Jornal Samambaia - Agosto de 2018

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jornal laboratório do curso de jornalismo da Universidade Federal de Goiás

lugar de polícia DEPOIS DE 20 ANOS A DISCUSSÃO CONTINUA

nº 81/ ANO XVIII

além da inclusão OS DESAFIOS PARA CONTINUAR NA UNIVERSIDADE

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DILEMA ENTRE ASSÉDIO MORAL E DESEMPREGO

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Foto: Tainá Azevedo

goiânia, AGOSTO, 2018

por um fio

samambaia

A conta que não fecha pg. 8 e 9

Arte: Emilly Viana | Diagramação e Edição de Capa: Gabriela Tavares, Leticia Brito e Tainá Azevedo

tempo, distância e rendimento


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Goiânia, agosto de 2018

- OPINIÃO -

iNSTÁVEL COTIDIANO

RUMO R

Produção e Diagramação: Gabriel Penha, Lethycia Dias e Maria Luiza Valeriano

E D I T O R I A L

urbana, a condição financeira e tantas outras dificuldades colocam em risco a permanência na Universidade ou a sobrevivência diária destes dois grupos que o Jornal Samambaia representa nesta edição, lutar pela própria saúde mental é a única solução. Em meio a tanta pressão, é normal que indivíduos busquem por válvulas de escape, por formas de expressão nas quais possam deixar seus sentimentos. Práticas lúdicas, de leveza, como a arte circense em suas formas mais modernas; ou mesmo dedicar mais tempo à companhia de animais, podem ser o que alguém precisa para recarregar as energias. No dia seguinte, tudo recomeça. Enquanto trabalhadores e estudantes lutam diariamente, paira sobre este cenário uma sensação de normalidade, inspirada sobretudo por posicionamentos institucionais ou pela falta deles. É como se tais condições fossem parte do cotidiano, e portanto, imutáveis, restando apenas o conformismo com tudo o que nos cerca nos ambientes profissionais e acadêmicos que frequentamos. Não são. Não devemos nos conformar.

Imagem: Samuel Leão

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númeras preocupações perpassam a vida estudantil, pondo em risco a permanência na Universidade. Junto às dificuldades de quem mora longe e tem o tempo para o sono e os estudos reduzido em função do deslocamento urbano, a preocupação com os atrasos e a insuficiência dos depósitos do Passe Livre Estudantil. Dentro dos campi da Universidade Federal de Goiás, a preocupação com a segurança pessoal, e, no caso das mulheres, o medo constante do assédio sexual de que são vítimas nas salas de aula, e em outros espaços. Junto a isso, a luta de vendedores ambulantes, expulsos do transporte público e terminais de ônibus, pela sobrevivência diária. Estes também transitam no espaço universitário, assim, somando mais um desafio presente no ambiente. Esta edição do Jornal Samambaia apresenta ao leitor algumas das principais preocupações de estudantes e trabalhadores, contextualizando-as em meio ao cenário cotidiano atual. Quando a violência, a desordem

- ARTIGO -

A RENOVAÇÃO QUE QUEREMOS É DE ROSTOS E NOMES Por Lethycia Dias | EDIÇÃO E Diagramação: Gabriel Penha, Lethycia Dias e Maria Luiza Valeriano

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lítica sólida, filhos ou netos de outros políticos de carreira, ou mesmo de famílias inteiras que têm a política como profissão, e que fazem parte da classe privilegiada que sempre deteve o poder no país. Existe alguma novidade nisso? Um exemplo de renovação política seria termos mais mulheres eleitas, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Segundo reportagem de 2017 da Agência Brasil, o nosso país ocupa 115ª posição em um ranking de presença feminina em parlamentos. Em um ranking relativo aos cargos do poder executivo, o Brasil está na 161ª, em reportagem do El País. Seria

interessante que os partidos brasileiros não lançassem candidaturas de mulheres apenas para cumprir as cotas 30% de vagas, garantida por lei. Seria interessante que essas mulheres estivessem preocupadas com as necessidades de mulheres negras, pobres e trabalhadoras, vítimas de violência, moradoras de periferias. Que essas mulheres, nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa e Senado, estivessem dispostas a ouvir aquelas que se dispuseram a representar. Outro exemplo de renovação seria que aumentasse a presença de indígenas na polítiColagem: Emilly Viana

m tempos de eleições que se aproximam, um slogan ou argumento muito usado por candidatos aos diversos cargos políticos é o da renovação. Essa, nunca muito bem delineada, é em geral apresentada como uma grande solução para os problemas que mais afligem os brasileiros, como corrupção e segurança pública. A forma como é feita, porém, indica que as coisas não têm mudado muito. São vários os exemplos de partidos que mudam seus nomes, “relançando-se” como partidos novos. É o caso do Democratas (DEM), agora Movimento da Unidade Deocrática (MUDE); do Partido Trabalhista Nacional (PTN), agora Podemos; do Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB), que se tornou Avante; do Partido Social Liberal (PSL), que passou a ser LIVRES; e do Partido Ecológico Nacional, renomeado como Patriota. Apenas velhos partidos com nomes novos. Quanto aos indivíduos que, em entrevistas ou em campanhas políticas, se anunciam cada um como aquele que trará a chamada renovação para seu Estado ou mesmo para o país, contastação de mais do mesmo se repete. Frequentemente, são homens com carreira po-

ca. Nas eleições municipais de 2016, segundo o site Congresso em foco, foram deles 0,34% das candidaturas. Uma matéria do Uol aponta, para o mesmo pleito, o número títmido de 5 prefeitos indígenas eleitos, entre 28 candidaturas, e de 167 vereadores, entre 1531 candidaturas. Os números se referem ao resultado das eleições municipais no país inteiro, e refletem uma busca por representatividade de um grupo extremamente marginalizado. E há indícios de que essa busca pode ser maior: reportagem deste ano do El País afirma que cerca de 100 povos indígenas brasileiros diferentes se comprometeram a apoir candidaturas de indígenas para o Congresso, formando uma verdadeira bancada indígena, para se opor principalmente aos interesses de políticos ruralistas. A renovação, é claro, não deve se restringir a isso. Outras causas, grupos e classes também se articulam e gritam por representação política. Pessoas LGBT, trabalhadores, e pessoas negras também se expressam em movimentos que devem, cada vez mais, ocupar espaços e resistir na política partidária. Isso sim que é renovação.

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Ano XVIII - Nº 81, Agosto Ano XVII - Nº 74, Maio de 2017 de 2018 Jornal Laboratório do curso Jornal Laboratório do curso de Jornalismo de Jornalismo Faculdade de Informação Faculdade de Informação e Comunicação e Comunicação Universidade Federal de Goiás Universidade Federal de Goiás

Edward Madureira Brasil Luciene Dias Janaína de Oliveira Orlando Afonso Valle do Amaral coordenadora Luciene Dias Izabella Mendes reitor geral do samambaia edição executiva reitor coordenadora geral do samambaia monitora Angelita Pereira de Lima Angelita Pereirainformação de Lima Borges Turma de Jornal Impresso II diretora da faculdade SalvioLuana Juliano Farias diretora da faculdade informação produtora executiva executiva e comunicação editor de diagramação Turmas deedição Jornal Impresso I, Jornal e comunicação Impresso II e Jornalismo Impresso Salvio Juliano Farias Turma deeJornal Impresso I Rosana Maria Ribeiro Borges produção diagramação Rosana Maria Ribeiro Borges editor produção coordenadora do curso de Beatrizde dediagramação Oliveira coordenado do curso de jornalismo editora gráfica jornalismo Turma de Laboratório Orientado diagramação


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Goiânia, agosto de 2018

- SEGURANÇA -

FARDAS NO CAMPUS PROTEÇÃO, APESAR DO MEDO DA PM

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Reportagem Gabriela Tavares Edição E Diagramação Antônio Bento

aio, início de tarde de quinta-feira, 1999. Um tumulto tomava conta do Campus II da Universidade Federal de Goiás: cerca de 400 motoristas de vans enfrentaram policiais militares, durante um protesto pela legalização do transporte alternativo em Goiânia. Um tiro à queima-roupa, disparado por uma escopeta calibre 12, foi feito por um soldado, segundo testemunhas no local, e atingiu José Marcos da Silva, perueiro, morto pela ação. Pouco mais de três anos depois, em outubro, o Campus Samambaia foi invadido por policiais militares que se deslocaram até ali para recolher amostras do livro “Dossiê K”, de autoria do jornalista Jorge Kajuru — hoje, vereador em Goiânia pelo PRP —, as quais estavam sendo distribuídas a alguns estudantes. Eles revistaram bolsas e tomaram os livros dos cerca de 100 alunos que estavam presentes para receber a publicação, segundo a Agência Folha. O livro, cuja impressão e circulação encontravam-se proibidas à época, fornecia informações sigilosas e denunciativas sobre o então candidato à reeleição, Marconi Perillo (PSDB). Historicamente, as relações entre a polícia e as universidades sempre foram adversas, tanto pelo protagonismo – por parte das polícias – da repressão aos movimentos sociais, quanto pela participação da mesma em torturas e assassinatos praticados contra opositores do regime ditatorial – na maioria das vezes, membros do meio acadêmico. Nos campi goianos, esses dois acontecimentos relatados colaboraram ainda mais para a depreciação da imagem da polícia como aliada à segurança, na esfera universitária. PESQUISA Em 2014, foi realizado um relatório que englobava assuntos referentes à segurança (ou falta dela) dentro dos campi da UFG. Sob o nome Violências, conflitos e crimes: subsídios para a formulação da política de seguran-

NOVIDADE A partir dos resultados da pesquisa, em 2015, foram feitos debates e audiências públicas em todas as regionais da UFG, a fim de se promover a participação da comunidade universitária para a elaboração das ações preventivas e inibidoras de violência.

Guarita do campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás parceria com a Polícia Rodoviária Federal. O tráfico de drogas que ocorre nas dependências das faculdades será confrontado a partir de ações conjuntas aos conhecimentos e investigações que a Polícia Federal poderá fornecer. A detenção dos autores dos crimes de furto, roubo, assédio, e afins, ficará por conta de uma ação colaborativa entre a segurança do campus e policiais civis ou militares. Foi no final de setembro de 2017 que o então reitor, Orlando Amaral, se reuniu com alguns comandantes da Polícia Militar para elaborar um protocolo de atuação conjunta nas situações em que a atuação da PM seja necessária nas áreas internas do campus, visando um comportamento mais adequado ao público acadêmico, de forma que seja esclarecido que a

O que se percebe é um

fluxo migratório do crime

AUMENTO DA

ça da UFG, o objetivo da pesquisa foi instruir-se quanto à sensação de insegurança, às práticas de violência e ao uso e venda de drogas dentro do ambiente universitário. A pesquisa foi encomendada ante a intenção de se instituir uma nova política de segurança para a universidade, diante de diversos episódios de violência explícita e direitos violados, denunciados pelos estudantes. Ainda na pesquisa, foi constatado que 65,2% dos entrevistados (discentes, docentes, equipe técnica e terceirizados) concorda que a polícia militar poderia atuar livremente na UFG. Contudo, esse posicionamento, não é vinculado a uma concepção positiva em relação à polícia: 63,2% da comunidade universitária não confia nos fardados. Com os números, é possível deduzir que a maioria concorda com a atuação da PM em campus, devido à falta de investimento em vigilância e monitoramento nas áreas externas dos prédios – nas palavras de uma das entrevistadas “a vigilância é ainda somente nos prédios [...] trata-se de uma universidade que não se preocupa com as pessoas, somente com o patrimônio”.

