DO CURSO DE JORNALISMO
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CRÔNICA
NÃO, EU NÃO QUERO SER COVARDE Por Yago Rodrigues Alvim
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
GOIÂNIA, JULHO DE 2014
nº 068/ ANO XIV
Reprodução
JORNAL LABORATÓRIO
EDUCAÇÃO
SALAS VAZIAS Procura por cursos de Licenciatura vem diminuindo cada vez mais
PERFIL
ASSUMIR SEM SUMIR A história de Guilherme, vidente dos sonhos
IMPRENSA PROFISSÃO DE RISCO Número de casos de violência contra jornalistas é preocupante. pg. 10
Editores de Capa AGUITA ARAÚJO, AMANDA DAMASCENO, JÚNIOR BUENO E NATHÁLIA BARROS | Criação, Foto e Design de Capa VINICIUS DE MORAIS E KAITO CAMPOS
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LITERATURA AFRICANA, QUE REMONTA AO NOSSO PASSADO HISTÓRICO, É POUCO CONHECIDA NO BRASIL. pg.8
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GOIÂNIA, JULHO DE 2014
- OPINIÃO -
RUMOR
OLHE OUTRA VEZ
EDITORIAL
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Samambaia funciona em um contexto laboratorial, cujo conteúdo depende diretamente do aprendizado adquirido no dia a dia das salas de aula. Dentro deste processo, que vai do “aprender” ao “fazer”, repórteres, editores e diagramadores se veem, a cada edição, confrontados com questões que envolvem ética, compromisso e respeito. Nesta edição, destacamos este último item; pois acreditamos que, por meio do respeito, podemos nos livrar de um mal que nos devasta: a violência, seja ela de qual tipo for ou onde for. Quando pensamos em violência, geralmente nos vêm a mente imagens sangrentas: brigas nos estádios, tiroteios entre policiais e traficantes nas favelas, assassinatos, roubos, confrontos em protestos, guerras. Coisas que acontecem todos os dias, mas que nos parecem distantes apesar de tudo, afinal, não passamos por
nada disso. Nos sentimos tocados por um momento, mas esquecemos assim que algum afazer cotidiano exige nossa atenção. Não estamos feridos. O ser humano, no geral, tem imensa dificuldade de se colocar no lugar do outro. Se temos problemas para dimensionar e sofrer com a dor física de um semelhante, com o sangue explícito, imagine então entender a dor emocional e psicológica, o sofrimento que não é visível. Sim, o conceito de violência vai além do que os olhos veem. Também envolve o aspecto interior. O que nos remete novamente ao respeito, palavra que tem sua origem do latim e significa “olhar outra vez”. Diversas matérias desta edição, de forma direta ou indireta, nos falam sobre violência: o cerceamento da liberdade de imprensa e do direito do exercício profissional pleno, a desvalorização de classes trabalhadoras, o julgamento do amar, o desprezo pela autonomia da mulher frente ao domínio masculino. Desrespeito, incompreensão, repressão, humilha-
Guilherme Carneiro Costa
Por LAYSSE SANCHES, LORRAINE CARLA E MARCELO GOUVEIA Designer AMANDA DAMASCENO
ção... Violência. Precisamos olhar outra vez. Nos acercar do outro, compreender, cuidar, apoiar. Como jornalistas em formação, jovens cheios de vitalidade e sonhos, desejamos e lutamos por um mundo em que o respeito seja um ponto de concordância humano para que assim ninguém tenha
sua integridade ferida, seja fisica ou moralmente. A compreensão é fundamental para a convivência. Seja e deixe ser, viva e deixe viver. Olhe outra vez. É esta a reflexão que propomos na derradeira edição do Samambaia deste semestre, torcendo para que ela seja tão enriquecedora para quem lê, como foi para quem a produziu.
- CRÔNICA -
N Ã O, E U N Ã O Q U E R O S E R C O VA R D E
P
Por YAGO RODRIGUES* | Designer e Ilustradora AMANDA DAMASCENO
or favor, saia da minha casa. Saia de qualquer lugar que você tenha se escondido. Eu não te quero aqui. Não tem problema: eu também sou humano e o monstro como adjetivei todos. Pode ir. Não é ingratidão, nem falta de respeito. Pelo contrário, é para ver se te faço bem. Vai, saia logo. Ninguém te vê chorando no escuro. Nem mesmo você. Não percebe o quanto é patético, tanta covardia? Covardia até de me conversar por um texto que seja. Sim, isso é para você e não para qualquer garoto por quem já chorei noites e noites. Os meus ‘você’ já mudaram inúmeras vezes em um só dia. Vai! Já me cansei de você me chamando de “objeto”. Eu não me quebro como um vaso de decoração. Se eu fosse
qualquer metáfora, eu aceitaria uma que morre, uma que tem vida, que sente dor. Não um vaso que mal se importa com a poeira. Eu odeio essa tal “indiferença” que você finge ter por mim. Não vê que isso me machuca? Não vê que eu também existo em um quarto qualquer? Não vê que sou teu amigo? Então, por favor, pare com esse amor ilusório por mim ou me beije de uma vez. E vai ver como sou sapo. Como sou inseguro. E vê se para de me amar por minha fragilidade. Eu não me importo em ficar sozinho. Eu não quero gatos, eu não quero bichos de estimação, eu sempre os mato. Eu sempre deixo o portão aberto, sem querer. E dessa vez, eu quero. Quero muito que você, meu “um ser humano”, atravesse todas as portas
e saia de qualquer jeito: você merece amor. E não eu. Não que eu seja pouco. Eu sou muito, como qualquer outro alguém. Você não me merece, porque eu não te mereço. Porque o único amor que eu tenho por você é o de amigo. O de irmão. E esse amor é um laço que ainda amarro todos os dias. Não acredito num amor construído assim, em um segundo. E num segundo você acabou comigo por não ter coragem de dizer que me queria. Então, chega. Se você não tem coragem de dizer que me ama, eu tenho coragem de dizer que não te amo. E saia logo da minha casa, por que eu quero te ver feliz e quero que alguma coisa dê certo para mim, também.
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FIC Ano XIV - Nº 68, Julho de 2014 Jornal Laboratório do curso de Jornalismo Faculdade de Informação e Comunicação Universidade Federal de Goiás
Orlando Afonso Valle do Amaral
Luciene Dias
REITOR
COORDENADORA GERAL DO SAMAMBAIA
Magno Medeiros
EDITOR DE DIAGRAMAÇÃO
DIRETOR DA FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
Luciene de Oliveira Dias
COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO
Salvio Peixoto
*Estudante de Jornalismo da UFG
Alunos da disciplina Laboratório Orientado - Diagramação DIAGRAMAÇÃO
Kaito Campos
Alunos da disciplina Jornal Impresso II EDIÇÃO EXECUTIVA
Marco Faleiro, Kaito Campos e Vinícius de Morais
Alunos da disciplina Jornal Impresso I PRODUÇÃO
MONITOR
PROJETO GRÁFICO
Contato - Campus Samambaia | Goiânia-GO - CEP 74001-970 | Telefone: (62) 3521-1854 - email: samambaiamonitoria@gmail.com | Versão online no issuu.com/jornalsamambaia | Impressão pelo Cegraf/UFG - Tiragem de 500 exemplares
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CURSOS DE LICENCIATURA SOFREM COM SALAS VAZIAS PROFESSOR NÃO É ATRAENTE NEM MESMO PARA OS QUE ESCOLHERAM ESSE CAMINHO Repórter FERNANDA GARCIA Editor ANANDA PETINELI
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Designer
KAITO CAMPOS
er educador, especialmente no Brasil, é uma escolha de poucos. Segundo dados divulgados no ano passado pelo Censo da Educação Superior, o número de matrículas em cursos de licenciatura no ensino superior aumentou somente 0,8% em 2012. Essa porcentagem decimal apenas revela uma situação preocupante: cada vez menos alunos desejam seguir a carreira docente. Em lista divulgada no site da Universidade Federal de Goiás (UFG), contendo a relação candidato/vagas do vestibular 2014/1, fica evidente a preferência pelos cursos de bacharelado. Licenciatura em Física, curso em período integral, recebeu 33 concorrentes, enquanto bacharelado, para o mesmo período, re-
cebeu 78 inscritos. O mesmo aconteceu com o curso de Ciências Biológicas, em que licenciatura teve 77 candidatos e 204 no bacharelado. A pouca procura já é um fenômeno entre estudantes do Ensino Médio e está estreitamente ligada à desvalorização do profissional de educação. Um estudo encomendado à Fundação Carlos Chagas pela área de Estudos e Pesquisas da Fundação Victor Civita apontou que apenas 2% dos alunos que estão concluindo o 3º ano desejam prestar vestibular para Pedagogia ou outra licenciatura. A pesquisa indicou também que outros 9% mencionam a intenção de graduar em cursos da área educacional básica, como História, Matemática e Letras, mas não garantem que atuarão como professor. Em entrevista para a revista Nova Escola, a supervisora do estudo, Bernadete Gatti, afirmou que “a queda de procura tem sido imensa. Entre 2001 e 2006, houve o crescimento de 65% no número de cursos de licenciatura. As matrículas, porém, se expandiram apenas 39%”. DESQUALIFICAÇÃO Conforme explicou o coordenador do curso de licenciatura em física da UFG, Jefferson Adriany, não é de agora a falta de reconhecimento dentro da
carreira docence. Para o coordenador, a baixa procura é mais perceptível entre as licenciaturas, mas, ultimamente, tem atingido diversos cursos de bacharelado. Adriany, todavia, concorda que as graduações que formam professores sofrem com salas vazias. O coordenador pontuou que, em muitos casos, os cursos de licenciatura são a última opção, executando o papel de saída mais Juliana, estudante de história, e sua orientadora Renata Nascimento fácil para a aprotibular para as licenciaturas estão, basivação no vestibular. Isso, segundo ele, camente, divididos entre os poucos que gera uma situação ainda mais problerealmente querem ser professor e outros mática: profissionais desqualificados. tantos que estão lá por falta de opção.“Professores pouco qualificados, de No que se refere à carreira docente, essa acordo com Adriany, não inspiram seus desqualificação dos profissionais é imalunos, que, por sua vez, não almejarão pactante. Porque você nunca vai consetrilhar o percurso da docência. Sendo guir vencer esse ciclo vicioso”, opinou. assim, os candidatos que prestam ves-
Hugo Rincon
TRABALHAR COMO
ALUNOS DE LICENCIATURA ESPECULAM SOBRE O FUTURO
Fernanda Garcia
O estudante Guilherme Marcelino, 20, que está no quinto período de Química na UFG, contou que em sua turma do último ano do Ensino Médio quase ninguém pretendia prestar vestibular para algum curso de licenciatura. Ele fazia parte do modesto grupo de futuros professores. Guilherme, contudo, é otimista quanto ao seu futuro profissional e acredita que a carreira de professor é pouco almejada porque existe preconceito em torno da profissão. “A baixa procura é por causa de um certo pre-
conceito, por achar que não há oportunidades no mercado de trabalho, por uma visão que parte da sociedade tem dos professores”, afirmou. O aluno acredita, inclusive, que em seu curso, há melhores oportunidades no mercado para os habilitados em licenciatura do que em bacharelado. Para ele, todavia, é preciso ter “facilidade em ensinar as pessoas”, um talento que ele descobriu possuir ainda no Ensino Médio. Graduanda do 4º ano de História pela Universidade Estadual de Goiás
(UEG), Juliana Duarte, 21, afirmou que o ponto chave da pouca procura por cursos de licenciatura é a desvalorização da profissão de professor. Além disso, a aluna disse que “é difícil entrar no mercado de trabalho e os concursos são limitados, apesar de existirem um bom número de vagas”. Para ela, não somente a questão salarial, mas também as más condições de trabalho são fatores que afastam as pessoas dos cursos de licenciatura. Ela frisou, contudo, que uma remuneração mais valorizada deve ser o primeiro
passo. “O aumento de salário é só uma mudança processual, mas é fundamental”, concluiu. Mesmo com o intuito de concluir sua formação, terminando o mestrado e o doutorado, para ministrar aulas na universidade, Juliana contou que pretende trabalhar também nos ensinos primário e secundário. “A educação básica é um momento decisivo na trajetória do aluno. Quero fazer parte disso, mas, infelizmente, o sistema público de ensino básico no Brasil ainda é muito carente em relação ao ensino superior”, disse. (F.G.)
