Jornal Samambaia - Agosto de 2015

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DO CURSO DE JORNALISMO

DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

EMPREGO

NOS PALCOS GOIANOS Dificuldades de viver exclusivamente da arte de encenar

GOIÂNIA, AGOSTO DE 2015

nº 070/ ANO XV

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Carlos Siqueira

JORNAL LABORATÓRIO

INCLUSÃO

BOAS-VINDAS Campanha incentiva estudantes a práticas mais conscientes de trote

SAÚDE

ESTÍMULOS SONOROS Musicoterapia como alternativa no tratamento de lesões cerebrais

DIVERSIDADE

UMA QUESTÃO DE GÊNERO UFG reconhece direito de uso do nome social [Pg. 05]

samambaia Editores de Capa ANNA CAROLINA MENDES, LEON CARELLI, MILLENY CORDEIRO | Criação e Design de Capa: KAITO CAMPOS E LUCAS BOTELHO

LEI DO FEMINICÍDIO

ALTERAÇÃO NO CÓDIGO PENAL TIPIFICA PUNIÇÃO PARA CRIME DE GÊNERO [p. 3]


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EDITORIAL

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GOIÂNIA, AGOSTO DE 2015

- OPINIÃO -

TER E PRECISAR

RUMOR

Por BEATRIZ OLIVEIRA

Jornal Samambaia, como produto de um laboratório do curso de Jornalismo, tem se estabelecido enquanto suporte para a prática jornalística, uma oportunidade para se vivenciar o domínio técnico, o compromisso ético e a responsabilidade social ainda sob o amparo da academia. Como um produto de estudantes universitários, o Jornal Samambaia é lido como um retrato de suas preocupações e do mundo a sua volta. Talvez daí derive a intensa presença de pautas que circulem o universo acadêmico. Precedida por uma edição especial que nasce de uma inquietação e se torna forma de protesto, o segundo número do ano de 2015 trata, entre outros assuntos de igual importância, do papel e lugar das mulheres na sociedade atual. Este tema, o espaço das mulheres, de certa forma transversaliza grande

parte da edição que chega agora e, como dito por Chimamanda Adichie, se existe um problema de gênero, temos que resolvê-lo e “todos nós, mulheres e homens, temos que melhorar”. Mudanças como a adoção do nome social em ambiente acadêmico e trotes conscientes são pautas dessa edição, assim como o crescimento do número de mulheres no Jornalismo Esportivo e o mercado de trabalho pós-graduação. Com destaque para as alterações na lei do Feminícidio e o que isso impacta no que diz respeito à violência e discriminação contra a mulher. A seção Olhares traz o registro do intercambio de culturas, conhecimento e vivências proporcionado pela Jornada Magnífica. As mudanças nas diretrizes do curso de Jornalismo e as dificuldades enfrentadas no cotidiano acadêmico nos leva a necessidade de pensarmos o Jornal Samambaia coletivamente. Dessa forma, o laboratório de Jornal Impresso II promove, no final do primeiro semestre de

2015, um debate sobre o Samambaia que temos e o Samambaia que precisamos. O diálogo e o impulso por mudanças não se

esgota aqui e como estudantes, jornalistas, mulheres e homens, devemos estar sempre atentos, sempre crescendo.

I M P R E S S Õ E S L A B O R AT O R I A I S passagem por esta prática laboratorial pode fazer a diferença em nova vida profissional. No caso específico do processo de formação em curso de Jornalismo da Faculdade de Jornalismo conta com um Informação e Comunicação, desde o elemento central, que pode e final de 2013 que o corpo docente vem deve ser lido como aliado, materialise empenhando nas adequações neceszado na prática laboratorial de jornal sárias e um grande desafio é garantir a impresso. Muito embora as novas Dimanutenção desta prática. retrizes Curriculares Nacionais para os Orientada pela concepção de que cursos de Jornalismo no Brasil deixem um laboratório de jornalismo impresso explicitado que o jornal impresso não não deve replicar o mercado, mas poshá que ser a “espinha dorsal” de nossibilitar experimentação que fortaleça sa formação, não há dúvidas de que a profissionais com o que podemos chamar de cultura do bom Jornalismo, assumi a coordenação deste laboratório ainda em 2009. Desde então, e contando com oscilações conjunturais que implicaram até em distanciamento do laboratório em um ou outro semestre com o Atividade buscou repensar o jornal laboratorial propósito de “oxiPROFª LUCIENE DIAS, COORDENADORA DO JORNAL SAMAMBAIA

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genar” o laboratório, nosso empenho tem sido a busca constante por esta prática laboratorial capaz de envolver docentes e discentes em uma produção responsável e comprometida. Tarefa árdua se considerarmos a constância do projeto e a sazonalidade das turmas e das monitorias. Um balanço mais generalizado nos possibilita dizer que tivemos ganhos pontuais, mas também nos conduz a afirmar que o empenho é cotidiano e deve se manter. Já chegamos a ter garantida a publicação de até quatro jornais por semestre, contudo esta falta de periodicidade ainda é um dos problemas central do nosso Jornal Samambaia. Na altura de seus 15 anos de existência, falta a este veículo um projeto editorial e gráfico forte e que possa ser seguramente apresentado às turmas a cada semestre. O Samambaia foi o vencedor do Expocom Centro-Oeste 2015 pela sua abrangência e estética – e vale lembrar que estas são conquistas do próprio fazer –, sendo que nos cabe uma autoavaliação capaz de propor o resgate do nosso projeto, o seu fortalecimento, e, se necessário, uma mudança orientada.

A experiência do primeiro semestre de 2015 nos estimula. Pela primeira vez nestes 15 anos, conseguimos realizar uma atividade capaz de mobilizar docentes e discentes em reflexões sobre o Samambaia. Reunida durante toda a manhã de 15 de junho de 2015, esta coletividade conseguiu elaborar um documento que pode e deve servir como oriente para o trabalho do nosso Núcleo Docente Estruturante neste momento tão importante de reformulação curricular. E o que fica de ensinamento é que podemos sim atuar de forma propositiva na nossa formação desde que pensemo-nos enquanto coletividades. A síntese do caminho proposto por este documento, já apresentado ao NDE, é que devemos lançar mão deste momento de mudanças para fortalecer o nosso jornal Samambaia, uma vez que este veículo pode ser a guia que aglutinará e garantirá uma prática laboratorial densa e responsável no curso de Jornalismo da UFG. Neste sentido, rendemos gratidão à turma de Jornal Impresso II (a quem destaco como uma das melhores dos últimos tempos).

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FIC Ano XV - Nº 70, Agosto de 2015 Jornal Laboratório do curso de Jornalismo Faculdade de Informação e Comunicação Universidade Federal de Goiás

Orlando Afonso Valle do Amaral REITOR

Magno Medeiros

Luciene Dias

Laboratório de Jornal Impresso II EDIÇÃO EXECUTIVA

COORDENADORA GERAL DO SAMAMBAIA

DIRETOR DA FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

EDITOR DE DIAGRAMAÇÃO

Sálvio Juliano

Laboratório de Jornal Impresso I PRODUÇÃO

Angelita Pereira de Lima

Lucas Botelho

Laboratório Orientado DIAGRAMAÇÃO

COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO

MONITORIA

Contato: Campus Samambaia | Goiânia-GO - CEP 74001-970 | Telefone: (63) 3521-1854 - email: samambaiamonitoria@gmail.com | Versão online no issu.com/jornalsamambaia | Impressão pelo Cegraf/UFG - Tiragem de 1000 exemplares


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GOIÂNIA, AGOSTO DE 2015

- VIOLÊNCIA -

FEMINICÍDIO: AVANÇOS E FALHAS NA LEI MILITANTES FEMINISTAS DEFENDEM E CRITICAM O CARÁTER PUNITIVO DA NOVA LEGISLAÇÃO Reportagem ELISAMA XIMENES Edição MILLENY CORDEIRO Diagramação ADRIANA SILVA ISABELA LACERDA

Bacharel em Direito, Aline Gomes defendeu a criação da lei em sua monografia, ano passado. Ela utilizou como base o projeto nº 292/2013 que se distancia do que foi sancionado, em virtude de o primeiro projeto ter proposto tipificar como feminicídio o homicídio

Esse conservadorismo presente no governo brasileiro influenciou na aprovação do projeto final. A bancada fundamentalista mexeu no texto, “o Congresso se manteve conservador ao substituir a expressão gênero por sexo feminino, impedindo que as mulheres transexuais fossem alcançadas pela figura do feminícidio”, diz Aline. Apesar das controvérsias com relação à característica punitiva da medida, a professora Angelita tem esperanças de que a tipificação tenha um peso cultural.

