designer CYNTHIA COSTA a diretora, “é preciso ascer, crescer, envelhecer e ganhar a confiança do atingir a sabedoria dos longos idoso para que ele diga o anos de vida. E sofrer violênque está acontecendo”. cia quando não se é mais independenPara a Superintente e tão forte quanto antes. E sofrer dente do Idoso da Secretadesamparo pela família, negligência ria Estadual de Cidadania e agressão. Dados do Ministério da e Trabalho (SECT) IvoSaúde apontam que, no Brasil, 27% ne Corgosinho, a maior das internações de idosos são em deVila Vida: atividades que permitem aos idosos qualidade de vida. motivação desse tipo de corrência de violências e agressões. Já violência é o dinheiro. “A o Ministério Público de Goiás aponta exploração financeira é o que mais gera nistério Público intervém”, explicou INSUFICIENTE que a violência doméstica prevalece isso”, disse, e completa apontando o desNeide Nascimento. Ela afirmou que, em 54% dos casos no Estado, quando conhecimento da lei como outra causa. por vezes, as visitas de assistência soA superintendente Ivone Coré praticada pelos próprios filhos das “O Estatuto não está bem divulgado. Está cial conseguem inibir que a violência gosinho, no entanto, pensa que sovítimas de 60 anos ou mais. O maior escrito, lá no artigo 104, que é proibido revolte a se repetir. mente a delegacia não será capaz problema, no entanto, é que o idoso ter o cartão do idoso, mas isso ainda assim O grande problema, no entande resolver o problema. “Também não denuncia. acontece”. Com 69 anos de idade - “Meia to, é que o corpo de servidores que precisamos tirar o agressor ou a Neide Nascimento, diretora do Denove”, respondeu, se recusando a contar a trabalha hoje em dia não é capaz de pessoa agredida”, disse. Ela afirma partamento de Atendimento à Pessoa quantidade de dezenas que a conduzem à atender todas as ocorrências em temque um centro de apoio às vítimas Idosa da Secretaria Municipal de Assisclassificação da Organização Mundial da po hábil. “Para uma denúncia chegar é necessário, porque “a gente sabe tência Social de Goiânia (Semas), afirSaúde (OMS), Corgosinho confessa sua ao fim, leva entre cerca de 40 a 50 que idoso vai voltar a sofrer violênmou que chega a receber, semanalmenopinião sobre esse tipo de violência. “É a dias”, disse Nascimento. Ela afirmou cia. Ele fica com medo, fica doente, te, cerca de 16 denúncias. O número, no falta de amor”, afirma, e diz que o trabalho que a delegacia pretende fornecer um depressivo”, explicou. entanto, poderia ser maior. Caracterísde conscientização tem que continuar. apoio maior às vítimas e é de extreHoje em dia, quando uma denúntica presente ma importância, já que lei atual não cia é realizada e chega na Semas, a na maioria DELEGACIA ampara a vítima que denuncia. “Não assistência social realiza a visita para É a falta de amor dos casos de há nenhuma forma de lei que garanta confirmar a violência. “Geralmente agressão, o Em dezembro a segurança do idoso. Como ele fica a gente encontra a vítima abandonamedo de realide 2013 o governacom medo da represália, acaba não da, negligenciada. Nesses casos, ela IVONE GORGOSINHO zar a denúncia dor Marconi Perildenunciando. A delegacia vai forneé encaminhada para uma instituição Superintendente do é frequente. lo sancionou a lei cer mais segurança para que ele faça de longa permanência. Quando a Idoso da SECT Nos casos de instituindo a criaisso”, ressaltou. violência física é confirmada, o Miagressão física, ção de uma deleisso se intensifica. “O idoso tem medo gacia do idoso em Goiânia. O titular já porque o agressor, seja filho ou neto, foi escolhido, mas a sede ainda não foi geralmente está envolvido com uso de liberada. Emerson Morais, o delegado drogas. Os denunciantes costumam ser responsável, explicou que a delegacia já vizinhos ou familiares mais distantes”, está funcionando, mas ainda não atenUma vila de trinta casinhas tos, também em Goiânia. Localiafirmou Nascimento. de ao público. “Estamos só cumprinvoltada exclusivamente para habizado no Parque Amazônia, o solar Mesmo quando ocorre a visita de do cota do Ministério Público”, disse tantes idosos. Essa é a Vila Vida, oferece 42 vagas para moradores, um assistente social, a relutância perPerguntado sobre a existência de uma em Goiânia, um projeto da Orgaalém de quatro apartamentos que manece. De acordo com a diretora, previsão de funcionamento total da denização das Voluntárias de Crissão alugados para os que são camuito raramente as próprias vítimas legacia, Morais justificou que o único to (OVG). Localizado no Setor pazes de arcar com o ônus. A insdenunciam, e quando isso acontece, problema é o do imóvel, paralisado por Coimbra, a vila é um centro de tituição conta com salão de festas, é anonimamente. “Mesmo quando os questões burocráticas. convivência para moradores com jardim, sala de fisioterapia e ouO delegado afirmou que Goiânia idade mínima de 60 anos de idatros serviços, que são oferecidos já estava precisando de uma delegaPARA DENUNCIAR de. Com atendimento psicológico gratuitamente. cia especializada para o idoso. “Ela foi Disque 100 criada porque a polícia entendeu que e a atenção especial à saúde, a Vila Iniciativas como essas permiOuvidoria dos Direitos Humanos: já existia uma demanda. No Brasil já Vida também atende cerca de mil tem aos idosos uma vida mais livre existem várias delegacias desse tipo idosos mensalmente. Durante o e independente, com o apoio e cui3243-8081 e essa agora vai ser do município de dia, são oferecidas atividades gradado de pessoas responsáveis e caMinistério Público Goiânia”, explica. “Vamos atuar na tuitas, como hidroginástica, coral e pacitadas. Entre convivência social, parte criminal, em contato com os bailes dançantes. exercícios físicos e festas, eles po197 conselhos municipal e estadual, e forUma iniciativa parecida é a do dem viver tranquilamente a parte Polícia Civil necer uma maior celeridade a todo o Solar Colombino Augusto de Basmais sábia de suas vidas. (L.L.) processo”, informou Emerson Morais.

