Jornal Samambaia - Dezembro de 2019

Page 1

jornal laboratório do curso de jornalismo da Universidade Federal de Goiás goiânia, dezembro, 2019

sindcostureiras Para costruir história e permanência

ANO XX

entrevista por um sindicalismo que valorize a pluralidade

a alma das ruas

5

8

Foto: Sabryna Moreno

nº 84/

3

mulheres

samambaia Trabalhadoras buscam representatividade p. 13

Foto: Ralyanara Freire / Diagramação: Marina Ferreira | Edição de Capa: Amanda Birck, Rafaela Ferreira e Sabryna Moreno

FLORES NASCEM NO ASFALTO


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- OPINIÃO -

Jornalismo para experimentar

E D I T O R I A L

U

RUMO R

Por Luciene Dias | Diagramação: Marina Ferreira

m dos grandes desafios de um laboratório em jornalismo impresso é juntar diferentes interesses, humores e saberes na elaboração de um produto que hoje é alvo de ameaças em função da convergência midiática. Nosso foco, nesta edição, está em concentrar estudantes de Jornalismo numa discussão necessária se buscamos a garantia da cidadania e dos direitos trabalhistas. Após definirmos os direitos humanos e o respeito às diferenças como eixo de investigação, orientamos nossas pautas para a relevância do sindicalismo e seu poder de representar uma diversidade humana em categorias profissionais. Dessa forma, expomos reportagens, entrevistas e opiniões sobre as diversidades de gênero, étnico-racial e de classe como elementos substanciais para alcançarmos representatividade sindical. O passeio pelas páginas do Samambaia aponta caminhos que passam pela elaboração de chamadas, elementos visuais e angulação jornalística. O produto reflete a história de estudantes que mantém a esperança na produção

de jornalismo responsável socialmente, ancorado em uma técnica conquistada nos primeiros anos de formação acadêmica e preocupado em garantir a ética profissional. Nossa experimentação oferece uma entrevista ping-pong sobre a importância da pluralidade de corpos ocupando o espaço sindical. Nossas reportagens mostram docentes, costureiras, empregadas domésticas, artistas de circo, pessoas que se ocupam da limpeza urbana e outras categorias profissionais. São LGBTs, pessoas negras, mulheres, estudantes que buscam nas organizações sindicais um lugar de convergência. Estudantes de Jornalismo tem aqui o seu primeiro contato com a necessidade de pensar a categoria nas lutas pelo respeito às especificidades humanas. Uma experimentação marcada pela busca por jornalismo impresso de qualidade desde o processo de formação acadêmica até o exercício profissional pleno. Então, convidamos quem acessa o Samambaia a observar o fazer-aprendendo ou o aprender-fazendo -, neste caminho de descobertas e reconhecimento da força do jornalismo impresso. Boa leitura!

- CRÔNICA -

Bons espelhos dão trabalho

B

eto era alto e bonito. Nunca havia reparado nele antes. Embora ele trabalhasse na mesma fábrica que eu, nossos olhares nunca haviam se cruzado. Geralmente, eu passava duas horas do expediente da manhã e umas duas horas do período da tarde só operando o torno mecânico da usinagem. Era um NARDINI MS - 175S, onde eu ficava atento às minhas mãos operando o corte das peças. Uma bobeada e já era. Por isso, acho que deixei passar das vistas aquele moço. A peça usinada - como chamamos ela pronta - que sai da máquina que eu opero é sempre um cabo de desandador de pino macho. Me mato para fazer essa correria aqui e cumprir a meta de 900 peças por dia. Mas veja bem, só ganho 12 reais por hora para a fábrica vender cada cabo pela bagatela de 12 reais. Faça as contas, é um absurdo! Tamo até organizando um protesto com o pessoal do movimento para mudar isso aí. Semana passada mesmo, na assembleia do sindicato, discutimos como enfrentar nosso patrão, Seu Henrique Caldas. Foi lá que vi pela primeira vez o Beto. Por quê eu nunca havia reparado nele antes? Eu me perguntava enquanto torcia levemente meu cabelo, curioso. Eu sei que eu fico mais à vontade na solidão, mas se muitas vezes também enfrento a multi-

Por João Cruz| Diagramação: Marina Ferreira dão, não sei como não o vira antes. Beto parece um cara seguro de si, tão diferente de mim. Eu me finjo de morto quando quero e também quando não quero. Olheiras e silêncios me encobrem. Esse é o meu jeito de estar no mundo. Às vezes deixo um comichão torpe me tapear, mas no fundo, lá no fundo lamacento da alma, onde estão minhas emoções oceânicas, ninguém chega! Raramente eu mesmo… Para mim, falar é um exercício todo difícil. Me embaralho por completo, dou branco. Mas não sei por quê perco o foco. Logo eu que treino todo dia a concentração naquela máquina... No fundo queria mesmo era ser como Beto, todo determinado, expressando seu ponto de vista para o auditório lotado. Tomando a palavra de si, chamando mais gente a participar. Sempre que quero me sentir bem, lembro do Beto nesta assembleia. Observo-o caminhar em direção ao microfone, que o companheiro Marcão segura e só entrega após cochichar com o companheiro Dantas alguma informa-

ção muito engraçada. Marcão e Dantas trocam olhares cúmplices e risinhos de canto de boca, enquanto Beto bate suavemente os dedos duas vezes no microfone, de onde sai um som seco sinalizando que está pronto para falar. Seu corpo começa a contar sua história como trabalhador e suas reivindicações. Eu me identifico. Mas quando olho ao meu redor percebo que seus gestos in-corporam algo que aciona um incômodo coletivo... Não sei explicar bem de onde vem isso, acho que nem nossos companheiros sabem. Mas essa energia hostil e sutil vai contaminando o ar. O auditório vai aos poucos transformando o silêncio da atenção em ruídos desrespeitosos. A voz deste torneiro m e cânico sai de sua boca diferente do jeito da maioria de seus colegas de trabalho. Seus cabelos se distinguem daqueles sentados à mesa da direção do sindicato. Sua família não é a mesma de Marcão, Dantas ou mesmo de Seu Henrique Caldas, o patrão. Talvez por isso, não importa o que o Beto diga,

ninguém está ouvindo. A escuta de seus companheiros está concentrada nos infra-sons de suas diferenças, enquanto de suas bocas saem brincadeiras que cortam como uma NARDINI MS - 175S. O operário deixa o púlpito, inaudível. Um colega próximo a mim não sabe bem o que ele disse, mas conta que também não era momento. Queria era votar logo essa pauta de reivindicações. Onde já se viu seu salário continuar menor do que o de sua esposa? Beto não tinha esposa. Mas tinha duas filhas com seu marido. Suas crianças não podiam constar no plano de saúde da empresa, pois estavam sob a guarda apenas de Chico, seu verdadeiro companheiro. Ele também contou que as crianças não gostavam de participar da confra de fim de ano promovida pelo Seu Caldas. Vai saber. Fato é que Beto, aquele trabalhador, saiu inaudível na ata da reunião, mas não para mim. Importou muito o que ele disse. Conseguiu dizer de si e de mim - falou de nós, de dinâmicas que nos unem enquanto coletividade, ainda que diferentes. Aquele corpo que não é o meu, mas sempre será uma superfície espelhada AudreLordiana através do qual me reconheço, sem distorções. Só faltava a oportunidade. Como não o vi antes?

samambaia

Ano Nº84, 74, Maio de AnoXVII XX --Nº Dezembro 2017 de 2019 JornalLaboratório Laboratóriodo docurso curso Jornal de Jornalismo de Jornalismo FaculdadededeInformação Informação Faculdade Comunicação e eComunicação Universidade Federal de Goiás

Universidade Federal deBrasil Goiás Edward Madureira reitor Orlando Afonso Valle do Amaral Angelitareitor Pereira de Lima diretora Angelita Pereira de Limae faculdade informação diretora dacomunicação faculdade informação e comunicação Salvio Juliano Farias Rosana Maria Ribeiro Borges coordenador do curso de coordenado do curso de jornalismo

jornalismo Luciene Dias Luciene Diasdo samambaia coordenadora geral coordenadora geral do samambaia João Cruz e Marina Ferreira Luana Borges produtores executiva produtora executiva Salvio Juliano Farias Salvio Farias editorJuliano de diagramação editor de diagramação

Marina Ferreira Izabellamonitora Mendes monitora João Cruz e Marina Ferreira Turma deedição Jornal executiva Impresso II edição executiva Turma de Jornal Impresso Turma deeJornal MarinaImpresso FerreiraI produção produção e diagramação


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- CONFECÇÕES -

por trás dos panos história e permanência do SindCostureiras Reportagem E DIAGRAMAÇÃO Amanda Birck Edição Laura Magro

L

ocalizado em uma das ruelas do Setor Aeroporto da cidade de Goiânia, opera o Sindicato dos Trabalhadores em Confecção. Este é seu nome oficial, mas é conhecido como o Sindicato das Costureiras. Lá, na pequena sede identificada pelo portão cinza vazado, são coordenadas todas as suas atividades propostas, que busca ajudar e filiar o máximo de trabalhadores da área de confecção possíveis. A tentativa, porém, vem apresentando mais dificuldades que o esperado. Segundo Luciene Pereira Alves, assessora jurídica do Sindicato das Costureiras, os problemas nem sempre foram tão evidentes. A re-

Gráfico da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho.

CICLOS A antiga cultura da casa de costureira autônoma vem sendo gradualmente desconstruída. Segundo a pesquisa da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, o número de costureiras independentes comparado ao de empresas e facções, que são núcleos menores de produção, diminuiu ao longo dos anos, abrindo espaço para um modo de produção doméstico mais saudável do que o conhecido leva e traz de roupas para dar ponto à domicílio. A respeito da presença de costureiras independentes e sindicalizadas, Luciene reflete sobre o número

Entrada da base do Sindicato das Costureiras, no Setor Aeroporto. muito mais baixo de trabalhadoras. “Nós temos, sim, filiados autônomos em nossa associação. Porém, a quantidade não é páreo para os chamados trabalhadores de confecção das “indústrias de chão”, que buscam nossa ajuda muito mais do que os profissionais caseiros.” Para Lúcia Pereira, costureira independente há 32 anos, o mercado da confecção ainda possui esperança. “É um mercado que cresce muito e sempre consegue sobreviver às crises com criatividade. Se há um obstáculo, nós nos renovamos e

Marivalda, são ocasionados pela invasão de produtos estrangeiros nos mercados e feiras, que segundo ela, desvalorizam seu trabalho. união O incentivo à participação em eventos sediados pelo SindCostureiras resulta até hoje na presença de peso de boa parte de seus filiados em qualquer que seja a ocasião. Além das costumeiras vantagens que a associação oferece, como a convenção coletiva, o lazer, o convênio em iniciativas culturais,