Kaito Campos

provado após o Dia Internacional da Mulher, em 09 de março de 2015, o Projeto de Lei 8.305/14, conhecido pelo nome de Lei do Feminicídio, altera o Código Penal e passa a ser qualificador do crime de assassinato de mulheres em razão do gênero. Questionamentos acerca do assunto surgiram em comentários online nos diversos jornais do país que divulgaram a sanção. Perguntas como “mas homicídio é homicídio independente de gênero, né?” podem ser respondidas a partir do texto da Lei que caracteriza crime em razão de gênero quando envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O projeto é de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) da violência contra a Mulher e dentre as justificativas para a sua elaboração está o fato de que mais de dez mulheres são mortas por serem mulheres por dia no Brasil, segundo a CPMI. Além disso, entre 2000 e 2010, mais de 43 mil mulheres foram mortas no país. A mobilização para tipificar o feminicídio como qualificador do homicídio não é recente e o Brasil foi o 16º país latino-americano a aprovar a legislação. Para a recém-formada em Direito e integrante do Coletivo Feminista Pagu, Beatriz Bonach, o feminicídio é um “fator que causa o agravamento do crime” e aumenta a pena. Enquanto

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baixas. Beatriz Bonach destaca esse fator também, ao afirmar que são negros e pobres que predominam nas estatísticas de presos por violência de gênero. Ambas ressaltam que o recorte de classe na prisão, ou nas notícias, não é a real representação das estatísticas.

GÊNERO

FALHAS qualificado, cometido contra a mulher por razões de gênero nas seguintes circunstâncias: “violência doméstica e familiar; violência sexual; mutilação ou desfiguração da vítima e emprego de tortura ou qualquer meio cruel ou degradante”. Especificidades que foram generalizadas, segundo Aline, na lei sancionada. Em 1998, a professora de jornalismo Angelita Lima pesquisou, a partir de notícias, a violência contra a mulher. Uma das conclusões da pesquisa, que resultou em sua dissertação de mestrado, foi que, geralmente, eram noticiados apenas os casos que envolviam as classes mais

O Congresso se manteve conservador ao substituir a expressão gênero por sexo feminino, impedindo que as mulheres transexuais fossem alcançadas pela figura do feminicídio ALINE GOMES Bacharel em Direito

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que a reclusão de indiciados por homicídio é de 06 a 20 anos, a pena para o feminicídio corresponde a 12 anos e, no máximo, 30. Caso o assassinato tenha sido praticado durante ou nos três meses após a gestação, contra menores de 14 anos ou maiores de 60 e na presença de ascendente ou descendente da vítima, a pena pode sofrer aumento. A professora e militante feminista Angelita Lima considera que isso “pega o conjunto dos conflitos que afetam as questões de gênero”.

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A tipificação do feminicídio é defendida a partir do momento em que se entende a lei como uma proteção simbólica ao gênero feminino. Entretanto, Beatriz Bonach destaca um ramo do Direito denominado Criminologia Crítica, que entende o uso simbólico do direito penal como uma políitica chamada de “populismo penal”. Tratase, segundo Beatriz, de “tentar resolver problemas sociais através da criação de novos crimes”. Ela completa: “a criação de novos tipos penais nunca desencorajou ninguém a cometer aquela conduta que é criminalizada”. Contudo, Aline Gomes reconhece que o Direito Penal é “um importante elemento, mas não o único, para a afirmação dos direitos das mulheres”, além de contribuir na construção mais justa e democrática da sociedade. O fato de o congresso em vigor ser o mais conservador das últimas décadas é, para Beatriz, um obstáculo para o incentivo e desenvolvimento de políticas públicas pela Lei do Feminicídio. Angelita Lima afirma: “vivemos esse paradoxo, em que os movimentos sociais mostram sua potência e conseguem avanços na lei, mas as estruturas estão arraigadas e não conseguem materializar esse avanço”.

Ela afirma que, apesar de a homofobia ainda não ser crime, as pessoas temem serem taxadas como homofóbicas, e completa “talvez nós cheguemos a esse momento em que ser chamado de feminicida tenha mais peso do que ser condenado”. OPINIÃO Em pesquisa realizada no Terminal Praça A com 10 pessoas sobre se concordavam com a aprovação da Lei do Feminicídio, todos os entrevistados afirmaram não saber do que se tratava. Depois de explicada as mudanças que ocorreriam no código penal com a nova lei, a resposta das 10 pessoas, entre elas, mulheres jovens, idosas e homens de idades diferentes, foi um unânime “sim”. Oito das dez pessoas entre vistadas, afirmaram acreditar na lei, como meio de diminuir a impunidade. Jaqueline Emanuela, que espe rava o ônibus da linha 015, reconheceu que a aprovação da lei do feminícidio é um grande passo, no entanto tem dúvidas quanto a sua real aplicação. “Quero ver é cumprir”, desafia Jaqueline.


-ESPORTE-

M U L H E R E S C O N Q U I S TA M E S P A Ç O

JORNALISMO MARCAM PRESENÇA EM EDITORIA ESPORTIVA DA RÁDIO UNIVERSITÁRIA Reportagem LETÍCIA PÓVOA Edição NATÁLIA MONTALVÃO ANA CAROLINA JOBIM Diagramação LETÍCIA PÓVOA

PROFISSÃO Há casos em que a paixão pela área esportiva e em especial o futebol, se faz presente na hora de escolher uma profissão, como é o caso da estudante Núbia Alves. “Entrei pro curso já com a intenção de seguir a linha esportiva. Nasci e fui criada num meio totalmente futebolístico, família fanática, sempre frequentei estádios e isso com certeza influenciou na minha escolha. Jornalismo foi a melhor e mais linda forma de eu me manter próxima ao futebol, em contato com bastidores, dirigentes, contratações e com o torcedor. A paixão pelo futebol foi o que me motivou a entrar e começar uma carreira”. Natália Esteves é estudante do quinto período de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás e diz “sempre amei futebol e a minha

Acervo pessoal

az algum tempo que o jornalismo esportivo deixou de ser um campo exclusivo e restrito aos homens. Porém, a crescente procura das mulheres pela editoria esportiva nos meios de comunicação nacionais não acompanham o ritmo da profissão. De acordo com dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) publicados em reportagem de maio de 2013 pelo Observatório da imprensa, 64% dos jornalistas são mulheres. O mesmo órgão aponta, em reportagem de 2 de janeiro de 2014, que a maioria delas (68,8%) se encontra nas assessorias de imprensa. A Rádio Universitária, da Universidade Federal de Goiás é pioneira na radiodifusão educativa e, de acordo com seu site, em mais de duas décadas de Laboratórios dos cursos de Comunicação da UFG cerca de mil estudantes já passaram por lá. Atualmente, os graduandos do curso de Jornalismo podem se matricular em dois laboratórios da editoria esportiva: o Fanático Esporte Clube, que

vai ao ar diariamente e o Doutores da Bola, que faz transmissões de jogos dos times goianos. A estudante Núbia Alves cursa o terceiro período de jornalismo e está desde o começo de 2015 nos dois laboratórios oferecidos pela Rádio. Segundo Alves, a experiência com os laboratórios de jornalismo esportivo ainda é curta e cansativa quando unida as aulas da faculdade, mas ressalta que é uma área prazerosa e muito gratificante para se trabalhar. “A experiência que a gente ganha na Rádio Universitária é base pra toda uma vida profissional, pelo menos na área esportiva” diz Núbia Alves.