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OUTRAS REALIDADES


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- COMPORTAMENTO -

A ARTE SOBRE AS ASAS DA BOA PREGUIÇA

o tempo livre é necessário para a produção de ideias, que são a matéria dos sonhos, e são os sonhos que dão senCRESCE À SOMBRA tido e alegria à labuta diária”, ressaltou a psicoterapeuta. DO ÓCIO CRIATIVO, A psicóloga citou o célebre dissidente da corrente freudiana, Carl Jung, auNECESSÁRIO AO tor da frase “Quem olha pra fora sonha, e quem olha pra dentro acorda”. Sendo DESCANSO DA MENTE matéria prima para os sonhos, a Boa Preguiça que Joaquim Simão cultiva em sua Repórter NICOLE REIS rede de dormir não poderia deixar de ser Editora AMANDA DAMASCENO louvada pelos amantes da arte. Fechar os olhos para o mundo exterior, não é estar Designer JÚNIOR OLIVEIRA alheio à vida. Tantas vezes, é estar ainda mais afinado com ela, conhecendo-se as estradas de dentro. ão faltam preguiçosos na liteAo longo de 20 anos de existência, ratura brasileira. Como como grupo de teatro Guará, pertencente panhia ao lento Jeca Tatu, de à Pontifícia Universidade Católica de Lobato, está aquele que diz: “Ô mulher, Goiás, PUC-GO, deu vida às persotraz meu lençol, que eu estou no banco nagens de Suassuna, verdadeiras xilodeitado”! É esse o brado constante do gravuras vivas. Recentemente, a equipe poeta nordestino Joaquim Simão, prodirigida por Samuel Baldani empetagonista da peça Farsa da Boa Preguiça, nhou-se em uma adaptação teatral da escrita por Ariano Suassuna. Jeca Tatu Farsa da Boa Preguiça. tem a desculpa de estar doente, mas esse A riqueza das produções do autor não parece ser o caso de Joaquim. nordestino permitem, segundo Baldani, Há quem diga que esse produtor o trabalho intensivo com as habilidades de versos de cordel não quer saber de de cada ator. Referindo-se ao conteúdo uma rotina de trabalho séria. Deita-se de sua última peça, enfatizou o direna rede, pensando em suas poesias, e tor: “A Preguiça Boa é aquela que você a mulher que lhe traga o lençol para o merece cochilo do O ócio criativo desempenha depois do dia. Mas t rab a l ho. para ouum papel libertador, Eu valoritros, o ócio zo muito o de Joaquim uma vez que o tempo livre t rab a l ho. não passa É como os de um duro é necessário para a produção de ideias, incas falam: processo de que são a matéria dos sonhos. não mencriação. Setir, não ser ria sagrada MONICA QUINA preguiçoso a preguiça Psicóloga e trabalhar”. do artista? A preguiça A esde Deus é o famigerado descanso após treia da peça, na Recife de 1961, susa labuta cotidiana. citou críticas diversas a Suassuna, Apesar de valorizar o trabalho acusado de estar incitando o brasileiro como atividade que dignifica, o diretor à postura preguiçosa perante a labuta teatral é fã incondicional do ócio criadiária. Na época, Suassuna disse não tivo e diz que o cultivo do descanso degostar de dar explicações aos poderopende de disciplina, do estabelecimensos mas esclareceu que sua obra não é to de horários destinados à “recarga de uma apologia indiscriminada à preguibaterias”, para que a mente funcione ça, e sim um elogio ao ócio que permite bem. Segundo Baldani, os momentos a produção artística. “Há uma Preguiça de lazer e descontração são indispensácom asas, outras com chifres e rabo. Há veis ao processo de produção artística. uma preguiça de Deus e outra preguiça O coordenador do Guará foi do Diabo, diz uma das personagens da enfático quanto à rotina produFarsa. A primeira, produtiva e necessátiva daquele que faz arte: “O traria. A segunda, nada cria. balho do artista é um ato criador, Assim como o escritor, a psicóuma labuta criadora. Ele não está loga Mônica Quinan fez a distinção a toa. Está trabalhando, sofrendo, entre a má preguiça e o descanso ou estressado. Às vezes fico o tempo ócio. “Desconexão laboral”, é esse o todo pensando na peça e tenho modo como Quinan chama a famosa que me exercitar pra conseguir Boa Preguiça, o processo de repouparar de pensar em como vou reso necessário à manutenção de uma solver uma cena”. Baldani adora qualidade de vida adequada. “O ócio andar e tomar banho de cachoeicriativo é absolutamente salutar, tanto ra, a fim de “recarregar as enerfísica, como mentalmente. Desempegias” e voltar disposto ao trabalho. nha um papel libertador, uma vez que

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Layza Vasconcelos

PRODUTO ARTÍSTICO

As personagens caricatas de Suassuna ganham vida sob a direção de Samuel Baldani.

MEDICINA É preciso estar atento à manifestação exagerada da Preguiça com chifres e rabo, aquela que nos imobiliza e desconecta-nos do mundo. A médica, clínica geral, Cibele Frauzino alerta que a preguiça é sintoma de patologias como a narcolepsia, que é o excesso de sonolência; síndromes como a da fadiga crônica ou depressão, que gera falta de motivação para atividades diárias. Nem todo preguiçoso está debilitado por alguma moléstia, mas a preguiça pode estar associada à doença. No que diz respeito ao bom ócio, a médica o defendeu: “os momentos de ócio são muito indicados para a manutenção da saúde mental. A falta de vontade pode ser um momento de descoberta, de rever como a vida tem

se dado. A preguiça pode também representar uma rebelião do corpo ao estilo de vida estressante que muitas pessoas acabam desenvolvendo”. A Boa Preguiça tem, pois, partidários no âmbito médico. A má e estéril preguiça é a preocupação de Kafka em uma de suas famosas frases: “Perdemos o paraíso por impaciência e não retornamos por preguiça”. Todos, em momentos diversos, somos artistas que, extrapolando as maçantes obrigações cotidianas, damos vazão ao vulcão da criatividade e criamos produtos únicos, admiráveis, dignos de serem compartilhados. Esta arte oriunda de qualquer pessoa, entranhada nos sonhos, não pode ser extravasada sem o necessário tempo de contemplação e descanso. A arte adora a sombra das asas da Boa Preguiça.