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- COMPORTAMENTO -
POR UMA SEXUALIDADE LIVRE E FLUIDA Reprodução
PORQUE A IDENTIDADE DO SUJEITO VAI MUITO ALÉM DAS QUESTÕES DE GÊNERO Repórter BÁRBARA FALCÃO Editor MAGNO OLIVER Designer NICOLE REIS Debate promovido na Faculdade de Letras (FL) da UFG pelo coletivo Fluidez, que trata sobre a sexualidade
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tropóloga, os debates independem da existência de coletivos, já que as afirmações identitárias estão o tempo inteiro colocadas em pauta, seja nas mídias, nas lutas religiosas e em diversas situações do cotidiano. “Nosso objetivo é quebrar com essas ideias petrificadas que dizem que a identidade do sujeito é o sexo dele. Nossa contribuição enquanto coletivo é justamente questionar e desnaturalizar os comportamentos que são tidos como naturais, esse determinismo biológico que diz que o homem é voltado para uma área e a mulher para outra”, ressalta. Leonardo Valdez é estudante de Engenharia Elétrica na UFG e membro do Coletivo desde sua fundação. Ele comentou sobre a questão de um preconceito ainda maior nos cursos da área de exatas, que, em geral, são formados majoritariamente por homens e usam a virilidade como requisito para a boa aceitação “lá o preconceito é real e
evidentemente maior. É claro que a questão não se aplica de maneira tão radical ou genérica, mas nas simples brincadeiras percebe-se o machismo escancarado, e as mulheres, sem muita alternativa ou voz, acabam obrigadas a adotarem esses parâmetros”. Para o estudante, a Universidade deve assumir um papel além da profissionalização, que preze também pela humanização do ser. FLUIDEZ A escolha do nome “fluidez” não foi por acaso, vem de um entendimento de sexualidade como algo que é fluído e, portanto não se prende a categorias. “A ideia do Fluidez é pensar a diversidade sexual não apenas a partir de um viés que encara as identidades de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (que consitui o então atual movimento LGBTT) como fixas e estanques, mas sim como um fruto de práticas
identitárias que vão constituindo o sujeito ao longo da vida” – foi o que disse Matheus França, membro do Coletivo, formado em Ciências Sociais pela UFG e mestrando em Antropologia pela Universidade de Brasília (UNB). Matheus ressaltou que a heterossexualidade também é tema de discussão do grupo, já que a luta não é apenas contra a homofobia, mas também contra o racismo, o machismo, a transfobia e outras formas de discriminação e violência que também estão presentes nas heterossexualidades dissidentes. O grupo planeja para o mês de agosto a realização da festa Fetixxxe em comemoração ao primeiro aniversário do Fluidez. Matheus explica “a ideia é realizar uma festa que visibilize práticas dissidentes de se viver a sexualidade, ressaltando nossa preocupação em não fixar a discussão unicamente em identidades fixas, mas em práticas que são alvo de discriminação”.
Reprodução
Coletivo Fluidez surgiu em agosto de 2013 nos corredores da Universidade Federal de Goiás (UFG). Fruto de uma vontade conjunta de unir forças para combater as opressões, sobretudo de gênero e sexualidade. São realizadas reuniões semanais, geralmente nas sextas-feiras às 18h, na Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da UFG, além de encontros mensais para discutir textos. O Coletivo é composto por três comissões: a comissão acadêmica, que produz textos e coordena o grupo de estudos, a comissão estrutural, que informa sobre as reuniões, locais, horários e o que será discutido, e a comissão de divulgação e comunicação, que divulga nas redes sociais o que acontece no grupo. Psicanalista, antropóloga e cofundadora do Coletivo Fluidez, Giórgia Neiva ressaltou a importância de ir para a rua lutar, mas atribuiu igual importância aos argumentos daqueles que lutam. Segundo a an-
UFG APROVA USO DE NOME SOCIAL Na tentativa de diminuir a discriminação e a violência sofrida por transexuais e travestis, a UFG aprovou o uso e inclusão do nome social nos registros oficiais e acadêmicos. Os membros do Conselho Universitário aprovaram a resolu-
ção por unanimidade no dia 23 de maio. Agora, estudantes transexuais e travestis podem ser chamados sempre pelo nome social, sem que haja qualquer menção ao nome civil em frequências de classe, apresentação de trabalhos, colação de
grau, defesa de monografia e outros eventos acadêmicos. No entanto, como a resolução é interna à UFG, documentos com efeitos externos como histórico escolar e certificados ainda farão uso do nome civil. (B.F.)
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- ECONOMIA -
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ANO MOVIMENTADO DEVE SER ECONOMICAMENTE PARADO ENTENDA COMO ELEIÇÕES E COPA DO MUNDO MEXEM (OU NÃO) NA RIQUEZA DO PAÍS
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Repórter BÁRBARA FALCÃO Editor KAITO CAMPOS Designer CAROL ALMEIDA
eja pelo clima de festa da Copa do Mundo ou pelo clima de expectativa gerado pelas eleições presidenciais, uma coisa não se pode negar: 2014 é um ano importante para o Brasil. Porém, essa movimentação não deve resultar em crescimento econômico, ou pelo menos é o que dizem os especialistas. Se em 2013 o Produto Interno Bruto (PIB) nacional avançou 2,3%, as projeções para esse ano apontam para um número menor ou semelhante. Além dos eventos, fatores como alta inflação, elevação de taxas de juros, falta de estímulos para o consumo e carga tributária influenciam diretamente nessas projeções. O coordenador técnico da Federação das Indústrias do Estado de Goiás
(FIEG), Wellington Vieira, explicou que ano de eleição é péssimo para a economia justamente por causa da incerteza acerca do próximo governante. Segundo ele, “as empresas não investem, ano político naturalmente é um ano ruim. Em ano político ninguém toma decisão importante porque issogeralmente é impopular.” Vieira ressaltou ainda que grande parte da inflação é causada pela despesa crescente do governo e que, em época de eleições, torna-se ainda mais difícil reduzir os gastos, aspecto que gera aumento das taxas inflacionárias. Em relação à Copa do Mundo, o presidente da Federação do Comércio de Goiás (Fecomércio-GO), José Evaristo dos Santos, salientou que os benefícios vieram apenas para o setor de bebidas e para o de serviços, como hotéis e restaurantes, nas cidades-sede. No caso de Goiás, que não recebeu fluxo considerável de turistas, pode-se dizer até mesmo que a Copa prejudicou a economia, por causa das vendas perdidas durante os jogos do Brasil. Algumas lojas chegaram a registrar queda de 60% em dias de jogos. Ainda segundo Santos, até mesmo as camisas de seleções vendidas no Brasil não geraram resultados positivos, tendo em vista que a maioria foi fabricada no exterior.