Acervo pessoal

ALUNAS DE

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Natália Esteves em transmissão ao vivo do Campeonato Goiano de 2014 paixão ao longo dos anos foi só aumentando. Sempre soube que o que eu queria fazer de profissão estaria ligado ao futebol e quando decidi fazer jornalismo já sabia que queria jornalismo esportivo. Depois de ingressar na faculdade tive certeza do que queria. Logo conheci a Rádio Universitária onde tive a oportunidade de começar a trabalhar com o que sempre quis, o futebol”.

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riência que eu tenho trabalhando nos estádios, posso dizer que o assédio é gigantesco. Já sof ri assédio de torcida, de prof issionais da comunicação e de gente de dentro dos clubes. Isso, infelizmente, é recorrente. C omo torcedora eu já sof ria esse tipo de coisa, como jornalista não foi e nem está sendo diferente”, destaca Núbia Alves.

A experiência que a gente ganha na Rádio Universitária é base pra toda uma vida profissional, pelo menos na área esportiva. NÚBIA ALVES Estudante de Jornalismo

PRECONCEITO

Núbia Alves, participante dos laboratórios esportivos da Rádio Universitária

Assim como em outras prof issões predominantemente exercidas por homens, as mulheres têm que passar por situações nas quais elas não se sentem tão respeitadas quanto um prof issional do sexo masculino, mesmo que sejam os jornalistas mais competentes. “C om a expe-

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Mesmo com tantos obstáculos, as mulheres se mostraram capazes de ganhar seu espaço como jornalistas esportivas. “Depois que comecei a trabalhar na Rádio além de ter certeza da minha profissão, descobri os outros lados do jornalismo esportivo que muitas vezes não vemos. O futebol, assim como o rádio, são ambientes extremamente machistas. Ser mulher que gosta de futebol não é fácil” explica Esteves.


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GÊNERO -

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NOME SOCIAL É REALIDADE NA UFG SOCIAL PARA COMBATER PRÁTICAS SEXISTAS E TRANSFÓBICAS Reportagem LETÍCIA PÓVOA Edição ISABELA LACERDA Diagramação ISABELA LACERDA

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om pouco mais de um ano, a Resolução nº 14, aprovada unanimamente pelo Conselho Superior da UFG, regulamenta o uso do nome social em todos os documentos oficiais e dependências da Instituição. Desde então, o Centro de Informação, Documentação e Arquivo da UFG, que fica no Campus Samambaia, já recebeu 14 pedidos de uso do nome social. Larissa Reis foi aprovada no último processo seletivo da UFG e acabou de chegar à Universidade para cursar Letras bacharelado em Estudos Linguísticos. Ainda em fase de adaptação, ela faz parte de uma minoria de travestis e transexuais que conseguem chegar ao ensino superior. Na Universidade, Larissa se surpreendeu ao saber da possibilidade de percorrer toda sua jornada acadêmica usando o nome social, já que seu nome de registro não contempla sua identidade de gênero. O coordenador de Inclusão e Permanência da UFG, Jean Baptista, esclarece que é preciso informar as pessoas trans e travestis que elas podem usar o nome social desde o Enem. Ou seja, na matrícula já se usa o nome social.

Letícia Póvoa

APROVA USO DO NOME

RECONHECIMENTO Larissa Reis explica que estudantes transexuais e travestis não passam por constrangimentos que acreditam haver no ambiente acadêmico, mas que haviam até pouco tempo atrás. “Hoje em dia as pessoas já começaram a se articular nesse sentido e surgiram pessoas interessadas nessa militância, dispostas a lutar à favor delas”, explica. Diferente de Larissa Reis, que precisou solicitar o uso do nome social, a estudante de Letras licenciatura em Francês, Thais Galdino já chegou à Universidade usando novos documentos, compatíveis com sua identidade de gênero. A estudante diz que não sente a necessidade de documentos para afirmar e vivenciar a plenitude de sua essência feminina. Galdino não precisou acionar a Pró-Reitoria de Graduação para usar o nome social, por já havia percorrido toda a burocracia da troca de nome para facilitar seu cotidiano e evitar os excessivos constrangimentos pelos quais já passou. “Me sinto respeitada, sabendo que tenho o respaldo de pessoas que me aceitam com o gênero com o qual me identifico”, afirma, reconhecendo a importância da resolução. INCLUSÃO Para esses estudantes, o acolhimento e inserção por parte da Universidade é essencial. “Quando a UFG adotou o uso do nome social, demonstrou a preocupação da Universidade em ser plural. Nós estamos vivendo um processo em que as pessoas chegam às universidades e reforçam as suas identidades e suas lutas identitárias ao invés de esquecerem quem elas são”, disse Baptista. Ainda que o uso do nome social seja uma das ações para que aumente o acesso desses estudantes ao ensino superior, existem muitas barreiras,

REQUERIMENTO Informações divulgadas no site da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da Universidade Federal de Goiás são de que “o uso do nome social se dará conforme artigos 2º e 3º, da Resolução Consuni Nº 14/2014. “Nome social é o modo como a pessoa é reconhecida, identificada e denominada na sua comunidade e no meio social, uma vez que o nome de registro civil não reflete sua identidade de gênero”, “o nome social poderá diferir do nome de registro civil no prenome e agnome, mantendo inalterados os sobrenomes”. Pessoas interessadas em usar o nome social devem preencher o formulário de solicitação disponível no site da Prograd e encaminhar ao Centro de Informação, Documentação e Arquivo (Cidarq).

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Estudante de Letras licenciatura em Francês, Thais Galdino

Eu tenho a impressão de que as minhas companheiras travestis acreditam que a escola não é para elas, que travesti não é para estudar LARISSA REIS

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UNIVERSIDADE

Estudante da UFG inclusive culturais a serem ultrapassadas até que transexuais ocupem tanto o espaço físico, quanto o espaço ideológico das Universidades públicas do Brasil. “Eu tenho a impressão de que as minhas companheiras travestis acreditam que a escola não é para elas, que travesti não é para estudar. É um reflexo das ideias que a sociedade constrói na mente da classe excluída. Elas sequer sabem do uso do nome social. A minha classe se considera indigna de frequentar qualquer espaço escolar”, desabafa Larissa. Sobre o desempenho acadêmico dos estudantes que solicitaram o uso

do nome social, o Coordenador de Inclusão e Permanência diz que “há um desempenho acadêmico anterior à Resolução com muita falta. Ou seja, a primeira mudança é a frequência em sala de aula”. De acordo com Baptista, a Universidade conseguiu diminuir a evasão desses alunos com a resolução. “Há uma relação direta entre um bom desempenho acadêmico e a adesão ao nome social. E isso afeta diretamente a frequência em sala de aula e o bem-estar do indivíduo em todos os ambientes da Universidade”, explica.


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- EMPREGO -

FALTA PRESTÍGIO ÀS ARTES CÊNICAS Acervo pessoal

PROFISSIONAIS ENFRENTAM REMUNERAÇÕES BAIXAS E MERCADO CADA VEZ MAIS DESANIMADOR Reportagem JÉSSICA CHIARELI Edição ANNA CAROLINA MENDES Diagramação NATÁLIA MONTALVÃO

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ntes de entrar no palco e iniciar a atuação, cada ator ou atriz costuma ter as próprias artimanhas para manter a calma e também para atrair sorte. Alguns pedem proteção aos deuses, outros esfregam as mãos e também há aqueles que tocam algum objeto que consideram o seu amuleto. No entanto, Rânnier Ribeiro, 22, apenas respira fundo e se concentra. Em 2014 ele trocou as terras vermelhas do sertão goiano pelas ondas brancas e pretas de mosaico do Calçadão de Ipanema. Ator desde a adolescência, ingressou no curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2012, mas decidiu solicitar transferência para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio) dois anos depois, onde estuda teatro atualmente. Uma das principais motivações para a troca de universidade é algo que não aflige apenas o estudante, mas a maioria dos atores e atrizes goianos: o mercado de trabalho em Goiás. “O ator goiano tem um grande potencial, mas sente na pele a falta de valorização da sua arte, tanto por parte do governo quanto por parte do público”, afirma o ator. E é justamente essa falta de um público que aprecie o teatro no estado um dos principais problemas apontados por Rânnier Ribeiro. Para ele, isso é reflexo de uma educação deficiente e precária oferecida pelas instituições de ensino, que não tratam a arte com a devida importância. “As artes cênicas dentro dos muros da escola são abordadas como uma arte recreativa e não de reflexão”, desabafa. Com o intuito de tentar mudar este quadro, no ano de 2000 a Universidade Federal de Goiás criou o curso superior