Se há um obstáculo, nós nos renovamos e continuamos firmes Lúcia pereira Costureira

continuamos firmes.” Para ela, que apenas usufruiu do auxílio do sindicato uma vez, por um acerto de demissão, sua existência é pouco útil, e nenhum dos profissionais da área de costura que conhece participa dele. “Eu tenho a impressão de que o sindicato só tem o interesse de arrecadação. Não conheço ninguém que já tenha se beneficiado com isso”, comenta Lúcia. As opiniões a respeito da relevância do Sindicato ainda hoje divergem. A costureira Marivalda Alves, que trabalha na área há 27 anos, acredita que o sindicato é proveitoso, mesmo que não faça parte dele. “Possuo uma amiga que é sindicalista e ela gosta muito de fazer parte da causa sindical. Os benefícios são muito interessantes e há um grande acolhimento ao trabalhador.” Os problemas do mercado têxtil, para

que constroem

presentante comenta que após a última reforma trabalhista, em 2017, o sindicato, assim como todos os outros, vem enfrentando dificuldades até mesmo em questão de sobrevivência, devido ao cancelamento da obrigatoriedade das empresas contratantes recorrerem a eles. “O sindicato sobrevive das contribuições dos trabalhadores e associados, e como nós temos tido a dificuldade de levar ao conhecimento dos trabalhadores os benefícios que o sindicato pode oferecer para que ele possa participar, isso tem nos enfraquecido.” A imposição da reforma trabalhista, para a assessora, tornou também ainda mais frequente a incidência de casos de assédio moral nas indústrias de confecção. “Depois da reforma, que acabou com a obrigatoriedade da empresa vir ao sindicato, existem muitas empresas que estão lesando os trabalhadores, não estão pagando corretamente, não depositam mais o fundo de garantia… isso é muito sério.” Luciene comenta também sobre a necessidade do trabalhador participar do sindicato e fortalecê-lo, pois segundo ela, sozinho não há chances, mas junto da associação a possibilidade de superar esse problema é maior. A existência do abuso moral nas fábricas de confecção, segundo Luciene, é um dos principais pontos que o Sindicato busca solucionar. “Os trabalhadores reclamam muito do assédio moral que é praticado em indústrias, devido ao ritmo alucinado de produção. Eles se queixam ultimamente da questão do atraso do salário, falta do recolhimento dos depósitos fundiários.” A assessora fala sobre como o desconhecimento do auxílio oferecido pelo SindCostureiras reflete nos casos de maus tratos dentro das empresas, que persistem pelo fato do trabalhador não saber que pode recorrer ao sindicato.

Foto: Amanda Birck

Os retalhos

cursos de línguas estrangeiras e assistência médica e odontológica, o Sindicato busca criar maiores oportunidades de reunir seus associados em confraternizações. Os trabalhadores são convidados a serem sorteados para os “dias da beleza”, onde recebem tratamentos estéticos, como também cursos de qualificação e palestras sobre legislação trabalhista e reconhecimento de seus direitos. O Sindicato monta campeonatos de futebol e carteado, e realiza ações sociais em cidades menores por todo o estado de Goiás, como a iniciativa em Pontalina que abrigava aulas sobre a utilização integral de alimentos, oficinas de artesanato, exames de prevenção de câncer de colo, de útero e de olhos, além de sorteios de brindes. O projeto se encontra paralisado por falta de recursos.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- DIREITOS -

INFORMALIDADE NO TRABALHO DOMÉSTICO Foto: Cecília Fernandes

preconceito e desinformação afastam TRABALHADORAS De garantias sociais

zoleta Xavier Pereira atua como trabalhadora doméstica há seis anos. No presente momento, trabalha como diarista pela praticidade e a possibilidade de ter suas tardes livres para cuidar da própria casa e do filho. Entre suas atividades como diarista, dona de casa e mãe de Davi, de cinco anos, Izoleta afirma sair de casa às quatro da manhã e retornar às duas da tarde por conta da distância entre sua casa, no Jardim São José em Goiânia, e os setores das quatro residências em que trabalha. O trajeto apresenta riscos, pois a distância a força a ficar exposta nas ruas da cidade. Nesse aspecto, a diarista relata já ter sofrido diversos assaltos no caminho para o trabalho. “Eu nunca pedi ajuda dos meus chefes quando passei por essas situações, sempre resolvi tudo sozinha para não incomodar”, afirma Izoleta. Quando questionada a respeito do conhecimento sobre seus direitos como trabalhadora doméstica, Izoleta explicou que nunca teve tempo para pesquisar ou conhecer as atividades sindicais em Goiânia devido à rotina e as atividades que assume durante a semana. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligada ao Ministério do Planejamento, e a ONU Mulheres, traçou o perfil do trabalho doméstico no Brasil. Dados compilados sobre o histórico do setor no período de 1995 a 2015 apresentaram um perfil de predominância feminina, afrodescendente e de baixa escolaridade, com média de 6,9 anos de estudo para as mulheres brancas e 6,6 anos de estudo para as mulheres negras. Creuza Maria de Oliveira, Secretária Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) defende a importância da atividade sindical para alcançar as profissionais da área em suas rotinas e informá-las a respeito de seus direitos trabalhistas. “Nós atuamos com os Sindicatos filiados promovendo seminários, con-

Izoleta trabalhando em uma das residências que atende em Goiânia. gressos e palestras em diferentes estados para incentivar a educação e a formação dessa classe de trabalhadores”. Formalização A necessidade de garantir estabilidade e segurança no exercício do trabalho doméstico motivou a articulação sindical e profissional para exigir ações do poder público brasileiro. Em abril de 2013, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovou em audiência pública a PEC 66/2012, responsável por estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais, de

co no país. De acordo com os resultados, existem 6,7 milhões de empregados domésticos no país e cerca de 4,7 milhões de profissionais da área em situação de irregularidade. Para Mário Avelino, especialista em trabalho doméstico e fundador do Instituto Doméstica Legal, a informalidade é resultado da falta de conhecimento dos empregadores. “Após a aprovação e promulgação da PEC houveram ondas de demissões no mercado porque os empregadores acreditaram que o custo-benefício de contratar uma diarista no lugar de uma empregada doméstica ia ser maior”, explica Mário Avelino.

I

Reportagem e diagramação Cecília Fernandes Edição Gisele Siqueira

São poucas as pessoas que valorizam nosso trabalho, a maioria acha que nós não somos nada BEATRIZ MARIA DE BRITO DO VALE Trabalhadora doméstica

acordo com as condições previstas no artigo 7º da Constituição Federal. Informações cadastrais coletadas no eSocial, portal eletrônico de comunicação entre o Governo Federal e os empregadores do Brasil, apresentam um cenário atual onde há crescimento no número de trabalhadores domésticos de carteira assinada no país. De acordo com dados cadastrais no sistema da plataforma, existem, atualmente, cerca de 1,5 milhão de empregados em regime formal de trabalho e com carteira assinada, em relação aos 1,46 milhão de empregadores domésticos. Entretanto, estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo IBGE no primeiro trimestre de 2019, demonstram alto grau de informalização do trabalho domésti-

Creuza Maria discorda da existência de falta de conhecimento dos empregadores e afirma que prevalece a conveniência e o desrespeito com os empregados domésticos. “Os patrões estão acostumados a querer mordomia, sem ônus”, afirma Creuza Maria, “Eles têm acesso às informações, por meio da internet e outros veículos, mas continuam querendo uma empregada doméstica que faça tudo sem ter responsabilidade sobre isso.” HERANÇA Beatriz Maria de Brito do Vale, 44 anos, atua como doméstica há 20 anos, tendo trabalhado com carteira assinada durante 4 anos mesmo antes da aprovação da PEC. Atualmente como diarista, Beatriz prefere atuar nesse regime pela praticidade e flexibilidade de horários, mas acredita que

a dificuldade de encontrar empregos de carteira assinada para outras trabalhadoras domésticas é motivada pelo preconceito com a classe. A diarista relata que em sua trajetória como doméstica houveram situações de preconceito e racismo, ainda que velado. “No mercado de trabalho, a maioria dos empregadores só tem interesse em mulheres negras como eu, e ainda assim eu já sofri pela cor da minha pele”, relata Beatriz. “Já fui acusada de roubo dentro de uma casa e até convivi com pessoas que não acreditaram que minha filha estuda em uma Universidade Federal, como se a filha de uma empregada doméstica não tivesse capacidade para ir tão longe”. Para o historiador e analista judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Luiz Henrique Falcão, o preconceito com trabalhadores domésticos é resultado de uma herança do regime escravista no Brasil, em que essa atividade era específica de um grupo social marginalizado. “A informalização do trabalho doméstico no Brasil parte da mentalidade de que essa atividade é inferior, em que nega-se o reconhecimento da atividade sob a justificativa de que não são trabalhos dignos como os outros”. Em seus 20 anos de trabalhadora doméstica, Beatriz afirma ter criado uma barreira entre ela e seus empregadores durante o convívio no ambiente de trabalho, para evitar situações de preconceito. “As pessoas acham que empregada doméstica deve dormir no trabalho, aceitar moradia ou alimentação como forma de pagamento e isso é um absurdo. São poucas as pessoas que valorizam nosso trabalho, a maioria acha que nós não somos nada”, relata. Mário Avelino defende a fiscalização para vencer o preconceito e a desinformação. “As leis existem, mas a falta de fiscalização é o que impede com que essa classe tenha estabilidade e segurança”, afirma o especialista. “Nesse momento, a ação dos sindicatos, das associações e demais instituições de defesa dos direitos trabalhistas são fundamentais para mudança do cenário atual.” Creuza Maria de Oliveira afirma que apesar de todas as conquistas e avanços, a luta é constante e contínua, mesmo com as dificuldades financeiras e estruturais para mobilização dos sindicatos e associações. “A luta da Fenatrad é essa, dar visibilidade ao trabalho doméstico dentro e fora do Brasil. É mobilizar a categoria para conscientização, formação e fortalecimento.”