XILOGRAVURAS VIVAS NO PALCO O Grupo de Teatro Guará, ligado à Coordenação de Arte e Cultura da PUC Goiás, tem 20 anos de existência e muita experiência na interpretação de obras do escritor Ariano Suassuna. Amante do teatro medieval e comédia dell’arte, Samuel Baldani, diretor do Guará, diz-se encantado pela literatura de cordel e pelas obras do aclamado autor nordestino. A peça mais recente do grupo é uma adaptação de Farsa da Boa Preguiça, de Ariano. “A Farsa tem uma característica corporal muito forte, é um estilo de teatro que permite você trabalhar com as habilidades do ator “, disse Baldani. A paixão de Samuel Baldani pelo trabalho de Suassuna teve início ainda quando começou a organizar pequenas peças no meio acadêmico. “Eu venho do teatro universitário. Não queria associar dinheiro com a realização do trabalho artístico. Mas acabou que aconteceu, não com um ato racional, mas como um

processo espontâneo”. Ele realçou a dificuldade encontrada na interpretação de peças do gênero Farsa, e falou sobre o conteúdo de seu último espetáculo: “A peça é moralista, traz elementos do catolicismo, uma visão bem popular. O mau vai pro inferno. Mas eu não fico encucado com a questão moralista, o foco é a qualidade artística”. Segundo o diretor de teatro, uma boa peça apenas é possível a partir de um trabalho colaborativo. A influência de todos os atores deve estar presente no resultado final, e é por isso que Baldani incentiva as contribuições de todos os membros no processo de montagem das peças, e adota um estilo de direção que valoriza a liberdade criativa e a opinião do ator. Ele ressalta que o Guará é um grupo-escola, empenhado na formação do artista e aberto a todos os que quiserem participar. O coletivo recebe estudantes de diversas áreas e cursos. (N.R.)


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- COMPORTAMENTO -

ESTAMOS EM DÉBITO COM O MEIO AMBIENTE E O REAPROVEITAMENTO DE ROUPAS É UMA BOA FORMA DE COMEÇAR A FAZER AS PAZES

Reprodução

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Repórter NICOLE REIS Editora NATHÁLIA BARROS Designer NICOLE REIS

inda crianças, aprendemos na escola que a produção de bens de consumo implica na dilapidação dos recursos naturais, mas o que muitas vezes não sabemos é como fazer para aliar o ato de compra à sustentabilidade: como adquirir mercadorias sem relegar a segundo plano a preservação do meio ambiente? Foi constatando esta dificuldade que Maristela Lima, Thaís Moreira, Vitória Ruschel, Fabrício Silva e Meibel do Hammã apostaram nos brechós como alternativa em prol do próprio bolso e da natureza. Comprar uma roupa não é ato motivado apenas pela necessidade de estar vestido ou protegido. O estilo de vestir exterioriza valores e modos de pensar sobre a vida, simboliza o pertencimento a grupos sócio-econômicos específicos, gostos musicais, além de preocupações individuais e insatisfação perante a sociedade. Hippies, punks, rockeiros, geeks, românticos, nerds... embora não componham categorias fechadas e isoladas, tendem a diferenciar-se pelo vestuário. “A personalidade pode ser expressa através de cores, estampas ou formas”, diz o estudante de moda Fabrício Silva. Observar as roupas de uma pessoa não permite enquadrá-la definitivamente em uma ou outra categoria, mas possibilita ao menos presumir traços genéricos da personalidade que ela de fato tem ou aparenta ter. Os brechós surgem como uma alternativa mais barata, oferecendo ao cliente a diversão de garimpar peças únicas e escolher aquela que melhor combina com seu estilo. É esta a variedade que encanta Fabrício, amante do jeans rasgado e do couro envelhecido. O estudante tem revirado as araras de muitos brechós, sempre dei-

xando-as menos saturadas: difícil não encontrar algo interessante. “Tenho preferência por brechós, pois encontro peças raras, com um material diferente, ou modelos que já não são tão usados atualmente. Também gosto muito do vintage, peças de períodos passados, para compor meu guarda-roupas”. Vestimentas adquiridas, e o garoto entrega-se à distração de pensar sobre a história de cada peça, os lugares pelas quais passaram, as pessoas que já as vestiram. E não é só Fabrício que ama suas novas roupas velhas. Complicado saber se o que mais cativa em Maristela Lima são seus expressivos olhos verdes ou a paixão pelo Requinte Brechó, negócio que mantém há quatro anos. Também não se pode dizer o que mais anima o ambiente, se o sorriso largo da comerciante ou o colorido da cuidadosa decoração. Primando pela escolha criteriosa das peças, a comerciante está sempre atenta à necessidade constante de inovação de sua loja. A organização das araras e os detalhes decorativos, burilados pela amante do estilo retrô, criam um ambiente aconchegante ao visitante. Tão alegre quanto sua blusa vermelha com bolinhas brancas, o estiloso poá, Maristela conta que os brechós são muito procurados por quem busca tendências diferentes, mas ela também se preocupa em oferecer aos clientes peças em voga, a preços bastante inferiores aos do mercado tradicional. “Procuro atender tanto o jovem atrás do retrô quanto aquele mais moderninho”, ressalta a amante da moda alternativa. Não importa o estilo, o ideal é reaproveitar o vestuário, criar combinações próprias e impedir que as roupas parem na lata de lixo. PAIXÃO Para Maristela, o amor dedicado pelo organizador às peças que recebe e customiza é essencial ao bom funcionamento de um brechó. E basta observar seu empenho para perceber que este carinho pelo trabalho não lhe falta. A comerciante só perde um pouco do ânimo ao desabafar sobre o preconceito ainda existente contra a compra de peças usadas. “Muitas pessoas não querem ser vistas saindo da loja”, diz. Há os que nem adentram o lugar, pois consideram que as mercadorias sejam apenas roupas velhas. “Sustentabilidade é a palavra da moda.” O slogan adotado pelo brechó Varal da Tribo indica logo o apreço que suas administradoras, Raíssa Pâmela e Meibel, têm pelos modos de vida alternativos e ecologicamente engajados. O que se descobre aos poucos é a paixão das vendedoras por cães: cerca de 60% do lucro obtido com a venda das peças é revertido para o Recanto dos Pit Bulls, que fornece cuidados a 57 animais desta raça. A possibilidade de ajudá-los é o grande incentivo para o trabalho das mantenedoras do Varal. E existem ainda outros varais para pendurarmos não só nossas chuteiras

velhas, mas também as blusas, calças, camisas e vestidos que não queremos mais, trocando-os por artigos diferentes que deem novos ares ao guarda roupa. Thaís Moreira é dona do Empório Armário Brechó, onde os elementos decorativos também são fruto do reaproveitamento de materiais e produzidos pela própria dona. Reciclar, reutilizar, reiventar, repensar, revolucionar. São estas as palavras da fachada da loja, pintadas em tábuas de madeira oriundas de caixinhas de feira. “Por ter trabalhado com geografia, me interessado pelo viés da economia solidária e começado a me envolver com o meio ambiente, despertei esse olhar pra reutilização de materiais”, afirma Thaís. A geógrafa alega que o Empório não funciona apenas como um espaço de venda e lucro, mas também de troca de mercadorias. O lugar tornou-se tão aberto, que agregou a função de Suqueria. Os sucos são feitos de frutas locais e as cervejas artesanais são produzidas no estado, tudo em harmonia com o conceito de sustentabilidade. A adesão generalizada aos brechós representaria um avanço inquestionável

Nicole Reis

B R E C H Ó S : S U S T E N TAV E L M E N T E C H I Q U E S

Maristela Lima e seu brechó. na reconciliação com a Mãe Gaia, que parece estar ansiosa por fazer as pazes com os seres humanos, seus filhos mais inteligentes, porém menos cuidadosos. O reaproveitamento de roupas, aliado a outras ações ecologicamente corretas, pode costurar aos poucos os rasgos que temos efetuado na mais bonita colcha de retalhos: nosso planeta. O chique mesmo é ser sustentável.