Elenco do espetáculo “Lucas, o caçador de onça” com profissionais que se desdobram para garantir a arte

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Acervo pessoal

em Artes Cênicas, nas modalidades lidestinam verba para a área e, além disdes, os atores também encontram dificenciatura e bacharelado. Formando, so, os que existem costumam ser extreculdades quanto à remuneração. Isso se desde então, atores e também professomamente burocráticos. “Outro grande dá principalmente pela falta de reconheres. Hoje em dia, 15 anos depois, a graproblema enfrentado por quem é de cimento do ator enquanto profissional, duação continua sendo a única opção meio teatral são os contratantes que, ao contrário do que acontece com prono estado para quem busca formação quando nos procuram para um espefissionais de outras áreas como médicos acadêmica na área. O que reflete a falta táculo, acham que aquilo deve ser feito e advogados. “Amamos o que fazemos, de oportunidades do mercado. de graça”, afirma. mas precisamos comer também, temos Guilherme Valadão, 24, não posAlém dos palcos, a sala de aula contas a pagar como todo mundo”, lemsui formação superior em teatro, mas também pode ser uma possibilidade bra o ator Guilherme Valadão. é ator há mais de Embora em Goiuma década. Graás o problema seja O ator goiano tem um grande potencial, duado em Letras, considerado mais inele reveza as aulas tricado, a desvalorizamas sente na pele a falta de valorização da de literatura e gração do ator não é algo mática, que ensina exclusivo do estado. sua arte, tanto por parte do governo quanto em um colégio púPara Guilherme Vablico, e as aulas de ladão, as dificuldades por parte do público. teatro para crianças que um ator enfrenta e adolescentes, que em Goiás são as mesRÂNNIER RIBEIRO leciona em um cenmas no Brasil todo, Ator tro cultural. Além pois não existe uma disso, ele também preocupação com os é membro da Companhia Alma de para os licenciados em teatro, como profissionais dessa área. Rânnier Ribeiro Teatro, na qual compartilha diversas declara a estudante de Artes Cênicas também conta que, embora o mercado inquietações sobre a profissão com os da UFG, Lara Moura, 22. “Para quem carioca seja mais abrangente e plural, ele colegas atores. faz licenciatura o mercado é mais proenfrenta problemas parecidos com os do missor, pois tem a possibilidade de dar mercado goiano. DESVALORIZAÇÃO aulas em escolas e afins”. A estudante Mesmo assim, os profissionais não lembra também que existem outras parecem desanimar. Valadão acredita Guilherme acredita que uma das possibilidades, como, por exemplo, que o quadro começa a apresentar muprincipais dificuldades de ser ator em trabalhos em publicidade, atuação em danças, já que mais pessoas estão direGoiás é a falta de incentivo financeiro, comerciais e curtas-metragens. cionando o seu olhar para a profissão e já que há poucos editais públicos que No entanto, mesmo nessas atividao ator já não é visto apenas como o profissional do “show pelo show”, mas como alguém que é capaz de ensinar, instruir e formar opinião. Além de despertar emoções desconhecidas através da arte. Rânnier Ribeiro, por outro lado, acredita que, no caso específico do estado goiano, é preciso combater o problema da desvalorização profissional do ator pela raiz. De acordo com ele, o que falta em Goiás é corrigir o modo de tratar a arte, pois o estado é rico culturalmente e possui atores e atrizes com um grande potencial. Rânnier Ribeiro no canto à esquerda com os colegas de elenco da peça “Terreiros da Infância”


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- EMPREGO -

CRESCE O NÚMERO DE UNIVERSITÁRIOS QUE NÃO TRABALHAM NA ÁREA ESCOLHIDA NA GRADUAÇÃO Reportagem VICTORIA DINIZIO Edição CAMILA TELES Diagramação ISABELA LACERDA

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última pesquisa divulgada pelo Movimento Todos Pela Educação (TPE) a partir de dados do IBGE, registrou que 54,3% dos jovens brasileiros conseguiram concluir o ensino médio com até 19 anos em 2013, número que vem crescendo com o passar dos anos. E é nesta idade aproximadamente que o jovem define em qual curso irá ingressar na graduação. Porém pela pouca idade, pouco conhecimento do mercado e das profissões ou ás ve-zes até mesmo por influência de amigos ou família o estudante matricula-se em um curso que pouco sabe sobre. Mateus Luis de Aguiar, 34, conta que optou por engenharia de telecomunicações, um curso que não lhe representava, mas decidiu se formar. Relata que quando fez a opção não tinha interesse na área, mas era o que mais se aproximava de suas preferências na época. No decorrer da graduação apreciou alguns campos e chegou a trabalhar na área depois de formado durante três anos. Com a experiência, Aguiar percebeu que a área escolhida para graduação realmente não correspondia ao estilo de vida que procurava. A partir daí, com o conhecimento consolidado de suas preferências, mudou seu campo profissional para administração e consultoria, onde trabalha atualmente. Ao ser questionado sobre o motivo de essa não ter sido a primeira escolha afirmou: “Quando a gente é muito novo a gente escolhe o que é ma is agradável, e não o que é mais viável. No decorrer da vida você entende que você tem que sobreviver, depois as coisas ficam agradáveis”.

e Tecnologia da CNI, Rafael Lucchesi, é causado pela falta de experiência dos recém-formados, que sem preparo para a indústria, buscam outros setores. Porém, tal vazão tem se estendido a outras áreas. Kamylla Moreira, 26, é formada em jornalismo na Universidade Federal de Goiás, mas atualmente é dona do Mandala Cervejaria junto de sua esposa Adriana Neves, 27, que cursava agronomia também na UFG, mas trancou o curso para administrar o empreendimento. Moreira conta que nem chegou a pensar em trabalhar na área de graduação, teve muitas experiências com estágios na universidade, mas que por conhecer o mercado, que chama de “canibal jornalista”, não teve muita vontade de ingressar realmente. Relata que sua pretensão é continuar estudando, fazer um mestrado mas ainda não sabe se vai ser na área da comunicação. Moreira alega ainda que ingressou no curso por real interesse no campo “Queria mudar o mundo, depois eu fui querendo mudar de mundo”. Ela descreve a qualidade do curso e que se apaixonou por algumas áreas como a de comunicação comunitária, que mostra a área como um modo de transformação. Porém se decepcionou muito com outras, pois “a partir do momento em que se começa a estagiar, conhecer o mercado, começa-se a perceber que as coisas não são esse mundo Che Guevara”. Mas menciona que utiliza o conhecimento da graduação para a divulgação do seu negócio. A empreendedora relata também a dificuldade que acredita ter principalmente no estado de Goiás a respeito do mercado fechado, da necessidade de conhecer pessoas influentes para que encontre um emprego em sua área. “Vai ter que buscar relações, e ás vezes não é o tipo de relação que você quer ter, ai você busca porque precisa de um emprego, ai você vai trabalhar nesse emprego e de repente é uma coisa que você nem tava afim de fazer, e você precisa fazer porque você precisa de grana, ai eu prefiro montar um bar.”

Victoria Dinizio

F O R M AÇÃO ACADÊMIC A PRA Q UÊ ?