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- HISTÓRIAS -

A LUTA DIÁRIA DAS GARIS constroem o coletivo de mulheres da comurg ReportaGEM E DIAGRAMAÇÃO Sabryna Moreno Edição Rafaela Ferreira

E

m um cômodo dos fundos da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), existe sororidade. No espaço, mulheres que trabalham para manter a limpeza urbana da cidade se unem para alcançarem os objetivos e ultrapassarem, juntas, os obstáculos do mercado de trabalho. Coordenado por Anadir Cezário, o Coletivo de Mulheres da Comurg articula e se envolve na luta contra a desigualdade de gênero. Além disso, também são idealizadas ações para o combate a todos os tipos de violência e à dependência química. Anadir começou a trabalhar na Comurg como telefonista, quando ainda tinha 17 anos. Por ser do setor administrativo, nunca teve contato direto com o trabalho de limpeza das ruas, até que, segundo ela, resolveu sair de sua “zona de conforto”. Como diretora da Associação de Servidores da Comurg, teve a ideia de comprar uma kombi e ir aos 42 pontos de apoio da capital visitar as equipes de garis. Sua vontade de saber como era o cotidiano dos trabalhadores tornou-se uma preocupação. Na época, Anadir sempre tentava levar a maior quantidade de mulheres em eventos da prefeitura, conferências e seminários. No entanto, ela queria mais: poder contribuir diretamente na vida das trabalhadoras, e não apenas aumentar um número de pessoas em eventos. Um conselho da irmã mais velha era o que faltava. “E aí foi quando Marta Cesária, minha irmã, me falou: ‘vai estudar, vai pôr no papel tudo que você quer fazer”. Então, aos 40 anos, Anadir se graduou em Serviço Social, e hoje, é especialista em Políticas Sociais. O projeto nasceu da empatia e da vontade de entender a outra. E é assim que ele cresce. Anadir conta que toda última quinta-feira do mês, as mulheres que participam do Coletivo batem o ponto mais cedo e vão até o auditório da Comurg, assistir a uma palestra; seja sobre saúde, gênero, raça e outros temas relevantes. Em uma sala, onde normalmente

Suely Felix e Gleiva Vilma, do Parque Amazônia, durante expediente. acontecem aulas de Educação a Jovens e Adultos (EJA), elas também se unem. Em uma quinta-feira de setembro de 2018, como o que era parte da programação para a campanha do Outubro Rosa, coordenadas por Rosângela De Biagi, trabalhadoras garis sentavam em roda e confeccionavam chaveiros enquanto batiam papo sobre a vida cotidiana. A ideia do artesanato vem do projeto “Mulheres que transformam lixo em lucro”, criado pelo Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado fundado pela grande parceira de vida de Anadir, a irmã Marta, e sustentado também no Coletivo Mulheres da Comurg. A proposta é separar materiais que poderiam ser jogados fora, como retalhos de tecido, e transformá-los em objetos de uso, a partir da arte. Orgulho Em uma realidade onde a invisibilidade social perante determinadas profissões é evidente, o orgulho é um processo que se direciona pela maturidade e pelo companheirismo. Pelo menos, é assim que acontece com as trabalhadoras do Coletivo da Comurg. Como muitas outras e outros, Maria do Carmo exprime sobre quando a vergonha era o único sentimento que ela nutria pela sua profissão de gari. Hoje, sua visão é diferente, e muito disso tem a ver com a coletividade. “As pessoas acham que você anda suja. Por que eu devo ter vergonha do meu trabalho? Não posso, é o meu sustento”, afirma. O ponto de apoio do Parque Amazônia, zona sul da capital, também guarda várias histórias a contar. Uma delas é de Suely Felix, mãe, avó, esportista, faixa preta e instrutora de karatê, quinta corda no Grupo Livre Capoeira Regional e gari. Para ela, é preciso espairecer para conseguir lidar com o cotidiano de trabalhar como profissional da limpeza urbana. “Pra gente que aguenta o dia todo aqui, trabalhando no sol quente, a

gente tem que fazer um exercício, tirar a energia negativa e recompor novas energias”, considera. Nem sempre as situações são toleráveis. Suely conta que em um dia que a reserva de água acabou, foram pedir um copo em um restaurante da região, já que seu colega estava passando mal. Segundo ela, o proprietário fez questão de humilhá-los argumentando que a água do estabelecimento era cara. “A gente só queria

‘ou você fica comigo, ou eu te mando para outro lugar”. Os cargos de chefia são predominantemente masculinos. Até o momento, a Companhia foi presidida apenas uma vez por uma mulher. Sendo assim, a opressão acontece principalmente pelos homens que comandam e têm poder de tirá-las de seus cargos. A atitude delas é sempre a mesma: levar na ‘esportiva’. “Você tem que dar uma de bestinha, a gente finge que não tá entendendo”, conta Hizailde Araujo. Para elas, só vale a pena tentar denunciar a partir do momento em que o assédio for mais do que moral, e até mesmo nesses casos a vítima é quem precisa se adaptar. Uma das mulheres conta que quando era novata na empresa, o mesmo chefe para quem ela preparava o café e o almoço, não sabia respeitá-la como mulher. “Ele tinha mania de pegar na gente. E como eu não aceitei sair com ele, ele começou a me perseguir no trabalho, até que conseguiu me tirar da garagem. Sofri porque fui pra um lugar que eu não era adaptada, e ele continuou no mesmo”, relata.

Foto: Sabryna Moreno

suor e resistência

Tinha aquilo assim: o chefe chegava em você e falava: ‘ou você fica comigo, ou eu te mando para outro lugar’ LUCIMAR RODRIGUES Trabalhadora que os moradores tivessem o carinho e o respeito que nós temos por eles e pelas ruas”, manifesta-se. Mulheres trabalhadoras da Comurg são parte da luta do coletivo. Entretanto, Lucimar Rodrigues, administradora de uma equipe de garis, conta que muitas mulheres se afastam das ações de coletividade. “O coletivo é para unir as mulheres. Todas são convidadas mas ninguém quer sair da sua zona de conforto”, reflete. Assédio Situações de constrangimento estiveram e estão presentes na vida das mulheres. Segundo pesquisa da Organização Internacional de Combate à Pobreza - ActionAid, 86% das brasileiras ouvidas sofrem assédio em público. Com as trabalhadoras da Comurg não é diferente, pelo contrário. De acordo com depoimentos delas, o desconforto nas ruas já se tornou “normal”, mas o que mais pesa para elas é o machismo dentro da empresa. Lucimar expõe: “Tinha aquilo assim: o chefe chegava em você e falava

Enfrentamentos O Sindicato dos Empregados nas Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Pública e Ambiental, Coleta de Lixo e Similares do Estado de Goiás (SEACONS) é responsável por representar as pessoas desse segmento trabalhista. No entanto, a crítica em relação à essa associação é significativa, principalmente feita por mulheres. Como presidente do coletivo, Anadir afirma que o sindicato “vende os trabalhadores” e não defende mulheres. Segundo o diretor vice-presidente do SEACONS Melquisedeque Santos, os trabalhadores brasileiros têm uma grande resistência em relação aos sindicatos. Quando se trata do posicionamento do sindicato sobre a luta feminista, os argumentos se dispersam. “Nós temos regras que valem para todas as funções da Comurg, independente se é homem ou mulher. Vai focar na função que o trabalhador exerce”. Enquanto isso, as mulheres do coletivo reafirmam: a luta a favor do empoderamento feminino continua.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- INCLUSÃO -

docentes que superam barreiras dificuldade para lidar com pessoas com deficiência Reportagem E Diagramação Júlia Alves Edição joão Cruz

A

Universidade Federal de Goás, segundo o site da UFG, possui cerca de 3 mil docentes efetivos e mais de 23 mil estudantes de graduação. Entre estes professores e alunos, existem pessoas com diversos tipos de deficiência. De acordo com a diretora dos Sistemas Integrados dos Núcleos de Acessibilidade da Universidade Federal de Goiás (SINACE), Ana Claudia Maranhão, a UFG tem mais estudantes do que professores com alguma deficiência, o que não é proporcional ,cerca de 250 discentes e um número muito inferior, em média dez, de professores.

ainda enfrenta

um sindicato oferece vários outros serviços como coral, massagens e entre outros e o ADUFG possui uma condição financeira estável, um ambiente acessível, sendo um dos sindicatos mais estruturados do país. Enquanto a equipe de reportagem estava no ADUFG, o sindicato fez um novo levantamento via telefone de imediato após ser solicitado. O presidente ligou para sua secretária para coletar novos dados e, foi descoberto que seis docentes com alguma deficiência já são sindicalizados. Entre eles, a professora da Letras, Thais Avelar. Com isso, o presidente afirmou que mesmo com 90% dos professores da UFG sendo sindicalizados não sabia que existiam professores com deficiência na faculdade e nem de filiados que sejam. “Os professores com deficiência procuram menos o sindicato e não costumam participar das atividades oferecidas” justifica o presidente após levantamento. Para ele, é importante ser sindicalizado pois o sindicato busca as condições de trabalho para qualquer filiado poder exercer suas funções, por exemplo, se a faculdade não estiver oferecendo as condições necessárias, o ADUFG vai lutar por isso.

Não tenho conhecimento de surdos ou cegos, o sindicato nunca levantou esses dados. Flávio Alves Presidente ADUFG

O Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (ADUFG), como qualquer outro sindicato, tem o intuito de defender o direito dos trabalhadores. De acordo com o presidente do sindicato, Flávio Alves, o ADUFG que está completando 41 anos, foi criado como associação, porque na época em que foi criado não podia existir sindicatos. Foi transformada em sindicato local, em 2011, há oito anos. Ainda segundo o presidente, é um sindicato que possui um dos maiores índices de professores sindicalizados. Inclusão Em entrevista, Flávio Alves, foi questionado sobre as providências de inclusão que o ADUFG tomariam se houvessem docentes com deficiência associados ao sindicato, e afirmou que, faria de imediato tudo que fosse necessário para atender a todos, sem exclusão. Ele explica que, além de questões trabalhistas,

A equipe de reportagem entrou em contato com dois professores da faculdade de letras da UFG, ambos com deficiência auditiva, sendo eles Gilmar Garcia, que não é sindicalizado e alega não saber muito a respeito, diz que não tem um motivo específico para não ter se associado e demonstra vontade de ingressar futuramente. Thais Avelar, que é sindicalizada, relata que as vezes que precisou ir no ADUFG foi bem recebida e que o sindicato já ajudou ela a explicar coisas e ser compreendida. SINACE A diretora Ana Claudia explicou que existe um núcleo de acessibilidade em cada regional (Goiânia, Goiás, Jatai, Catalão e Aparecida) que é responsável por auxiliar todo indivíduo com alguma deficiência que ingressa na universidade, caso necessite de um apoio ou acompanhamento durante todo o tempo dele na instituição. A acessibilidade é uma das

Foto: Júlia Alves

associação

Presidente Flávio Alves sentado em sua mesa na ADUFG.

políticas que está no plano de desenvolvimento institucional da universidade e abrange estudantes, docentes e técnicos administrativos. Ainda de acordo com a diretora, as deficiências existentes são: física (auditiva, visual, múltipla e motora), intelectual (autismo, altas habilidades e superdotação) e todas estas fazem parte do público alvo da educação inclusiva e possuem o direito de terem um acompanhamento caso sintam que é necessário. O núcleo de acessibilidade propõe quebrar com todos os obstáculos destes indivíduos de estarem no mesmo lugar que pessoas sem deficiência. As principais barreiras são arquitetônicas, psicopedagógicas e atitudinal, que segundo a Ana Cláudia, é a com maior dificuldade de ser quebrada, pois é a que está na pessoa, como por exemplo, o preconceito. Para ela, o preconceito existe devido às próprias pessoas não se sentirem capazes e das outras desconhecerem que é direito de todos estar em uma sociedade e universidade com direitos iguais para todos. “Quando a gente eliminar as barreiras e ver as pessoas com deficiência como os outros, eu acredito que teremos uma sociedade mais inclusiva” disse Ana Claudia. O SINACE possui um laboratório de adaptações para deficientes visuais, com muitos equipamentos e uma impressora 3D para imprimir os textos em braile. Dentro do núcleo também existe uma pedagoga e uma psicopedagoga, que faz o estudo de cada indivíduo para detectar as empecilhos que ele enfrenta dentro da universidade e propor formas de reduzir as dificuldades. No entanto, na visão da diretora, mesmo com a