VITÓRIA E SUA VUELTA AL MUNDO O tratamento inadequado de resíduos resultantes do tingimento de algodão e o intenso consumo de água necessário ao funcionamento da indústria têxtil juntam-se a problemas de ordem social: o setor é um dos maiores empregadores de trabalho forçado. Foi preocupada com estas questões que a designer de moda Vitória Ruschel empenhou-se em dar vida a um projeto inusitado, o Vuelta Al Mundo. A moça sulista, hoje com 21 anos, teve a ideia de levar roupas usadas a ambientes badalados das noites de Porto Alegre. "A proposta do projeto é levar roupas que estavam esquecidas em algum canto do mundo para lugares que as pessoas assimilam melhor do que num simples brechó, incentivando assim um consumo aternativo e consciente", afirma a jovem. Ela mesma arrecada e customiza as charmosas peças do brechó ambulante, organizando eventos para vendê-las em bares, boates e cafés. Vitória ressalta que ainda há um quadro que precisa ser revertido, o do preconceito relacionado à compra de peças usadas. O Vuelta Al Mundo, criado em maio de 2013, já contou com 32 edições. Em cada uma delas, Vitória busca estimular modos alternativos de vida, pautados na harmonia com o meio ambiente. Além das araras com peças exclusivas, vendidas a preços acessíveis, a designer aposta em trazer aos eventos produtos orgânicos, cerveja artesanal, xampus e sabonetes caseiros, pó dental, carteiras de caixa de leite. Tudo a fim de incenti-

var o consumo consciente, a promoção da sustentabilidade. A paixão da designer pela compra de peças exclusivas, atrelada a inquietações quanto a problemáticas sociais e ambientais, teve início muito antes da entrada na faculdade de Moda. Conforme a criadora do Vuelta, os brechós permitem aos clientes, além da contenção de gastos, a criação de uma "moda pessoal" e única, além da manutenção de uma consciência limpa quanto à preservação do meio ambiente. "O público do projeto, eu brinco, são cabeças pensantes. Pessoas que buscam soluções às questões atuais, como: mobilidade urbana, alimentação saudável e orgânica, problemas sociais relacionados a grandes corporações e trabalho escravo, meio ambiente", explicou Vitória. A dedicação e detalhismo da empreendedora sustentável estão estampados em sua definição das roupas que oferece ao público. As peças do brechó ambulante da entusiasta moça são, segundo ela, uma "expressão pura" que capta o público pelos sentimentos que nele despertam. Vitória pretende ampliar o Projeto, levando edições do Vuelta a diversas cidades brasileiras, e a outros países. Amante de esportes radicais e adepta da vida sustentável que tanto defende, a jovem tem o desejo de percorrer o mundo dedicando-se a uma de suas paixões, a escalada. A atividade lhe permite um intenso contato com as exuberâncias da natureza (N.R.)


- LEITURA -

OS LIVROS QUEREM PASSEAR

BIBLIOTECAS PRECISAM DE INVESTIMENTO DO PODER PÚBLICO, MAIOR ESTRUTURA FÍSICA E LEITORES INTERESSADOS

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GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

Repórter WANESSA OLÍMPIO Editor MAGNO OLIVER Designer ALEX MAIA

m lugar tranquilo onde se pode estudar sem nenhuma pertubação. Esse é o uso dado as bibliotecas ultimamente. Segundo a diretora da biblioteca Marieta Telles Machado, Márcia Lourencetti, a maioria dos frequentadores da biblioteca não estão em busca dos livros e sim do espaço físico da instituição. O prédio que fica na praça Universitária, atrai vestibulandos, “concurseiros” e universitários. Lourencetti afirma que os livros que dispõe são voltados para o ensino médio e literários e não atraem a maioria dos visitantes. A biblioteca Marieta Telles Machado é municipal e foi inaugurada em 1942. Possui 28 mil títulos na maioria literários. “Alguns de escritores goianos que só se encontram aqui”, afirmou a diretora. Mas existe uma falta de incentivo por parte do

poder público, tanto para aumentar o espaço quanto para melhorar a estrutura e comprar prateleiras e livros. Os recursos angariados são vindos de parcerias. A última foi com a fundação da Biblioteca Nacional que posssibilitou a compra de novas obras. No ano passado, o número de usuários da biblioteca subiu para 8 mil, nos anos antecedentes foram em média de 4 mil a 3 mil visitantes. Isso demonstra que houve um aumento no número de frequentadores. Um problema é a falta de responsabilidade de algumas pessoas que utilizam os livros. Elas os usam de forma descuidada e até arrancam as páginas. Lourencetti acrescentou que os reparos são feitos pelos próprios funcionários da biblioteca, pois não existem recursos para a substituição dos livros. Para tentar a conscientização dos leitores, já foi feita uma exposição com as obras destruídas e muitas pessoas ficaram surpresas com o que foi exposto. O estudante de Biotecnologia da Universidade Federal de Goiás, Vinnycius Almeida, costuma frequentar as bibliotecas da universidade, do campus Samambaia e a do setor Leste Universitário. Segundo ele, a estrutura das duas instituições o satifaz. Já sobre os prédios, ele disse que “tem espaço suficiente” e internet disponível. O estudante reclamou do acervo, que às vezes não possui

o livro que ele deseja. E a respeito da pouca frequência de estudantes nas instituições ele acrescentou que não depende da biblioteca atrair os leitores. “Tem que partir do estudante o interesse pelo conhecimento”. E acrescentou que só vê as bibliotecas da UFG cheias quando é época de prova. ATRAIR

Para chamar a atenção dos leitores para as bibliotecas, as funcionárias fazem o que podem. Lourencetti disse que a instituição promove eventos e escolas são convidadas para participarem, informando os serviços oferecidos pelo orgão. Um desses serviços é o curso de informática básica, que abre as inscrições no início de cada semestre, é gratuito e a seleção das vagas é por ordem de chegada. Segundo a diretora, a oferta deste curso trouxe novos frequentadores ao estabelecimento, que após o término das aulas acabam se tornando leitores dos livros lá expostos. Márcia Lourencetti tem um projeto em mente para instigar mais leitores a frequentar a biblioteca, no entanto só no papel por falta de investidores. Ela contou

Kaito Campos

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que já o mostrou para possíveis parceiros, mas aguarda uma resposta. A proposta se chama Portal do Livro, e pretende funcionar como uma passagem para o mundo da leitura. A cada obra que uma pessoa loca na biblioteca ela sobe um degrau e no final, como recompensa, essa pessoa ganha um livro. “Precisamos de recursos, ideias nós temos bastante”, reforçou a diretora. Outra pessoa que tenta atrair mais leitores é a bibliotecária Helenir Freire, responsável pela Gibiteca Estadual Jorge Braga. No Dia das Crianças a entidade promove uma semana especial. A bibliotecária se veste de palhaça e escritores são convidados para conversar com as crianças. O cartunista Jorge Braga e o escritor Bariani Ortêncio já participaram da comemoração. Brindes são distribuídos para as crianças, mas o dinheiro para promover o evento e os presentes são arrecadados por doações.