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Exemplos de escolha pelo empreendimento à carreira acadêmica GASTOS

Nádilla Alves, de 23 anos, é outro exemplo de mudança de caminho. Ingressou na Universidade Federal de Goiás em 2010 para cursar jornalismo, porém no final do 6˚ período transferiu para relações públicas, que cursou durante dois anos, até desistir para abrir seu próprio negócio na área de gastronomia. Sobre o motivo da escolha do primeiro curso, a empreendedora relata que não tinha condição financeira para pagar um curso de gastronomia, que sempre na verdade foi seu desejo. Quando estudante cogitou também os cursos de arquitetura e design de interiores, mas para prestar o vestibular teria que fazer cursos particulares de desenho. Com isso, a escolha se deu por influência do pai, que dizia que o curso de jornalismo seria ideal para seu perfil. Dentro da faculdade não se identificou com a área escolhida, mas assume que o estudo da co-

municação a ajudou principalmente na questão de relacionamento com o público e com as mídias digitais. FAMÍLIA

Alves conta que não teve o apoio da família para mudar de área, mas que entende tal posição. Relata que sua mãe a incentivava a prestar um concurso, e que essa era sua pretensão realmente antes de começar o empreendimento. Mas ao ser questionada se deixaria a cervejaria para voltar a estudar, informa que não, que pretende continuar a estudar mas em consonância com o bar. Reação semelhante é relatada pela confeiteira, que descreve que quando decidiu desistir da universidade recebeu bastante apoio dos amigos, porém não de sua mãe, que ainda hoje tem resistência, mesmo quando argumenta que apesar de não ter o diploma do ensino superior tem os certificados dos cursos que faz em sua área.

Em abril de 2014, uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que apenas 42% dos engenheiros brasileiros trabalham na área, o que de acordo com o diretor de Educação

Reprodução

CONTRASTE


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- I N C L U S Ã O -

TROTE HUMANIZADO AC Ascom/UFG

ESTRATÉGIAS DE ACOLHIMENTO COMEÇARAM ANTES MESMO DE OS CALOUROS COLOCAREM OS PÉS NA UNIVERSIDADE Reportagem ELISAMA XIMENES Edição BEATRIZ OLIVEIRA Diagramação CARLOS JÚNIOR

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esde as primeiras políticas de cotas, a Universidade Federal de Goiás tem recebido estudantes das mais diferenciadas origens. Um acolhimento que não tratava das suas especificidades era um problema. Por isso, no primeiro semestre de 2015, a Coordenadoria de Ações Afirmativas (CAAF) e a Coordenação de Inclusão e Permanência, em parceria com o Diretório Central dos Estudantes e outros Coletivos organizaram uma recepção diferenciada. “No ano passado começamos a notar que se precisava construir uma imagem institucional da UFG que fosse mais condizente com a realidade atual” explicou o coordenador de Inclusão e Permanência, Jean Baptista. Alunos que entraram pelo sistema de cotas, quilombolas, indígenas, surdos para o curso de Letras Libras, ingressos pelo UFGinclui, foram tratados de forma pessoal desde o momento da matrícula. Na ocasião, montou-se uma mesa para orientar essas pessoas. “A cada 40 minutos, a gente pegava o microfone e fazia o anúncio explicando quais eram as orientações” completou o professor Jean. Estudantes quilombolas, por exemplo, souberam desde aquele dia que o fato de terem entrado pelo UFGinclui lhes garantia uma bolsa permanência de R$ 900,00 concedida pelo Ministério da Educação. Além de terem sido convidados para uma roda de conversa no Espaço Afirmativa – lugar onde funcionam a CAAF e a Coordenadoria de Inclusão e Permanência. Os cotistas – negros e de escola pública – também foram orientados sobre como proceder no pedido da bolsa permanência na Pró-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitária (PROCOM). “Foi um

mática, por exemplo, para que recebessem algum suporte nesse sentido. Transexuais também receberam orientações desde o momento da matrícula em relação ao nome social. Entretanto, de uma forma mais discreta para evitar constrangimentos daqueles que preferem utilizar o nome civil. “A UFG tem oferecido toda a estrutura para que eu me sinta uma universitária digna de estudar e fazer um bom curso” contou Larissa Rios, mulher transexual que acaba de entrar na universidade. E completou “onde eu tiver voz, o meu grito será um convite às minhas amigas, à minha classe pra vir ocupar este espaço.” TROCAS

momento de mostrar para eles que existe um lugar, existem pessoas que estão aqui e se importam com a permanência deles aqui na universidade” explicou a recém-formada do curso de Geografia, Ana Lúcia Lourenço, que, na sua época, entrou pelo UFGinclui. A acolhida dos estudantes estrangeiros de países da África e da América Latina também foi inovadora. O Programa de EstudantesConvênio de Graduação (PEC-G) possibilita a entrada desses estudantes na universidade brasileira. Além do e-mail de boas vindas, desde o desembarque, representantes da UFG estavam lá para recebê-los e levá-los para suas casas ou para a Casa do Estudante em carros

da universidade. A pró-reitoria de Graduação também teve a preocupação de orientar seus funcionários no suporte a esses estudantes. Jean Baptista destacou que “os PEC-Gs de outros anos chegavam aqui caindo em armadilhas terríveis. Ficavam soltos dentro da universidade”. Após sua acomodação, os estudantes estrangeiros também foram convidados para uma reunião, em que lhes foram apresentadas as normas do programa. Falou-se, por exemplo, do fato de que o vínculo do estudante-convênio com o PEC-G cessa com a conclusão do curso e colação de grau. A partir desta reunião também foi possível identificar quem tinha alguma fragilidade em matérias como português ou mate-

A calourada deste ano recebeu o nome Chegaê UFG. A CAAF e a Coordenadoria de Inclusão e Permanência estiveram envolvidas no evento Universidade para tod@s e na roda de conversa com os Coletivos Estudantis na UFG. O integrante do Coletivo Fluidez e do DCE, Jeancarlos Rodrigues, destacou a importância de esse trabalho ter sido feito de forma colaborativa, porque possibilitou maior adesão aos debates, por exemplo. Os coletivos foram convidados nominalmente para articular a roda e foram criadas condições para a integração entre eles. Ana Lúcia, que também faz parte do Coletivo de mulheres negras “Atlânticas”, conta que na roda de conversa “muita gente se identificou e vínculos foram criados de uma forma mais estreita”. Foi também a primeira vez que os estudantes PEC-G participaram de uma interação com os brasileiros, já que antes eles interagiam apenas com os outros estrangeiros que passariam somente seis meses na universidade. CAMPANHA A política contra os trotes também marcou a recepção dos calouros da UFG este ano. A partir de uma articulação com os Coletivos


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COLHE AS DIFERENÇAS os textos que sairiam nos cartazes e, até e estudantes militantes de questões mesmo, quem apareceria nas fotos. afirmativas, a CAAF e a CoordenaJeancarlos inclusive agradeceu e doria de Inclusão e Permanência enfatizou a importância desse convicolocaram em questão as recepções te à participacom abordação ativa dos gens machiscoletivos na tas, racistas e org an i z a ç ã o violentas desde da campaantes do início nha. A sessão das aulas. de fotos para “A gente os cartazes fez um folder foi realizada experimenno segundo tal em que os encontro. As protagonistas mensagens eram os estudiziam do cadantes PEC-G, ráter agressios indígenas, vo dos trotes. quilombolas Assim, todos etc, e se seguiu JEAN BAPTISTA os cartazes a consulta aos Coordenador de Inclusão utilizavam coletivos, aos e Permanência da UFG como retranestudantes inca a expresteressados em são “Parece só uma brincadeira, por suas identidades em jogo” explicou mas não é”. As frases da campanha o Coordenador de Inclusão e Permafaziam afirmações contra trotes manência. Na primeira reunião foram dechistas, racistas e violentos. As fotos finidas as modalidades de abordagem,

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No ano passado, começamos a notar que se precisava construir uma imagem institucional da UFG que fosse mais condizente com a realidade atual

UFG NAS COMUNIDADES Um problema comumente mencionado é que a universidade oferece vagas para quilombolas e indígenas a partir do UFGinclui, mas poucos deles sabem dessa chance. Ainda se vê o acesso à universidade como algo restrito devido à deficiência na divulgação da informação. Por isso, no último ano, a UFG visitou comunidades onde esse público vive. Por meio do UFG nas Comunidades, “fomos lá conhecer os pais, as lideranças da comunidade e a juventude escolar com o ensino médio já concluído, ou prestes a concluir” relatou Jean Baptista. Foram realizadas nas comunidades as oficinas Conhecendo a UFG e Conhecendo o ENEM. Para o Coordenador de Inclusão e Permanência, a última oficina foi importante para instrumentalizar essas pessoas para enfrentar o Exame Nacional do Ensino Médio.