UFG sendo inclusiva a sociedade como um todo deve dar oportunidades para que essas pessoas consigam chegar até o ambiente acadêmico. DISCENTES A equipe de reportagem conversou com estudantes de graduação da UFG com diversos tipos de deficiência para saber como é a inclusão no ambiente acadêmico. Para Carlos Eduardo Souza, estudante cadeirante, a acessibilidade do campus samambaia deixa a desejar, pois existem rampas mal planejadas, caminhos muito distantes que atrapalham a locomoção, fazendo-o chegar atrasado nas aulas e elevadores fora de funcionamento em alguns prédios onde ele assiste aula, o que gera um trabalho para todos da turma trocando a sala da aula por outra no térreo. Já para Vinicius Lopes, estudante de letras-libras e surdo, dentro da faculdade de letras a inclusão é boa e seus professores estão aptos para se comunicarem com alunos surdos, mas a universidade no geral necessita de uma inclusão maior. Ele cita como exemplo, o evento anual Conpeex, que não possui intérprete em todas as palestras, o que dificulta sua participação. Para a estudante Lêda Suyane, que possui visão monocular, apesar de sentir dificuldade nas aulas de laboratório, considera a faculdade muito acessível e inclusiva. A estudante de educação física, Haryelle Santo, que possui uma má formação, concorda com a Lêda e alega que a faculdade possui muitos recursos e projetos, como o UFGinclui, que existe desde 2016 e vem possibilitando o acesso de todos dentro da universidade.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- REPRESENTATIVIDADE -

PROFISSIONAIS INVISÍVEIS para garantir representação classista Reportagem E Diagramação Isabela Cintra Edição Jarliane Guajajara

A

falta de representatividade, dentro de sindicatos, de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e outras identidades de gênero (LGBT) ainda é um cenário atual no Brasil. A LGBTfobia dentro desses espaços também não é rara. “Acredito que não podemos negar a existência de qualquer tipo de discriminação em qualquer estrutura que seja, e o sindicato não está imune”, relata Michely Coutinho, atual coordenadora da Coordenação de Assuntos Étnico-Raciais, Gêneros e Diversidade Sexual do Sindicato de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino Superior do Estado de Goiás (SINT-IFESgo). O sindicato apesar de ter nascido para promover igualdade, respeito e defesa de direitos humanos, ainda se mostra resistente em relação ao tema. É o que aponta Mariana Lopes, coordenadora da Coordenação Mulher Trabalhadora dentro da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, a Fasubra. Mariana também relata que a discordância vem, principalmente, por parte dos homens em relação à população LGBT dentro dos sindicatos e ainda indica que estas pessoas sofrem com a permanência do estereótipo de sindicalista másculo, o que impossibilita alguns avanços em relação à falta de representatividade LGBT nas direções sindicais. Wellington Pereira, coordenador da Coordenação LGBT da Fasubra, também ressalta esse ponto. “Sendo as entidades um referencial hétero e machista, as entidades acabam se centrando naquela coisa do macho [...] o macho como referência. A gente tem que quebrar esse paradigma”, explica. “A proporção de dirigentes LGBTs ainda não representa a proporção da população LGBT”, aponta Michely. Ela explica que nem sempre algumas pessoas assumem sua orientação como bandeira ou frente de ativismo.

LGBTFOBIA De acordo com Mariana, apesar da existência de uma coordenação voltada para pautas LGBT, a LGBTfobia ainda ocorre bastante dentro do movimento sindical. Ela comenta que já sofreu esse tipo de preconceito até mesmo por parte de diretores e conhece casos semelhantes. Em 2015, a Consultoria Santo Caos fez uma pesquisa com mais de

Mariana Lopes em seu trabalho no Centro de Psicologia da UFG. desde o medo de exposição até falta de conhecimento da existência dessa coordenação”, ilustra. CONQUISTAS Foi em 2013, que a Fasubra lançou a campanha nacional LGBT é de Luta! Unidade na Diversidade. Essa campanha culminou no primeiro seminário LGBT da federação, que foi o ponta

enfrentam barreiras

A pouca representatividade é mostrada quando se procura essa comunidade ocupando cargos na direção. “A Fasubra tem 27 diretores, e dentro dos 27, são dois por coordenação. Dentro desse universo de 27, tem eu que sou bi, o Wellington que é gay e tem um diretor, que está afastado por motivos de saúde, que também é gay”, explica Mariana. Ela também destaca a falta de pessoas transexuais dentro da Fasubra e dentro de setores de trabalho. Além disso, relata que não conhece nenhum transexual que seja diretor de sindicato. “Aliás, eu conheço três trans na base da Fasubra inteira e nós estamos falando de um universo de 220 mil trabalhadores [filiados à federação]”, completa.

Foto: Isabela Cintra

pessoas lgbts

Aliás, eu conheço três trans na base da Fasubra inteira e nós estamos falando de um universo de 220 mil trabalhadores

Mariana lopes Coordenadora da Mulher Trabalhadora na Fasubra

230 pessoas. Mais de 40% afirmam ter sofrido discriminação por sua orientação sexual ou identidade de gênero dentro do ambiente de trabalho. Muitas vezes, o preconceito é velado e acontece por meio de piadas. Wellington conta que ao ouvir determinadas piadas, eles acabam se inibindo e não corrigindo a pessoa que fez a “brincadeira”. Em relação a isso, o vice coordenador da Coordenação de Assuntos Étnico-Raciais, Gêneros e Diversidade Sexual junto a Michely dentro da SINT-IFESgo, Dorivan Borges, explicou que nem sempre a coordenação é procurada quando casos de assédio, agressões ou homofobia acontecem dentro do trabalho. “Esses problemas nem sempre chegam até a gente por diversos prováveis motivos, que vai

pé inicial da construção de um debate sobre o tema no sindicato. A discussão foi voltada a efetivação de ações focadas para a população LGBT e espaços para a desconstrução de preconceitos dentro do sindicato. A partir do primeiro seminário, foram construídas outras reuniões que reafirmam a concretização de espaços de organização, discussão e visibilidade. No 23º Congresso da Fasubra, em maio de 2018, foi aprovado a Coordenação LGBT, a qual Wellington é coordenador. De acordo com ele, a federação é a única entidade a possuir essa pasta, já que, geralmente, as questões LGBT ficam dentro de uma pasta composta por outras questões identitárias, como mulheres e étnicoraciais, que é o caso do SINT-IFESgo. “As discussões relativas à gêne-

ro, sexualidade e raça são recentes no movimento sindical”, aponta Dorivan. Por isso, Michely enfatiza a importância de ações propositivas, como comissões, debates, seminários e grupos de estudos. Além de ressaltar a importância e o compromisso da direção sindical de se integrar mais a essas ações. Ela ainda destaca algumas medidas que podem ajudar a relação do sindicato com a comunidade LGBT, como o combate ao assédio e à discriminação. “De outro [lado], recebendo demandas e denúncias, acolhendo e acompanhando o trabalhador, inclusive com assessoria jurídica”, evidencia. Ela ressalta que os sindicatos precisam ter uma diretoria específica que concentre esforços na pauta da diversidade, além de auxiliarem na formulação de políticas públicas e defesa de direitos dessa comunidade. Sobre isso, Wellington comenta que há esforços de sua coordenação de implementação da criação da pasta LGBT no estatuto de outras entidades. Para além das propostas e melhorias, o caminho ainda é longo. Mariana cita a dificuldade de obter respostas positivas quando se sugere reuniões ou grupos de estudo sobre o tema para outras entidades. “A gente está percebendo que vários sindicatos não tem conseguido sequer fazer reuniões LGBTs”, desabafa. Michely também evidencia que apesar do compromisso de combate a discriminação, o debate sobre o assunto não é feito no dia-a-dia, levando a uma baixa participação das pessoas. Além de pontuar que algumas ações propositivas estão no estatuto, mas isso não revela compromisso real, tem que sair do papel.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- ENTREVISTA

“Que mais corpos plurais ocupem

João Lúcio Mariano Cruz, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e técnico administrativo na UFG, é ativista, gay, trabalhador e filiado ao sindicato. O pesquisador conta um pouco sobre o papel das organizações sindicais na sociedade, suas funções, a forma como recebem diferentes corpos e sua experiência dentro delas. Além disso, o doutorando levanta questões sobre como essas entidades representam suas categorias de trabalhadores, que são compostas por uma pluralidade de corpos.

Samambaia: Como funcionam os sindicatos no Brasil? João Cruz: O sindicato tem a função de representar, em uma mesa de negociação ou com um patrão, seja ele da iniciativa privada ou do próprio Estado, as demandas da categoria de seus trabalhadores. Tem o encargo de proteger uma categoria de pessoas, de arbitrariedades, de termos trabalhistas, e de levar a ações que visem melhorias e políticas para essa coletividade de trabalhadoras e trabalhadores. É isso que eu entendo como a função de um sindicato, e ele pode perder muito fácil essa função quando se atrela aos interesses de quem tem mais poder na relação entre trabalhadores, trabalhadoras e patrões, sejam eles da iniciativa privada ou do próprio poder público. Samambaia: Existe um modelo de sindicato a ser seguido?

João Cruz: Existe um modelo majoritário, que é esse representativo, e existem modelos alternativos que são experimentados pelo mundo. Um deles é o da autogestão, que são os sindicatos geridos pelos próprios trabalhadores, com políticas de se relacionar com o trabalho

Samambaia: Quais são as pautas mais importantes dentro dos sindicatos? João Cruz: Quem define as pautas mais importantes para cada sindicato é a própria categoria, ou deveria ser. Isso vai depender dessa relação de quem está gerindo a es-

Reportagem E Diagramação Izabela Tavares Edição Pedro Peralta

Precisamos construir um novo modelo sindical, formado por essa pluralidade JOÃO CRUZ Técnico-Administrativo em Educação

de uma forma que não seja o da sua própria exploração, mas da sua participação. Em Portugal, tem exemplos de sindicatos autogeridos, e no Brasil nós tivemos alguns exemplos. Esses modelos pra mim são os que se aproximam mais de um modelo sindical humanizado, horizontal e coletivo de fato.