GOIANOS COM DIFICULDADE PARA PAGAR DÍVIDAS
Fecomércio
A Fecomércio divulgou o resultado da última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) e um dado é preocupante em relação ao estado de Goiás. Se por um lado o índice de endividamento goiano (49,7%) está abaixo da média brasileira (62,5%), por outro lado o alerta fica para a
quantidade de pessoas que afirmam não terem condições de pagar as próprias dívidas. Enquanto o índice médio nacional é de 6,6%, o índice de Goiás está bem acima, sinalizando 10%. A pesquisa também revelou que os goianos continuam endividados, porém o grau de endividamento estabilizou, com uma queda de 0,1%. Outro dado revelado por uma pesquisa conjunta diz respeito à intenção de consumo das famílias, que diminuiu. Ou seja, famílias endividadas e sem condições de pagar as dívidas, consequentemente não pretendem comprar muito. Porém, mesmo com a diminuição na intenção de consumo, Goiás ainda está em situação melhor do que registra a média nacional, o que significa que o brasileiro no geral, nos últimos tempos, não pretendeu fazer muitas compras. (B.F) Tabela mostra diminuição na intenção de consumo
ALÉM
Editora MARINA ROMAGNOLI Designer CAROL ALMEIDA
O ano de 2014 vai ficar marcado na história do Brasil por uma série de motivos: vários setores entraram em greve, numa onda que abrangeu desde motoristas de ônibus até professores e funcionários de saúde da rede pública; o território nacional foi palco de múltiplas manifestações com reivindicações de teores diversos; e o País sediou um dos maiores eventos esportivos internacionais, a Copa do Mundo. No entanto, o acontecimento que influenciará com mais força a conjuntura político-econômica brasileira, por, pelo menos, quatro anos, são as eleições marcadas para outubro. Nesse evento tão aguardado pelos políticos, a população terá a dura responsabilidade de escolher presidente e vice, governador e vice de cada Unidade Federativa, senadores e deputados federais e estaduais. E na hora da preferência individual e coletiva pelos candidatos, muitos fatores pesam favorável ou negativamente. Diante de uma gama de estratégias dos candidatos para tentar a eleição – ou reeleição –, é necessário que o eleitor se atente não só para as políticas de cunho social, educacional e de saúde, por exemplo, mas também para as propostas em relação à economia dos estados e do País. O fator econômico influencia diretamente a vida de todos os cidadãos, tendo em vista que cada iniciativa política nesse âmbito reflete no salário e nos gastos individuais, bem como nas consequências para o pagamento de dívidas. A importância da economia é tão grande que uma política econômica considerada pelos especialistas e pela maioria da população como positiva pode ser, até mesmo, capaz de eleger um presidente, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso, após a implantação do Plano Real. Tal grandeza é comumente utilizada pelos candidatos para obter vantagens em suas campanhas eleitorais. Apesar das preferências político-partidárias individuais, os eleitores precisam considerar dois pontos importantes na hora de avaliar os acertos e erros econômicos de cada candidato. A primeira questão é desenvolver critérios sólidos para realizar uma avaliação cautelosa – e às vezes, manter certa dose de desconfiança – em relação a estratégias, tanto da situação quanto da oposição, de valorização de políticas próprias já utilizadas ou críticas a iniciativas econômicas fracassadas dos oponentes. Isso é importante para não se deixar lu-
DOS
NÚMEROS
Por ANANDA PETINELI
dibriar por promessas um tanto quanto “fora da realidade”, como reduzir a inflação e a taxa de juros drasticamente em um curto período de tempo, e também para não se tornar mera massa de manobra eleitoreira. Já o segundo ponto é ter a percepção de que o cenário econômico de um estado ou país não depende apenas das políticas de seus governantes, ao contrário de outras áreas. No momento de fazer a avaliação, devem ser considerados: o contexto mundial e as possibilidades reais de crescimento da economia, numa conjuntura que pode ser complicada, dependendo da maneira que o antecessor lidou com as questões desse mérito. Tomando como exemplo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre a inflação, que fechou 2013 em 5,91%, é possível perceber no atual governo brasileiro um crescimento expressivo – e quase contínuo – do índice, já que, nos últimos quatro anos, a taxa ficou bem acima do centro da meta, que é de 4,5%. Somado a isso, está o desempenho decrescente do Produto Interno Bruto (PIB), que teve um crescimento médio anual de apenas 2% nos últimos três anos, contra 4,6% dos quatro anos anteriores. Como já foi pontuado aqui, uma série de fatores influencia nesses resultados, como as dificuldades econômicas internacionais causadas – ainda – pelos efeitos da crise de 2008, a queda da balança comercial, que atingiu o menor superávit no ano passado desde 2000, e a valorização do real frente ao dólar. Apesar disso, algumas políticas econômicas também devem ser levadas em consideração, como o aumento da concessão do crédito e a diminuição da taxa básica de juros por cerca de dois anos, que contribuíram para o crescimento da circulação monetária no País e, concomitantemente à desaceleração do crescimento do PIB, possibilitaram o aumento da inflação. Tal panorama evidencia que o desempenho econômico é influenciado por fatores que, muitas vezes, fogem ao controle dos governantes que a população escolhe. No entanto, é necessário ter em mente que isso não os exime da responsabilidade de tentar contornar os obstáculos e contribuir para uma sociedade cada vez melhor; pelo contrário, tais dificuldades devem ser justamente o ponto de partida para que os políticos adotem medidas efetivas de crescimento econômico, controle da inflação e redução da desigualdade de renda.
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- ACESSIBILIDADE -
C A M P A N H A A J U D A A R E S G AT A R SORRISO DE CRIANÇAS CARENTES SORRISO SOLIDÁRIO
OFERECE TRATAMENTO ODONTOLÓGICO GRATUITO PARA PÚBLICO INFANTIL Repórter FERNANDA GARCIA Editor MARIANA ARAUJO Designer CYNTHIA COSTA
Goiânia, Brasília e São Paulo atuam em conjunto para a realização do projeto. Voluntários também ajudam, fazendo as doações que serão repassadas aos pacientes. Shimada contou ainda que o foco é prestar atendimento para crianças que nunca tiveram tratamento odontológico. Para a maioria dos que já participaram, era a primeira vez que iam ao dentista. O odontólogo acredita que o Sorriso Solidário contribui positivamente para o desenvolvimento social do país, promovendo a inclusão social. AUTOESTIMA
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os últimos quatro anos, sorUma pesquisa desenvolvida pela rir tem sido mais fácil para Universidade Federal de Minas Gecrianças carentes do estado rais (UFMG) mostrou que o sorriso de Goiás. O Instituto Ricardo Shimainfluencia diretamente nas relações soda, com o projeto Sorriso Solidário, é ciais e na autoestima. Ao estudar 1612 o responsável por ajudar a trazer mais jovens, os pesquisadores da universialegria e bem-estar para garotos e gadade constataram que imperfeições rotas das comunidades pobres ou, até dentárias interferiam na qualidade de mesmo, em situação de abandono. vida não somente dos adolescentes Idealizada em 2010, a campanha analisados, mas também de seus famiacontece quatro vezes ao ano e já atenliares. deu mais de 400 crianças. Além de ofe“Jovens com fraturas dentárias rerecer o tratamento dentário gratuito, lataram maior dificuldade de sorrir e se o projeto realiza também, durante os mostraram preocupados com o que os encontros, outros pensapalestras eduA saúde bucal é primordial vam”, afirmou cacionais, disa coordenatribuição de dora da pespara o futuro bem-estar br inque dos, quisa, Crisroupas, cestas tiane Bendo, social da criança. básicas e kit de em entrevista higienização para o portal bucal. As ediSaúde Plena. RODRIGO SHIMADA ções sempre De acordo Odontólogo contam com com ela, os a participação problemas de artistas plásticos, que fazem pinturas dentários dificultam até o desenvolvie desenhos com as crianças enquanto mento de atividades rotineiras como elas aguardam o atendimento. comer, namorar e trabalhar. De acordo com o odontólogo e O Sorriso Solidário, então, entra presidente do instituto, Ricardo Shicomo uma chave para a melhoria da saúmada, a campanha Sorriso Solidário de bucal, da autoestima e, consequenteconta com a colaboração de parceimente, da qualidade de vida do paciente. ros. Empresários e odontólogos de “A saúde bucal é primordial para o futu-
Projeto Sorriso Solidário já atendeu mais de 400 crianças
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ro bem-estar social da criança”, alegou o presidente do Instituto Ricardo Shimada, onde a campanha foi idealizada. Durante as edições do projeto, os dentistas trabalham desde o tratamento de cáries até implantação de prótese dental. Assim, cuida-se da saúde bucal das crianças, atuando
Fotos: Divulgação
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Sorriso Solidário conta com a ajuda de parceiros e voluntários
conjuntivamente no campo estético. Para Shimada, é igualmente importante oferecer um atendimento que tenha em vista o aspecto preventivo e educativo. ACESSIBILIDADE A saúde bucal no Brasil ainda está longe de ser ideal. Dados divulgados pelo portal EM, no início do ano, revelaram que, apesar de o país ser o que mais tem dentistas no mundo, apenas 15% da população vai ao odontólogo regularmente. Os números acusaram, ainda, que cerca de 24 milhões de brasileiros nunca pisaram em um consultório odontológico. A situação se agrava principalmen-
te nas regiões mais carentes e entre as pessoas com pouco poder aquisitivo. Segundo o presidente do Sindicato dos Odontologistas de Minas Gerais (Somge), em entrevista também para o portal EM, embora o número tenha crescido nos últimos dez anos, somente 37% dos dentistas brasileiros atendem, hoje, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um estudo desenvolvido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) concluiu que a pouca procura por tratamento dentário é resultado, sobretudo, das dificuldades de acesso por parte da população. A pesquisa indicou que, dentre os 20% de pessoas pertencentes à camada social mais pobre, 39% nunca foram ao dentista.
DENTISTA EXPLICA A IMPORTÂNCIA DE ATENDER PACIENTES MIRINS Uma ortodontia preventiva é muito mais eficiente do que uma ortodontia corretiva, conforme explicação do dentista Ednilson Gomes. É justamente na infância que o tratamento preventivo deve ser realizado, para evitar problemas de saúde bucal no futuro. “Ainda existe, dentro da área odontológica, uma grande linha de profissionais alegando que criança só tem que procurar o ortodontista quando nascerem todos os dentes permanentes, o que é um grande erro”, afirmou Gomes. O ideal seria que o paciente começasse a frequentar o dentista a partir dos cinco anos de idade, época em que se inicia a troca dos dentes de leite. O ortodontista falou também sobre a relação entre saúde bucal e estética. Pontuou que um simples dente torto, quando não corrigido,
pode acarretar em uma série de problemas. Nas crianças, especialmente, além de afetar as relações sociais, atrapalhando o desenvolvimento escolar, pode acarretar problemas respiratórios, defeitos no desenvolvimento da arcada dentária e dificuldades de dicção. O mais curioso é que a cárie não é mais a grande vilã entre a criançada. O dentista Edinilson Gomes revelou que na clínica em que trabalha, em que atende muitos meninos e meninas, houve expressiva diminuição no índice desse distúrbio. “Em Goiânia, por ter um clima muito seco, há muita incidência de problemas respiratórios. E todo problema respiratório faz com que uma arcada dentária seja deformada. Então, o que mais tenho visto são problemas relacionados à formação da arcada”, completou. (F.G.)