Foto: Gabriela Tavares

SENSAÇÃO DE

Ricardo Barbosa Secretário de Segurança da UFG

Uma nova política de segurança para a universidade foi então arquitetada, construída principalmente sobre alicerces de parcerias e convênios com instituições capacitadas a colaborarem com a manutenção da segurança no campus. Algumas das ações envolvem o combate específico aos diversos tipos de violência que se materializam em campus, com a parceria das polícias aptas para essas determinadas infrações da lei. Por exemplo, uma violência cuja causa possa estar relacionada aos acessos para a universidade através de rodovias, será combatida em

intervenção da polícia no campus não se caracteriza como uma ação ilegal, quando a segurança de membros da comunidade universitária estiverem em risco. ESTUDANTES Desde novembro de 2017, a PM tem feito rondas ostensivas pelo campus, o que tem de fato inibido a violência na universidade, contudo, não diminuiu a violência em si. “O que se percebe é um fluxo migratório do crime”, afirmou o professor Ricardo Barbosa, secretário de Promoção da Segurança e Direitos Humanos da UFG.

Enquanto antes os pontos de ônibus eram os locais em que mais ocorriam os assaltos, por exemplo, com a presença da PM, agora são os próprios veículos que ocupam essa posição. As rondas ostensivas são também pontuadas por abordagens e revistas concebidas por olhares receosos pelo corpo estudantil, apesar de reconhecida sua importância para a diminuição do tráfico no campus. Segundo o Tenente Coronel Clives Sanches, da Polícia Militar, a escolha de quem é abordado seria subjetiva, conforme o treinamento e a intuição do policial em ofício. A representante do Diretório Central dos Estudantes, Luciana Oliveira, demonstra preocupação a esse método subjetivo de abordagem e diz que “isso abre margem para abordagens utilizando critérios de raça e classe, gerando na universidade a reprodução do cotidiano das periferias brasileiras. Com o advento do videomonitoramento em campus, o novo recurso para denúncias relacionadas à segurança pelo aplicativo Minha UFG, e, apesar das controvérsias, a presença da PM, a sensação de segurança dentro do campus tem aumentado. Uma outra apreensão por parte dos estudantes é que as medidas que aderem atividades conjuntas com a polícia militar sejam paliativas, apesar de ser caracterizada como uma medida à médio prazo, segundo o documento preliminar da Política de Segurança. Como disse Fábio Júnior, representante do DCE, o tráfico saiu do campus durante um período, por medo dos “baculejos” promovidos pelos agentes policiais. Entretanto, nota-se a volta gradual dos traficantes ao meio universitário. Será preciso um espaço de tempo maior para avaliar as consequências a longo prazo do acoplamento da Polícia Militar em campus.


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- EDUCAÇÃO -

A JORNADA DO PASSE LIVRE Crédito: Lucas Carvalho

A LUTA DIÁRIA DOS ESTUDANTES PARA GARANTIR O DIREITO DE IR E VIR Reportagem E Diagramação Cynthia Heloany Edição Jhiwslayne Vieira Yasmin Ramos

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Charge ilustra uma dificuldade dos estudantes ao lidar com o transporte público e agora ele é definitivo.” Entre a passagem e ida do estudante para à aula, existe: insegurança. Indiara, 32 anos, diz: “Apesar da carteirinha de criança não precisar ser recarregada todos os meses, não sinto segura em deixar a Alice, 12 anos, ir sozinha para a escola. O fato é que a infraestrutura dada pelo governo não garante a segurança de ninguém.” Desabafa a mãe de Alice. Os estudantes foram informados pelo SETRANSP, que as recargas são submetidas no 10° dia útil do mês, porém a universitária Joyce Santos, 18 anos, destaca: “Isso não acontece, já tive que conseguir dinheiro com familiares para complementar os créditos, e agora só piora, devido o fato de não podermos mais recarregar a carteirinha.”

estudante, Aysha Tâmila Teixeira de Souza, que precisou andar 8 km devido não possuir créditos no cartão do Passe Livre Estudantil. Em meados de fevereiro, Joyce, ao entrar no ônibus e passar a carteirinha constatou que não possuía créditos, ao informar o motorista, o mesmo alegou que ela só poderia descer no terminal. Sendo assim, a estudante, além de não ter ido para a escola, correu vários riscos na longa volta para casa. Altenízia Silva de Souza, sua mãe, assim que recebeu a notícia ficou indignada. Ela registrou reclamações no Ministério Público do Estado de Goiás e também na Polícia Civil. A Presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da

DESCASO Em Goiânia aconteceu o caso da Foto: Sabrina Monteiro

Estudante recarrega o passe livre estudantil no Câmpus II

a população”, salienta. Janeiro, Fevereiro, Março... Os primeiros três meses onde acordar tarde, assistir séries/filmes, e se aconchegar na poltrona do sofá já não são mais rotina. Acordar cedo e ir em busca de mudança de vida, passa a ser novamente o pensamento mais árduo do estudante. Entre crianças, adolescentes e jovens na transição de escola, ensino médio e faculdade todos tem em comum, uma palavra: passagem. Beatriz Sanches, 15 anos, afirma que a escola é distante e acorda cedo para um rito custoso e arriscado. “Tenho muito medo de assalto, mas temos entre os nossos amigos a hora marcada para ficarmos juntos esperando o ônibus”, narra.

ntre crianças, adolescentes e jovens na transição da escola, ensino médio e faculdade, todos têm em comum uma palavra: passagem. Mais conhecida como passe livre, é a forma garantida pelo governo para a frequência de todos. Ou assim deveria ser. O Passe Livre é organizado e planejado pelo governo. De acordo com o SETRANSP, o passe livre pode ser feito a partir dos cinco anos, e o cadastro é realizados nos sites www.juventude. go.gov.br ou www.segov.go.gov.br. O estudante tem direito a duas viagens por dia. E segundo o SETRANSP, os estudantes que necessitam de mais viagens, podem recorrer a viagens extras, pelo site. As viagens não são acumulativas. Ou seja, os créditos são debitados conforme o estudante o utiliza. Mensalmente, recebe o saldo, e caso não seja usado, a contagem é realizada pela quantidade que o passe ainda tiver. Quando falamos em passe livre, vale ressaltar, que o idoso também possui o benefício. Os beneficiários devem ter 65 anos ou mais. E deve ser feito anualmente. Francisco de Oliveira, 68 anos, diz: “É uma forma importante de mostrar ao idoso, que ele ainda é visto na sociedade, o espaço que merecemos, afinal, trabalhamos tanto para garantir esse nosso direito,

O Passe Livre, além de ser um direito ao estudante, deveria ser tratado com mais responsabilidade

ELSA DUARTE DA SILVA Dona de Casa

Ordem dos Advogados do Brasil, Bárbara Cruvinel, informa que a atitude da mãe foi a mais correta. Para ela, há um desencontro entre o que está previsto administrativamente no Passe Livre e no cronograma escolar, ela acredita que as instituições, Setransp e Secretária da Educação, não estão em acordo. “Se o depósito dos passes inicia em fevereiro e as aulas estão começando antes, o SETRANSP não está prestando o serviço correto para

Além de ser um direito, deveriam tratar o caso com mais responsabilidade, relata Dona Elsa. Mãe de três filhas, Eduarda (10), Patrícia (15) e Janaína de (22) anos, todo mês o passe estudantil de alguma delas ocorre problema. “Até fiz um cartão fácil, onde recarrego algumas passagens para quando ocorrer problema, elas já estejam com a solução nas mãos. É um fato constrangedor.”


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- TRABALHO -

Do eixão à rua 44 TENTA SOBREVIVER APÓS EXPULSÃO DOS TERMINAIS DO EIXO-ANHANGUERA Reportagem Lucas Xavier Edição Jéssica Santos Diagramação Lucas Xavier

Davi trabalha das 8h às 19h e vende R$ 30 em mercadorias. Em dias bons, R$ 50. “Teve um dia que eu vendi dez reais, gastei cinco em uma marmita que nem satisfez minha fome e fui para casa R$ 5”, conta. O ambulante deixou sua cidade natal, Santa Rita de Cássia, no Oeste Baiano, após descobrir que seu primo gênito morava com a mãe em Goiânia. Davi queria ficar mais próximo de seu filho, Deivid. Pouco tempo após chegar na capital, o comerciante conheceu Glaucia, que também emigrou de PalFoto: Lucas Xavier

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ntes do relógio bater cinco da manhã, Davi da Silva Vieira já levantava de sua cama, no Setor Boa Vista, Região Noroeste de Goiânia. A angústia da fome tocou primeiro que o despertador para o vendedor ambulante, de 31 anos, em uma madrugada fria de quarta-feira na capital. Cerca de dois meses após a operação que retirou compulsoriamente os camelôs dos terminais do Eixo-Anhanguera, as famílias afetadas lutam para se recompor. Davi trabalhava há dois anos no Terminal Praça A, em Campinas, comercializando balas, chicletes, salgadinhos e pipoca. Entre fevereiro e março deste ano, uma operação reuniu vários órgãos, da Prefeitura e do Estado, para “restabelecer a ordem” nos terminais do Eixo-Anhanguera. Novo Mundo, Padre Pelágio e Praça da Bíblia foram os primeiros alvos do procedimento, que partiu do gabinete de gestão integrada da Prefeitura de Goiânia, reativado no ano passado. A operação, que não chegou a ter um nome definido, tem entre os principais objetivos “retirar ambulantes e fiscalizar permissionários”. A ação conjunta é composta pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), Polícia Militar (PMGO), Guarda Civil Metropolitana (GCM), Procon, Vigilância Sanitária e Secretaria Municipal de Trânsito (SMT). Impedido de comercializar produtos no interior dos terminais, Davi apostou na região da rua 44, no Setor Norte Ferroviário, para tentar garantir o sustento de sua família. O dia já clareava, por volta de 5h40 da manhã, e o vendedor, de pé na calçada da casa em que mora, com braços cruzados e olhar preocupado, aguarda o mercado abrir. “Tenho que ir ali em cima ver se arrumo um gás para fazer leite para os meninos. Ontem todo mundo aqui dormiu sem jantar”, disse enquanto contava o dinheiro. Davi é casado com Glaucia, de 26 anos. O casal tem dois filhos: Felipe, que tem 4 anos, e Yuri, de 2. O vendedor ambulante também é pai do Deivid, de 10 anos, filho do seu primeiro casamento. Desde que foi

impedido de trabalhar nos terminais, Davi não consegue pagar a pensão do seu filho mais velho e sua ex-mulher ameaça acioná-lo na justiça. Sem conseguir fechar as contas, o vendedor e sua família deixaram a casa que alugavam para morar de favor em um barracão cedido por uma amiga da igreja. Glaucia trabalhava como auxiliar de limpeza em uma clínica da capital, mas foi demitida há quatro anos, quando engravidou de Felipe, primeiro filho do casal. Desde então, ela não conseguiu um emprego.