Quando se pensa em biblioteca vem à cabeça um lugar cheio de estantes, calmo com corres sóbrias e sem alegria. Mas a Gibiteca Estadual Jorge Braga é o oposto, com cores vibrantes, desenhos de personagens dos quadrinhos pintados nas paredes e até um urso de pelúcia, “é um espaço lúdico” definiu a Bibliotecária responsável, Helenir Freire. A Gibiteca, que é uma biblioteca de gibis, foi inaugurada no dia 22 de setembro de 1994 e ficava no edifício Pathernon Center, na rua 4, no setor Central. Em 1995 foi transferida para o Centro Cultural Marieta Telles Machado, na praça Cívica onde fica atualmente. E tem como diretora a bibliotecária Maria do Socorro Abreu de Lima. Sendo a única do tipo em Goiás, ela começou com a doação de 630 gibis da coleção pessoal do

cartunista Jorge Braga. Possui hoje 3 mil gibis, muitos dos quais são raros e de edições limitadas, e 7 mil livros literários. Segundo Helenir Freire, 80% do acervo são livros provenientes de doações. São recebidos livros que estejam em bom estado de conservação, estes são selecionados e depois higienizados e colocados à disposição dos leitores. Os que não são utilizados na gibiteca são passados para outras bibliotecas públicas. “A maior parte da clientela é de adultos”, constou Freire. Ela afirma que “as crianças não tem o hábito da leitura”. O público principal da Gibiteca são adultos que liam quadrinhos quando crianças e que vêm resgatar o hábito da infância. Também é frequentada por vestibulandos que usam o espaço para estudar. As crianças que frequentam o ambiente são trazidas

pelas escolas para fazer um passeio. alimentos para a biblioteca, pois Os gibis mais procurados pelas crianpodem atrair insetos, ratos e bolor, ças são os da Disney e os do Ziraldo, que acabam estragando os livros. pelos adultos são os HQs da Marvel. Ensinar as crianças e trazê-las a biQuando ocorre a visita de esblioteca insentiva-as a se tornarem colas na gibiteca, Helenir Freire bons leitores, uma criança é “uma explica para as criança a função sementinha que vai germinando”, de uma biblioteca pública, que é afirmou Freire. (W.O.) um local onde se guardam livros e poucos tem o hábito de frequentar. Que não se deve fazer barulho pois as pessoas estão ali para se concentrar na leitura. E também tenta conscietizar as crianças a conservarem os livros, diz que não podem levar Estudantes usam o espaço da gibiteca para estudarem.

Wanessa Olímpio

PARA OS INICIANTES E OS HABITUADOS AO MUNDO DA LEITURA


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- LITERATURA -

T R A N S P O R TA D O S P A R A O U T R O S M U N D O S LEITURA DE BEST-SELLERS, ALÉM DE MODA, SE TORNA INSPIRAÇÃO NA VIDA DOS FÃS Repórter WANESSA OLÍMPIO Editor MAGNO OLIVER Designer CYNTHIA COSTA

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eitores de séries famosas contam a sua relação com os livros, no que eles lhe influenciaram e quem os apresentou. Luiza Mylena fez o Trabalho de Conclusão de Curso sobre o Harry Potter. Tuanne Mony adora os livros e se declara viciada em leitura. “Eu já deixei de comer, de sair com meus amigos, de conversar e até de estudar para terminar um livro. É um vício, mas apenas alguns livros conseguem fazer isso, são os especiais.” João Manoel, com nove anos, já adquiriu o hábito da leitura e Denyze Nascimento sonha em viajar pelo espaço. A jornalista Luiza Mylena é fã da série Harry Potter, que narra a infância e a adolescência de um bruxo. Ela contou que eram os seus pais quem gostavam dos livros, quando ela era criança, e que resistiu a lê-los. O motivo foi a ausência de figuras, mas os filmes lhe despertaram o interesse. “Eu assistia aos filmes e gostava deles, mas foi depois de ler que realmente gostei da série.” E Luiza Mylena usou um método diferente para ler os livros do bruxo, primeiro leu o nº 5, depois o terceiro, o quarto, o sexto, o sétimo e por último o segundo. “É claro que li eles mais de uma vez”, acrescentou. Essa leitura fora de ordem fez com que ela percebesse até a evolução da autora J. K. Rowling, “tanto é que demorei a ler o 1º e o 2º livro porque achava a linguagem muito infantil, mas foi interessante perceber essa mudança”. A jornalista acrescentou que a possibilidade da existência de um mundo paralelo a atraiu para série, “além do fato de ter uma escola que parecia ser muito mais legal

que a minha”. Os ensinamentos em latim para ativação de feitiços a encantavam e intrigavam tanto, que ela chegou a pesquisar os significados na internet.O ato de colecionar muitos objetos personalizados da série Harry Potter nunca esteve presente na vida de Luiza Mylena, pois as condições financeiras não permitiam, mas ela juntava revistas. “Existe parte dos fãs que acredita que essa parte material é legal, afinal quem não quer ter um xadrez bruxo? Eu quero, mas custa uma fortuna!” O importante, de acordo com ela, é ser fã da história, mesmo não tendo a possibilidade de mostrar materialmente. Mas completa “quando eu puder, terei um xadrez bruxo sim, porque adoro jogar xadrez, e inclusive criei interesse pelo jogo a partir da história”.

novo”. Ela já fez um artigo científico sobre o livro quando fazia o curso de Jornalismo. E também assistiu aos filmes e a um seriado em inglês adaptado da obra, The Lizzie Bennet Diaries de 2012. E o que mais lhe prende em um livro é ele ser bem escrito, com histórias que envolvem e que “te levam junto com cada personagem”. Ela ama descrições bem “trabalhadas” e reclama que os livros de hoje em dia são muito “fugazes”. João Manoel Dias, de nove anos, é fã da série de livros Diário de um Banana, do norte-americano Jeff Kinney. Após verificar o interesse dos colegas de escola, sua mãe o presenteou com os livros. “Meus colegas já tinham o livro e por isso fiquei com vontade de ler”, contou João. O livro narra as memórias de Greg, um menino que está no ensino fundamental e sonha em se