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- COMPORTAMENTO -
Márcia Borges
MÉTODO PILATES
José Abrão
BUSCA PELO EQUILÍBRIO DO CORPO
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CHAMA A ATENÇÃO POR SEU FÁCIL ACESSO E DINÂMICA Repórter JOSÉ ABRÃO
orpo são, mente sã. A máxima grega pode parecer batida, mas é exatamente o que atrai os entusiastas e os desconfiados que descobrem por recomendação ou por acaso o método Pilates. O método foi desenvolvido ainda nos anos 1920 pelo alemão Joseph Hubertus Pilates. Se trata de um método de controle muscular, equilíbrio e respiração que ele desenvolveu para ajudar na reabilitação dos lesionados pela Primeira Guerra Mundial. Hoje, o método é uma forma reconhecida de prevenção a lesões musculares e problemas ortopédicos, além de ser amplamente usada na recuperação de lesionados como complemento da fisioterapia. Mesmo sendo uma técnica tão antiga, ela só chegou à capital goiana em 2003. O fisioterapeuta e professor de Pilates, Uésclei Martins, conta que na época ainda era graduando e que ele e seus colegas da época estão entre os primeiros a conhecer de perto o método em Goiânia. Nestes dez anos, Uésclei passou a praticar e a dar aulas. Embora seja mais fácil de se encontrar, pouca gente ainda sabe do que se trata Pilates e quais suas utilidades. Uésclei explica as divisões: “Existe o Pilates fitness, pra quem busca um corpo definido, e o rehab, que trabalha mais a postura e é bom para lesionados e tratamentos pós-cirúrgicos. O exercício pode ser solo, usando acessórios como a bola, ou com aparelhos específicos do Pilates”. Ele conta que a maior parte dos alunos procuram o Pilates porque não gostam de academia e também porque querem relaxar: “É o aluno iniciante. Ele não gosta de academia, daquela ficha maçante todo dia, do ambiente. Ele se encontra no Pilates porque é mais dinâmico, tem um tempo diferente, além do trabalho personalizado”. Quem pratica, costuma fazer aulas duas ou três vezes na semana.
Pilates une técnicas ocidentais e orientais para fortalecer músculos
A administradora Márcia Borges começou a praticar há dois anos, principalmente para controlar o peso e porque detesta academia: “Tinha ouvido falar e lido sobre em uma revista. Luto contra o peso desde os 14 anos, aí resolvi fazer uma aula experimental”. Ela conta que achou tudo tranquilo até que: “No dia seguinte não conseguia nem sorrir (risos). Descobri que músculos que nem sabia que existiam. Hoje me alongando alcanço meu pé, antes mal alcançava o joelho”. Hoje, ela se diz apaixonada: “É uma aula diferenciada. Hoje sinto meu corpo, mantenho o peso, aprendi a respirar. É uma consciência corporal”. PREVENÇÃO O método pode ser praticado por pessoas de todas as idades, cada um com sua finalidade, mas vem atraindo a atenção de gestantes e idosos. “
Prática ajuda na reeducação da postura, por meio de alongamento
Os idosos têm suas limitações, não podem fazer exercícios de alto impacto. Eles buscam qualidade de vida. O Pilates previne lesões, osteoporose e artroses, pois fortalece músculos e articulações”, explica Martins. Para as gestantes, a prática é boa para o parto normal e também para manter a forma antes e depois do parto: “Podemos fazer um trabalho de pré-parto, trabalhando a respiração e fortalecendo os músculos pélvicos e abdominais, assim ela pode ter um parto normal tranquilo. Assim também como uma recuperação melhor e manter a forma”. Já a fisioterapeuta Andressa Fernandes começou a dar aulas de Pilates no ano passado em uma clínica especializada em reabilitação ortopédica. Ela conta que se interessou muito pela forma como o Pilates pode complementar o tratamento de recuperação dos pacientes: “Ele trabalha o corpo
como um todo. A postura, a força muscular, dá pra trabalhar com pacientes com dor na coluna ou dor muscular para além da fisioterapia convencional”. Porém, ela ressalta que o Pilates não substitui a fisioterapia, só a complementa: “É uma forma avançada de tratamento. Existem muitos pacientes que não podem fazer Pilates por causa do esforço, ou senão não podem no início do tratamento. Ele é um complemento que pode acelerar a recuperação geral do paciente”. ATLETAS Além de relaxar, definir e recuperar, o Pilates serve para atletas e bailarinos. É o que explica Andressa, que também é bailarina: “um jogador de futebol ou handebol, por exemplo, pode fazer alongamentos específicos para seus membros, melhorar sua flexibilidade e postura. Serve para amenizar o impacto dos esportes e previne lesões”. Martins complementa: “Muitos bailarinos procuram Pilates porque precisam de uma maior flexibilidade e resistência muscular. Os praticantes de Pilates de nível avançados todos praticam outra atividade esportiva. O Pilates serve para prevenir lesões”. Reprodução
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Editor MARCELO GOUVEIA Designer ALEX MAIA
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PONTES QUE UNEM CO MESMO COM APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS,
LITERATURA AFRICANA AINDA É POUCO CONHECIDA NO BRASIL Repórter VINÍCIUS MARQUES EDITORA Giuliane Nascimento DESIGNER Marco Faleiro
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África fica do outro lado do Atlântico e, ao contrário do que muita gente pensa, não é um único país, e sim um grande continente composto por 53 países independentes com seus respectivos povos e culturas. Por esse mesmo oceano que nos separa vieram os primeiros africanos para o Brasil, que hoje fazem parte da nossa cultura, do nosso povo e da nossa formação. Mesmo com as heranças da África, grande parte das pessoas tem pouco conhecimento da grandeza dessa terra. Grandeza que não se limita ao tamanho. São muitas Áfricas, muitos idiomas, muitas culturas, e é também na literatura
que encontramos mais essa pluralidade. Para o adido cultural da Embaixada da Angola no Brasil, José Carlos Lamartine, a África é um continente muito rico, tanto em riquezas naturais quanto humanas. “Em cada um dos países há escritores que em seus trabalhos literários refletem o modo de ser e de estar dos seus respectivos povos”, afirmou. Um dos brasileiros que se encantou pela literatura africana foi o professor Gustavo Brito, quando estava fazendo sua dissertação de mestrado na Faculdade de Letras da Universidade Educação democrática: a cultura africana nas salas de aula brasileiras Federal de Goiás. Ele foi para Johanesburgo, no último mês de se mostraram bastante entusiasmados. LEI abril, apresentar um trabalho na 40ª “Cerca de 51% da população brasileira Conferência Anual da Associação de é negra, só que os nossos negros conEssa falta de conhecimento da liteLiteratura Africana que lhe rendeu tinuam achando que são descendentes ratura e cultura da África no Brasil é de muitos contatos e grandes experiênde escravos. Nesse inconsciente coletise estranhar, uma vez que grande parcias. Já na chegada ele encontrou com vo do Brasil a África é um país pobre te da população do nosso país é negra Mia Couto, um escritor moçambicaque deve ser ignorado”, disse. e as culturas africanas também fazem no que tem obras de reconhecimento Para Britto, a literatura africana é parte da nossa história. Existe uma lei, internacional e durante a conferência fundamental para afirmação da nossa a 10.639, que foi publicada no Diário conheceu várias pessoas importantes identidade. E é a força das palavras que Oficial da União em 2003, no goverdo meio. pode reverter essa visão colonizada da no do então presidente Luiz Inácio No evento, Gustavo Brito apreÁfrica. “A literatura africana Lula da Silva. Ela torna obrigatório o sentou sua dissertação de tem o papel de igualar e ensino sobre História e Cultura mestrado sobre três ropermitir que todos se Afro-Brasileira nas instituimances do escritor Chenreconheçam. Desções de ensino para resgatar jerai Hove, do Zimbábue, e colonizar e resolver a contribuição do p o v o participou de várias mesas que esse débito colonial negro para o Bradiscutiam educação e literatura que nós temos ainda”, sil. africana. “O interessante na liteafirmou. Já se passou ratura africana é que ela é capaz de A promais de uma década e descolonizar a mente, a literatura fessora a lei, que era para entrar pós-colonial vem fazendo isso. Ela em vigor a partir da data de fala sobre a necessidade da afirmasua publicação, não está sendo ção da identidade”, disse. Apesar aplicada com tanta força. Quandisso, as obras produzidas no condo o professor Gustavo Brito estinente não chegam com tanta força tava na África do Sul e falava da às nossas terras. lei brasileira os colegas africanos
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N T I N E N T E S D I S TA N T E S MANIFESTO Pensando na distância que ainda existe do continente africano com o Brasil, o professor Gustavo Brito criou o movimento Vozes para o Futuro. No congresso que ele esteve na África do Sul reuniu contatos de professores de todo o mundo e quando retornou escreveu uma carta convocando todas essas pessoas para participarem do movimento. Na carta o professor fala sobre a falta de conhecimento de grande parte do povo brasileiro sobre a “existência de uma rica e poderosa literatura no continente”. Por esse motivo Gustavo Brito pede ajuda das pessoas que estudam e que amam a literatura africana para responder em forma de um pequeno vídeo: “Por que a literatura africana deve ser ensinada nas escolas públicas do Brasil?”. Para o professor as respostas podem ajudar a mudar esse erro histórico que até hoje existe. Como forma de protesto as respostas - ou vozes - vão ser levadas para as autoridades brasileiras e para o ministro da educação para reforçar sobre a urgente necessidade da presença da África nas escolas.