Em média, Davi Silva trabalha nove horas e ganha R$ 30 por dia Enquanto canta músicas evangélicas, Glaucia passa um café. Davi retorna depois de caminhar até o segundo mercado para conseguir um preço menor no gás: R$ 65. O filho mais novo do casal, Yuri, acorda chorando procurando pelo colo do pai. “O que

mas. Antes de decidir trabalhar como camelô, Davi também foi auxiliar de limpeza e de pedreiro. De acordo com o Instituto Bra sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de desemprego continua aumentando e atingiu 13.1% em

AMBULANTE

Já pensei em ir embora pra Bahia, mas não posso deixar meus filhos, eles vão passar fome Davi silva Vendedor Ambulante

está acontecendo com esses meninos hoje?”, questiona o pai após ambos recusarem o leite. Davi dá colo ao caçula, enquanto a mãe leva Felipe para o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) da Boa Esperança, que fica logo ao lado. O nome da unidade educacional é também o que restou para a família. Na volta, Glaucia veste Yuri, coloca sua bíblia debaixo do braço e sai com a criança para a igreja, às 7h20 da manhã. Davi pega sua sacola de mercadorias, em geral fone de ouvido e carregador de celular, amarra em sua moto e sai em direção à rua 44. Em média,

2018, número que representa 13,7 milhões de desempregados. Além disso, 11,1 milhões estão em trabalho sem carteira assinada e outros 23,1 milhões estão ocupados por conta própria, que é o caso dos vendedores ambulantes. COTIDIANO “Carregador portátil, fone de ouvido, carregador”. Essa é a frase que Davi usa para oferecer seus produtos. Ele utiliza uma grade improvisada para prender algumas mercadorias e segura outras em mãos enquanto circula pelas calçadas da 44. O dia começou bem. Logo quando encostou em

uma esquina para montar sua estrutura de venda, um homem se aproxima a procura de um fone de ouvido. “Meu almoço já tirei. os R$10 da venda. Davi ressalta que é importante manter-se atento ao “rapa”, como os ambulantes chamam a fiscalização da Prefeitura. “Já perdi minhas mercadorias três vezes. Levar baculejo da polícia é normal, eles tratam trabalhador como bandido”, afirma o camelô enquanto caminha, explicando também que transitar é uma estratégia para não ficar exposto aos seguranças privados, que não permitem que eles obstruam a passagem de pessoas na porta das lojas. Menos de uma hora de trabalho e o dia já se mostra atípico: mais uma boa venda. Dois casais compram cerca de R$ 50 em mercadorias. Quando uma venda acontece, Davi se mantém na mesma região por um tempo, na Boa Esperança de novos clientes. “Carregador portátil, fone de ouvido, carregador”, continua. Davi permanece parado em frente a uma loja de roupas indianas. Em pouco tempo, os donos e o segurança do estabelecimento começam a esboçar incômodo com a presença daquele corpo, que anuncia os produtos para quem passa. Um homem encosta o carro, se esquivando do intenso trânsito em frente à Rodoviária, a procura de um carregador de celular adaptado para veículos. Mais uma venda, número raro para uma manhã de trabalho. As próximas três horas, no entanto, são difíceis. A quantidade de ambulantes nas calçadas continua aumentando e nenhuma venda acontece nesse período. “Vida de ambulante não é pra qualquer um. Já pensei em ir embora pra Bahia ficar com minha mãe, mas não posso deixar meus filhos, eles vão passar fome”, pondera. A hora do almoço se aproxima e ele decide procurar algo para comer. No caminho, o vendedor encontra Maria, uma colega de trabalho que vende salgados. Ela, que também trabalhava nos terminais, tenta convencê-lo a trocar a marmita por alguns de seus salgados. “É barato e você consegue aguentar até a hora de ir embora”. Ela aproveita para alertar que um jovem que vendia água no Terminal Praça A agora está trabalhando como segurança privado de uma das lojas da região. Os dois se despedem e seguem seus caminhos. No restaurante, Davi compra uma marmita de R$ 13, com churrasco. “Não é todo dia que como bem assim”, diz. Após alguns minutos de repouso, ele recolhe suas coisas, exercita os pulsos e suspende novamente as mercadorias. “Carregador portátil, fone de ouvido, carregador”.


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- UNIVERSIDADE -

OS NOVOS CAMINHOS DO AUDIOVISUAL NA FIC PROMETE FAZER A PONTE ENTRE DOCÊNCIA E ESTÚDIO Reportagem E DIAGRAMÇÃO Marina Ferreira Edição Letícia Brito

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Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) abriga desde os firmes anos 80 o Estúdio de Rádio e TV de cunho laboratorial dos cursos de comunicação. E dentro de mais de 30 anos de carreira, o estúdio passou por muitas revoluções, sejam elas institucionais ou estruturais. Ele abre suas asas para longe da saleta empoeirada com uma câmera e uma mesa de corte, e estica-se sobre novos espaços, ilhas de montagem e salas de projeção. Hoje, após o que o coordenador do estúdio, Marcus Vinas, vai chamar de “uma precisa mudança”, o espaço laboratorial, além de extensão física, coloca suas asas sob uma revolução conceitual, começando pelo nome, que, de apenas um estúdio, passa a ser uma escola, o Comunica Estúdio Escola. Ainda tachado dessa maneira, o prédio “caixa de sapato” da FIC abriga diversos espaços laboratoriais, e destes, um capaz de unir os cinco cursos, que espremidos dividem as salas de janelas compridas e lousas brancas da faculdade. O Comunica Estúdio reserva para si o cerne de laboratório e banco de estágios e extensão, além de desempenhar a tarefa metódica de empréstimo de equipamentos de audiovisual. No entanto, as mudanças na coordenação do estúdio e nas normas e regulamentos do mesmo passam a dialogar o caráter de ensino e produção para parâmetros que se distancia de um laboratório isolado e se deleita na visão de uma rede autônoma laboratorial para extensão, pesquisa e produção independente. CAMINHOS Os primeiros passos para a conquista da escola laboratorial são viralizados entre os técnicos administrativos que regiam o estúdio no ano de 2016, depois, apresentados à coordenação da FIC e logo após a direção. Seriam esses passos rasos e incertos, mas que tocam no imaginário da academia que implantaram a distante imagem de como seria ter produções

ESTRATÉGIAS Esse projeto se torna o modelo teste para erros e acertos dos estagiários, extensionistas e voluntários do estúdio, que se preparam para estre-

Turma da oficina de Voz durante a aula no estúdio de rádio

ESTÚDIO ESCOLA

audiovisuais transbordando pelas portas duplas da faculdade e molhando os terrenos nacionais. Em exato paralelo, um olhar jornalístico e uma preferência pela produção de vídeo faz nascer o rascunho do documentário “Diálogos do Silêncio”, que mais tarde se concretizaria como Trabalho de Conclusão de Curso e projeto de extensão do jornalista, Johan Pedro. O jornalista, conta que o seu projeto e o Comunica cresceram e amadureceram juntos. Afirma ainda que foi a abertura do estúdio para a ação direta da docência que mais ajudou na produção do documentário, “Tanto minha orientadora, como o coordenador do estúdio se transcenderam na definição institucional para contribuir significativamente no âmbito criativo e académico do processo, me possibilitando o aprendizado da produção audiovisual e o extenso processo de pesquisa”. Em 2017, o Comunica Estúdio abriga mais um documentarista advindo do curso de Jornalismo, Tiago Abreu, com o documentário “Paratinga: uma questão de origem”. Tiago relata suas primeiras investidas para idealizar o documentário, que passa por uma etapa de entrevistas e textos autorais postados no site do estúdio. Depois o jovem cinegrafista aprende na garra a filmar, editar e montar e ressalta a importância da estrutura do estúdio no processo de captação do material e de tratamento posterior. “Mas a maior ajuda veio do coordenador do estúdio, que me ajudou a pensar o documentário de forma identitária, a pensar sobre quais eixos da história eu deveria me focar e aprender um pouco da linguagem do audiovisual”, evidencia Tiago. Com os dois documentários em fase de pós-produção, seis estagiários e dois bolsistas de extensão, o Comunica pede para que abram alas e passa para a preparação do que viria a ser a empreitada mais ousada dessa gestão. Surge, de um extenso trabalho de préprodução dos bolsistas de Jornalismo e Publicidade, o curso de tratamento e catalogação de imagem, que forma quatro turmas de foto. Heterogêneas e talentosas, as turmas misturam estudantes de graduação e pós-graduação, da comunidade da FIC e de outras faculdades e até mesmo empolgados agentes de fotografia de fora do meio acadêmico que ansiavam por conhecer mais sobre edição de imagem.

Foto: Arquivo do Comunica Estúdio.

PROJETO COMUNICA

Não há mais desculpas para não conseguir aproveitar o audiovisual dentro da FIC

ISABELA LEFOUL Estudante

larem nos cursos de pré, produção e pós-produção que, de acordo com Caísa Dos Reis, bolsista do Comunica, são os principais objetivos dentro do Comunica Estúdio Escola. Para Caísa, “Agora que começamos a colocar nossas garrinhas para fora e implementar os cursos de pré, produção e pós produção. E o plano é fazer isso monetizar e se auto sustentar, por que só então teremos a autonomia de equipar os alunos que estão aqui, os voluntários e bolsistas, e fazer os que estão de fora aprenderem essas técnicas”. Simultaneamente, surge a iniciativa “COM.TATO”, idealizada pela exbolsista do Comunica, Isabela Lefoul, que se dedica a trazer para o estúdio parcerias com outros laboratórios da FIC, como a Ponto Comunicação e a Inova Publicidade. As novas parcerias possibilitaram a criação da rede de palestras “Afinal, o que é audiovisual?”, que convida autores e autoras do audiovisual do Brasil para debater temas do cotidiano mercadológico e rotineiro com a comunidade acadêmica. Essa iniciativa, segundo Isabela, é um grande passo para o Comunica fora da Universidade, possibilitando que haja uma ponte entre os estudantes que almejam o audiovisual e os agentes do mercado. “O estúdio quer ser um incentivo a ação, um incentivo a ser e crescer, principalmente agora com os cursos, oficinas e palestras, não há mais desculpas para não conseguir aproveitar o audiovisual dentro da FIC”. Para a direção da FIC e para a coordenação do estúdio fica claro a

necessidade de uma ponte entre a docência e o Comunica. “O papel dos professores no projeto está em dar apoio pedagógico e pensar as oficinas e cursos para que estes se tornem mais produtivos”, diz Weverton José, técnico administrativo do estúdio. No início desse ano, Lara e Weverton desengavetaram um projeto antigo do próprio técnico, objetivando um programa musical que pudesse ser vinculado a uma disciplina. Surge então o FICmusical, programa gravado em vídeo, feito no estilo de episódios seriados com entrevistados do mundo da musica goiana e de interesse dos estudantes. A ideia foi muito bem aceita pela turma da professora Lara, que agora estão produzindo o piloto da série, datado para junho de 2018 e em parceria com a TV UFG e o canal TV Brasil, lançamento da primeira temporada está marcado para segundo semestre de 2018. De acordo com Weverton, o empenho dos alunos está fazendo a produção deslanchar, “É uma via de mão dupla, os alunos ganham experiência e peso no currículo e o Estúdio ganha reconhecimento e produções independentes. Todo mundo sai ganhando.” Ainda caminhando pela mesma estrada de tijolos e passando pelas mesmas úmidas paredes percebe-se novas possibilidades e oportunidades de crescimento mútuo e de conhecimento. A carreira do audiovisual na FIC está decolando. Agora, pelos corredores da nossa pequena caixa de sapato, não vemos mais palidez, há um brilho suave nas paredes.