trutura sindical com a base de trabalhadores. Eu não constituo nenhuma gestão sindical, mas sou filiado a um sindicato, e essa filiação me garante a possibilidade de atuar e defender algumas pautas, de conduzir o que eu entendo como importante para as pessoas, para mim e para quem está comigo coletivamente. Algumas das

pautas que até hoje o sindicato hegemônico não se abriu verdadeiramente, por mecanismos estruturais que o impedem, são as especificidades de todos os trabalhadores que eles julgam representar. Samambaia: Como seria essa representatividade de diferentes corpos dentro dos sindicatos? João Cruz: Quem vai definir é a base de trabalhadores e trabalhadoras, indo em uma assembleia e fazer uma proposta de ação de combate de misoginia dentro do sindicato, combate a lgbtfobia, e racismo, fazer esses posicionamentos colocando o próprio corpo sindical na parede. É daí que surgem novos modelos de construção das políticas sindicais e que vão abrir espaço para que as lutas atendam e respondam as várias vozes que compõem os sindicatos. Samambaia: Na sua visão, como acontece as recepções desses diferentes corpos dentro dos sindicatos? João Cruz: O movimento de afastamento dos sindicatos tem a ver com esse modelo que acaba sendo excludente, e vai me deixar constrangido com piadas homofóbicas de colegas que estão lutando comigo. Isso vai ser violento com algumas pessoas, e eu falo não só por mim, mas por ouvir experiências de colegas também. Imagina alguém sofrer racismo dentro de uma assembleia e ter que ouvir “ vamos lutar pelo que é importante, estamos aqui por uma coisa maior, sofra o seu racismo calada”. Isso


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

ENTREVISTA -

em espaço nos sindicatos”

Samambaia: Como surgiu uma abertura aos diferentes corpos dentro dos sindicatos? João Cruz: Eu vejo essa abertura como uma fissura, que foi sendo feita ao longo de muita luta de pessoas que não compõem esse corpo hegemônico do que seja um trabalhador. Não vou aceitar homofobia do meu colega de trabalho, que está lutando comigo, e quando eu não aceito e tenciono, abre uma fissura. E é isso que vai dar o tom e a disputa política dentro dos sindicatos, promovendo mudanças como tem acontecido a partir da década de 70, principalmente pelos movimentos LGBTs, movimentos negros e feministas. Mas isso não vem pelos movimentos em si, mas vem de corpo a corpo das pessoas que estão lá tencionando e se reconhecendo, ou não, como parte desses movimentos. Na medida em que elas tencionam abrem a oportunidade de um presente e um futuro melhor. Samambaia: Tem alguma política, interna ou externa, que protege os diferentes corpos dentro dos sindicatos? João Cruz: A lei já existe, se houver racismo é só ir lá e denunciar, se houver lgbtfobia agora é pos-

sível também. E eu acho que é a própria categoria de trabalhadores que deveria exigir, nessas coordenações específicas como a de mulheres, LGBTs ou etnicorraciais, que o sindicato crie mecanismos para coibir isso, com penalidades, conversas, pedagogias, campanhas e discussões no ambiente sindical.

catos, mais mulheres, mais lgbts, negros e indígenas, e quando esses corpos estiverem lá, as coisas

mudam. Precisamos construir um novo modelo sindical, formado por essa pluralidade. Foto: Isabela Cintra

afasta aspessoas, e inegavelmente esse tipo de comportamento de entender algumas lutas como maiores do que outras, ao invés de articulálas, é que mina e tira um pouco da força do importantíssimo aparelho que é o sindicato.

Samambaia: Esses corpos têm alguma liberdade de transitar e de se expressar dentro desses sindicatos, como ocupar cargos? João Cruz: O machismo, a lgbtfobia, o racismo são estruturais, e estão em todos os ambientes que a gente circula. Essa construção histórica da imagem de um modelo de trabalhador único e homogêneo é um impedimento a enxergarmos os corpos que não se enquadram nesse modelo como corpos dignos de autoridade, por exemplo, durante uma fala em uma assembleia, pelos seus argumentos políticos. Eu acho que existem corpos que vão enfrentar resistências para além da racionalidade na hora da argumentação política, e outros corpos que podem falar a besteira que for, desde que eles tenham uma postura do que seja a voz de autoridade. Então, creio que tudo pode desde que a gente tencione a estrutura política. Samambaia: Quais mudanças você acha que deveria ocorrer para que os sindicatos recebessem melhor essa pluralidade de corpos? João Cruz: Que mais corpos

plu rais ocupem espaço nos sindi-

João Cruz é trabalhador em Educação e pesquisador de Comunicação.


10

samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- SEGURANÇA -

DESAMPARO SINDICAL da segurança pública invisíveis para seus representantes Reportagem E DIAGRAMAÇÃO Júlia fontes edição Eduardo borges

O

Foto: Júlia Fontes

s profissionais LGBTI+ da segurança pública sofrem com a falta de representação sindical. De acordo com o presidente do Sindicato dos Servidores de Execução Penal do Estado de Goiás (SINSEP GO), Maxsuell das Neves, o sindicato tem como principal objetivo a defesa dos interesses econômicos, sociais e, principalmente, profissionais de uma determinada categoria. Todavia, para os profissionais LGBTi+ da segurança pública, faltam políticas sindicais

específicas que defendam os interesses e direitos desses profissionais. De acordo com o presidente do SINSEP-GO a inexistência de ações sindicais específicas para os profissionais LGBTI+ se deve pela de falta de solicitações dos sindicalizados. “Nunca vi ninguém levantando bandeiras neste sentido”, alegou Neves. O SINSEP-GO representa todas e todos agentes prisionais, vigilantes penitenciários temporários e algumas e alguns comissionados, sendo ao todo, 2.400 filiados nenhum desses assumidos LGBTI+, como aponta o presidente. Apesar disso, Neves assume que existem profissionais LGBTI+, mas que preferem não assumirem suas orientações sexuais dentro do ambiente de trabalho por medo. “Eu conheço todos e sou amigo de 90% da categoria. Sei que tem, sim, gays em nosso meio, mas como é um ambiente muito másculo e cheio de preconceitos as pessoas tem medo de se assumirem”, apontou o presidente. Esse medo é reflexo de possíveis preconceitos institucionais que os

Jordhan Lessa nasceu em Itaperuna, interior do Rio de Janeiro, em 1967. Jordhan conta que até descobrir o que é a transexualidade se sentia perdido. Aos 13 anos foi expulso de casa por ser uma “lésbica masculina”. Devido ao abandono familiar e a situação de rua, concluiu o ensino fundamental após os 20 anos através de supletivo. Por ser diferente, Jordhan não conseguia empregos e sobreviveu até os 21 anos através de doações, quando viu uma saída no funcionalismo público. Jordhan estudou através de livros encontrados no lixo e passou para o concurso da Guar-

da Municipal como o quinto colocado. Mesmo se destacando em sua profissão, ele não conseguiu ascender na carreira devido a preconceitos institucionais. Aos 46 anos, Jordhan descobriu o que é a transexualidade e se viu pertencente, quando procurou o processo transexualizador. Ele conta que foi emocionante, narra que foi como se estivesse “assistindo seu próprio parto” e ainda hoje sente as mudanças. “São pelos corporais, voz que estabiliza, redistribuição de gordura corporal, enfim mudanças de uma adolescência e juventude em um homem de 52 anos”.

LGBTI+ estão sujeitos durante o exercício da profissão na segurança pública. Jordhan Lessa, 52, guarda municipal, já foi vítima desses preconceitos pelo fato de ser homem trans. “Há 21 anos eu dei o meu melhor para passar no concurso e ser aprovado no treinamento, porque sabia que ser bom não seria suficiente, eu tinha que ser o melhor que pudesse. Por isso, fui o 1º colocado, na época ainda como feminino, e 5º no diário oficial entre 22.065 inscritos e 2.000 classificados. Apesar de demonstrar competência durante meus anos de efetivo serviço no âmbito da Guarda,

eral direta, autárquica e fundacional. De acordo com a Mourão, assim como o alegado pelo presidente do SINSEP - GO, também não existem políticas sindicais específicas para defender os interesses dos profissionais LGBTI+ devido à inexistência de solicitações. Dos 4.200 policiais civis que servem no Estado de Goiás, 1.869 são sindicalizados e, de acordo com Mourão, não há LGBTI+ assumidos. Diferente de Neves, a presidente do SINPOL nega que exista um receio dos profissionais assumirem suas reais orientações sexuais. “Não é medo, é uma questão de descrição. Na práti-

Não acredito nos Sindicatos, nunca vi fazerem nada, pelo contrário, só os via em

Profissionais LGBTs

épocas de recolher a grana do imposto sindical JORDHAN LESSA Guarda Municipal

nunca fui promovido ou tive progressão de carreira, o que acabou por me adoecer e me trouxe entre outras consequências, uma total falta de motivação para continuar.” relatou Lessa. OBSTÁCULOS Além do preconceito institucional que impediu o crescimento profissional de Lessa, em sua trajetória, o guarda municipal também enfrentou outros obstáculos, como a adesão do nome social no ambiente de trabalho. “As dificuldades aconteceram pelo desconhecimento dos profissionais de diversas áreas, entre eles o pessoal de RH que demorou 100 dias, mas consegui e meu nome foi modificado e publicado em Diário Oficial”, afirmou. Hoje, Lessa não usa mais nome social. Em 2017, nos processos de divórcio e casamento que ocorreram simultâneamente, conseguiu alterar seu nome oficial para o que antes era seu nome social. Essa desinformação permeia até nas instituições que deveriam ser as responsáveis por defender os interesses dos profissionais. De acordo com a presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Goiás (SINPOL), Eufrásia Mourão, “Não há normatizações dessas ações por falta de demanda ao sindicato”. Todavia, o Art. 6 do decreto presidencial nº 8.727/ 2016 garante a normatização para inclusão e uso do nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública fed-

ca, se existisse algo bem assumido, existiria respeito”. apontou Mourão. Entretanto, o preconceito e desrespeito contra profissionais LGBTI+ da segurança pública permea dentro do ambiente de trabalho. “Existe preconceito e ele tomou o tamanho de um gigantesco rolo compressor, muitos estão vivendo em estado de depressão constante, síndrome do pânico, pensamentos de suicídio, enfim a sensação de desamparo e desespero está nos matando socialmente”, relatou Lessa. (DES)AMPARO O amparo dentro do ambiente de trabalho que Lessa gostaria de receber seria responsabilidade do seu sindicato. Todavia, ele conta que nunca recebeu suporte sindical. “Não acredito nos Sindicatos, nunca vi fazerem nada, pelo contrário, só os via em épocas de recolher a grana do imposto sindical. Conheci algumas pessoas que faziam parte somente para manterem seus privilégios de estabilidade e folgas inopinadas”, disse. O SINPOL informou que desconhece a existência de “imposto sindical” e garante seu exercício sindical de forma eficaz. “Este sindicato (Sinpol) tem atuação e reconhecimento de suas vitórias em relação às demandas e proteção de direitos”, afirmou a presidente do sindicato. Já o SINSEP - GO garantiu amparo caso necessário. “O Sinsep é muito respeitado por lutar de forma ferrenha por seus sindicalizados”, apontou Neves. Mesmo assim, corpos LGBTs, como o de Lessa, não são nem vistos pelos sindicatos, muito menos representados. “Seria ótimo se pudéssemos contar com eles”, lamenta.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- PRESENÇA -

11

UMA ASSOCIAÇÃO QUE NÃO REPRESENTA DA EDUCAÇÃO E A FALTA DE VISIBILIDADE EXPRESSIVA Reportagem E Diagramação Eduardo Borges Edição Cecília Fernandes

O

CONHECER O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego) é

ção”, explica Roseane, que reitera que mesmo não sendo aparente, a comunidade LGBTI+ está presente. Com isso, encontrar esses corpos se torna uma missão quase impossível, pois se nem mesmo o próprio sindicato tem esses dados, ninguém vai ter. De acordo com o presidente da Simsed, Antônio Gonçalves Rocha Júnior, há apenas uma filiada no sindicato que usa seu nome social. No entanto, o coordenador não quis divulgar quem é essa pessoa. Corpos LGBTI+ não estão explícitos em ambos os sindicatos, mas de acordo com as direções, estão na verdade implícitos. De todo modo, viver escondido é um empecilho.