Professor Gustavo Brito no Congresso sobre literatura na África do Sul
REORGANIZAÇÃO DO NOSSO TERRENO
A professora de literaturas africanas Rita Chaves, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Centro de Estudos Africanos lembra que a lei 10.639 foi resultado da pressão dos movimentos sociais. Para a professora um dos motivos do desconhecimento da literatura africana no Brasil é a “maldita tradição de virar as costas para o continente (África)”. Embora existam vários problemas, ela vê alguns avanços com otimismo. Além da lei, nos últimos anos o Brasil teve um contato maior no âmbito da política externa com os países africanos. Para Chaves, esse tipo de ação favoreceu uma maior relação com o continente, mas não foi o bastante para superar todos os obstáculos. A falta de interesse no mercado editorial para publicação de livros do continente africano e ainda a postura tímida por
“Quando alguém vê o mundo apenas de uma cor não percebe a diversidade a sua volta.” Esse é um trecho do vídeo de divulgação do projeto A Cor da Cultura, criado para valorização da cultura afro-brasileira além contribuir para o fim do racismo. O projeto é uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), a TV Globo e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Ele foi criado em 2004 e tem realizado produtos audiovisuais, ações culturais e materiais para serem aplicados nas salas de aula.
parte das diplomacias dos países africanos para reverter esse quadro seria um destes. Algumas mudanças em relação à literatura africana no Brasil já são visíveis. Chaves lembra que, no final dos anos 70, só a USP tinha um estudo mais expressivo e hoje várias universidades de outros estados também estão implementando centros de estudos em relação ao tema. “Estamos em um processo de reorganização do nosso terreno”, afirmou. E para plantar as sementes nesse terreno, a professora Rita Chaves defende que as universidades devem assumir o papel para promoção de conhecimento sobre literatura africana com mais força. “Nós fomos formados por africanos, isso faz com que o Brasil tenha uma dívida inegável e indiscutível com a presença dos africanos aqui no Brasil”, avaliou. (V.M.)
Ilustrações: Valéria Saraiva (A Cor da Cultura)
to (para trabalhar a África nas escolas)”, destacou.
Arquivo Pessoal
Marilúcia Ramos, da Faculdade de Letras da UFG, que estuda literatura africana em língua portuguesa, também compartilha dessa afirmação.“Quando a lei aparece dizendo que você tem que ensinar história do Brasil com essa contribuição negra, eu penso que a literatura é um veículo excepcional para trabalhar essa questão da história. Não dá para separar”, disse. A professora volta no tempo e explica que a literatura africana traz toda a história do negro antes deste ser trazido para o Brasil. “Para haver uma transformação profunda e verdadeira é preciso conhecer, se eu conheço eu me convenço e mudo”, afirmou. Entender e estudar de onde viemos é fundamental para trilhar os caminhos para onde vamos. No último censo, mais da metade da população do Brasil se assumiu negra ou parda, esse dado fica mais evidente para a inserção da África na ponta do lápis da escolas brasileiras. Ramos defende que os cursos de licenciatura são fundamentais para essa questão, já que eles formam os futuros professores que vão atuar nas salas de aula. “Para uma mudança efetiva, não importa o tempo que passou, mas sim o que vem sendo fei-
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- ESPECIAL -
QUANDO A IMPRENSA É VIOLENTADA ESTATÍSTICAS
Jeff Castro
uma lista de todos os jornalistas mortos em todo o mundo, durante o expeASSUSTAM E REFLETEM diente ou por causa de sua profissão. Até o momento, em todo o globo, já FALTA DE CUIDADO foram 28 profissionais mortos. Desde que o Instituto começou a realizar a COM OS JORNALISTAS pesquisa, em 1997, o número mais que quadruplicou - de 28 jornalistas POR PARTE mortos em 1997 para 120 em 2013. No Brasil, durante o mesmo período, o número subiu de um para DAS EMPRESAS seis. O índice, se comparado com o de países em conflito como a Síria, onde 16 jornalistas foram mortos em 2013, Repórter LORENA LARA pode parecer pequeno. A questão, no Editor RAFAEL MIRANDA entanto, é que em um mundo mais deDesigner KAITO CAMPOS mocratizado e com mais acesso à informação, os índices de violência conentral do Brasil, Rio de Janeiro, tra jornalistas têm aumentado e não se 6 de fevereiro de 2014. Manrestringem a manifestações nas ruas. ifestantes protestam contra o Em Goiás, o último caso marcante aumento das passagens de ônibus na de um profissional da imprensa que capital carioca. Um rojão é arremesPedro Palma, editor do Panorama Regional, morto em 2014 foi vítima de violência é o de Valério sado e explode ao lado da cabeça de Luiz. Cronista esportivo na Rádio Jorjornais, revistas, produtos televisivos estaduais foi apontada como a princium cinegrafista da TV Bandeirantes. nal 820, o jornalista foi morto a tiros e de rádio. pal causa. “Não que os policiais façam Santiago Andrade foi socorrido por quando saía da emissora. Ele tinha Casos como o do repórter Rubens isso por algum motivo ideológico ou colegas no local, mas não sobreviveu 49 anos de idade e Salomão também raivoso. Eles fazem porque não têm e faleceu por morte cerebral quatro era conhecido por não entram nas o preparo devido”, apontou o diredias depois. Ele tinha 49 anos, esposa suas críticas aos O jornalista tem que estatísticas. Sator-geral da Associação Brasileira e uma única filha, também jornalista. times de futebol lomão foi agrede Empresas de Rádio e Televisão O local é Governador Portela, dislocais. Sete dispfazer a notícia, dido por policiais (Abert), Luis Roberto Antonik, dutrito de Miguel Pereira, sul do Rio de aros foram efetuana Assembleia rante a reunião. Janeiro. O horário é 19h25, o dia é 13 dos, seis atingiram ao invés de virar notícia. Legislativa do EsUma das soluções propostas para de fevereiro e o homem é Pedro Palma. Valério Luiz. O jortado de Goiás em a situação veio da Federação NacioEle está descendo de seu carro, na nalista morreu no novembro do ano nal dos Jornalistas (Fenaj). Maria José porta de casa, um sobrado de portões local. CLAUDIO CURADO passado, quando Braga, vice-presidente da Federação, de grade e muro baixo. Uma moto para Presidente do Sindicato cobria a greve dos propôs a criação das chamadas com dois passageiros e um deles desce. DISTINÇÕES policiais civis em comissões de segurança dentro das A moto continua. Poucos segundos dedos Jornalistas de Goiás Goiânia. Ele teve redações. O objetivo seria avaliar os pois, a moto volta e busca o passageiro “Temos dois tiseu celular tomado, foi agredido verriscos de cada cobertura jornalística e que descera e que efetuara três disparos pos de violência contra o jornalista”, balmente e expulso do local. definir quais as medidas e equipamencontra Palma, editor do impresso Panexplica Cláudio Curado Neto, pres“Foi a primeira vez que sofri algum tos o jornalista vai precisar durante o orama Regional. Ele sofrera ameaças idente do Sindicato dos Jornalistas tipo de violência durante meu tracumprimento de sua pauta. por uma matéria feita sobre o prefeito de Goiás. “Temos a violência dentro balho”, conta Salomão. “Aqui no Brasil O presidente do Sindicato dos Jornalda cidade e morreu na hora. das redações, com o assédio moral a situação é de muito risco, mas é de istas de Goiás, Cláudio Curado, conta que De acordo com o International dos patrões e temos a violência nas menor risco que em outros lugares”, a comissão, caso seja aprovada, será comPress Institute (IPI), esses são os dois ruas”, afirma. A violência dentro das afirma o repórter. Ele também aponta posta por jornalistas. “Vai ser avaliado que casos de assassinatos de jornalistas no redações não entra nos índices de a violência dentro das redações. tipo de estrutura o repórter necessita pra Brasil no ano de 2014. O IPI mantém morte, mas se reflete na qualidade dos “Vivemos uma situação difícil, tanto fazer a matéria, isso vai garantir um mínem relação às nossas vidas, como em imo de segurança necessária.” Ele também relação à nossa carreira, nossa destaca que ações estão sendo tomadas profissão”, explica. localmente. “Paralelamente, o Sindicato fez uma reunião com o comandante das COMISSÃO Tropas de Choque da Polícia Militar (PM) para fazer orientações e dar um relatório Os números são crescentes técnico dos equipamentos de proteção e não têm passado despercebidos. para as empresas comprarem e disponibiNo último dia 5 de maio, durante relizarem para suas equipes”, conta. união do Conselho de Comunicação A ideia é similar ao que propõe a Social do Congresso Nacional foram Comissão de Segurança proposta pela apresentados os índices e o aumento Fenaj. “Encaminhamos um ofício para do número de vítimas no Brasil. Se as empresas locais e estamos esperando em 2012 foram 50 jornalistas vítimas resposta”, afirma Curado. “No Rio de Jade violência durante o trabalho, o neiro, as emissoras já têm essa estrutura, número quase triplicou em 2013, que principalmente nos programas policiais. registrou 136 casos. Desses, 67% acTemos que estender isso para todas as onteceram durante manifestações em redações do País. O jornalista tem que locais públicos. fazer a notícia, ao invés de virar notícia”, A falta de preparo dos policiais ressalta o presidente. Santiago Andrade, cinegrafista da Band, morto em 2014
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VIOLÊNCIA DENTRO DAS REDAÇÕES A violência contra os jornalistas não se restringe às ruas. Existem dois tipos de violência contra o profissional da imprensa, como destaca o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Goiás, Cláudio Curado Neto. “Existe também a violência dentro das redações, que é silenciosa, com cargas horárias maiores e censuras, por exemplo”, pontua Curado. Para o jornalista Rubens Salomão, também existe a auto-censura e a dependência do repórter em relação ao veículo que o emprega. “Aqui em Goiás, o poder público ainda tem muita força nas agências de comunicação, então existe uma certa restrição para determinados assuntos”, explica. Ele afirma que é necessário ter jogo de cintura e “tentar manter uma boa relação com a sua empresa para ter o apoio do chefe quando for preciso”. “Se você é um repórter que não
dá importância para o seu veículo, o veículo não dá importância para você”, ressalta Salomão. A dupla jornada de trabalho que a maioria dos jornalistas pratica também pode se tornar um problema, segundo ele. “O repórter se envolve com política e se torna mais dependente de trabalhos comissionados ou extras, então ele acaba preso à política e deixa de fazer certas perguntas”. Rubens Salomão afirma que o maior termômetro para verificar tal situação são as coletivas de imprensa. “As pautas importantes não são questionadas, porque o jornalista fica com medo de perguntar algo mais polêmico e sofrer represália”, explica. “Nossas carreiras estão sempre em risco, é uma insegurança”, completa. (L.L.)