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Goiânia, agosto de 2018

- VIVIÊNCIAS -

histórias de quem chegou do UFG INCLUI confrotam as limitações da universidade Reportagem e DIAGRAMAÇÃO Vinícius Paiva EDIÇÃO Izabella Pavetits

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EDUCAÇÃO Seu nome é Ercivaldo Damsõkekwa Calixto Xerente. Aquele que abre o caminho e faz a trilha. Com dezesseis anos de vida escolar, acredita que a educação pode transformar o indivíduo, mas dependerá dele. Seu objetivo é levar o conhecimento adquirido dentro da universidade para dentro da sua aldeia. Contudo, não se engane, educação indígena é passada de geração em geração, de forma oral. Já a educação escolar é voltada para o quadro e para o giz. Ercivaldo é o primeiro do seu povo a fazer um doutorado. “Isso para mim é um histórico! Um avanço! Não só para a minha para a minha existência, mas para a valorização do meu povo,

que fica invisível na história pública”. Xerente já penou demais. Às vezes bate a saudade de casa. Às vezes falta o dinheiro da xérox. Na cidade nem água se toma de graça. Seu povo não tem dinheiro. Eles têm mais, mas suas riquezas não cabem aqui. Dificuldade tremenda. “Acho que a sociedade se esqueceu que o Brasil é um grande aldeamento! Nessa terra tem derramamento de sangue indígena”. Ercivaldo entrou, mas hoje bate na porta da permanência. Foi a universidade, ela se esqueceu. Mais sangue. Ercivaldo pena, mas realizase. Seu plano é contar sua história. Já fizeram isso, Ercivaldo agradece! Mas agora sua existência será contada com suas próprias palavras. SINAIS Marcos Marcelino da Silva, traduziram os interpretes. Confiei, pois ele não confia em qualquer um. Marcos

Kbure akwẽ mnõ tâkãhã tkai wasissum snã krda mmrõ mnõwa psêdi kbure mã”

“É importante conviver com a diversidade cultural, no mesmo espaço, na terra

ercivaldo DAMSÕKEKWA CALIXTO XERENTE

explica o óbvio que ninguém reflexiona: a universidade tem como língua principal o português, mas os surdos que têm como língua principal a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Toda hora lhe é imposto o português. Marcos sabe da importância da língua, mas ele precisa de emancipação ao ler e escrever. No laboratório de acessibilidade da UFG, Marcos trabalha com a validação de traduções. Presta um serviço de altíssima relevância para a comunidade surda. Após analisar as traduções feitas pelos interpretes, o jovem da OK e os vídeos dos editais subirão para a internet todo em libras. O jovem tem sede de informação. “Estar na universidade me permite fazer troca com outras pessoas, provocá-las a aprenderem a língua de sinais, além de reforçar a necessidade de se entender e incluir a cultura surda na comunidade universitária. O problema é que nem tudo depende dele. Às vezes, Marcos precisa ir na Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae). Chegando lá, não tem interpretes. Marcos volta e conversa com um dos tradutores do laboratório, mas sempre depende do horário deles. Ao se adequar, Marcos entra em contato com a Prae novamente para avisar que irá novamente. Ele costuma ir aos lugares. Quando o faz, releia o parágrafo. Ao ser perguntado sobre como superar as barreiras comunicacionais na universidade, responde: “ela deve ser toda acessível em libras”. Foto: Carlos Siqueira

uatro de fevereiro de 2011. Vercilene Francisco Dias nem dormiu esperando o dia raiar, quando pegou no braço de sua irmã e saiu correndo para comprar a nova edição do jornal local. Mal sabia ela que o resultado do vestibular no jornal só sairia no outro dia. Chispou para o Correios, nada. Correu para a lan house, nada. Só abriria às 9h30. Sem internet em casa, resolveu esperar. Vercilene começou a pesquisar seu nome na lista de aprovados, mas não o encontrava. Foi quando sua irmã que não sabia ler, apenar soletrar, confirmou: tem V? Tem! Tem E? Tem! Tem R? Tem! Tá aqui, maninha, igualzinho na sua identidade. Foi uma loucura. Saíram correndo para a rua, dançaram demais. “Óia que ela tava grávida”, lembrou a nova aluna de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG). A menina que trabalhava na roça, que chegava em casa com o cabelo desgrenhado e que de branco só tinha o olho teria que sair do único lugar que lhe fazia sentir segura: a comunidade Kalunga. Vercilene já não viveria mais a realidade das meninas da comunidade. Na universidade, ela chorou. Mas, meu Deus do céu, como entender contratos de uma sociedade individualista ao vir de uma comunidade na qual um combinando não cumprido é visto por olhos de cuidado? Cuidado. Falta cuidado. Mas lá na comunidade não. Ô saudade que ela tem do Rio Paranã. Diz ela que deitar numa pedra grande qualquer e só ouvir o barulho do rio é algo incrível. Que delícia. Lá dá para ver as estrelas como elas são – “lá você brinca tranquilo, deita a noite no terreiro, vê as luzes, pensa e reflete. É um amor”. Ainda bem que no início Vercilene conseguiu uma comadre na turma, Daniela, surpreendentemente, negra também. Mas, segundo ela, com o tempo as coisas mudaram e a comunidade viu a esperança de ter uma advogada dentre os Kalungas. “Ela conseguiu, nós podemos também!

Hoje, a universidade tá toda colorida de Kalungas! Aliás, espero que você vá conhecer a comunidade qualquer dia desses”.

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Vercilene Dias é a primeira advogada quilombola formada pela Universidade Federal de Goiás


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- UNIVERSIDADE -

PASSEI NA UFG, E AGORA? BUSCA EQUILÍBRIO ENTRE MORADIA, TRANSPORTE E SAÚDE MENTAL Reportagem Janaína de Oliveira e Beatriz de Oliveira Edição Victor Weber Diagramação Beatriz de Oliveira

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pós uma década de expansão e políticas de inclusão, a UFG está se transformando ao ampliar a diversidade de raça, etnia, classe econômica e cidade de origem dos graduandos que circulam pelos ambientes da universidade. Essa nova geração também é diversa em seus sofrimentos, desafios e maneiras de lutar pela própria permanência. Yatan de Assis, 21, cursa Musicoterapia. Natural de Araguapaz, interior de Goiás, sente saudade da família e tenta conciliar a graduação com a gestão de sua kitnet e o trabalho de cantor freelancer em casamentos. “Dizem que dá pra conciliar, mas não dá. É difícil chegar e sair correndo, fazer almoço e jantar, estudar e trabalhar”, afirma com preocupação nos olhos. Ele também diz não ter espaço na kitnet e que o barulho da igreja, dos bares e dos carros atrapalha seu descanso. “Já pensei em desistir quando roubaram o dinheiro do meu aluguel, mas sou o primeiro da minha família a fazer graduação e estou num curso inacreditável, é um sonho estar aqui. Parece que as coisas não dão certo, mas pelo menos tenho a opção de cantar”, conta Yatan com o sorriso iluminado pelo sol das três da tarde.

Já Alawero Meynako, 24, é uma mulher indígena da tribo Utawana do Alto Xingu em Mato Grosso. Ela cursa Ciências Sociais e aguarda pelo resultado da bolsa permanência para contribuir com as despesas do apartamento que divide com uma colega. “Não é algo certo continuar aqui, porque dependo da bolsa para me manter. Estar longe da família me afeta muito também, me sinto sozinha”, explica Alawero que se cobra muito por resultados, sempre lê textos com dicionários ao lado e está determinada a realizar o sonho da graduação. Para compreender como os contextos de moradia interferem na produtividade e permanência dos estudantes, foi criada uma enquete online, divulgada presencialmente nos Campi da UFG. Com 107 participantes, a dificuldade mais citada nas respostas discursivas relacionam-se à mobilidade. 63 pessoas disseram gastar mais de 1 hora no deslocamento casa-universidade. Isso torna mais difícil conciliar a rotina de estudos com a vida pessoal, e afeta diretamente a disposição dos estudantes.

desistir, principalmente nos primeiros semestres. Segundo Israel Elias Trindade, pró-reitor adjunto de graduação da UFG, a evasão é um fenômeno complexo, no qual a soma de diversos fatores efetiva a desmotivação na real desistência. Para ele, ser de baixa renda, ter certa imaturidade e a desvalorização no mercado são os exemplos mais conhecidos pela reitoria. “A gente precisa fazer um estudo mais apurado para construir políticas

NOVA GERAÇÃO

A gente está em um mundo extremamente acelerado, que estimula a produção a todo o momento Victor Aurélio Psicólogo

Mesmo diante das desmotivações relatadas, a maioria dos estudantes acha importante cursar graduação, seja por exigências de mercado e da família ou por desejo pessoal. Contudo, para alguns é inevitável pensar em Foto: Janaína de Oliveira

Yatan de Assis, 21, desafia adversidades para conseguir estudar

de combate à evasão. Por isso estamos constituindo uma comissão com representantes de diversos segmentos para analisar com mais precisão esse fenômeno”, conta Israel. A pró-reitora de assuntos estudantis, Maísa Marivalda da Silva, reafirma: “A gente precisa gerar indicadores para saber em que medida a entrada nos projetos sociais melhora o desempenho e o tempo de permanência da pessoa na universidade, porque o fenômeno da evasão é nacional, interclasses e afeta diversas instituições”. SAÚDE MENTAL Não há um consenso sobre a definição de saúde mental, mas de acordo com a Organização Mundial de Saúde, ela está associada ao bem-estar e à possibilidade do sujeito ser funcional no mundo. Nas respostas discursivas da enquete foram feitas reclamações frequentes associadas a sofrimentos psíquicos, como relatos sobre ansiedade, tristeza, desmotivação e cansaço. Esses sofrimentos têm caráter subjetivo, mas para Victor Aurélio,

psicólogo do UFGInclui, no caso dos graduandos está geralmente associado à lógica de produtividade dentro da própria academia. “A gente está em um mundo extremamente acelerado, que estimula a produção a todo o momento, não só com artigos e trabalhos, mas com participação extra e leitura. As pessoas ficam absorvidas pela universidade, e é difícil fazê-las entender que dormir bem e ter tempo para atividades físicas e de lazer é extremamente importante”, explica. “Para os estudantes aqui no UFGInclui, tem outro componente, porque além da distância da família, há uma pressão para dar retorno à comunidade de onde vieram”, diz o psicólogo. Victor propõe que no processo de organização do próprio tempo exista espaço para o autocuidado, com atividades que desacelerem os estudantes e ajudem no alívio do sofrimento. Assim, haverá um equilíbrio entre as responsabilidades e os desgastes com o descanso mental e o estímulo físico. “Uma autocrítica que faço à conduta de toda Psicologia é não atacar o que de fato tem causado o sofrimento, que é essa dinâmica social. Demandaria um trabalho muito mais coletivo, mas a gente se mantêm nessa instância mais particular, que pessoalmente acho insuficiente”, afirma. OPORTUNIDADES A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) fornece bolsas de permanência, alimentação, moradia, atendimento odontológico, psicológico e nutricional gratuito, um posto de saúde e um centro de esportes. “Além da assistência, temos três grandes frentes de trabalho até 2021: uma é a própria atenção estudantil; outra é estimular o protagonismo em ligas, centros acadêmicos, atividades de ensino, pesquisa, extensão, esporte e lazer; o último é o desafio de gerar indicadores e monitorar os assuntos estudantis, porque a cada ano teremos menos investimentos em educação pela PEC-95”, explica Maísa.