A partir do momento que um sindicato não tem representatividade, passa a escolher quem vai defender VITOR ROCHA SILVA Estudante

representada. “O fato de o Brasil ser um dos países que mais mata pessoas LGBTI+ e o sindicato não possuir uma pessoa que represente esse grupo de pessoas só reforça o estigma desses indivíduos perante a sociedade, portanto, obviamente, é um fator de desagrado para mim, causando distanciamento do mesmo.” A professora LGBTI+ afirma também que a aparelhagem do sindicato é mais um dos fomentadores da falta de representatividade, pois defendem os interesses de quem está no comando e não do trabalhador. Se esses interesses forem contra a inclusão e diversidade, não há muito que fazer. FAZER Desde a infância, os indivíduos aprendem que não se pode fazer um quebra-cabeças com peças iguais. A imagem plena só pode ser identificada se partes diversas se unirem. Uma peça representa uma nuvem, outra o céu, outra um arco-íris. Só que esta última peça encontra-se em falta nos quebra-cabeças atuais, ou talvez está apenas escondida dentro da caixa. Quando indagada sobre essa questão, Roseane Ramos dos Santos, da secretaria de igualdade do Sintego, afirmou que pessoas LGBTI+ estão presentes na direção da associação, bem como sindicalizados. “Temos um número significativo de sindicalizados LGBTI+. Só que não conseguimos mensurar a quantidade porque nossa ficha de filiação ainda não contempla tal identifica-

VIVER Com a biologia, se aprende que na vida, o indivíduo que melhor se adapta é o que sobrevive, mesmo que as condições sejam desfavoráveis. A área também ensina que não existe superioridade de gênero. Mas é inegável que na sociedade há uma espécie de interferência no meio e um pseudo determinismo biológico-social, que prioriza certos corpos em detrimento de outros. “As mulheres são maioria na base da organização de movimentos sociais, mas ainda são minoria nos cargos e também na participação de partidos políticos. Nos espaços de direção de empresas privadas e de organizações como sindicatos e associações de classe, o mesmo quadro é verificado”, analisa Rosi-

layne dos Santos Silva, que atua na secretaria de gênero do Sinpro. De acordo com dados do Sinpro, atualmente o sindicato possui 3.502 pessoas filiadas e destas, 2.441 são mulheres. Ou seja, quase 70% dos filiados são mulheres, ainda que mais de 70% da diretoria seja formada por homens. Mesmo com o voto secreto para formar a diretoria, mais homens são eleitos, o que só reforça o que apontou Rosilayne. A sociedade não aprendeu a dar voz, mas sim a silenciar. Só que é preciso também sair das estatísticas, ir para além dos números e lembrar que por trás deles existem seres humanos que querem existir, que querem ser. SER “Considero o Brasil um antigo país do Novo Mundo” declara Vitor Rocha Silva, que pretende ser professor de história. Aos 17 anos, o estudante já procura se informar sobre quais elementos vão impactar sua vida futura na docência, sendo uma delas a questão dos sindicatos. “Os sindicatos possuem muitos benefícios, mas alguns não tem tanta representatividade como outros. A partir do momento que um sindicato não tem representatividade, passa a escolher quem vai defender”, afirma o estudante, que acredita que é necessária uma mudança na postura das diretorias, pois quem está vinculado a um sindicato, espera ter seus direitos defendidos, sejam eles quais forem. O sino toca. PRIIIIIIIIM! Todos saem da sala. Terminam as aulas. É assim em um fim de dia normal em uma escola. Assim como discentes, docentes vão para suas residências. Enquanto isso, os sindicatos continuam atuando, seja com ou sem representatividade. A vontade coletiva é que a aula amanhã seja melhor que a de hoje. Foto: Eduardo Borges

sino toca. PRIIIIIIIIM! Todos entram na sala. Começam as aulas. É assim em um dia normal de uma escola pública ou privada no Brasil, e no Estado de Goiás não é diferente. A sala de aula está cheia e nela está presente uma pluralidade de indivíduos, cada um em seu próprio universo e com suas ambições. Alguns querem seguir na área da medicina, advocacia, ou na de engenharia, psicologia, administração. Porém, todas essas áreas vêm a partir da educação, mais conhecida pela profissão que a representa: professor. Palavra comumente dita no masculino. Ela vem do Latim Professus, que significa “pessoa que declara em público”. No entanto, isso se mostra algo que fica apenas no conceito, não é o que se pode ver nos dias de hoje, a começar pelos representantes das professoras e professores, que são os sindicatos. Estes são formados majoritariamente por homens cis e héteros, o que faz com que a representatividade LGBTI+ e feminina fique às margens do que é preciso, pois em nenhuma das associações goianas é visível a presença desses corpos. Ainda dentro da origem etimológica da palavra professor, podese dizer que ela é derivada do verbo profitare, que significa afirmar, anunciar publicamente. Nesse sentido, conclui-se que à frente está a figura firme, forte e inabalável do professor. Porém, o que muitos se esquecem é que por trás dessa figura de propagação do conhecimento tem uma pessoa. Um ser humano individual, com suas especificidades, sejam trabalhísticas, interpessoais, de sexualidade e de gênero. Em todo caso, aprender a conhecer, fazer, viver e ser continuam sendo pilares da educação que deveriam também sustentar a postura dos sindicatos.

uma associação que existe há mais de 30 anos e engloba professoras e professores da rede pública. Sua diretoria é formada por 13 mulheres e cinco homens. Outra associação é o Sindicato Municipal dos Servidores da Educação de Goiânia (Simsed), que conta com 16 mulheres e quatro homens. Já o Sindicato dos professores do Estado de Goiás (Sinpro), da rede privada, conta com 23 membros, sendo 17 homens e apenas seis mulheres. Aprender a conhecer quem representa a associação deve ser o princípio básico de todo futuro sindicalista. É o que defende Leidiane Pereira Godoi, que não é sindicalizada justamente por conhecer e não se sentir

SINDICATOS GOIANOS

Minorias sociais continuam invisibilizadas nas direções sindicais.


12

samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- REPRESENTATIVIDADE-

EXPRESSÃO no movimento sindical cotidianamente para garantir mais ESPAÇOS

E

Reportagem E DIAGRAMAÇÃO Mariana Machado Edição Guilherme de Andrade

m nossa sociedade contemporânea ser mulher, mais do que nunca, tornou-se sinônimo de luta e resistência, sobretudo no movimento sindical. Para Fátima dos Reis, ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino Superior do Estado de Goiás (SINT-IFESgo), o meio sindical foi e continua sendo majoritariamente masculino. “Ainda temos uma longa caminhada pela frente. Nós mulheres ainda não assumimos o nosso papel no movimento sindical, mas é evidente que esse número vem aumentando cada dia mais na medida que a gente vem conquistando espaço nos movimentos sociais”, pondera a ex-presidenta. Fátima dos Reis ainda explica que lidar com esse ambiente majoritariamente masculino não é uma tarefa muito fácil. “A gente aprende a lidar, aprende a ter um jogo de cintura. É evidente que tem algumas condições que são machistas e tem umas brincadeiras com sentidos diferenciados”, aponta a sindicalista. Segundo a coordenadora de assuntos Étnico-Raciais, Gêneros e Diversidade Sexual do SINT-IFESgo, Michely Coutinho, dentro do sindicato ainda existem preconceitos arraigados, mas que aos poucos isso vem sendo mudado para uma possível melhora. Apesar disso, Dayse Mary vice-coordenadora do Sintifesgo, defende que as mulheres têm autonomia dentro do sindicato para a realização das tarefas delegadas. “Apesar de nem sempre ter sido assim, o trabalho que é passado pra gente, a gente tem toda autonomia para gerenciar”, afirma. Segundo Dayse Mary, apenas 35% do Sintifesgo é composto por participação feminina. Michely Coutinho argumenta que o ideal é que a participação do corpo feminino dentro do sindicato seja no mínimo a paridade cinquenta a cinquenta. De acordo com a ex-presidenta da entidade, são vários os fatores que impedem a maior inserção de mulheres no movimento sindical. “A maior

SINDICALISTAS Vale ressaltar sobre a importância e a história de luta dessas mulheres no meio sindical. Dayse Mary é enfermeira e atualmente vice coordenadora geral do Sintifesgo. Sua história de luta e resistência começou no período quando ainda era secundarista. A sindicalista conta que foi convidada pelo sindicato para participar ativamente do movimento. Iniciou como membra do conselho publicitário e ali se manteve por duas gestões. Logo após, ela já passou a compor a direção do sindicato. “Faz seis anos que estou inserida no movimento sindical. Muito me orgulha poder estar

Ativistas discutem sobre importância do corpo feminino dentro do sindicato. do servidor público era proibida e os mesmos podiam apenas se filiarem a alguma associação. A sindicalista explica que o seu desejo de participar do movimento sindical surgiu com a necessidade pela busca por melhores salários, melhores condições de trabalho e posteriormente melhoria de qualidade de vida. “Eu entrei pela necessidade da gente estar junto e lutar por melhorias”, afirma. Além disso, Fátima dos Reis também explica que outra motivação para se inserir no movimento foi a sua profissão.

trabalham

dificuldade enfrentada é a disponibilidade de tempo, porque nós mulheres não temos tanto tempo assim, por conta de nossas jornadas duplas de trabalho e às vezes até tripla”, pondera Fátima dos Reis. A caracterização da mulher como a única responsável pelo lar e criação dos filhos, tira dela a disponibilidade de participação em cursos, congressos e movimentos de massa ligadas aos sindicatos. “Isso é uma questão que impacta no movimento sindical, cada vez menos mulheres participam das reuniões justamente por conta dessa falta de equidade”, alega Michely Coutinho.