João Manoel Dias, 9 anos: o amor pela leitura começa na infância. INFLUÊNCIAS

“Quando se trata de leitura de modo geral, acho que nasci lendo, assistindo e observando”, afirmou Tuanne Mony, estudante de Arquitetura e Urbanismo. Ela puxou nas suas lembranças e um dos primeiros livros que leu foi O menino que aprendeu a ver, da autora Ruth Rocha, que conta a história de um garoto que começa a ser alfabetizado. Tuanne lembra que a sua mãe, que é professora, pegava livros na biblioteca da escola onde trabalhava, um deles foi Asa de Papel de Marcelo Xavier. “Se existe uma culpada por eu sempre andar com um livro nas mãos, bem essa pessoa é a minha mãe.” O livro favorito da futura arquiteta é Orgulho e Preconceito, da inglesa Jane Austen, que expõe a história de Elizabeth, rejeitada por um rapaz de uma classe social inferior. Já o li “milhares de vezes e parece que sempre encontro algo Séries de livros infantis se tornam febre entre as crianças.

tornar famoso. Segundo João, que está no 4º ano do ensino fundamental, todos os colegas leem esse livro. O seu personagem favorito é o protagonista Greg, pois é um menino que está em uma mesma faixa etária e fase escolar que ele. João gosta também de ler gibis, o do Ronaldinho Gaúcho, de Maurício de Sousa, é um deles e também do livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Uma série de ficção científica é uma das preferidas de Denyse Nascimento, estudante de Jornalismo. Esta série é a do Guia do Mochileiro das Galáxias, do inglês Douglas Adams. Os livros trazem aventuras de viajantes pelo espaço, dentre eles um terráqueo, Arthur Dent, que fica sem lar depois que a terra é destruída. Quem lhe indicou o primeiro livro foi o irmão que já estava lendo. “Ele sabia que sempre quis viajar pelo espaço, que quando era pequena adorava olhar para o céu”. A estudante conta que o que lhe atrai no livro é que ele rompe conceitos estabelecidos e verdades absolutas são desafiadas. “No prefácio tem Einstein dançando funk, foi um choque.” Ela teve reflexões sobre o espaço, antes “via o espaço bonito”, no livro o espaço é pior que a terra, os alienígenas são mais mercenários.

TCC A paixão de Luiza Mylena por Harry Potter conseguiu alcançar o mundo acadêmico. O tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso foi a análise da imprensa do mundo bruxo com a do mundo real, o título da monografia é Dois mundos, um jornalismo.“Quando eu lia os livros, sempre me questionava sobre as atitudes do ministro da Magia, do papel que a política exercia na obra e esses questionamentos aumentaram com a presença da Rita Skeeter” uma jornalista nada ética. Como estudante de Jornalismo fez mobilidade para Universidade Federal de Santa Catarina e elaborou um trabalho no final de uma disciplina com o tema Harry Potter. Ao decidir fazer o trabalho sobre a sua série favorita, a jornalista se sentiu “muito maluca” por ter coragem de abordar o tema. Ela contou que tinha um outro tema mais elaborado, mas que o deixou para um futuro mestrado. A respeito da aceitação do seu tema na comunidade acadêmica, algumas pessoas desconfiavam do seu êxito. “Alguns professores achavam que não dava nada, mas o mais engraçado é que não encontrei nenhum professor em toda FIC que tinha lido a série inteira”, relatou Mylena. Mas ela seguiu em frente quando outros falaram que poderia dar certo se ela se esforçasse bastante. Luiza Mylena explicou que já estava desanimada com a rejeição do seu tema e foi a aceitação da sua orientadora, a professora Angelita Lima, que a fez prosseguir com o trabalho. A jornalista afirmou que foi muito “prazeroso” trabalhar com algo que já gostava, e reforçou , “o que foi de longe o melhor de toda a experiência foi mostrar que produtos desvalorizados na academia, por serem literatura best-seller, uma coisa para as massas, conseguiram encontrar bases teóricas, e construiu uma reflexão sobre o jornalismo tanto na obra quanto no mundo real”. Além do seu Trabalho de Conclusão de Curso, que foi uma ponte para a sua vida profissional, o bruxo também está marcado em seu corpo. Ela tem tatuado a fita do Brasão de Hogwarts, a escola de Harry Potter, entre os ombros. Nessa fita há uma frase em latim Draco dormiens nunquam titillandus, que significa algo como Não cutuque um dragão adormecido. “Foi uma decisão que as pessoas acham meio doida, mas não me arrependo”, afirmou Luiza Mylena. E concluiu creditando aos livros de J.K. Rowling a capacidade de ler obras mais complicadas. “Posso afirmar que, se hoje leio textos mais complexos como Walter Benjamim, ou José Saramago, devo em parte à leitura dedicada a Harry Potter, que era extensa e até mesmo tinha momentos monótonos que não me prendiam.”