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- SOCIEDADE-

A FILA ANDOU RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO DO CAMPUS ii Reportagem E DIAGRAMAÇÃO Ana Luiza Tanno Edição Cida Costa

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o Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás até o Restaurante Universitário são 220 metros. Pelo caminho se encontram o almoxarifado da Química, parte do prédio do Instituto de Ciências Biológicas e uma passarela que se estende por quase todo o percurso, desembocando em um dos pontos de ônibus internos da universidade. Leva-se, em geral, três minutos para realizar este trajeto, andando a passos lentos, caminhando pela sombra evitando as áreas de muito sol. Todos os dias mais de mil alunos realizam esse trajeto, mas, demoram em média meia hora em seu percurso. Entre as onze e meia e meio dia e quarenta, pode-se perceber o motivo dessa demora. Do lado de fora do prédio do Restaurante Universitário, a fila para almoçar se estende por todo o caminho até o prédio de Química. A passarela é disputada por alunos de diversos cursos, todos procurando o serviço prestado pelo restaurante que, a partir da metade do último ano passou a ser gerenciado pela Empresa Nutrir. Esta, com sede em Uberlândia, atua no mercado alimentício há 30 anos, tendo como clientes não só a UFG, mas a Universidade Federal de Uberlândia e a Universidade Federal do Triângulo Mineiro. O contrato de uma nova empresa era parte da campanha do então candidato a reitor, Edward Madureira, que propunha implementar melhorias no serviço do Restaurante. Demanda Para Ana Clara, estudante do curso de Publicidade e Propaganda, um dos maiores problemas do restaurante é que os horários não batem com os que ela tem disponível. Para chegar à faculdade, Ana pega três ônibus, e demora em geral, uma hora e meia. Isso se ela não perder nenhum deles. Sua aula começa às 8 da manhã, por isso, um horário ideal para seu café da manhã seria entre 07h40min e 07h50min. É aí que começa o dilema de Ana: o restaurante universitário, junto com a

Os alunos se escondem do sol embaixo da passarela na fila do R.U. mentação, permitindo um maior fluxo de alunos na entrada. Marcelo Nunes, estudante de Agronomia, discorda. Ao aumentar as ilhas, o nível de comida feita também teria de aumentar e então, segundo ele, a qualidade cairia. O aluno que passa as manhãs que antecedem o almoço e parte do horário de pico do restaurante vendendo bombons comenta que isso prejudicaria parte do atendimento, “Aumenta o fluxo da fila, que em minha opinião já está melhor do que era antes, mas ao mesmo tempo piora a qualidade da comida”. Ele não é o único que passa suas manhãs por ali. BOMBOM Do lado de fora do restaurante universitário, próximo à saída, ela se senta meio escondida, na sombra. A tia do bombom, como Nelza de Souza é conhecida entre os alunos. Com mais de onze anos vendendo os doces

bombons apenas no RU, dizendo estar muito cansada para ficar andando pela universidade, “Antigamente, era só eu que vendia, então tinha dias que eu voltava para casa com a caixinha sem nenhum bombom. Hoje tem mais gente vendendo, então fica mais difícil.” Mas ela persiste, “Não tem jeito, aliás, o jeito é vir todos os dias”, brinca. Menos aos domingos, que é quando Nelza vai à igreja. 200 cafés da manhã, 2600 almoços e 900 jantares são servidos todos os dias no restaurante universitário. A fila do lado de fora do prédio, que agora leva vinte minutos, continua a se estender até o departamento de Química. Só que agora ela anda mais rápido, movida pelas novas portarias. O cardápio também mudou, agora conta com opções mais diversificadas e é disponibilizado com antecedência nas redes sociais da universidade. Nelza continua lá, assim como Marce-

PARA O

Pró Reitoria de Assuntos Estudantis, depois de um abaixo assinado criado pelo Diretório Central dos Estudantes, iria estender o tempo da refeição até às 08h30min da manhã, permitindo que estudantes como Ana pudessem usufruir do serviço com folga no horário. O problema é que a partir da última quarta-feira, dois de maio, o serviço voltou a sua programação original. O motivo, de acordo com o gerente responsável pelo restaurante, Luiz Rodolfo, é que não houve aumento na demanda, ou seja, poucos alunos utilizaram no período estendido, então eles voltaram para o horário antigo. Ou seja, Ana tem agora até às 8h para tomar seu café. Em média, dez minutos. Isso se ela não perder nenhum ônibus. Além desta mudança, em teor experimental, outras modificações vieram com a nova empresa. Desde o final do ano passado é servida uma opção vegana, além do aumento da porção de carne para 120 gramas. Quanto às filas, problema que se mantém independente da empresa, Luiz Rodolfo afirma que “O que a gente pode fazer a gente está fazendo.” Isso significa colocar mais uma portaria com mais de um atendente e orientar ao máximo que todos os alunos tenham o documento em mãos. “Muita gente chega à portaria com o documento dentro da mochila, então até ele tirar o documento e nos mostrar, isso para a fila.” De acordo com o gerente o tempo de espera tem melhorado, diminuindo de meia hora para vinte minutos. Já os serviços prestados pela UFG dentro do restaurante se mantém. “As nutricionistas do Serviço de Nutrição UFG realizam visitas de supervisão técnicas aos RU para avaliação das boas práticas na manipulação dos alimentos durante sua recepção, estocagem, preparo e distribuição”, afirma Gilciléia Inácio, nutricionista da UFG, vinculada à Prograd. Além disso, é realizada avaliação sensorial das preparações servidas e emissão de pareceres sobre os cardápios elaborados pela empresa terceirizada. Mesmo assim, o descontentamento dos alunos persiste. Um movimento paralelo ao DCE convocou na semana do dia 20 de abril um ato em frente ao Restaurante, para manifestar a insatisfação dos estudantes em relação ao tempo de espera. Para Luiz Philipe, aluno de jornalismo que estava presente no ato, o preço do restaurante, visto que a Universidade subsidia parte do total, é alto. “Por oito reais, três que nós pagamos e cinco que a Universidade paga, eu acho um valor caro pela qualidade que é oferecida.” Para ele, uma possível solução seria a construção de mais ilhas de ali-

Foto: Ana Luiza Tanno

UM OLHAR

O que a gente pode fazer, a gente está fazendo

Luiz Rodolfo silva Gerente do Restaurante Universitário

no R.U, ela viu diversas empresas passarem, e diversas gerações de alunos desfrutaram de seus produtos. Aos setenta anos, a aposentada sai de casa às cinco da manhã, e leva duas horas para chegar ao Campus Samambaia. De segunda a sábado, ela vende seus

lo, vendendo seus bombons. O espaço também é o mesmo e não há previsão para reformas, já que a universidade enfrenta uma crise financeira. Com as carteirinhas em mãos, a fila indiana de estudantes segue seu fluxo, percorrendo seus 220 metros diários.


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- CULTURA -

COLABORAR É A RESPOSTA PARA O FUTURO

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TRANSFORMAÇÕES Entretanto, no Brasil ainda existe um grande número de iniciativas e produtores culturais que não estão inseridos na economia formal. A plataforma Mapas Culturais, inserida nesse contexto, se propõe justamente a traçar novos paradigmas para a gestão cultural em um momento em que estabelecer padrões e mecanismos para mensurar a produção se faz fundamental para a elaboração de políticas públicas de acesso e fomento à criação sociocultural no país. Além disso, disponibilizar informações culturais com o auxílio da tecnologia e a participação dos próprios produtores culturais serve para que toda a população tenha acesso à produção cultural do território. Daniela Ribas finaliza a entrevista dizendo: “eu diria que em níveis tecnológicos estamos bem diante do resto do mundo, mas em termos da adoção política dessas novas tecnologias ainda temos muito que avançar”. Leonardo Germani, coordenador de

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apas Culturais é um software livre desenvolvido para gestão cultural e mapeamento colaborativo que permite a gestores, agentes culturais e a todos os cidadãos conhecer, compartilhar e participar da produção cultural de um território. Visando criar um espaço para integrar e dar visibilidade a projetos, artistas, espaços e eventos culturais, a plataforma é a principal base de informações e indicadores do Ministério da Cultura, agregando cadastros de diferentes programas e ações em diversos níveis. A iniciativa é também o software-base do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) desde 2015 e tem sido disponibilizado pelo Ministério da Cultura, gratuitamente, a todos os estados e municípios interessados em implementá-la no modelo SaaS (software como serviço na nuvem) e que fazem parte do Sistema Nacional de Cultura. Daniela Ribas, responsável pelo mapeamento e estratégias de implementação do projeto, afirma que “a plataforma é uma ferramenta importante tanto para a população, que passa a ver no Mapas informações acerca dos acontecimentos culturais ao seu redor, mas também para a própria gestão cultural, que pode extrair da plataforma planilhas contendo dados que funcionam como indicadores para auxiliar no planejamento de políticas socioculturais”. Além de auxiliar a tarefa dos gestores no mapeamento e, consequentemente, na gestão cultural, o projeto atua também como ferramenta de apoio para agentes culturais, disponibilizando editais oficiais de iniciativas de fomento à produção. A plataforma traz soluções também no âmbito social engajando a população a participar da agenda cultural de sua cidade, que é disponibilizada online, e promovendo a colaboração entre agentes culturais, produtores independentes e cidadãos no cenário da cidade, já que possibilita a todos o cadastro de seus eventos ou iniciativas no site. O Mapas é um projeto que possui muitas frentes, sendo a parte tecnológica apenas uma delas. “Por ser uma ferramenta que pode ser utilizada por esses municípios (que fazem parte do Sistema Nacional de Cultura), há uma frente muito importante: a de articulação política, que atua nas relações institucionais do

DANIELA RIBAS Doutora em Sociologia

desenvolvimento do projeto, conta que o projeto nasceu, principalmente, da carência de informações que temos na área cultural. “Várias outras áreas, como educação e saúde, no Brasil e no mundo, possuem uma base de dados com estatísticas e indicadores, acompanhados de departamentos para processar essas informações e auxiliar a gestão pública a planejar e traçar estratégias de como aplicar e brigar por recursos nessas áreas”, ressalta o coordenador. Devido a essa carência, torna-se difícil mensurar iniciativas e resultados, o que interfere profundamente a gestão cultural no Brasil. A forma como a cultura opera em um país e dialoga com sua economia, política e, acima de tudo, com sua sociedade, se desenvolve através de dinâmicas complexas. A própria definição de “espaço cultural” é algo abstrato para nós e para os gestores. Segundo Leonardo, “na cultura, tudo acontece de maneira muito mais orgânica, suas dinâmicas são imprevisíveis. O que é espaço cultural? Um museu e um teatro, é claro, são espaços culturais. Mas um bar ou um estacionamento aonde nos fins de semana acontecem eventos também podem ser espaços culturais”. O coordenador ressalta ainda, de forma bastante elucidativa, que qualquer lugar tem o potencial para ser um espaço cultural e quase todas as coisas que fazemos podem ser consideradas uma atividade cultural, quando exercidas em um determinado contexto: “esses conceitos se misturam e muitos desses processos ocorrem de baixo para cima, de forma descentralizada. Um show pode acontecer sem necessariamente ser cadastrado e mesmo assim continua sendo considerado uma atividade cultural, por exemplo”. Por isso, uma ferramenta que dê conta de gerar informações e mapear o cenário cultural de um determinado local não poderia ser uma ferramenta de controle centralizado. As informações necessitam vir “de baixo para cima”, através das mais diversas fontes, o que justifica o fato do Mapas ser uma plataforma colaborativa, desenvolvida como software-livre e baseada nos princípios de transparência, descentraliAu t

Reportagem Victor Weber Edição Gabriela Tavares Diagramação Maria Luiza Valeriano e Afonso Mendonça

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Uma ferramenta como o Mapas Culturais faz com que surjam novos paradigmas de gestão cultural e políticas públicas

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NOVAS DINÂMICAS

Ministério da Cultura com os governos municipais”, ressalta Ribas. O projeto foi desenvolvido incialmente pelo HackLab, em parceria com o Instituto TIM, até 2017. A despeito de alguns imprevistos que começaram a ocorrer na política do Brasil a partir de 2015, o projeto Mapas Culturais conseguiu atravessar a mudança de governo e seguiu em frente, mantendo sua proposta inovadora e sua busca pelo desenvolvimento e articulação da cultura no país. Agora a UFG, por meio de seu Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Mídias Interativas (Media Lab), será responsável por liderar a execução do plano de trabalho do projeto, em parceria com o MinC e secretarias vinculadas. A incorporação da equipe do Media Lab indica um marco no desenvolvimento do projeto, pois coloca à frente desenvolvedores exclusivamente dedicados ao aperfeiçoamento do sistema, para tornar possível sua implantação e distribuição nas futuras localidades. Daniela destaca que vivemos na pele as mudanças que as novas tecnologias trouxeram e continuam trazendo para as nossas vidas e para nosso país: “No caso do Brasil, estamos incorporando aos poucos o digital à nossa forma de governança, porém, na área da Cultura o país está sendo um dos pioneiros, por estar incorporando a tecnologia nos processos e no fazer cultural”.