Foto: Izabela Tavares

ATIVISTAS

É evidente que tem algumas condições que são machistas e tem umas brincadeiras com sentidos diferenciados Fátima dos reis Ex-presidenta do SINTIFESgo

dentro de uma estrutura respeitada por todo o país. Nosso sindicato tem muita história de lutas e conquistas, então eu me sinto muito orgulhosa de ser mulher e fazer parte desse meio”, declara Dayse Mary. A vice-coordenadora ainda destaca que o sindicato é um trabalho voluntário em que muitos são chamados, mas poucos escolhem participar. Fátima dos Reis é assistente social e foi a primeira e única mulher eleita presidenta do Sintifesgo. Ela permaneceu na gestão por dois mandatos e atualmente ocupa o cargo de vicecoordenadora de administração da sede social. Segundo a sindicalista, a sua inserção no movimento sindical se deu quando entrou na Universidade Federal de Goiás (UFG). A ativista alega que na época o Sintifesgo ainda era uma associação e oferecia diversos serviços e benefícios aos filiados. Fátima dos Reis ainda ressalta que naquele tempo a sindicalização

Maria Lucimar é formada em contábeis e também em direito, e atualmente, aposentada. Começou a sua vida como idealista em uma aldeia indígena, localizada em Nova Xavantina, Estado do Mato Grosso. Ela conta que desde criança teve em mente que precisava lutar pelo melhor. “Aquele espírito de luta sempre me acompanhou”, destaca Maria Lucimar. A ativista alega que na sua época de universidade, os sindicalistas eram muito perseguido e judiado pelo governo. E, quando ainda estudava Direito, já trabalhava com o sindicalismo. A ativista diz ter sido uma das primeiras mulheres a participar dos movimentos sindicais. Ela já passou por conselhos da universidade como curadoria e conselho universitário. “Única coisa que eu aprendi da história da luta é que você nunca pode parar de lutar, você tem que estar junto o tempo todo”, finaliza Maria Lucimar. Atualmente, ela trabalha no

sindicato para ajudar no projeto do coral dos aposentados. A coordenadora de assuntos Étnico-Raciais, Gêneros e Diversidade Sexual do SINT-IFESgo, Michely Coutinho, conta que a sua entrada no movimento sindical tem uma história de outros movimentos. Segundo a ativista, a sua militância começou quando ainda era criança. “Desde sempre há no ativista uma angústia, um mover e um ir para o coletivo”, ressalta a coordenadora. Michely Coutinho afirma que participava de projetos sociais como na igreja, em esportes e lideranças estudantis. Michely Coutinho alega que estudou o movimento sindical quando fazia faculdade de Direito. Logo após formada começou a trabalhar no banco, e ali participou ativamente durante dez anos do movimento sindical bancário. Em 2015 quando já estava no SINT-IFESgo, participou da primeira eleição para a formação da diretoria do sindicato. “Foi um desafio grande, pois era a primeira diretoria de relações étnicas-raciais, gênero e diversidade a ser formada. O sindicato não tinha, e foi implementado no congresso em 2013 quando o estatuto foi alterado”, argumenta a ativista. Michely Coutinho acrescenta que existe sindicatos que ainda não tem uma diretoria específica voltada para as mulheres, raças e LGBTs. A sindicalista também fala sobre a relevância de ter essa representatividade específica dentro do movimento sindical e ainda acrescenta que tem sido difícil unir as lutas identitárias com a luta sindical. Principalmente, porque essa é a primeira diretoria na segunda gestão com essa pauta. “Foi um desafio para eu conciliar essa luta que eu sempre tive no movimento feminista e LGBT e trazer essa experiência para o movimento sindical”, ressalta. Michely Coutinho ainda argumenta que hoje o grande desafio no Brasil tem sido unificar essas duas pautas.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- IDENTIDADES -

13

Lideranças sindicais femininas de DIRETORIA E presidêNcia resistem

P

Reportagem E DIAGRAMAÇÃO Rafaela Ferreira Edição Isabela Cintra

equenas agricultoras, camponesas, sem-terra, pescadoras, quebradeiras de coco, todas elas trabalhadoras rurais. No Brasil, são 15 milhões de mulheres que vivem na área rural, o que representa 47,5% da população residente no campo. Esses números são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que expõe que as mulheres representam um grande número dos trabalhadores rurais. Para essa quantidade de trabalhadoras, é preciso que se tenha uma representação feminina nos órgãos que existem para tutelar elas, ou seja, os sindicatos. Em Goiás, a Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar do Estado de Goiás (Fetaeg) é uma das representações das trabalhadoras rurais. A Fetaeg tem 121 sindicatos filiados de diversos municípios. Com diversos sindicatos, nos anos 90 foi criada a Secretaria das Mulheres, sendo que a Fetaeg foi fundada em 1970. Além dessa representação, também tem a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) atuando em outros municípios do estado. FALTAS Colocar uma figura masculina para discutir pautas que atinge primeiramente as mulheres é algo

Brasília floresceu em 2019 pelo “querer das Margaridas”.

ocupam cargos

que ocorre frequentemente no Brasil. “Antes não tinha uma secretária das mulheres. Na verdade, tinha um coordenador para as questões das mulheres. Logo em seguida teve a renovação, aí no congresso criaram a Secretaria das Mulheres e colocaram a Dagmar, a primeira secretária de mulher”. Quem conta é Tânia Fernandes de Pina, sexta diretora da Secretaria das Mulheres da Fetaeg. As posições de direção, ou a falta dela, pode ser um espelho do que acontece socialmente. A continuidade por determinados direitos conquistados podem ser abalados. “A situação das mulheres no movimento sindical ainda é bem delicada. Querendo ou não, o machismo predomina bastante. Então é uma luta que vínhamos enfrentando há muito tempo, lutamos pela Secretaria das Mulheres, depois a luta pela permanência”, disse ela. A Fetaeg foi fundada em 1970 e desde lá apenas homens foram presidentes. “É curioso que às vezes as mulheres têm um trabalho mais pesado e atuante, mas o machismo domina muito. É uma pena, mas é assim”, afirmou Tânia. De 8 diretorias dentro da organização (presidência, administração e finanças, juventude, política agrícola, política agrária, mulheres, políticas sociais e formação e organização social), 4 delas são regidas por diretoras. Atualmente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), as federações e sindicatos já estabelecem normas para igualdade de gênero nas lideranças. A paridade, cotas e porcentagens são alguns elementos estabelecidos para manter um maior nivelamento. De acordo com o site oficial da Fetaeg, se deve garantir uma cota de 30% nos processos eleitorais. Cada sindicato tem suas políticas públicas. Alice Candida Silva é presidente do Sindicato dos Trab-

Foto: Ralyanara Freire

Mulheres que

É uma luta que vínhamos enfrentando há muito tempo, lutamos pela secretaria das mulheres, depois a luta pela permanência

Tânia Fernandes Diretora da Secretaria das Mulheres

Imagem: Rafaela Ferreira

Em 49 anos de sindicato, a Federação de Goiás não teve líderes mulheres.

alhadores na Agricultura Familiar (Sintraf ) de Bom Jardim e está no cargo desde sua formação, isto é, há cinco anos. A presidenta conta que apesar do sindicato ser recente, ela busca a realização de políticas para as mulheres rurais. “ Em si, nós não temos políticas próprias, mas buscamos parceria para adquirir os direitos delas. Por exemplo, defeitos previdenciários, como aposentadoria por idade, auxílio maternidade”, relatou Alice. A falta dessas políticas públicas criadas pelos sindicatos podem prejudicar na representação. Sandra Alves é presidente do Sintraf de Jataí e ela conta que a relação do sindicato com as mulheres fica abalado por essa ausência de regimes específicos. “As mulheres não são tão bem representadas quanto eu gostaria. Com a falta de política pública concreta para as mulheres, dificulta um pouco”, afirmou. Mulheres em posições importantes de decisões mostram que é possível que outras também estejam. O representar é um ato político para diminuir a opressão de gênero, principalmente no mercado de trabalho. “É muito importante mulheres no sindicato. Isso mostra que a mulher também é capaz, não existe diferença entre homens e mulheres no trabalho, além de sermos mais competentes”, disse Sandra. INFLORESCÊNCIA O vento batia nas diversas bandei-

ras de cores lilás e brancas. O balanço que elas faziam entrava em contraste com o sol da manhã em Brasília. O canto em coro que dizia: “Estão chegando as decididas” anunciava as mulheres trabalhadoras rurais na maior marcha em prol dos direitos trabalhistas rurais da América Latina. Elas continuam dizendo: “É o querer, é o querer das Margaridas!”. Com a união entre as mulheres do campo, das florestas e das águas a Marcha das Margaridas acontece a cada quatro anos em Brasília. Para reivindicar os direitos de trabalhadoras e trabalhadores rurais, o movimento reúne mais de 100 mil mulheres de todo o Brasil. Com pautas preparadas por anos e em coletivo entre Confederações, Federaçõe, Sindicatos e Movimentos Sociais, as Margaridas entregam documentos que expõem suas reivindicações. Tânia Fernandes, diretora da Sec das Mulheres de Goiás, explica a importância da Marcha das Margaridas para o movimento sindical. “É um dos principais movimentos. É onde buscamos nossas políticas públicas”, disse a diretora. Para lembrar da semente que desencadeou a onda das margaridas, a marcha é uma recordação do que aconteceu em 1983. Margarida Alves foi a primeira líder sindicalista rural do Brasil e foi assassinada no dia 12 de agosto na porta de sua casa em Alagoas Grande - Paraíba. O que explica a data e o nome do movimento, mas também o poder que tem uma mulher.


14

samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- DIVERSIDADE -

CEGUEIRA SINDICAL

receber diferentes subjetividades dE estudantes Reportagem e diagramação Pedro Peralta Edição Rafaela Lima

P

Imagem: Pedro Peralta

or um lado, a tentativa governamental. Por outro, a cegueira sindical. Em pronunciamentos oficiais, o ex-ministro da educação, Aloizio Mercadante, profetizava a oportunidade única e os benefícios que a política de cotas germinaria no Brasil. No entanto, mesmo nesse cenário frutífero, como que esses novos estudantes, fomentados agora pelo Estado, poderiam ser defendidos e representados pelos seus respectivos sindicatos? Instituída pela Lei 12.711 e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2012, a política de cotas sociais já estava em debate há anos. Desde 2004, a Assembléia Legislativa de São Paulo discutia essa pauta. Somente 8 anos depois, no Congresso Nacional, a proposta foi aprovada por unanimidade. Refletindo a partir dos 88% de estudantes que são oriundos de escolas públicas, as cotas surgem como uma forma de reparar os erros históricos e de reintegrar o estudante a sociedade. O ministro ainda desenvolve que, durante a abertura da 82ª Reunião Ordinária do Conselho de Reitores de Universidades Brasileiras (Crub), a dificuldade de acesso à educação superior é um dos sintomas da desigualdade social do Brasil. Nesse contexto de injustiças, a doutoranda em antropologia social, Marta Quintiliano, afirma que a Política de cotas é importante para oportunizar aos negros, indígenas, pobres e outras minorias o acesso ao ensino