RETOMAR A VERDADE E BUSCAR A MEMÓRIA vítimas de violência durante o período militar”, ressaltou. “Estamos retomando a verdade e buscando a memória para podermos esclarecer, no relatório final, alguns fatos que foram mal contados ou tornados públicos de uma maneira equivocada”, aponta Dias Filho. Segundo o presidente da Comissão, alguns casos já foram pontuados, como o da Guerrilha do Araguaia, enquanto outros pontos ainda são sendo detectados. “Estamos investigando locais que foram utilizados para a tortura de presos”, ressalta. (L.L.) Canal Gama
Os casos de violência recentes não são pauta exclusiva das discussões. Violência contra profissionais da imprensa que ocorreram no passado também estão sendo apurados, como é o caso da Comissão Estadual da Memória, Verdade e Justiça. Criada com o objetivo de investigar os casos de desaparecidos políticos da Ditadura Militar em Goiás, a comissão tem um núcleo específico voltado para casos que envolvem jornalistas e a imprensa. “Dividimos em comum acordo para facilitar o trabalho em alguns núcleos, e fizemos isso no caso do jornalismo”, explicou o então presidente da comissão, Edemundo Dias Filho, exonerado em 16 de junho. “Temos um grupo que está avaliando a questão específica de jornalistas e pessoas da área da comunicação que sofreram e foram
Valério Luiz, jornalista assassinado em Goiânia, no ano de 2012
- EDUCAÇÃO -
SISTEMA DE SELEÇÃO UNIFICADA: ALARGAMENTO DO PORTÃO UNIVERSITÁRIO? EDUCADORES E
ESTUDANTES DEBATEM AS CONSEQUÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO DO SISU COMO FORMA ÚNICA DE ENTRADA NA UFG Repórter NICOLE REIS
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Editor MARCELO GOUVEIA Designer KAITO CAMPOS
Universidade Federal de Goiás optou pela utilização da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como critério único para entrada nos cursos de graduação. Os estudantes que desejam pleitear uma vaga na Instituição devem participar do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), administrado pelo Ministério da Educação (MEC). A resolução foi tomada em maio deste ano pelo Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura (Cepec) e começa a valer a partir do primeiro semestre de 2015. A UFG já destinava 50% das vagas à entrada pelo Sisu, enquanto a outra metade era preenchida pelo vestibular, realizado em quatro cidades: Goiânia, Catalão, Jataí e Cidade de Goiás. As provas do Enem são aplicadas em 56 municípios do estado, de modo que os estudantes que anseiam estudar na UFG têm agora a possibilidade de realizar o exame em diversas localidades. O pró-reitor de graduação, Luiz Mello de Almeida Neto, explicou a vantagem da adesão ao Sisu. “Os alunos poderão optar por concorrer a vagas em até dois cursos de graduação, em duas universidades diferentes, utilizando como mecanismo de seleção apenas a prova do Enem”, alega. Diversas instituições federais de ensino superior aderiram ao Sisu como forma única de acesso às graduações, e os saldos positivos nestas universidades impulsionaram a resolução tomada pela UFG. “Após analisarmos os resultados alcançados por outras universidades federais que já fizeram a adesão integral, o Cepec decidiu, por ampla maioria, aprovar a mudança”, destaca o pró-reitor de graduação. Vivianne Fleury de Faria, professora do Colégio de Ensino e Pesquisa Avançada em Educação (Cepae), considera que a decisão representa um grande avanço. “Pra mim, isso é democratização do ensino”, diz. Segundo a educadora, o Enem apresenta questões capazes de avaliar de maneira mais eficaz o potencial crítico dos estudantes. Ela ressalta: “As provas exploram conteúdos interdisciplinares que demandam mais análise, interpretação, do que memorização”. Pitias Alves Lobo é coordenador do Cursinho Popular Faz Arte, projeto de
extensão vinculado à UFG, que visa preparar estudantes de baixa renda para a entrada na universidade. Para o educador, da área de educação física, as demandas do Enem apresentam um caráter mais crítico e reflexivo, quando comparadas às do vestibular comum. “As questões do Enem dialogam com outras áreas do conhecimento, como educação física e artes, que historicamente eram marginalizadas no vestibular”, enfatiza. Porém, enquanto Vivianne realça a capacidade do Sisu de possibilitar “uma saudável movimentação geográfica dos alunos”, o coordenador do Faz Arte mostra-se preocupado com os possíveis efeitos desta mobilidade para algumas universidades do país. O educador teme que instituições periféricas, como as dos estados de Amapá e Acre, sejam ainda mais marginalizadas. Conforme ele, “os problemas de acesso à universidade se encontram também na educação básica. A escola pública carece ainda de melhorias, fontes salariais mais dignas, estruturas melhores do que estas. O Enem sozinho não resolve nada”. O professor de educação física lança outro questionamento, acerca do reducionismo de conteúdo que grande parte das escolas podem incentivar caso visem somente a adequação ao Exame. “O Enem massifica algumas questões. Um conteúdo é colocado enquanto único e fechado para todas as regiões, e muitas vezes pode cair no equívoco de desconsiderar conteúdos regionais, como fica a geografia de Goiânia?”, indaga Pitias. ADAPTAÇÃO Segundo o coordenador do cursinho comunitário, o Cepae continuará valorizando, durante as aulas, particularidades regionais, importantes na educação dos estudantes. Vivianne confirmou o posicionamento do colégio acerca da matéria a ser estudada.”Não haverá mudanças nos conteúdos. Talvez deva haver uma revisão na metodologia, de forma a esclarecer aos alunos os critérios de organização das questões, agora com ênfase na interdisciplinaridade”, esclarece ela. “O vestibular e o Enem atestam o fracasso da inclusão na universidade”, afirmou Pitias. Assim como ele, a professora de História Maristela Porfírio não está satisfeita com cenário característico do ensino público brasileiro: “Considero que transformações estruturais na educação exigem mais que mudanças cosméticas”. Segundo Maristela, alterações significativas no panorama educacional não se iniciam no método de seleção de universitários, mas devem partir de reformas estruturais no ensino médio e fundamental. Apesar de avessa a avaliações seletivas, como o Enem e vestibular, Maristela afirma que o colégio particular onde ministra aulas está se preparando para atender às peculiaridades do Exame. “Estamos nos adaptando, este é um processo longo. Os primeiros
e segundos anos já têm simulados do Enem. Nas aulas procuro trabalhar com leitura de imagens e participamos da Olimpíada de História da Unicamp, que é bem interpretativa”, explica. Faz Arte prepara estudantes de baixa renda para universidade Jéssica Vieira é estudante no cursinho Faz Arte gunda fase do vestibular, e que eu partie não está otimista com relação à decisão cularmente mais gosto”. Ele enfatizou que a pela forma única de ingresso. Ela teme interdisciplinaridade exigida na realização pelo aumento da concorrência pelas vagas do Enem impede que sejam trabalhados na UFG e alega estar decepcionada com os temas específicos do curso almejado. O auproblemas e escândalos que têm permeamento da concorrência pelas vagas constido o Exame Nacional do Ensino Médio, tui outra preocupação de Jeancarlos. todos os anos. Ela diz acreditar que teria A respeito de cursos de graduação que maiores chances de ser aprovada no vestirequerem provas de habilidades específicas, bular tradicional, mas está se preparando como Arquitetura e Urbanismo, o pró-reipara a mudança: “Estou estudando para o tor de graduação, Luiz Mello afiançou que Enem, usando principalmente de interprea universidade está ainda em processo detação de textos independente da disciplina, cisório. “O Cepec ainda regulamentará a resolução de exercícios, me mantendo informa de ingresso nos cursos de graduação formada sobre atualidades e temas polítique possuem Verificação de Habilidades e cos nacionais e internacionais”. Conhecimentos Específicos, já que esta não Jeancarlos Rodrigues, estudante de poderá ser feita por meio do Sisu.” Sejam Nutrição e colaborador no Faz Arte, alega quais forem os benefícios propiciados pelo acreditar que o fim do vestibular convenSisu em prol da democratização do acesso cional traz benefícios e prejuízos. “A unià universidade, é consenso entre os que disversidade gastará menos. Mas por outro cutem a questão a ideia de que a melhoria lado, perdemos a oportunidade de mosno quadro geral da educação brasileira apetrar de fato nosso conhecimento e poder nas pode ser pensada a partir de uma ampla de argumentação como é pedido na sereforma nos níveis mais básicos de ensino.
Jeancarlos Rodrigues de Oliveira
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FAZ ARTE E DESAFIOS NA PREPARAÇÃO PARA A UNIVERSIDADE Em 2015, o Cursinho Popular Faz Arte, grupo vinculado à Universidade Federal de Goiás, completará dez anos de existência. O coletivo surgiu como ONG e passou a Ação de Extensão que reúne voluntários e bolsistas em um importante compromisso social: a preparação de jovens de baixa renda, oriundos de colégios públicos, para a entrada na universidade. “Não é um projeto voltado meramente para o vestibular, é um projeto de formação política-crítica-social”, explica o coordenador, Pitias Alves Lobo. Segundo ele, o Cursinho não relega a segundo plano a formação humanística dos estudantes. Conforme o educador, o ingresso no coletivo como professor voluntário é uma boa maneira do estudante universitário retribuir a sociedade pelo ensino superior gratuito ao qual teve acesso. São abertas 120 vagas por semestre, destinadas aos que desejam estudar no Cursinho e possuam o perfil financeiro adequado. Aque-
les que não obtêm aprovação de imediato podem ter sua permanência prolongada no grupo. O processo de seleção consiste em uma análise da história escolar dos que se candidatam às vagas, em benefício de estudantes provenientes de colégios públicos. “Fazemos um questionário socioeconômico e também uma entrevista de realidade social. Então a bancada dos coordenadores que atuam no projeto se reuni e seleciona os alunos a fazerem matrícula”, esclarece Jeancarlos, graduando em Nutrição e um dos colaboradores da Ação. Os coordenadores têm como preocupação o fato de que a entrada de professores voluntários ainda é insatisfatória. “Mas felizmente, aos poucos, vamos conseguindo contornar estes problemas com novos professores e coordenadores de área que sempre buscam aluno da universidade capacitado com domínio de conteúdo e didática”, frisa Jeancarlos. (N.R.)