PROJETO TRAZ

zação e cooperação. DESENVOLVIMENTO Johan Pedro, membro da equipe de desenvolvimento do MediaLab e produtor independente, alega que o melhor caminho para tornarmos viável o desenvolvimento cultural é a mobilização. “Apesar de estarmos vivendo numa conjuntura política de desgaste das instituições, eu acredito que as pessoas envolvidas em qualquer parte dos processos culturais devam se articular, propor e discutir novos modelos de produção e também de colaboração para buscarmos, sempre através de um trabalho conjunto, a inserção de agentes e da sociedade como um todo no cenário cultural”, afirma. Um tópico muito importante a ser levantado é o dever que o Estado tem de fomentar as produções culturais, através de recursos e investimentos – técnicos, financeiros e humanos – e do desenvolvimento do acesso à cultura, por meio de iniciativas como leis de incentivo, fundos de investimento e outras políticas públicas. Porém, é também papel da população se unir e monitorar tais iniciativas e lutar para que sejam aplicadas de forma positiva e igualitária, procurando distribuir os investimentos não só para grandes empresas. “Essas narrativas que buscam austeridade e a racionalização dos gastos da máquina pública acabam por surtir grandes efeitos nas questões que envolvem a cultura do Brasil. Nos últimos anos, por exemplo, a quantidade de produções nacionais, ou até mesmo o número de filmes internacionais que foram gravados aqui no país, cresceu bastante”, complementa Johan. Goiânia, por exemplo, é uma cidade elegível para a implantação do projeto, porém ainda depende da articulação dos governos locais. As diversas produções audiovisuais nacionais concorrendo a prêmios ao redor do mundo podem não ser uma regra geral, mas são exemplos de que os investimentos na área cultural trazem retornos significativos. E mais: são importantes tanto para o nosso consumo e reconhecimento próprio quanto para a construção de uma imagem ‘do brasileiro’ e ‘para o brasileiro’, que pertence e participa da produção cultural mundo afora. É de extrema relevância para nossa sociedade e para os governos que a cultura seja vista como um ponto estratégico para o nosso desenvolvimento e nossa construção identitária.


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- TRABALHO -

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A PONTO DE perdeR a linha ENCARAM PRESSÃO PARA CUMPRIR METAS Reportagem Leticia Brito Edição Bárbara A. Valente DIAGRAMAÇÃO Melissa Calaça

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Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), de acordo com dados de 2017 da empresa, costuma receber via call center, cerca de 13 milhões de reclamações por dia. Os atendentes responsáveis por dar o encaminhamento a demandas e contestações como essas, são obrigados a realizar o serviço agradando “gregos e troianos”. Caso os clientes e a chefia não se sintam satisfeitos ao final da ligação, o trabalhador sofre prejuízos no salário. Alice, nome fictício de uma das tantas personagens que vive esta história, reclama do tratamento negativo por parte dos clientes, mesmo diante da impossibilidade do atendente resolver o problema. “Teve uma vez, que o cliente estava indignado devido um reajuste feito pela própria Anatel, na fatura dele. No momento que eu tentei explicar melhor, ele se alterou porque discordava. Mandou eu calar a boca e disse que mandava lá.” Nessas situações, as empresas determinam agir sempre seguindo um protocolo, conforme afirma Enzo, outro ex-funcionário. “Nós temos um conjunto de palavras de encerramento para esses tipos de chamada, mas se encerrarmos por conta própria, corremos risco de perder nossa bonificação. E esse medo de ficar sem ela faz com que a gente tente permanecer na ligação até o último segundo.” O cliente, no entanto, não deve ser visto como vilão, pois antigos e atuais atendentes de call centers, em Goiás, reconhecem que o lado de quem faz as reclamações é compreensível. Alguns desses profissionais afirmam que a crítica sobre um produto ou serviço é válida, porém é apenas no último dos casos que o atendente pode chamar a ajuda técnica. Quando o recurso é usado, a gratificação salarial pelo cumprimento de metas é retirada. Helena é outra funcionária que se indigna com a falta de limites nas imposições dos call centers. Ela relata que a primeira operadora em que trabalhou, incentivava os atendentes

Saúde Dentre os funcionários cujas experiências compõem o corpo desta reportagem, nenhum deles afirmou haver grupos de apoio psicológico oferecidos pela empresa em que trabalham ou trabalhavam. Miguel, exfuncionário, afirmou que palestras motivacionais apresentadas a esses trabalhadores, costumavam ter outros objetivos. “A empresa não tinha adicional de insalubridade ou apoio psicológico. Os trabalhos de coaching que eram realizados ali, focavam em ensinar a vencer profissionalmente.” Enquanto lidam com essa competição interna, os profissionais são obrigados a manter a simpatia, o que nem sempre é possível. “Uma vez, eu acabei me alterando, encerrei a ligação, joguei o headset na mesa e saí chorando” lamentou Alice, que já teve seus limites de paciência testados pela função exercida. Além das grosserias mencionadas, em alguns casos, o conteúdo das ligações se estende a injúrias raciais, que são ofensas usadas para atingir um grupo social ou comunidade. Bernardo, que também já abandonou o trabalho em call center, descreve como foi enfrentar um desses episódios. “Uma das ligações que me marcou bastante, foi de uma cliente que exigia falar com o supervisor sem antes falar comigo, sem explicar o motivo. Eu disse que não podia transferi-la porque eu era responsável pelo atendimento, então ela ficou brava e me xingou da seguinte maneira ‘seu gay, eu odeio falar com gay’, desligando depois”. A especialista em psicologia positiva e emocional, Fernanda Leal, alerta que essa situação de pressão dupla, que engloba as grosserias de alguns clientes e as expectativas dos patrões, pode gerar também um conflito existencial. “O que pensamos sobre quem somos tem uma força poderosa sobre a narrativa que construímos em nossa mente. Perceber-se impotente, in-

capaz, inferior, descartável, rejeitado e até mesmo odiado pode atrapalhar não só o trabalho mas toda a construção que a pessoa faz sobre quem ela é e esses prejuízos podem ser duradouros”. AJUDA Apesar de nem todo desrespeito ao atendente poder ser classificado como crime, há casos em que o funcionário pode acionar legalmente aquele que o desrespeitou. Ao enfrentar calunias, que são acusações falsas de cometer ação criminosa, difamação, as quais carcterizam ofensas pessoais contra a reputação de alguém, ou injúrias é possível entrar com ação na justiça. Independente disso ocorrer, na opinião do advogado trabalhista, Rafael Lara, toda empresa que tenha um call center deve ter um auxílio específico para trabalhadores que sintam sua dignidade ferida pelo cliente. Uma maneira de fazer isso seria informar sobre episódios classificados como crime e os encaminhamentos possíveis para quando acontecem. A empresa

que não tomar as medidas necessárias para combate ou amenização de ocorrências criminosas, quando noticiado, pode assumir culpa grave ou dolo, casos em que assume-se que a falta de posicionamento da empresa provocou o problema. Quanto à ajuda mental, para a psicóloga Aline de Abreu, pode ser oferecida trazendo para os funcionários o acesso à psicoterapia, por meio da parceria com instituições, as quais executem a atividade. O tratamento consiste em realizar sessões, usualmente com uma periodicidade semanal ou quinzenal, com práticas para o enfrentamento de transtornos como ansiedade e depressão. Para Aline, a família e os amigos também têm papel fundamental no tratamento dessas pessoas. Conforme ela, os mais próximos devem incentivar a permanência do indivíduo nas sessões terapêuticas. A especialista Fernanda Leal aponta que é preciso, igualmente, respeitar os momentos de fala dessas pessoas que têm muito a desabafar, não julgando suas dores.

Perceber-se impotente, incapaz, inferior, descartável, rejeitado, pode atrapalhar toda a

construção que a pessoa faz sobre quem ela é Fernanda leal Especialista em psicologia ativa

DE TELEMARKETING

a sugerirem aos parentes de clientes falecidos que permanecessem com o número da pessoa que morreu, como uma espécie de recordação. Apesar do período de treinamento oferecido pelas empresas, poucos atendentes sentem-se preparados para enfrentar essa realidade. Existem circunstâncias específicas, como a relatada por um ex-funcionário que possui déficit de atenção e que, por causa disso, já enfrentou dificuldades ainda no período de capacitação. A principal reclamação dos profissionais, porém, é a falta do preparo psicológico que deveria ser constante antes, durante e após os períodos de serviço.

Montagem: Leticia Brito

FUNCIONÁRIOS


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Goiânia, agosto de 2018

- COMPORTAMENTO -

SOMBRAS DO ASSÉDIO E MEDO SÃO características da prática na universidade Reportagem Jhiwslayne Vieira e Yasmin Ramos Edição Eduarda Moreira Diagramação Jhiwslayne Vieira

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Foto: Yasmin Ramos

Vítimas de assédio temem denunciar

Quando percebeu que eu não daria moral começou a me xingar via mensagens. Foi muito constrangedor, me senti vulnerável e insegura

AMANDA BRITO Estudante OUVIDORIA É possível encontrar inúmeras denúncias de assédio no campus, em redes sociais e, principalmente, no grupo de alunos da UFG no Facebook. Entre comentários e likes, que expõe a revolta e descontentamento dos internautas, fica a dúvida: afinal, o que acontece com esses assediadores? Ana Cristina explica que para a denúncia ser formalizada, o estudante precisa sair da esfera da rede social: “Ele (o estudante) pode vir presencialmente trazer a sua demanda e formalizá-la aqui ou formaliza-

Legislação Segundo a legislação brasileira criminal o assédio é classificado como uma importunação ofensiva ao pudor e quando afeta a moral também pode ser tipificada com os crimes de difamação, injúria ou calúnia. “O assédio é caracterizado como uma agressão verbal e de comportamento que possa causar grandes constrangimentos às vítimas. Os csos mais comuns estão relacionados ao assédio moral e sexual. Infelizmente são crimes que possuem penas ínfimas”, esclarece Thais Moraes, advogada e membro