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- ESPORTE -

C A P O E I R A : M U I T O A L É M D A L U TA

nero na capoeira. “Uma das principais maneiras de trabalhar a mulher na capoeira e trazer lideranças importantes, BRASILEIRA ESTÁ na Ginga a gente sempre convida, traz de fora capoeiristas, lideranças que sePROFUNDAMENTE LIGADA jam mulheres. Como a Mestra Janja é professora da faculdade de educação da À RESISTÊNCIA E CULTURA UFBA”, conta Renata. “Ela trabalha de forma muito ativa na militância contra AFRO-BRASILEIRA o sexismo e levanta pontos importantes Repórter JOSÉ ABRÃO pra gente pensar”. O Ginga Menina visa dar destaque Editora MARIANA ARAÚJO e visibilidade para o espaço ocupado Designer JÚNIOR OLIVEIRA pela mulher na capoeira: “É um espaço historicamente e majoritariamente specula-se que a capoeira surgiu masculino, então é importante reorno Brasil no século XVI, embora ganizar este espaço”, explica Renata. só esteja documentada a partir Este ano, a edição também passou a ser do século XIX, influenciada por ritos mais voltada para as crianças: “Muitas de passagem africanos, especialmente vezes a mulher se afasta da capoeira de Angola. A luta marcial, disfarçada por causa da maternidade, então rede dança, se espalhou entre os escravos solvemos trabalhar esse espaço para as e pelos quilombos. Após a Lei Áurea, crianças, nossos filhos”, disse Renata. O ela foi proibida, permanecendo assim projeto inclusive agora trabalha dando até 1940, embora a primeira escola de aulas para crianças e já está com a turcapoeira tenha sido fundada em 1932, ma lotada: 13 crianças. por Mestre Bimba, na Bahia. Além do Ginga Menina, a professoEmbora hoje em dia ela seja um ra também organizou o Dai-me Licença dos cartões postais do País, a capoeira Aê, em 2012, e busca realizar uma nova ainda mantém sua principal caracteedição este ano: “Enquanto o Ginga rística: a resistência, além de ser uma Menina é um evento mais aberto, para das manifestações culturais populares mulheres, crianças, educadores, enfim, e afro-brasileiras mais conhecidas e o Dai-me Licença Aê é um evento de capráticas dentro e fora do Brasil. Um poeira, para capoeiristas, que promove dos principais motivos é que a capoeira o encontro de grupos de São Paulo com também envolve sua música, dança e os grupos aqui de Goiânia”. instrumentos, elementos que também O esporte e todas suas questões devem ser dominados por quem deseja culturais e identitárias se misturam à se tornar um mestre capoeirista. vida pessoal de Renata e sua trajetóA capoeira está até na UFG, nas disria profissional. Paulistana, ela entrou ciplinas de danças brasileiras populares em contato pela primeira vez com a da Faculdade de Educação Física (FEF) capoeira em 1992: “Morava em um e nos projetos da professora de Dança região periférica de São Paulo muito Renata de Lima Silva. A professora orabsorvida pelo Hip Hop e eu dançava ganiza o evento Ginga Menina, que teve dança de rua. Naquela época surgiu sua terceira edição em abril deste mês, um movimento que procurou a cabuscando trabalhar com questões de gêpoeira para melhorar na dança acrobática”. A professora só foi começar a praticar em 1994, completando este ano 20 anos da paixão pela capoeira: “Entrei numa academia perto da minha casa e me senti seduzida, venho de uma família negra que cultiva outras formas de cultura negra. O samba e a religiosidade, já fazia parte da minha identidade como indivíduo no mundo, quando vejo a capoeira digo isso é meu, me pertence”. Ela acredita que a capoeira tem um papel muito grande na preservação e divulgação da cultura negra: “Acredito na capoeira como um lugar pra gente se encontrar em primeiro lugar como corpo e trabalhar com elementos estéticos da cultura negra, a musicalidade, os movimentos, a ornamentação, elementos muito fortes para a Professora Renata Silva coordena dois projetos. construção da identidade do ne-

José Abrão

ARTE MARCIAL

Denise Miltzer

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De acordo com Mestre Pequinês, “a capoeira muda as pessoas”. gro, mesmo em Goiânia onde a cultura negra e a população negra foi invisibilizada, a capoeira pode mudar isso, tem muito potencial”, afirma. Estas características também contribuem para preservar a memória da própria capoeira: “A cultura negra e o processo colonizador vem à tona nas histórias dos mestres e nas músicas. É um fator histórico muito forte, corporal mesmo, essa ginga que faço aqui, os mestres estavam fazendo 150 anos atrás, eu resgato e animo isso no meio corpo, trago e atualizo esse passado”, ratifica Renata. Outro fator importante para a professora é a expansão da capoeira como esporte e manifestação cultural: “A capoeira como manifestação de cultura negra se expandiu muito, com o foco na Bahia, ganhando o Brasil e fora do País. É popular, facilita o acesso de pessoas pobres, negras e não negras e está em muitos lugares, sobretudo em projetos sociais e escolas. Nem sempre em espaços comuns temos lugares onde a cultura negra está sendo preservada e fomentada, e na capoeira isso a gente encontra facilmente”. EXPANSÃO Já Alexandre de Sousa, conhecido como Mestre Pequinês, conheceu a capoeira há 30 anos e a 13 criou o Grupo Nagô, hoje presente em 17 países. “Estudava na Escola Superior de Educação Física do Estado de Goiás (Eseffego) e lá praticava tudo o que tinha. Conheci a capoeira e me apaixonei”, conta o Mestre. “Eu acredito que a capoeira é muito importante para trabalhos sociais por

ela não ser apenas uma luta, mas por ser música, canto, ritmo, tudo, ela te dá uma coisas a mais, ela te engloba, você vira família, tem esse contato. A partir do momento que o aluno passa a conhecer a capoeira, essa magia, importância e ritmo, ele é dominado”. O mestre acredita que toda a manifestação cultural da capoeira tem um grande impacto e pode transformador, principalmente sobre jovens carentes: “O grupo está em 17 países, 15 deles começaram com crianças que começaram aqui e foram para Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, diversos países. Garotos que achavam que não tinham importância para a sociedade, e hoje são respeitados, valorizados e levam sua cultura para outros países. A capoeira muda as pessoas. Ajuda a tirar o que tem de bom no coração das pessoas e levar pra fora, transformar suas vidas”. O intercâmbio também traz diversos adeptos de outros países para cá, a fim de se aprofundar nos conhecimentos da arte marcial e sua cultura. Uma dessas pessoas é a colombiana Diana Catalina, conhecida como Loira. Ela conheceu a capoeira na Colômbia e começou a fazer viajens para o Brasil a fim de se aperfeiçoar em 2007: “Até aprender português eu aprendi por causa da capoeira”, conta. Morando definitivamente em Goiânia desde 2011, a capoeira passou a ser o pivô central na vida de Catalina. “É uma Arte muito completa, me envolve em todos os aspectos: dança, música, acrobacia, além do corpo e de vencer seus próprios limites”, disse ela.


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GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

- ESPECIAL -

ABRAM AS CORTINAS UM ESPETÁCULO SOBRE AS NUANCES DO TEATRO GOIANO E SEUS DESAFIOS

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Repórter BÁRBARA FALCÃO Editora LORRAINE CARLA Designer CAROL ALMEIDA

oiás possui hoje solo fértil para o teatro. De acordo com um levantamento feito pelo produtor cultural Gilson Borges, atualmente existem cerca de 94 grupos de teatro em todo estado, o que confere uma grande diversidade às produções. É inegável que o teatro em Goiás acompanhou as mudanças do tempo e sofreu transformações se levarmos em conta os últimos 15 anos. Porém, ainda há muitas barreiras que precisam ser rompidas para que esse crescimento continue. Toda semana muitos espetáculos circulam na capital, as agendas dos espaços estão sempre lotadas e ainda assim, boa parte dos goianienses não criou o hábito de frequentar teatros. Thiago Santana é professor e coordenador de teatro no Centro de Educação em Artes Basileu França, além de diretor do Corpo Cênico e membro do Teatro Destinatário. De acordo com Santana, o principal desafio para a expansão do teatro em Goiás é a divulgação, pois muitos grupos não tem condições de financiar mídias e por isso acabam perdendo público. Quem também defende essa ideia é a professora de dança Maria Guadalupe dos Santos. Ela atua há mais de 20 anos na produção cultural goiana e participou