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Ascom/UFG

eram de estudantes das mais diversas identidades da UFG. A sessão de fotos também alimentou o outdoor de recepção dos calouros. Enquanto nos cartazes eles apareciam com uma expressão séria, no outdoor eles sorriam para dar as boas vindas. Foi escrito “bem vind@”, sem vogal no final para que se dissesse que as boas vindas não tinham recorte de gênero. “É a primeira vez que o material institucional da UFG tem pessoas negras, pessoas indígenas” destacou Jean Baptista. Ana Lúcia Lourenço, mulher e negra, foi uma das protagonistas das fotos da campanha e lembra dos trotes agressivos da sua época. Contou, inclusive, da vez que teve que ligar para a mãe de um garoto que havia desmaiado no bar, primeiro dia de aula, depois que os veteranos o fizeram beber mais do que devia. Para ela, é gritante a diferença desse acolhimento que se preocupa com as especificidades de quem entra, mas lembra que ainda se tem muito a caminhar.

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Grupo da UFG realiza ação com as oficinas Conhecendo o Enem e Conhecendo a UFG em Comunidade Quilombola


- LEITURA -

AÇÃO DA GRADUAÇÃO PROPÕE Q

PROJETO DO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA ESTÁ FORMANDO UM ACERVO NAS DEPENDÊNCIAS DA FIC

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Reportagem JÉSSICA ADRIANI Edição CAMILA TELES HIGOR COUTINHO ITALO WOLFF Diagramação LUIZ DA LUZ

uem passa pelos corredores da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) nota que há uma sala repleta de estantes e livros. Curiosos de plantão dizem que é a biblioteca da FIC. Na verdade, o espaço ainda em formação pertence sim a faculdade, mas é um laboratório vinculado ao curso de Biblioteconomia e que ocupa o espaço da universidade como tantos outros. Denomina-se laboratório do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca e agregada múltiplos projetos da área. Um deles é o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler) da Fundação Biblioteca Nacional. Foi criado em 1992 e é formado em comitês espalhados por todo o país em que cada um possui uma especificidade. “O objetivo principal do comitê é a constituição de

condições concretas para a promoção do livro e da leitura, em especial a de literatura para crianças e jovens”, conta a coordenadora do comitê em Goiânia, Maria das Graças Monteiro Castro. Como é voltado para o público infanto-juvenil possui livros que interessam esta faixa etária, além de alguns voltados à educação e literatura. Mas a biblioteca será aberta a todos, “a intenção é abrir para as crianças, adolescentes, pais, trabalhadores da UFG e comunidade em geral. Com o Proler desenvolvemos práticas de incentivos à leitura, com palestras e minicursos. A ideia é fazer com que está seja uma biblioteca modelo, com ênfase na área de biblioteca escolar”, relata Thaís Souza, bolsista do Projeto. Sobre sua abertura, a coordenadora do projeto ressalta as dificuldades que o Projeto tem encontrado, “como funcionamos com bolsistas de extensão e a FIC não possui servidores administrativos que atuem em nossos laboratórios, não temos previsão para o término da organização do acervo”. Há ainda os problemas enfrentados com o ambiente, já que por várias vezes a sala sofreu com vazamento de água, ameaçando a integridade dos livros e o funcionamento da biblioteca. No que diz respeito ao trabalho dos bolsistas ainda faltam algumas fases importantes para a abertura ao público, “ temos que concluir a fase de automação. Como a biblioteca está sendo reativada, estamos organizando

o sistema de classificação e catalogação para que possamos permitir o empréstimo dos livros”, conta Thaís. Como bolsista de extensão, ela, além da organização da biblioteca, participa também dos processos que envolvem os outros projetos do laboratório, atividades que complementam sua formação como bibliotecária.

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Sistema de bibliotecas universitárias”, esclarece Thaís Souza. Segundo a professora Maria das Graças, a formação de uma biblioteca especializada em uma determinada área deve levar em consideração a demanda, “são montadas observando um estudo e planejamento específico para sua existência e seu uso, bem

O objetivo principal do comitê é a constituição de condições concretas para a promoção do livro e da leitura, em especial a de literatura para crianças e jovens. MARIA DAS GRAÇAS Professora

FIC A formação da biblioteca no prédio da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG abriu espaço para a ideia de um acervo específico para os estudantes e professores vinculado à áreas de Comunicação e Informação. “Muitas pessoas têm entendido como a ‘biblioteca da FIC’, mas este é um projeto do curso de biblioteconomia, de uma área específica que é literatura para crianças e jovens, formada com um acervo pessoal de uma professora e em hipótese alguma está ligada ao

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como gestão e manutenção”. Com isso ela lança a pergunta, “qual seria a demanda da FIC para ter uma biblioteca especializada? Para a aluna de Relações Públicas, Jullyany Rodrigues, assim como a Faculdade de Letras que possui sua própria biblioteca, os estudantes da FIC têm temas específicos e que muitas vezes não são acessíveis. Além disso seria uma oportunidade para os alunos de biblioteconomia, “nós temos o curso de Bibliotenomia que poderia aproveitar o local para estagiar ou ter aulas práticas”, lembra Jullyany. Graduando de Jornalismo, Mi-

Jéssica Adriani


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- LEITURA -

QUE BIBLIOTECA ATRAIA LEITORES

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quéias Coelho, concorda e defende a expansão, “na verdade, toda faculdade poderia ter uma biblioteca própria, como uma espécie de filial da Central”, conclui. O Sistema de Bibliotecas da UFG é dividido por unidades. Há a central, que abarca a grande maioria das áreas, e alguns pólos específicos, como no caso da Faculdade de Letras. Assim como as áreas pertencentes à FIC, muitas outras faculdades possuem o mesmo problema. Há também a falta de espaço para que se crie o ambiente. O que não é desculpa para Jullyany,“estrutura nós temos sim, já que várias salas de professores estão, muitas vezes, desocupadas e poderiam ser transformadas em biblioteca”, garante. PÚBLICO

Thaís Souza, estudante de Biblioteconomia, é bolsista do Laboratório Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca entidades privadas e pessoas físicas, a tentativa de criação de uma biblioNo entanto, a proposta não teve assim como bibliotecas especializadas teca comunitária nos corredores do êxito,“não se podia deixar livros ou universitárias. No Sistema Nacional prédio, projeto que envolveu não só particulares em propriedade pública. de Informação e Indicadores Cultualunos da faculdade como de outros E também não se queria fazer do rais, pode-se encontrar, em Goiás, 16 cursos também. “A ideia principal era corredor da faculdade um espaço projetos cadastrados, entre bibliotecas a construção de um espaço comunicomunitário e sim um espaço estéril, públicas, pontos de leitura e outras atitário que todos pudessem contribuir. controlado pela burocracia”, explica vidades desenvolvidas para o incentivo Era uma maneira de apropriação soVictor Hugo. O acervo era formado à busca de informação. cial do espaço da universidade.”, conpor livros doados com variados temas, Dentro da Faculdade de Informata Victor Hugo Viegas, um dos partidesde livros infantis até literatura ção e Comunicação da UFG já houve cipantes do movimento Ocupa UFG. revolucionária. Jéssica Adriani

O projeto Proler, assim como tantos outros na área, ressalta a importância das bibliotecas públicas, “é um dos equipamentos sociais obrigatórios que o poder público das esferas federal, estadual e municipal deveriam oferecer à população como possibilidade de dar acesso aos bens culturais acumulados pela civilização com o registro do texto escrito nos mais variados suportes físicos”, ressalta a professora Graça Monteiro. Segundo relatório realizado em fevereiro deste ano pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, há em todo território brasileiro 6.079 bibliotecas públicas, sendo o Centro-Oeste a região com menos unidades, apenas 497, número quase quatro vezes menor do que no Sudeste, que conta com 1951. Praticamente a metade das bibliotecas da região está em Goiás, 249 no total. Um dado que chama a atenção é que na capital goiana há apenas três cadastradas. No entanto, o relatório não leva em consideração as bibliotecas comunitárias, pontos de leituras mantidos por