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- CULTURA -
AMBIENTE DE LAZER E CULTURA, CASA DAS ARTES ENCONTRA-SE FECHADA DESDE 2012 Repórter FERNANDA GARCIA Editor KAITO CAMPOS Designer KAITO CAMPOS
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cultura é, talvez, a maior manifestação da identidade de uma cidade. Ou como colocou poeticamente Gilberto Gil em texto para a revista Arquitetura Cultural, “quando falamos de cultura, falamos da essência da vida humana”. A cultura é, portanto, um dos pilares de sustentação para uma sociedade. Dados divulgados pela Federação das Indústrias do Rio (FIRJAN) mostraram que o setor cultural movimentou, somente em 2011, cerca de R$ 110 bilhões de reais, comprovando que a indústria criativa é primordial também para a vida econômica de um país. Contudo, manter os motores dessa movimentação cultural ligados, fora do mainstream, é difícil no Brasil. É ainda mais difícil em uma cidade localizada no coração tupiniquim, como Goiânia, onde a principal economia é a agroindústria.
Em 2012, a capital goianiense perdeu mais um local voltado para a produção e difusão cultural, a Casa das Artes. Construído em 2003, o espaço tinha por objetivo inicial sediar o Festival Internacional de Artes Cênicas. Com o tempo, a Casa das Artes passou a receber a maioria dos ensaios das companhias teatrais de Goiânia, além de realizar shows, mostras, exposições e debates. Apesar de sua importância, quando ainda estava ativa, a casa não era alvo de muitos olhares. A estudante de artes cênicas Elyza Cardoso, frequentou a Casa das Artes por dois anos para ensaiar com sua companhia e relatou que “era um local muito mal cuidado, com salas sujas, sem acesso a água e segurança”. DESCASO
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Divulgação: Casa das Artes
GOIÂNIA PERDE MAIS UMA ÁGORA MODERNA
Teatro de Bolso Cici Pinheiro, um dos espaços que operavam na Casa das Artes
aberta ao público, ambos operantes na Casa da Arte, não ganharam novas locações.
A falta de verba é apenas um argumento utilizado para maquiar uma administração pública ruim.
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Elizangela Brun
A história da A estudante Casa das Artes não de Artes Cênicas é tão incomum no Elyza Cardoso deBrasil. Segundo o clarou que “como ex-coordenador do artista e como espaço, João Bosco quem aprecia a Amaral, o fechaarte, o sentimento mento é fruto não é de abandono e somente da falta de ALICE MARTINS indiferença”. Elyza verba, mas também Professora de Artes Visuais da acredita que a Casa do menosprezo que Universidade Federal de Goiás das Artes é um o local sofria por exemplo do pouco parte da prefeitura. investimento que a prefeitura tem em Para a professora de Artes Visuais na espaços culturais na cidade. “Eles mais Universidade Federal de Goiás (UFG), tiram espaços do que constroem, reAlice Martins, a falta de verba é apenas formam quando dá, e, enquanto isso, um argumento utilizado para maquiar os artistas têm que se virar”, continuou. uma administração pública O Programa Estadual de Incenruim. “Em verdade, espaços como esse são fechados por má gestão do dinheiro público”, declarou. A professora teve contato com a Casa das Artes no início de 2012, para a filmagem de Fora de Padrão, longa do diretor Martins Muniz. Ela afirmou que já na época o espaço era subutilizado Goiânia conta hoje com oito cene abandonado. Para Alice, tros culturais. O Centro Municipal havia grande pressão imode Cultura Goiânia Ouro, instituição biliária em torno da Casa, pública, é um dos locais de maior exdevido à construção de pressividade na capital, de acordo com novos edifícios residena docente de Artes Visuais da UFG, ciais na região, o que conAlice Martins. É um espaço, segundo tribuiu para a desativação ela, “cujo papel no cenário cultural de do prédio. Goiânia tem afinidades com o que era Segundo Amaral, o cumprido pela Casa das Artes”. Elyedifício foi vendido para za Cardoso, aluna de Artes Cênicas, uma construtora que atua também lembrou-se do lugar como o na região do Lago das Romais importante no cenário cultural. sas. Desde então, o Teatro Contudo, faltam ambientes para de Bolso Cici Pinheiro, comportar toda a demanda da comudestinado a apresentação nidade. Um projeto urbano que comde espetáculos alternatemple, de fato, a construção de locais tivos, e uma biblioteca destinados a difusão cultural é indisElyza Cardoso, aluna de Artes Cênicas da UFG
tivo à Cultura, que há cerca de 14 anos atua na realização de projetos alternativos, tem sido importante na movimentação cultural da cidade. Apesar disso, o programa, que organizou o festival de rock independente Goiânia Noise, ainda se mostra insuficiente. São feitos constantes cortes de gastos, o que gera uma fila de projetos sem financiamento. O artista acaba caindo em uma disputa pela verba pública, o que, segundo Alice Martins, professora de Artes Visuais, gera tensões entre agentes que deveriam estar trabalhando para a construção de espaços comuns e compartilhados. “Enquanto não houver maturidade na classe artística, para se articular com autonomia em relação ao poder do Município ou do Estado, os aparelhos voltados para a cultura estarão sempre vulneráveis, e passíveis de serem fechados, como é o caso da Casa das Artes”, esclareceu.
ESPAÇOS CULTURAIS ESTÃO CADA VEZ MAIS INDISPENSÁVEIS NA VIDA URBANA pensável em qualquer sociedade. Para sustentar esse argumento, o geógrafo britânico David Harvey disse certa vez em uma de suas palestras que “o direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente”. O discurso de Harvey destaca exatamente a importância de se pertencer ao lugar onde se vive. Centros difusores de cultura facilitam o encontro de pessoas, a contribuição ativa destas para a sociedade, a criação e a transformação. São essas ágoras da modernidade vitais as responsáveis pela pulsação das cidades. (F.G.)
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GOIÂNIA, JULHO DE 2014
- PERFIL -
PORTAS FECHANDO O MUNDO QUE REAGE AO JEITO DE AMAR DE
GUILHERME, MENINO QUE DESVENDA SONHOS * Repórter KAITO CAMPOS
Editora AMANDA DAMASCENO Designer VINICIUS DE MORAIS
A
palavra que Guilherme estava mais acostumado a ouvir nas últimas semanas era não. A mãe não entendia e, por não entender, negou o mundo ao filho. Sem tranquilidade, sem liberdade e sem as outras coisas boas que terminam rimando com felicidade, ele ouviu a mãe gritar os desentendimentos dela. Ouviu no quarto, ouviu na sala, porque onde não havia móveis naquela casa, em Trindade, havia gritos. “Ela foi no meu quarto, depois eu fui atrás dela, porque ela começa a falar as coisas e termina, mas quando eu vou falar, ela sai.” Guilherme perseguiu a vez de falar até que pôde dizer que ia embora de casa, no que a mãe respondeu: “Não. Você não vai.” Nesse não a discussão havia crescido assim como cresceu os decibéis da voz de Guilherme. E as duas vozes duelaram em volume até que a da mãe prevaleceu: “se você quer ir embora, então você vai”. Ela apertou o botão do controle-remoto, mirando a janela: lá fora o portão eletrônico se abriu. Gui foi ao quarto, pegou a mochila preta e nela enfiou três bermudas, duas camisetas, calça, cuecas, escova de dente. Fechou a mochila, saiu do quarto, passou pela mãe. Ela disse que sairia de carro, também não aguentava a casa, as paredes ainda recendiam a grito. O quintal tem chão de concreto. Ali fica a casinha do rottweiler e do pit bull, um jardim à beira do muro e, no outro canto, a confecção onde a mãe trabalha com outras duas mulheres. Mas as agulhas repousam, é sábado. Aquele cômodo dá uma lembrança para Guilherme, porque fez a memória do dia que justifica os gritos da mãe, os gritos seus, o portão aberto de hoje. Foi um dia em que também não havia mais costureiras ali, a mãe estava sozinha diante da máquina de cos-
tura. Marta, a filha mais velha, estava na faculdade, cursa Farmácia. O pai, auxiliar de almoxarifado, instalava um lustre em algum lugar longe dali. ASSUMIR Essa memória de quase Natal era de um mês antes do dia em que precisou sair de casa. Guilherme entrou na confecção, sentou-se ao lado da máquina de costura, viu pela janela o retalho de céu que demonstrava entardecer. “Mãe, eu tenho que falar uma coisa para a senhora”, dissera o menino, como se a voz tropeçasse. E a máquina de costura parou de trabalhar um pouquinho, reunindo um silêncio que desse conta do que viria, “mãe, é que eu sou gay”. A mãe ouviu, serena, e olhou, serenamente, para depois dizer, com não menos serenidade, que não, nada disso, é só fase da vida, o filho estava crescendo, tem só 18 anos: “É só um pensamento que vai passar, depois você vai ver. Você nem tem jeito pra ser gay, não.” “Mas pra ser gay tem que levar jeito?”, rebatera Guilherme, calmo, mas inquieto. Ele guarda isto consigo, uma inquietação. É vontade por protestar contra injustiças, tanto as que são suas como também as alheias. Quando pequeno, diante da televisão que transmitia uma manifestação popular na rua, falava para a mãe, “mãe, quero estar lá”. E ela diria: “Você tá doido, menino? Ir pra rua pra quê? Vai pra esse negócio aí pra quebrar os trem...” Ele não é doido não, mãe, só tem afinidade pela diferença, por quem está na margem e à deriva. Mas quando cresce, Guilherme vai para a rua como se manifestasse sozinho toda a incompreensão da casa. Sua inquietação escancarase, nunca fora tão grande. A serenidade da confecção na tarde em que se assumiu deu lugar ao preconceito verbalizado nos gritos de não. Quando a mãe reparou que a sexualidade do