Divulgação: Ouvidoria/ UFG

os últimos anos, as denúncias de assédio na Universidade Federal de Goiás saltaram. O assunto assédio tem sido amplamente debatido por meio de campanhas como a NãoÉNão, outdoor, panfletos e divulgação online. “A conscientização chegou na Universidade e a gente recebe muitas denúncias em relação a assédio, de todo tipo. Em 2015, 2014 e 2013 não tinha tantas quanto agora”, declara Ana Cristina, coordenadora da Ouvidoria da UFG. No campus Samambaia, um caso famoso nas redes sociais e no imaginário das mulheres é do Lucas* (nome fictício), que persegue as estudantes durante muitos dias, causando desconforto, medo e cansaço mental. Lucas também tenta de todas as formas conseguir ter algum envolvimento com as mulheres que assedia. Uma, “Esse menino não me deixava em paz, arrumou meu número não sei onde, e não adiantava bloquear porque ele sempre arrumava outro número!”. Duas, “Fazendo piadinhas sexuais, me assediando o tempo todo. Me sentia perseguida. Ele perseguiu minhas amigas calouras, sabia o nome delas e tudo”. Três, “Sempre vejo ele dentro do 302, evito até olhar na mesma direção... E me pergunto como, depois de tantos relatos, ele ainda está entre nós…” De acordo com relatos, Lucas* cria até mesmo perfis falsos nas redes

sociais para continuar importunando as mulheres que o bloquearam em seu perfil verdadeiro. “Não bastava assediar todas nós nos perseguindo pelo Samambaia (às vezes até no universitário), em TODAS as redes sociais e até mesmo nos ônibus, agora criou um perfil fake para continuar assediando”, relata mais uma estudante de forma anônima. “Esse rapaz, já conhecido por assediar mulheres, começou a me seguir e fingiu que me conhecia, inventou uma história que tínhamos amigos em comum e eu sabia que nunca tinha visto ele na vida”, conta Amanda Souza, 23 anos. No dia em questão Amanda saiu correndo de perto de Lucas* fingindo estar atrasada para a aula, mas, ao chegar em casa, ele já tinha mandado convite em suas redes sociais e ficou insistindo durante alguns dias até que ela decidiu bloqueá-lo. Além do caso de Lucas*, há outros que também acontecem dentro do campus. A estudante de farmácia Morganny Dutra, 23 anos, relata que passou por alguns casos de assédio. “Um guri que já foi denunciado começou a me seguir pelo samambaia, isso era de dia, tentava ficar puxando assunto e eu fingindo que ele não estava presente”, conta. A estudante de biologia, Angelina Jesus, 21 anos, explica que não gosta de andar sozinha pelo campus com medo de encontrar o assediador e que não denunciou o seu caso por ter se culpado durante muito tempo. “Um homem começou a me ‘cantar’ descaradamente, mexia comigo durante as aulas de uma disciplina que fizemos juntos e quando percebeu que eu não daria moral começou a me xingar via mensagens. Foi muito constrangedor, me senti vulnerável e insegura”, conta Andréia Brito, 25 anos. Para a estudante de agronomia a insegurança se dá pelo fato de que denunciar não vai resultar em nenhum tipo de punição para o assediador.

importunação

O número de denúncias na Ouvidoria aumenta significativamente la também por email, através do Fale Conosco, da página da Ouvidoria e do sistema de Controladoria da União (E-ouve).” “A denúncia de assédio chega à Ouvidoria e é imediatamente encaminhada ao gabinete da Reitoria para tomar as providências pertinentes, que seria a apuração dos fatos. É aberto um processo que é encaminhado para a Comissão de Processos Administrativos (CDPA)”, informa. Seja por medo ou vergonha de se expor, muitos estudantes não denunciam casos de assédios. Quando solicitado, a identidade do denunciante é preservada. “Tem muitas demandas que chegam aqui, principalmente de assédio moral, em que o estudante não quer se identificar. Ele fala que fica sofrendo e que a turma inteira sofre. É assegurada a restrição da identidade”, garante a coordenadora.

da Comissão Especial da Mulher da OAB Goiás. Thais explica que para o agressor ser julgado por esse tipo de contravenção penal é preciso que a vítima faça uma denúncia, de preferência em uma delegacia especializada em atendimento a mulher, e que após o registro de uma ocorrência a delegacia cuidará de notificar o agressor que, na audiência, poderá fazer um acordo de transação penal ou até mesmo cumprir uma pequena pena alternativa. Ela ainda destaca que o assédio sexual é caracterizado apenas ao toque ou fala com conotação sexual sem permissão. Para Thais, o assédio acontece por uma questão de gênero. “O assédio é coberto por uma cultura predominantemente machista que, de certa forma, encara como normal o constrangimento com conotação sexual contra a mulher”, critica.


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- COMPORTAMENTO -

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BRINCADEIRA X ASSÉDIO SEXUAL JORNALISTAS ESPORTIVAS NO TRABALHO Reportagem Jéssica Reis Edição E Diagramação Sabrina Monteiro

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ma piada de cunho sexual daqui um “elogio” desrespeitoso dali. Esse é o cotidiano hostil vivido por mulheres jornalistas que escolhem atuar no meio esportivo, mais especificamente, o futebol. Dentro deste cenário está Karina Azevedo, 22, que há um ano e meio atua como repórter nas coberturas futebolísticas e é obrigada a conviver com os corriqueiros casos de assédio sexual. Com início da jornada no rádio ainda como estagiária, a profissional não possui boas recordações da experiência. Segundo ela, os primeiros desafios se deram com os colegas do veículo, que classificou como um dos ambientes mais machistas da comunicação. A jovem afirmou que no local, a maioria dos atuantes são homens mais velhos que não possuem formação acadêmica. Ela conta que na época era vítima de ‘brincadeiras’ e quan-

DESAFIOS Os relatos da estudante de jornalismo Aline Carlêto, de 25 anos, que já atua na área esportiva, se assemelham aos dramas vividos por Karina. A jovem conta que já foi interrompida enquanto transmitia, ao vivo, uma partida de futebol, para receber o número de telefone de um paramédico que auxiliava os jogadores no gramado. Segundo ela, houve resistência do agressor e sua reação foi de perplexidade. Este é somente um dos casos vivenciados diariamente pela jornalista. Para ela, o mais perturbador é a descaracterização do assédio enquanto crime. “Você conta para as pessoas e elas não acreditam. Acham que é exagero, que foi só um elogio, uma brincadeira. O pior de tudo é observar a conivência dos colegas que estão ali e mesmo achando a atitude errada, não fazem nada”, lamentou. Aline falou também sobre os desafios de estar neste ambiente

As mulheres enfrentam circunstâncias de assédio moral, subalternidade, controle, exploração e discriminação o tempo todo ANGELITA LIMA Diretora da FIC

do conseguia um furo de notícia, era questionada se havia saído com algum atleta para obter a informação. Karina lembrou ainda que os colegas faziam pressão para que ela não fosse rude com jogadores, técnicos e diretores que fizessem algum “elogio”. “Falavam que eu devia ser simpática e não ser exagerada, pois, em algum momento poderia precisar de fontes”, disse. De acordo com ela, durante o tempo que atuou na emissora aceitava a situação criminosa e vexatória. No entanto, seu pensamento foi alterado após migrar para a área do impresso. “Atualmente tenho uma editora chefe que me auxilia nestas questões

SOFRIDO POR

de gênero. Antes, diante de um fato constrangedor eu sorria e era educada. Agora me posiciono enquanto mulher que exige respeito como outro profissional qualquer. Bato de frente porque lutei para conquistar meu espaço”, comentou. Embora seja atuante na luta por igualdade, afirmou que nem sempre consegue corrigir os erros dos colegas. “Tem hora que prefiro sair de perto porque meu estômago embrulha, a verdade é essa”, completou.

machista. “A mulher sempre vai precisar provar que é capaz. Vão pedir para que explique o que é esquema tático, regra do impedimento”. ASSOCIAÇÃO Embora haja relatos de mulheres jornalistas que foram vítimas de assédio sexual nesta reportagem, o presidente da Associação de Cronistas Esportivos do Estado de Goiás (ACEEG), Lucimar Augusto, comentou que durante os dez anos à frente da instituição não recebeu qualquer denúncia. Segundo ele, por não registrar reclamações, a Associação não promove debates ou campanhas para erradicar

Foto: Jéssica Reis

ASSÉDIO SEXUAL

Estudante Aline Carlêto em transmissão do jogo entre Goiás x Vila Nova a violência. Lucimar pediu para que as jornalistas comuniquem à direção quando forem vítimas de assédio. “É um crime. Nós daremos o suporte necessário, mas precisamos que os casos cheguem até nós”, declarou. Para a diretora da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Angelita Lima, o assédio sexual não apenas na área esportiva, mas em todas as esferas jornalísticas, é uma realidade silenciada. De acordo com ela, as vítimas do crime geralmente não falam sobre o assunto porque o ambiente da formação e do próprio jornalismo é construído a partir das relações de poder com base no gênero. “As mulheres enfrentam circunstâncias de assédio moral, subalternidade, controle, exploração e discriminação o tempo todo. São maior número nas redações, mas são poucas as que ocupam cargos de chefia. Desempenham a mesma função e recebem valor inferior ao dos homens. Tudo isso favorece o assédio sexual”, contou. Além disso, afirmou que a visão masculina de que comandam o co-

tidiano do trabalho dá abertura para que pensem que exercem domínio sobre o corpo das mulheres, e isto origina tais agressões. FORMAÇÃO Por ser um espaço repleto de violências simbólicas instauradas por concepções machistas e potencialmente discriminadoras, o ambiente esportivo é um dos mais privilegiados para observar esta problemática e atuar no sentido de combater. Segundo a diretora, o melhor caminho para promover a conscientização é o debate nas disciplinas que compõem a grade curricular do curso de jornalismo. Ela ressaltou que disciplinas como ética, cidadania e direitos humanos devem fazer abordagem desta realidade hostil nos ambientes tidos como masculinos. Por fim, salientou a importância do apoio por parte dos docentes e principalmente a conscientização das estudantes diante deste tipo de situação. “Em todo caso, dentro ou fora da Universidade, a mulher precisa estar atenta aos primeiros sinais, que geralmente começam no estágio, e denunciar o agressor”, relatou.


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samambaia

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- PETS -

QUEM SOLTOU OS CACHORROS? DE ESTIMAÇÃO ESPALHAM-SE POR GOIÂNIA

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Reportagem E DIAGRAMÇÃO Izabella Pavetits Edição Melissa Calaça

m tradução literal, pet friendly significa “amigável aos animais”. É uma expressão estrangeira usada para designar estabelecimentos que aceitam a presença de bichos de estimação. Segundo levantamento de 2016 do Centro de Zoonoses de Goiânia, 52,1% dos lares da cidade possuem um cão ou gato para chamar de seu. Agora que roubaram o coração dos goianienses, os pets conquistarão a cidade. Eles são como qualquer outro membro da família e merecem participar dos momentos de diversão, é o que acreditam a proprietária do restaurante Pitanga Sabor & Equilíbrio, Daniele Felga, e Amiel Perez, gerente da hamburgueria The Black Beef. Ambos fazem parte do crescente grupo de estabelecimentos de Goiânia que são pet friendly. O Pitanga, inaugurado em 2014, passou a aceitar animais há dois anos, já a The Black Beef, franquia cuiabana que chegou à capital em 2018, nasceu de um food truck e sempre permitiu a presença deles. Cada um dos locais possui regras para tornar tranquila e segura a convivência dos clientes regulares com os acompanhantes peludos. No restaurante de comida natural, por exemplo, há uma área verde externa onde podem circular com a coleira e, na casa de hambúrgueres, apenas animais de pequeno porte podem permanecer no interior – e somente no colo dos tutores – e, do lado de fora, todos os tamanhos são permitidos. A Vigilância Sanitária não estabeleceu, ainda, normas específicas para esses casos. Tanto Daniele quanto Amiel defendem que a novidade veio para ficar e é benéfica para os negócios. “Muitos clientes conheceram o restaurante justamente porque somos pet friendly. As famílias querem sair com seus animais e estão à procura de estabelecimentos que as atendam”, pondera a proprietária do Pitanga. Ela conta que estuda colocar comida exclusiva para os pets no cardápio para atrair ainda mais esse público. “Meu cachorro Max, o mascote do The Black Beef de Goiânia, é como

CUIDADOS A veterinária Talita Zehuri afirma que não há riscos para a saúde de ninguém caso sejam tomados os cuidados necessários. “Se a carteira de vacinação do animal estiver em dia e as exigências de cada estabelecimento forem cumpridas, a segurança do passeio está garantida”. Na opinião da profissional, “A socialização é importante para todos e a presença dos animais estimula as reações imunológicas das pessoas, o que também é ótimo”. Se alguém sentir a necessidade de preparar o animal de estimação para a jornada, é possível contar com a ajuda de um adestrador. Adepto da profissão, Leandro Meireles explica que o objetivo é ajudar a entender as necessidades dos amigos de quatro patas. Segundo ele, técnicas de adestramento básicas asseguram educação e sociabilidade, o que mostra que o bicho confia e respeita seu dono. Rotina, limites e, principalmente, passeios diários são fundamentais para a saúde dos cães, por exemplo. Mais e mais estabelecimentos se tornam amigos dos animais e isso é uma vitória, afirma Leandro. “Os peludos são nossos parceiros, qual o problema se nos acompanharem em um barzinho ou restaurante? Eu ando com meu cachorro para todos os lados e só frequento ambientes que ele possa ir também”. OPINIÕES Quem tem um cachorro sabe o quanto é difícil sair de casa e deixálo nos olhando com um olhar de “por favor, me leva junto”, é o que garante a empresária Andréa Christhina. Ela aprova a novidade e já levou Lilo, sua cachorrinha, para conhecer restaurantes, bares (e até praias!) em Goiânia e outras cidades do país. “Já viajei com a Lilo de carro, nos hospedamos com ela em hotéis pet friendly e frequentamos vários estabelecimentos sem problema nenhum”, conta. Já o estudante Danilo Lazarte vê a questão com mais cautela e defende que haja bom senso da parte dos tutores. “Já imaginou se um gato ou cachorro é instável e, quando uma criança se aproxima correndo, por exemplo, ele ataca?”. Em sua opinião, as pessoas devem avaliar com cuidado a personalidade dos seus bichos de estimação para saber se eles estão aptos ou não a frequentar novos ambientes. “Nos Estados Unidos já é comum.