Bibliotecas Públicas Bibliotecas no Brasil ......... 6.079 Centro-Oeste ........................ 497 Sudeste ............................... 1951 Goiás ................................... 249 Goiânia ..................................... 3 Dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas

Bibliotecas Públicas e Pontos de Leitura (Goiás)*...................... 16 *Dados do Sistema Nacional de Informação e Indicadores Culturais

Etiquetas orientam usuários seguindo o padrão adotado pelo sistema de bibliotecas públicas


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- CULTURA -

Divulgação

MELODIA EMANCIPADA APESAR DAS LIMITAÇÕES, CENÁRIO MUSICAL INDEPENDENTE SE

MOSTRA PROMISSOR Reportagem GUSTAVO PAIVA Edição ITALO WOLFF IZABELLA VERONICA MENDES Diagramação LARISSA ARTIAGA

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mercado da música é tão competitivo quanto qualquer outra área profissional, e assim como muitas delas, o capital multimilionário gerado concentraPara Arnaldo Freire, é possível fazer se nas mãos de uma minoria. Consucesso sem se vender seguir apoio do capital fonográfico – produtoras e gravadoras musicais – é uma forma fácil de alavancar gional, ou será comentado em jornais e profissionalmente e conseguir uma revistas. Principalmente quando se trarenda melhor, mas muitos músicos ta de Goiânia, uma vez que as grandes trabalham de forma independente, gravadoras estão concentradas no eixo seja por vontade própria ou por falta Rio-São Paulo. “Quem é de lá tem dide espaço no mercado de trabalho. ficuldade, e quem não é de lá tem mais Para o Dr. Nildo Viana, profesainda. Uma banda aqui de Goiânia, sor de Sociologia da Universidade mesmo que ela seja mais comercial, Federal de Goiás (UFG), dificilmenmais pop e poderia agradar, tem todo te um músico independente se toro problema que é lá no Rio de Janeiro na profissional, conseguindo viver onde acontece as seleções e o processo inteiramente da sua arte. Ele afirma de produção”, observa o professor. que os músicos autônomos são geO músico goiano Lucas Borges ralmente amadores ou semi-profisconcorda com Nildo a respeito da insionais, “e ficam à margem, por seu dústria fonográfica. Em sua opinião, trabalho não ser tão popular e meras gravadoras não produzem cultura, cantil, portanto não conseguem se “apenas desinserir com peja na sofacilidade no ciedade a interior das e x p r e s s ã o grandes proartística que duções”. se diz repreVi an a sentante de cita bandas determinacomo Legião ARNALDO FREIRE da cultura, Urbana e PleMúsico massificando be Rude, que assim o conproduziam ceito e transmúsicas crítiformando-o em um senso comum. A cas e desligadas dos padrões dominanindústria da música esmaga a cultura em tes, mas quando foram para as gravaseu movimento localizado”. doras, elas formataram suas músicas, Lucas conta que é um músico indemudando arranjos ou até mesmo as pendente por vontade própria, e que apeletras, para enquadrar ao mercado. sar de não conseguir sobreviver apenas de A própria Plebe Rude, em sua músisuas composições, conseguiu obter renda ca “Minha Renda” critica esse capital dentro da própria música, dando aulas. fonográfico, a forma como as produNo entanto, relata que essa não é a realitoras, e até mesmo os músicos, tratam dade da maioria, muitos tem empregos e a arte: “Contrato milionário, grana, outras profissões e até são autônomos em fama e mulheres. A música não imáreas que nada se aproximam da música. porta, o importante é a renda!”. Ainda que seu salário seja bem menor Nildo explica que hoje em dia você que dos músicos ligado a grandes gravapode ir a um estúdio e gravar o pródoras, conta que não quer ser um artista prio CD, mas mesmo estando dentro de milhões de reais, e que não quer que dos padrões das grandes gravadoras, sua arte seja “massificada por propagandificilmente será tocado na mídia re-

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da, se ela for universal um dia, que seja pela sua qualidade”. No entanto, existem profissionais da área musical que são mais otimista em relação ao mercado da música, como é o caso do músico paulista Arnaldo Freire. Arnaldo é um músico independente, que viveu em Goiânia por mais de 20 anos, e atualmente reside no México. Seu trabalho já é conhecido internacionalmente, tendo tocado recentemente em concertos em Honk Kong e Moscou. Segundo ele, é possível o músico viver bem de forma autônoma, se aproximam da música. Ainda que seu salário seja bem menor que dos músicos ligado a grandes gravadoras, conta que não quer ser um artista de milhões de reais, e que não quer que sua arte seja “massificada por propaganda, se ela for universal um dia, que seja pela sua qualidade”. Freire tem um posicionamento diferente em relações às produtoras musicais, em sua opinião, se os músicos vão se vender ao capital fo-

nográfico, vai depender de sua posição pessoal, dando como exemplo a banda goiana Uó que, mesmo se juntando a uma produtora, não perdeu seu estilo original. Ele não vê as produtoras como vilãs, pois a decisão sobre se a banda mudará seu estilo, ou não, são deles mesmo, o que nem sempre deve ser visto como algo negativo. Porém, frisa que não é necessário se vender para fazer sucesso, se o músico for competente, estudar e praticar muito, as portas se abrirão a ele. “Se você vai se lançar em uma carreira de músico, ou de produtor cultural, inclusive, você tem que estar preparado para ouvir uns noventa não, para ouvir um sim, um talvez. Você tem que ser insistente. Mas não adianta ser insistente com maus projetos, você tem que pensar em alguma coisa que dê certo”, comentou Freire. Contudo, ele diz que o músico independente acaba ficando dependente das inciativas culturais do governo.

GRITO ROCK !

Quem tem competência se estabelece.

Mas existem também, os festivais que valorizam os músicos autônomos, como o Grito Rock, realizado anualmente em vários estados brasileiros. Guidyon Augusto, um dos organizadores do evento, explica que o Grito nasceu com a perspectiva de incentivo à produção e circulação da música autoral, “desde o local, da pequena ou grande cidade, que possui ou não uma cena consolidada, até os conglomerados,

como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Goiânia”. Guidyon diz que a produção musical, fora do círculo das grandes gravadoras, cresceu e se qualificou de forma extremamente positiva nesta última década. “A internet vem como grande meio de diálogo da cena. Inúmeras bandas despontaram nos cenários locais, estaduais e até mesmo nacionais, seguindo a lógica do independente de grandes gravadoras”, observa.


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- SAÚDE -

MUSICOTERAPIA DO SER

MÉTODO AINDA

AUXILIA NA INCLUSÃO

DE PESSOAS COM

LESÕES CEREBRAIS

Reportagem NAYARA URZÊDA Edição BEATRIZ OLIVEIRA HIGOR COUTINHO Diagramação ADRIANA SILVA

ista por muitos como uma terapia ainda não tradicional, e por outros como um método fundamental para a inclusão social, a musicoterapia ainda gera muitas dúvidas. Segundo esclarece a musicoÉ um equívoco compreender terapeuta Tereza Raquel Alcântara a musicoterapia como uma terapia Silva, a musicotenão tradicional, porque ela surgiu rapia é um conjunto de técnicas mais recentemente do que algumas que são utilizadas para o tratamento das consideradas “tradicionais”, dos pacientes que apresentam algupois sua utilização é antecedida ma problema e que esperam mepor conhecimentos científicos. lhora com a musicoterapia. “Diria que é um equíTEREZA RAQUEL voco compreenMusicoterapeuta der a musicoterapia como uma prazeroso, o que ajuda e faz com que terapia não tradicional, porque ela suro paciente dê mais de si no tratamengiu mais recentemente do que algumas to, superando suas barreiras com das consideradas “tradicionais”, pois maior facilidade”. A musicoterapeusua utilização é antecedida por conheta Claudia Regina de Oliveira Zanicimentos científicos”, completa Tereza. ni, professora da Escola de Música e A musicoterapia trabalha com esArtes Cênicas da UFG, comenta que tímulos sonoros para tratar diversos a utilização dos elementos musicais depende da necessidade de cada cliente. Portanto, “a aplicação varia de caso a caso e da abordagem adotada pelo musicoterapeuta”, como afirma Tereza Raquel. Para o processo terapêutico não é necessário que o paciente tenha um conhecimento prévio em música, porém a aplicação só deve acontecer se desenvolvida por um musicoterapeuta graduado, cuja formação envolve diversas áreas. Alexandre Ariza comenta que os cursos de musicoterapia abarcam diversas áreas do conhecimento como a medicina, a psicologia e a música. A terapia desenvolvida de forma apropriada auxilia na reabilitação do indivíduo para uma melhor qualidade de vida. Especificamente, há uma área da musicoterapia que contribui para reabilitação de funções perdidas Claudia Zanini é professora da Escola ou restringidas. Tereza Raquel, com de Música e Artes Cênicas da UFG