filho não passava com o tempo, perguntava a ele se era isso que queria para a vida, se achava certo. Pediu ajuda espiritual, se culpava, culpava a Universidade Federal de Goiás (UFG), onde ele cursa nutrição. Abriu o portão eletrônico, observou Guilherme ir embora até sumir. SUMIR O celular de Marcelo vibrou, era uma mensagem de texto de Guilherme: “Se alguém te ligar, não atenda”. Foi o bastante para o menino entender que deveria ter pressa, o amigo precisava de ajuda. Marcelo estava em Campinas enquanto Guilherme deixava Trindade, cidade a 17 km de Goiânia. Às vezes, o Setor Campinas parece guardar um sol embaixo do asfalto tão forte quanto o sol em cima do céu. Por isso, Marcelo suava quando tirou o terno que provava para vestir mais tarde, na festa de 15 anos de uma colega. Deixou o terno com a mãe, “pode alugar, que serve”, e sem dar muitas explicações correu para o ponto de ônibus. Marcelo sabia para onde ir. O mundo dos amigos que se amam a ponto de chamarem um ao outro de namorado é um mundo onde telepatia existe. À distância, um sentia o que o outro sentia. Marcelo entrou no Eixo Anhanguera, que falou num tom feminino: “Portas fechando”. Muitas portas se fechavam para ele nos últimos meses, não era bom conselho, Eixo Anhanguera. No Terminal Praça A, caminhou apressado entre caminhantes apressados, até que encontrou o 105. O ônibus já começava a partir, motores ligados, mais portas fechadas. Marcelo bateu na lataria, murros fortes. O motorista olhou o retrovisor. “Menino quer entrar”, deve ter gritado uma senhora de seu banco vermelho, braba. O ônibus parou, engoliu Marcelo inteiro. Lá dentro, ao fundo, estava Guilherme, mochila
no colo, olho vermelho de choro iminente. Explicou tudo pro namorado, sussurrando por se cansar de gritos. Desceram no Campus Samambaia da UFG, onde havia poucas pessoas, no sétimo dia todos descansam. Almoçaram comida boa, que a amiga Laura trouxera de casa: frango assado, arroz, batata e salada. Laura tinha sido avisada do incidente e tentou levá-lo para sua casa, mas ele preferiu ficar. Guilherme e Laura trabalhavam no Faz Arte, cursinho que então funcionava no prédio da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), na UFG, e atende à comunidade carente e pessoas de baixa renda. O Faz Arte reúne muitas memórias da vida de Guilherme. Ali, ele e Marcelo se conheceram: o primeiro como coordenador do cursinho e o segundo como aluno. E de conhecer, se fizeram amigos. E de amigos, um beijo de brincadeira, que se tornou sério. REAPARECER Guilherme nasceu no dia 2 de julho de 1995. No Faz Arte, a frase “deixa com o Gui que ele arruma” é a mais pronunciada possível. Isso porque ele acumulou cargos: é padrinho da turma C, coordena a turma das terças-feiras, coordena finanças, coordena os coordenadores e coordena a comu- nicação. Deixa com o Gui que ele arruma. Naquele sábado, ele não soube arrumar o tempo. De repente, eram dez da noite. Marcelo tinha vestido o terno que alugara em Campinas, estava na festa da amiga. Sobrara Laura, que falava: “Pessoa, vamos comigo pra minha casa. Se você não for, eu vou sozinha, que tá ficando tarde”, mas Guilherme resistiu, permaneceu, ao contrário da amiga. Sozinho, trancou a sala do Faz Arte e deitou no chão. Quando chora, ele fica cansado,
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OU ABRINDO se preocupado. O pai ainda não reconhece Guilherme como gay. Não sabe, porque chegou alguns minutos depois que o filho, naquela noite em que instalava um lustre bem longe dali. O menino deve ter ficado um bocadinho feliz que a mãe não comentara nada, preservou segredo. Porque acima de tudo paira um medo de como o mundo de dentro de casa vai lidar com o jeito que ele nasceu de amar as pessoas, de amar Marcelo. A música que Guilherme mais gosta no mundo vem da voz de Renato Russo e diz que tudo passa, tudo passará e nossa estória não estará pelo avesso, assim, sem final feliz, teremos coisas bonitas pra contar. Esta história não tem final feliz, porque não acaba, todos os dias ainda me encontro com Guilherme e Marcelo na faculdade. Eu pergunto se tá tudo bem. Gui disse que, nos últimos dias, a mãe de repente falou que estará ao lado dele, sempre, mesmo se o restante da família não entender. Marcelo também já saiu de casa, várias vezes, aliás. Ele guarda no temperamento efusivo o fato de que, em suas palavras, “a gente não faz nada de errado. O que que a gente faz de errado? O que que a gente tá fazendo de errado?”. Nada, Marcelo. Não tem nada errado.
Ilustrações: Kaito Campos
então dormiu assim que encostou a cabeça no braço em ninho. À meia-noite, teve um pesadelo: estava num carro que corria rumo a uma parede. O carro bateu, a parede ia esfolando seu corpo até chegar ao rosto. Num ímpeto, assustado, acordou com a certeza de um presságio, porque herdou da mãe a visão da realidade no sono. Se sonha, acontece. Encabulado com o pesadelo, lembrou-se de que depois da briga a mãe dissera que ia sair de casa com o carro, pela manhã. E já se levantando com as chaves do Faz Arte na mão, lembrou-se também de que ela tinha medo de dirigir, havia tirado a carteira recentemente. Correu. Ligou para a guarita da universidade, pediu para que abrissem os portões da FIC. No ponto, no frio, esperou que o ônibus 263, entrou. De lá, foi para o Eixo Anhanguera. “Portas Fechando”. Uma hora mais tarde, estava em Trindade, o portão bege em sua frente. Abriu-o, apreensivo. Ao primeiro passo para dentro do quintal, notou o carro ileso. O sonho, desta vez, era só sonho e a mãe dormia tranquilamente no quarto. Isto perturbou o menino, toda aquela tranquilidade. Sentiu-se negligenciado, sumira e ninguém tinha
* Guilherme e Marcelo são codinomes que representam personagens e histórias reais. Com isto, o Samambaia pretende preservar a intimidade dos entrevistados, com gratidão pela confiança dos mesmos, ao invocar memórias tão particulares.
CINE
FULEIRO
Editora MARIANA FELIPE Designer KAITO CAMPOS
O BALCONISTA
O
besteirol é um dos gêneros mais odiáveis, desprezíveis e sem graça de todo o cinema mundial. Entre as películas completamente esquecíveis do gênero, estão Todo Mundo em Pânico, Espartalhões, Para Maiores e assim por diante. Enorme foi a minha surpresa conhecer um diretor que faz filmes autorais em besteirol. Sério. No caso, falamos de Kevin Smith, que já fez seis filmes dentro do gênero que são ligados entre si, muito antes da Marvel Studios ter a mesma ideia, e até hoje seu primeiro filme continua sendo o melhor deles. Ele é O Balconista (Clerks), gravado e lançado de forma independente pelo diretor em 1994, que estourou 20 cartões de crédito no processo e usou a loja de conveniências onde trabalhava como cenário e filmou em preto e branco fuleiro para economizar no valor da revelação da película. O resultado é um filme curto, engraçado e com uma pegada estética única feita por um cineasta inexperiente e um preto e branco escuro e manchado. O filme rapidamente se tornou um sucesso cult e ainda hoje é difícil de ser encontrado. Ele está disponível no Netflix, caso você fique interessado. Em meio a piadas esdrúxulas envolvendo sexo, palavrões e funções corporais, o enredo acompanha Dante Hicks, balconista de uma loja de conveniência forçado a trabalhar no seu dia de folga no final de semana ao lado do seu melhor amigo Randall, que trabalha como balconista na locadora de VHS ao lado. Em um dia, o diretor mergulha o expectador nas dúvidas e mentalidade da geração X, que estava nos seus vinte e poucos anos naquela época.
Por José Abrão
Aquela constante sensação comum aos jovens de não saber o que fazer na vida, a sensação de que estão perdendo tempo e ao mesmo tempo a forma egoísta de pensamento de sempre se preservar com a vontade de ganhar tudo de bandeja fica muito clara em Dante e nos demais personagens, que parecem completamente perdidos em suas vidas, trabalhando há anos em empreguinhos que deveriam ser temporários porque eles não sabem o que fazer e não possuem nenhuma expectativa. O clima noventista de derrotismo é reforçado por uma trilha sonora composta inteiramente por bandas grunge obscuras, o gênero musical que deu voz à geração X. O grunge está reforçado até nas roupas dos personagens, com muitos coturnos e camisas de flanela. Esse pessimismo também é reforçado pelo próprio ano em que o filme foi lançado: 1994, ano que Kurt Cobain, principal letrista do Nirvana e porta-voz de uma geração, estourou os próprios miolos. Por cima disso, o filme também envelheceu bem. 20 anos depois, o roteiro continua atraente para jovens e as piadas continuam boas e algumas cenas um tanto memoráveis, como uma certa discussão sobre os direitos trabalhistas dos empreiteiros envolvidos na construção das duas Estrelas da Morte na trilogia Star Wars original, ainda são pérolas dignas de apreciação. Por fim, O Balconista é uma bela porta de entrada para os filmes de Smith, de já fez algumas críticas muito interessantes em filmes posteriores, principalmente à fanáticos religiosos em Dogma, ao machismo em Mallrats(1995) e à homofobia em Procura-se Amy (1997), entre outras produções bacanas.
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Baile
As senhoras aguardam. Observam também. Idosas, terceira idade. Melhor: avós, mães, mulheres. Com seus decotes, seus batons, colares, pulseiras, carinhos, memória, vida toda, além do que já foi. Não é permitido dançar com latinhas: apenas boas intenções. Ali, ao menos as cores são mais vivas e ainda sãs. Já vi tanto choro guardado em sorrisos de avós em asilos. Se são bailes ou não, eu diria a esses netos e filhos que os tirassem para dançar. Pois lembranças se esvaem, mesmo que em fotografias. A vida, então, quase é mais rápida que o ritmo do forró, no dois para lá e dois para cá. E ponto. Acabou, assim. Sem nada mais. Repórter YAGO RODRIGUES ALVIM | Editor KAITO CAMPOS Designer VINICIUS PONTES
GOIÂNIA, JUNHO DE 2014