Agora é possível sair para lanchar com seu animal de estimação Grandes franquias como Starbucks e Johnny Rockets, por exemplo, têm até itens especiais para os bichinhos no cardápio”, conta a administradora Rossana Kratz, que morou no exterior há dois anos e conhece a moda de lá. “O refrão de uma música que fez bastante sucesso anos 2000 perguntava “Who let the dogs out? ” – “Quem deixou os cachorros saírem?”, em tradução literal – e hoje eu já digo: nós

é que deixamos! E queremos conviver com eles sempre”, brinca. O advogado Ciro Couto, entretanto, é contra as mudanças. “Tenho cachorros, mas não acho que convém levá-los a restaurantes. Não são ambientes adequados a eles”, avalia. Há opiniões divergentes, resta esperar para descobrir em quais vizinhanças os amigos de quatro patas vão poder abanar suas caudas.

ACEITAM ANIMAIS

se fosse um filho. Eu e meu marido sempre o levamos para onde vamos”, conta o gerente, que torce para que cada vez mais lugares decidam permitir a presença de bichos de estimação.

Foto: Izabella Pavetits

AMBIENTES QUE

Os peludos são nossos parceiros. Qual o problema se eles nos acompanharem em um bar ou restaurante?

Leandro Meireles Adestrador de Animais

Conheça alguns locais pet friendly em Goiânia Brejaria Terres – Rua C135, Setor Jardim América Café Cariño – Rua 1136, n. 530, Setor Marista Goiânia Shopping - Av. T-10, 1300 - Setor Bueno Ideologia 62 – Av. Rui Barbosa, 70 - 19 – Serrinha Pitanga Sabor & Equilíbrio - Rua 70, 401 - Jardim Goiás Quintal Food Park - Rua 52 Quadra B16 Lote 12 - Jardim Goiás Tartuferia San Paolo – Polo gastronômico do Shopping Flamboyant - Av. Dep. Jamel Cecílio, 3300 - Jardim Goiás The Black Beef – Avenida 136, 761 - St. Sul


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- CULTURA -

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CIRCO DOS DESAJUSTADOS TRANSFORMADORAS DO CORPO E DO ESPAÇO

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Reportagem Thauany Melo Edição E Diagramação Yasmin Bernardes

ra quase uma hora quando a artista e arte-educadora Radarani Oliveira chegou à cantina do Teatro Escola Basileu França para comprar um doce após o almoço. O sorriso e o cumprimento acolhedor eram complacentes com sol da daquela tarde de sexta-feira. Sentamos à mesa, ela me contou sobre como concilia a vida de estudante de Direção de Arte na Universidade Federal de Goiás, de artista e de professora, sem deixar que um leve sorriso entrecortasse a sua pequena crônica. Enquanto isso, numa das salas, alguém ensaiava um solo de piano que foi uma coerente trilha sonora para aquela conversa. A artista contou que as aulas que oferece no Basileu França nas segundas, quartas e sextas, são dedicadas às crianças de 5 à 8 anos e que sua didática foi inteiramente desenvolvida através da observação, incentivada pela participação como monitora no Programa Mais Educação em 2014. Recorda, com brilho nos olhos, a experiência que teve na Escola Municipal Alice Coutinho nessa época.“Ensinar crianças demanda muito mais ‘jogo de cintura’. Você não pode pedir para que façam uma roda e esperar que, ordeiramente, façam uma roda. Foi logo no início que aprendi a convencê-los pela brincadeira, cantando um ‘tindolelê’ é muito mais fácil ser compreendida”. Enquanto ela falava do perfil histórico dos palhaços, da Commedia dell’Arte, das mulheres circenses, eu me lembrava de uma vez, quando criança, ir assistir a uma performance de palhaçaria num circo que se instalara perto da minha casa e me ocorreu que, tragicamente, eu me identificava com aquele sujeito desajeitado que tentava nos contar uma história e, no meio de tantas caretas e frases desconectadas, se perdia, como qualquer um que se entrega aos devaneios. “O palhaço é o lugar do desajustado, ele é anárquico e brinca com regras” ela afirmou, com animação de quem conhece bem o lugar. Radarani explica como a brincadeira, sobretudo no circo, tem uma

ACROBACIAS Ana Cecília Gumerato chega às nove horas de todos os sábados no circo Laheto para praticar as aulas de tecido acrobático e trapézio. De cabelos presos e roupas de ginástica ela acompanha, um tanto desajeitada, os exercícios orientados por dois profes-

Ana Cecília executando o movimento “Crucifixo” no trapézio fixo

A brincadeira, sobretudo no circo, tem uma

profundidade muito maior do que se imagina Radarani Oliveira Artista

sores, Dalila Rodrigues e Filipe Reis. Dalila está no circo desde que nasceu, Filipe há quatro anos, Ana Cecília há um mês — depois de um longo período afastada — e eu, inteiramente entregue à curiosidade, pratiquei durante duas horas. A dor da inexperiência é inevitável. Na turma, além dos dois professores e eu, havia duas mulheres. De longe ouviam-se os risos e a música animada que misturava pop e remixes, naquele clima ficara impossível não despertar da sonolência, ainda mais quando fui encaminhada por Filipe ao exercício inicial: o pula-pula. Ali, em meio ao tecidos pendurados, os bambolês e as cores vibrantes que intercalavam o azul e o amarelo, eu saltava de um lado para o outro até sentar e dizer que já estava pronta para os alongamentos. Dalila, filha do dono do circo, orientava os alongamentos, executava com maestria todos os movimentos, enquanto eu e as outras duas moças acompanhávamos como dava. Entre as aberturas e os exercícios de respiração, parávamos para conversar ou tirar algumas fotos. Ana Cecília é socióloga por formação, trabalha como servidora pública e nutre uma paixão pela fotografia, era ela a responsável por frases como “fique parada, exatamente nesse ângulo”, até se apropriou da minha câmera por instantes. Alongamentos feitos, era hora das atividades de acrobacias aéreas, essas ficavam por conta de Filipe. O medo de sair do chão era unânime entre as

COMO AGENTES

profundidade muito maior do que se imagina. O artista é formador de opinião e um espelho da sociedade, o riso, as cantigas de roda, os gestos traduzem uma opinião.“Você ri porque se identifica ou se sente superior ao ato, o palhaço quando cai provoca gargalhadas porque cair é embaraçoso para as pessoas” conta. Nessa linha é preciso pensar: quando a risada parte de uma piada que acaba com o palhaço olhando para o bumbum de uma moça da platéia convidada para participar da cena, é superioridade ou identificação? Dentro do circo — e em praticamente todos os ambientes — o corpo da mulher sempre foi sexualizado, a comicidade feminina era deixada de lado para dar lugar à sensualidade das assistentes, das acrobatas, das contorcionistas, das bailarinas. “Até mesmo o riso era disciplinado para dialogar com o imaginário de uma mulher intangível e apolínea. Dentro disso senti a necessidade de trabalhar o corpo da mulher na palhaçaria, trazer questões do universo feminino para a cena. No espetáculo que montei, ‘A volta de Chico’, interpreto a personagem Soldara que menstrua durante a cena, isso gera o riso ao mesmo tempo em que trabalha com o tabu” conta a artista. Além da palhaçaria, Radarani Oliveira se dedica a outras áreas do circo como acrobacias aéreas e malabarismo. Essas artes também não deixam de lado o fator da reflexão social, no espetáculo que ela co-criou e performou em 2016, Ao Esperar, a teoria de “não lugares” do antropólogo Marc Augé é a principal inspiração, colocada no palco em forma de movimentos corporais intercalados com atuações. A teoria de não lugar explorada na apresentação parte da ideia de que locais como aeroportos, terminais, estações de metrôs são espaços de transição, eles são opostos ao lar, a sinopse do espetáculo traduz bem a perspectiva artística desses ambientes:“Três pessoas se cruzam, mas não se encontram. Três histórias, angústias e esperas isoladas. São passageiros de si e do tempo. Os habitantes desses Não Lugares estão presos à espera de algo que não sabem o que é”. Radarani Oliveira explica que sempre existe a dramaturgia por trás da cena, o circo é meio teatro, meio atletismo.

Foto: Thauany Melo

ARTES CIRCENSES

alunas, o professor tentava contornar o receio fazendo demonstrações,“esse é extremamente simples” dizia, depois se contorcia inteiro no tecido, como se por tanto tempo na arte tivesse se tornado tão maleável quanto aquela malha. Ana Cecília foi, obstinada, se atracando no tecido, primeiro enrolando o pé, tecendo uma base para que nem todo o peso ficasse para os braços, depois subindo cuidadosamente, separando as duas partes que compunha o cordão, jogando o corpo para frente e desatando um sorriso, tudo conforme as frases norteadoras de Filipe, que mais tarde nos contou o quanto a expressão do rosto é parte fundamental na performance e que ainda treinariam a encenação artística. No trapézio a relutância era ainda maior. Encarávamos, estagnadas, aquela barra de aço suspensa por tecido enquanto Filipe explicava alguns movimentos executados durante as apresentações profissionais. Falava dos carpados, das piruetas, dos saltos que só de pensar causavam frio na barriga, o receio deu lugar ao entusiasmo. Pouco a pouco ela criava intimidade com o equipamento, ficava na ponta dos pés, descia e subia, balançava e ainda fazia poses para a câmera. Terminamos com mais alongamentos, os corpos suados, risadas e a música um tanto mais alta que no início. “A ideia do circo para mim é o prazer de exercitar e tomar consciência do corpo e da mente” confessou mais tarde.


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samambaia

Goiânia, agosto de 2018

fotos Izabella Pavetits e Stefany Vaz texto Yasmin Ramos dESIGN Stefany Vaz e Yasmin Ramos

OLHARES

O CIRCO aço a ti n ta d o p a lh e o n o m e u ro s to is r r o s o ta in p a d e ir o. re c o lo re o p ic b a ta ção o p u lo d o a c ro to d o m e u c o ra n e m ti a b o a m a rc p ra u m la d o p ro o u tr o ta lg ia o s a lt o d a n o s q u e e s c re v e n u m ro d o p io re in v e n ç ã o.


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