(Senge) e, também, o Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (Simego). Dessa forma, afastando ainda mais dos sindicatos os indivíduos diversos que são iniciados no mercado de trabalho. Em uma investigação dentro desses dois sindicatos do estado de Goiás percebe-se que no Simego somente dez mulheres fazem parte da diretoria da organização, representando 35,7% dos integrantes com poder decisivo. A doutoranda Marta revela que, mesmo quando uma minoria chega a um cargo de lideranças, muitas vezes ela é corrompida a perpetuar as mesmas ideias hegemônicas. Por outro lado, no Senge, a liderança é composta por 24 membros, contudo, somente 03 mulheres fazem parte desse comitê influente. No Sindicato dos Engenheiros a situação é ainda mais desvelada, dentre toda a história sindical, a instituição teve 09 presidentes, mas nenhum deles eram mulheres ou negros. A estudante de engenharia civil do décimo período, Vitória Costa e Silva, reflete que, atualmente esse sindicato, composto e dominado por homens, não possui a capacidade de representá-la. Além disso, a aluna ainda expõe que o próprio sindica-

muitas vezes elas são corrompidos a perpetuar as ideias hegemônicas Marta QuiNtiLIAno ESTUDANTE

renda mensal familiar per capita de até um e meio salário mínimo. Mesmo com esse perfil bem desenhado de novos sujeitos ocupando as universidades federais, muitos sindicatos ainda não conseguem atender essa demanda de diferença. Por esse motivo, a representatividade dentro dos sindicatos, em relação às minorias que já estão presentes e das que vão chegar ao mundo do trabalho, fica comprometida. Marta explica que é necessário um diálogo entre a sociedade e a universidade para que as alterações aconteçam. REPRESENTATIVIDADE É fácil apurar que as políticas afirmativas ainda não conseguiram adentrar e transformar alguns sindicatos, principalmente aqueles que defendem áreas de trabalho mais conservadoras do tecido social, como o Sindicato dos Engenheiros do Estado de Goiás

se preparam para

superior. Quebrando, dessa forma, com o estigma hegemônico das universidades federais como lugar para poucos, que agora, passam a ser ocupadas por diversas subjetividades. É possível, então, traçar um novo perfil de estudantes que ocupam as universidades, e que futuramente serão representados pelo sindicatos. A partir de dados coletados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que entrevistou 420 mil estudantes de 63 universidades federais, é incontestável a mudança sujeitos no âmbito universitário. A pesquisa elaborada no ano de 2018 cria um perfil socioeconômico, evidenciando que 51.2% dos universitários são negros, representando, assim, um crescimento de 282%, em 15 anos, da presença desses estudantes nas universidade públicas, o que é consequência da política de cotas. Outro dado importante é a porcentagem de 54,6% de mulheres participando das faculdades. A apuração, também, mostra que 16,4% dos discentes não seguem a orientação sexual hegemônica. Por fim, 70,2% dos alunos sobrevivem com uma faixa de

to não tem nenhuma pesquisa nem avanço sobre essa pauta importante. Dentro do ciclo acadêmico a insuficiência de representatividade, também, é a mesma. Em pesquisa, 60% dos entrevistados responderam que não acreditam que os sindicatos possuem a capacidade de traduzir suas necessidades dentro do mercado de trabalho. POLÍTICAS A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), publicada pela primeira vez no ano de 1948, determina que a instituição sindical deve cumprir com cinco funções básicas: representação, assistencial, colaboração, negociação e arrecadação. Entretanto, mesmo com essas obrigatoriedade, muitos sindicatos ainda permanecem privilegiando causas hegemônicas. A partir desse cenário de marginalização das individualidades dis-

Imagem: Pedro Peralta

Como sindicatos

sonantes, é inteligível perceber que muitos dos sindicatos não possuem políticas e serviços que possam atender a demanda da diversidade. Utilizando como exemplo, ainda os dois sindicatos conservadores, o Simego e o Senge, fica notório como a falta de representatividade das lideranças institucionais afetam a defesa dessas minorias. O Sindicato dos médicos oferece, por exemplo, além da assessoria contábil e jurídica, serviços de convênios para a seguros de carro e da residência. Nos Sindicatos dos engenheiros os serviços são os mesmos, mas, como revela o gestor administrativo, o Senge não possui nenhum grupo de apoio às minorias. UNIVERSIDADE A falta de representatividade e as políticas sindicais imprecisas são diretamente refletidas no ciclo acadêmico. Por meio de uma enquete, é possível, então, perceber que somente 21,1% dos entrevistados conhecem os sindicatos que os representarão. Outra porcentagem agravante são os 90% dos entrevistados que admitem que o sindicato não está próximo dos estudantes. É Impossível, assim, reconhecer e desvendar as necessidades e as subjetividades dos novos que ocupam e atuam nas universidades e que vão ser representados por sindicatos.


samambaia

Goiânia, dezembro de 2019

- OMISSÁO -

15

categoria ÀS MARGENS DA LEI de circo sofrem com ausência de direitos trabalhistas Reportagem E DIAGRAmaçáo Guilherme de Andrade Edição Izabela Tavares

O

circo é visto pelo público de forma romântica. Mas quando se trata do respeito a essa arte no campo profissional surgem as desigualdades. Esses são dizeres de Maneco Maracá, um dos fundadores da escola de circo Laheto. O palhaço Maneco e Radarani Santos Oliveira, coordenadora do circo Basileu França, contam que o diálogo interno da categoria atuante no Estado é algo difícil de ser feito e que isso afeta o dia a dia do trabalhador. Maneco Maracá complementa “a gente precisa se fortalecer mais enquanto associação ou sindicato, para gente ter ao menos um parâmetro de preço”. Em concordância, Maneco e Radarani contam que uma das maiores dificuldades que enfrentam no dia a dia de trabalho é o estabelecimento de preços. Ele reforça “Esse ano já chegaram a me oferecer 35 reais numa apresentação”. Precisar justificar o preço de seu trabalho foi um problema enfatizado por Radarani. “As pessoas precisam entender que não é só eu chegar ali me apresentar em 20 minutos e ir embora, são dez anos de preparação sintetizados nesses 20 minutos, além de toda a montagem que preciso fazer

Em Goiás, artistas

Eu sinto que eu vivo de freelance, se no outro dia eu for demitida eu nÃo tenho nada LUCIENE DE ALMEIDA Professora de circo

para minha segurança” ela enfatiza. Uma tentativa de organizar a categoria circense do Estado é o fórum itinerante de circo de Goiás, fundado em 2017, também, por Maneco Maracá. A intenção principal do fórum é discutir políticas públicas voltadas para o circo e cobrar o funcionamento dos programas de fomento à área já existentes, como, por exemplo, o Fundo de Arte e Cultura de Goiás. Maneco reforça a importância da união dos artistas frente ao poder público e confessa que mesmo que o posicionamento da categoria seja feito através do fórum, a constituição jurídica de um sindicato traria mais força para as demandas dos artistas circenses. As leis de incentivo e fomento à cultura são apontadas por Radarani como um dos maiores apoios para a criação e circulação de conteúdo circense, apesar de atrasos e algumas críticas possíveis aos editais. Nesse sentido, ela afirma, “não ter uma organização sindical bem definida também deixa margem para que o poder público defina aonde e como o trabalho que a gente desenvolve tem que encaixar”. A união da categoria profissional em Goiás é apontada, pela coordenadora do circo, como fator que promoveria um diálogo mais eficiente com o poder público, a fim de fazer com que este entenda melhor as demandas dos artistas de circo, fazendo com que os financiamentos funcio-

nem de forma mais proveitosa. PROFESSORES Radarani Oliveira, que também é professora, conta que os funcionários do circo Basileu França foram acolhidos em 2018 pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (SINTEGO) como professores. A representação enquanto artistas do circo não se faz presente na instituição. A coordenadora aponta uma falta de organização interna das necessidades do circo como uma das causas para, por exemplo, a desregulação dos valores. Radarani sugere caminhos, “o sindicato aqui é de extrema importância para a gente ter essa organização interna, pra gente se articular e se posicionar enquanto linguagem”. Luciene de Almeida Machado, acrobata aérea e professora de circo, aponta uma tendência para o con-

DESRESPEITO “Todas as formas basicamente que a gente trabalha tem alguma maneira de desrespeito, seja do público, do contratante ou até mesmo do poder público”, conta Isaura Urdaneta, artista circense multimodal. Ela reforça as posições vulneráveis que os trabalhadores estão submetidos. Na rua. ela conta sobre assédio sexual e moral. Nas praças públicas, a força policial já interrompeu espetáculos e em festas particulares seu espaço para segurança não é garantido. “Sempre na hora de encontrar um contratante é uma luta para conseguir um trabalho digno e, na rua, você está sujeito a qualquer coisa”, conta.

Maria Elisa, o palhaço Xamego Emblemática na história do circo é a trajetória de Maria Elisa Alves dos Reis. No início da década de 1940, no circo itinerante Guarany, surge a primeira palhaça, mulher e negra do Brasil, o palhaço Xamego. O apresentador fixo e seu irmão, o palhaço Gostoso, precisou ser substituído devido a problemas de saúde. Vencendo o tabu do riso sobre a mulher e o desafio de “fazme rir” proposto por João Alves, dono do circo Guarany e seu pai, Maria Elisa se torna o novo palhaço do circo. Sob vestes e timbre de voz masculinos e com pó branco em toda a cara, Maria Elisa conquista a plateia e segue na palhaçaria por mais de 50 anos. Com números cômicos, dando cambalhotas, dançando, cantando e domando animais, o palhaço Xamego chega às telas de televisão e ao rádio. Daise Alves dos Reis Gabriel, filha de Maria Elisa, conta que “o Palhaço Xamego trouxe uma nova grandiosidade para o Circo Guarani”. Na itinerância do circo Guarany,

para performar sua profissão, Maria Elisa se colocava pelas vestes do palhaço Xamego e performaça uma existência profissional totalmente masculina. O mistério de Xamego foi eternizado nos versos de Luiz Gonzaga e Carmélia Alves, que anunciavam as entradas do palhaço no picadeiro dizendo, “Todo mundo quer saber o que é o Xamego, ninguém sabe se ele é branco se é mulato ou negro”. Maria Elisa morreu no anonimato e sua história segue sendo resgatada. Reprodução

Foto: Guilherme de Andrade

“A visita de Chico” na Escola Municipal Brice Francisco Cordeiro.

trato informal do artista circense em Goiânia, o dito “boca a boca”. Ela nos conta que trabalha em uma escola há um ano e meio, dando aula duas ou três vezes por semana, mas recebe por aula dada, sem contrato formalizado. “Sinto que vivo de freelance, se no outro dia eu for demitida, não tenho nada”, ironiza. A professora complementa, “para mim, mês de férias e feriado são um terror, por que simplesmente não entra dinheiro, são pouquíssimos os lugares em que conseguimos assegurar isso”.


16 16

samambaia samambaia

Goiânia, dezembro de 2019 Goiânia, dezembro de 2019

samambaia

olhares FOTOS E TEXTO Guilherme de Andrade DIAGRAMAÇÃO Marina Ferreira

Queimam-se os livros, saúda-se com armas Ignorância sendo cotidianamente bradada Os homens que, como crianças, tapam os ouvidos Amordaçam um povo que luta para ser

Por de cima dos prédios apontam fuzis Por trás das telas espalham mentiras A piada de mau gosto escapa da TV Segurando a caneta aprovam a miséria da nação

A direção a que se aponta é a contramão Nas cidades e nos campos clamam por nova direção O caminho a se seguir é para frente, capitão!


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.