inclusive do grupo Energia, de onde surgiu a Quasar Companhia de Dança, “a imprensa quase sempre se mantem à margem das produções locais e isso dificulta muito a capitação de recursos, patrocínios e parcerias”. Por outro lado, a professora de teatro da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Alinne Vieira, ressaltou um ponto positivo, para ela, as leis de incentivo estão mais acessíveis. Vieira destacou as duas leis estaduais, que são o Fundo de Cultura e a Lei Goyazes, além da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e da Fundação Nacional das Artes, a Funarte, que é federal e recentemente aprovou dois projetos do grupo de teatro Plenluno, do qual a professora faz parte. PÚBLICO Para o estudante de teatro Yago Rodrigues, o público dos espetáculos tem mudado, antes se via na plateia basicamente pessoas do próprio meio cultural, e aos poucos essa realidade tem se reconfigurado e pessoas que não tem tanta relação com o teatro tem se deslocado para os espetáculos. Quando indagado a respeito do mercado, o estudante disse que tem vontade de sair de Goiás, mas não por uma questão mercadológica, e sim para expandir os próprios horizontes. É importante destacar que a Universidade tem desempenhado um papel fundamental na construção desse novo público. Isso não se deve apenas ao curso de Artes Cênicas da UFG, que está completando 14 anos, mas também pela questão da divulgação e da criação de uma consciência que valoriza o teatro. Segundo Alinne Vieira, educação é a palavra-chave para atrair mais pessoas aos espetáculos.

DE VOLTA AOS PRIMÓRDIOS DO TEATRO GOIANO

As primeiras apresentações teatrais em Goiás se deram no início do século XVIII, no povoado de Traíras, que fica no norte do Estado e faz divisa com a Bahia. Em Goiás Velho havia dois grupos que se revezavam no palco do Teatro São Joaquim, um composto por negros alforriados e outro formado por brancos. Porém, quando a cidade entrou em decadência em decorrência da mineração, os grupos se mudaram para cidades como Pirenópolis e Jaraguá. Em 5 de julho de 1942 houve a festa de inauguração da nova capital, que ficou conhecida como Batismo Cultural. Na comemoração, pioneiros da arte se apresentaram no CineTeatro Goiânia. Em 1946 João Gon-

çalves e Otávio Arantes criaram a Agremiação Goiana de Teatro (AGT) de onde surgiu Cici Pinheiro, um dos grandes nomes do teatro no Estado. Otávio Arantes foi outro nome de suma importância, considerado por muitos o pai do teatro em Goiás. Em 1988, houve a criação do Centro Cultural Martim Cererê, cujo nome é inspirado no livro homônimo do modernista Cassiano Ricardo. A inauguração do espaço, que recentemente passou por reforma, foi um grande impulso para a arte teatral goiana. Outros palcos importantes foram criados ao longo do tempo, como o Teatro Rio Vermelho, em 1992 e o Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, em 2006. (B.F.)

CINE

FULEIRO

Editor JEAN MARINELI Designer CAROL ALMEIDA

A Bruxa de Blair

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m tempos em que o Terror aparece na sala de estar em horário nobre através de seriados como The Walking Dead e American Horror Story, é difícil encontrar um produto do gênero que consiga te deixar com medo de apagar a luz. Num momento cíclico da indústria cinematográfica em que o Terror está em alta e vampiros brilham no sol, A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, EUA, 1999) fica ainda mais na contramão do que quando foi lançado. Na trama, três jovens atores e aspirantes a cineastas – interpretando eles mesmos – vão passar um final de semana na região de Maryland nos EUA para filmar um documentário sobre uma lenda local: a Bruxa de Blair. As coisas vão muito bem, até que, obviamente, não vão mais. Primeiramente, ele não é importante apenas para o Terror, mas para o cinema como um todo: foi o primeiro pseudo-documentário (filmado como um documentário, mas que na verdade é ficção) a fazer sucesso mundial e o primeiro feito no gênero. Vale dizer que na época da internet discada de 1999, muitas e muitas pessoas acreditaram que o filme fosse real e os produtores precisaram vir a público dizer que não. Custando apenas US$ 22 mil, ele rendeu US$ 107 milhões, sendo um dos 100 filmes mais rentáveis da História do cinema dos EUA. Mas seu maior mérito não está nem na sua influência sobre o que veio depois – Atividade Paranormal e Jogos Mortais, estou olhando (feio) pra vocês – e sim no seu conteúdo e abordagem propria-

Por José Abrão

mente ditos. Em suma, A Bruxa de Blair dá medo. MUITO medo. O motivo disso é que todo o enredo bebe e muito de uma fonte quase certa de sucesso: o estilo de fazer Terror inspirado em H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe. Não há nada pulando na tela, não há trilha sonora orquestrada pra te agoniar, não há formas estranhas no escuro, não há monstros, não há escatologia. É a própria cabeça da audiência que constrói o Terror. O filme só fornece os elementos narrativos e ambientação. A própria escuridão, silêncio e imutabilidade da floresta e o desespero dos personagens já é mais do que o bastante para deixar todo mundo tenso pelos 80 minutos de filme. Não me importo em dizer que passei medo com o longa-metragem, mas que amei. A forma como ele te envolve e te deixa apertado é algo que nenhum Atividade Paranormal conseguiu fazer. Como disse, nada sobrenatural ou terrível acontece na frente das câmeras, mas isso não te impede de sentir medo. Essa sacada é o grande lance dos diretores. Enfim, sou um grande fã de Terror e acompanho o gênero desde os slashers dos anos 1980 – sabe, A Hora do Pesadelo, Sexta-feira 13 e aquelas películas cheias de sangue e violência gratuita - e de todas as produções feitas nestes 30 anos, e olha que algumas delas são bem ruins. A Bruxa de Blair está entre os poucos que conseguiu me botar medo de verdade. É uma história que devia ser assistida por todos que gostam de cinema e de Terror. E não há vergonha nenhuma em dormir de luz acesa depois.


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OLHARES OLHARES OLHARES

GOIÂNIA, JUNHO DE 2014

OLHARES

MEMÓRIA CENTRAL O Mercado Central, localizado no centro de Goiânia, na rua 3, está neste endereço desde 1986. Caminhar pelo lugar significa vislumbrar a história da nossa cidade. São tantas cores, sabores e cheiros... Em cada banca, uma história. Mais do que um mercado, um ponto turístico que merece ser visitado. Repórter CIBELE PORTELA | Editores LAYSSE SANCHES E KAITO CAMPOS Designer MARCO FALEIRO


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