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Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

tipos de problemas, desde ansiedade a mal de Alzheimer. O despertar da interação entre os pacientes, a instigação da memória através de canções e outros sons e a paciência para ouvir são aspectos que ajudam na comunicação dos envolvidos. Os benefícios da musicoterapia se estendem a pessoas de todas as idades, até mesmo bebês. No entanto, é preciso ressaltar que o tratamento favorece não apenas a parte da articulação da fala, de sociabilidade, mas também traz bem estar físico, já que trabalha com expressão corporal. A música possibilita a criatividade e a expressão das inquietudes como aponta Alexandre Ariza Gomes de Castro, musicoterapeuta e membro da Associação Goiana de Musicoterapia, “lidar com a música é, na maioria das vezes algo bastante

POUCO DIVULGADO

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Tereza Raquel Silva coordenadora da Clínica de Musicoterapia EMAC/UFG formação também em musicoterapia neurológica, explica: “Especificamente a musicoterapia neurológica, que é uma área específica da musicoterapia, trabalha com pacientes que apresentam alguma sequela proveniente de dano neurológico voltada para a reabilitação cognitiva, sensório-motora e da linguagem. Existem técnicas que se baseiam na compreensão da atividade cerebral diante de um estímulo musical.” Alexandre Ariza expõe que a melhora de pessoas com problemas relacionados à lesões neurológicas acontece por meio da estimulação das funções perdidas com atividades que o musicoterapeuta propõe. “O musicoterapeuta se aproveita da plasticidade neuronal para auxiliar o paciente a recuperar movimentos, a fala e aspectos cognitivos, como organização do pensamento, raciocínio lógico, atenção e memória”, afirma. Ainda para Ariza, as pessoas submetidas ao tratamento oferecem menor resistência, pois o indivíduo tem liberdade para se expressar sem medo de julgamentos. Essa reintegração consigo mesmo e com os outros, faz com que o paciente reestabeleça vínculos, desenvolva novas habilidades ou as recupere. O atendimento musicoterapêutico está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) e também no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), além de clínicas e hospitais. Esse trabalho susci-

ta a valorização do ser, principalmente na terapia realizada em grupo, que permite uma maior inclusão social, é o que diz Claudia Regina: “Acredito que uma ação inclusiva diz respeito a ser acolhido e acolher, em um ciclo de descobertas, em um ciclo de superações. Temos que aprender com as diferenças e todos nós somos diferentes.”

Clínica de Musicoterapia EMAC/UFG Objetivo: Oferecer tratamento musicoterapêutico à comunidade e espaço para pesquisa. A quem se destina? Comunidade em geral. Como participar? Entrar em contato e caso haja vaga, será agendado horário de acolhimento e posterior atendimento. Atendimento: Individual ou grupo. Valor: Gratuito.

Local: Praça Universitária. Contato: (62)3209 6090 clinicamusicoterapiaemacufg@ gmail.com


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- MODA -

SLOW FASHION E A NOVA MENOS VELOCIDADE NA PRODUÇÃO DE PEÇAS

Reportagem CARMEM CURTI Edição LUCAS BOTELHO Diagramação AMANDA DAMASCENO

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moda como a conhecemos é uma das indústrias mais rentáveis do mundo. Só em 2014, o setor têxtil gerou cerca de 55,4 bilhões de dólares e recebeu quase 2 bilhões em investimentos. Segundo o Programa de Internacionalização da Indústria da Moda Brasileira, o Brasil é referência mundial em design de moda praia, jeanswear e homewear e só cresce nos demais segmentos. E o que move essa indústria e só faz crescer esses números é um público cada vez mais ávido por novidades. “Desde a pré-história até hoje, usamos símbolos em nossos corpos porque queremos dizer algo”, explica Lorena Abdala, professora do curso de Design de Moda da Universidade Federal de Goiás. Baseado nessa informação é possível perceber que a necessidade de acompanhar tendências que a maioria das pessoas. Usamos o que achamos que passará a nossa “mensagem” para o mundo. Qualquer coisa serve para dar conta do recado: o último carro, o último aparelho celular ou a última coleção de roupas. Ainda segundo Abdala, a moda é uma prática social e o modo como nos vestimos tem a ver com o modo como entendemos o mundo. Além das coleções “fixas”, lançadas a cada duas estações, várias outras minicoleções, coleções temáticas, temporadas de alta costura, incontáveis semanas de moda em diversas cidades acontecem pelo mundo. Levando isso para o universo das redes de lojas chamadas de “fast fashion”, que adaptam e levam rapidamente a moda apresentada nas passarelas para as lojas para não perderem a tendência, é um pouco mais complicado. A loja estadunidense Forever 21, por exemplo, é a meca do fast fashion. Toda semana a loja lança uma coleção de roupas, com novas estampas e novos formatos.

Lucas Ribeiro

PREGA MAIS APEGO E

A rede, que trouxe para o Brasil lojas para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, e que abre ainda esse ano duas lojas em Goiânia, fez a fortuna do seu fundador, Do Won Chang. Mas o sentimento de meninas como Juliana Martins, estudante carioca e cliente da Forever, é o de superfluidade. “Sempre compro quando preciso de algo, mas saio de lá sabendo que a peça às vezes não será duradoura e que em A designer de moda Naya Violeta em seu espaço de criação uma semana ela já vai ser consideutilizada deve atender condições de Segundo Abdala, as tendências rada ultrapassada. Dá um desânimo sustentabilidade. Além disso, há a de moda, que são previsões feitas em logo depois de ter comprado”, desapreocupação com regimes trabalhisconjunto por setores da cadeia produbafa Juliana. tas e as peças devem ter um caráter tiva, só parecem ser espontâneas. Ela Em contrapartida a esse cenámais pessoal na criação. “Em tese, é explica que “não é o criador, o estilista rio, entra o chamado slow fashion, uma cadeia produtiva que tenta misozinho que lança moda. Os bureaus que, para a professora Lorena Abnimizar os efeitos do capitalismo tarde moda (empresas especializadas em dala “não se trata somente de uma dio”, explica Abdala. pesquisas de tendências) criam prooposição ao fast fashion, é uma postas de estilos e vendem estas paras as grifes, que tiram dessas propostas o que melhor os representam”. Ela Não se trata somente de uma também atenta para a existência dos chamados coolhunters, que são pesoposição ao fast fashion, o slow soas que viajam, fazem pesquisas, conhecem grupos underground de váfashion é uma proposta que rias áreas das artes e também passam essas informações para as marcas. Os abrange toda a cadeia produtiva coolhunters também podem trabalhar com slow fashion, mas seu trabalho e de fabricação de um produto o dos bureaus exemplifica bem como a produção de produtos e sentidos é pensada diferente fora do movimento. LORENA ABDALA

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MOVIMENTO

Professora de Design de Moda

proposta que abrange toda a cadeia produtiva de fabricação de um produto”. “Não é somente uma proposta ideológica, é uma mudança total”, completa. ARTESANAL No slow fashion, não são produzidas roupas e acessórios em grande quantidade, como em outras formas de produção. Há uma preocupação desde a extração da matéria prima até que sentimento a peça irá causar no consumidor. Um dos pontos importantes do movimento é que a matéria prima

A designer de moda Naya Violeta, por exemplo, relata que traz para o seu processo de produção uma lógica ligada ao que ela chama de vínculo afetivo maternal. “Trago nas peças o contato e a proximidade que tenho com as clientes, as coloco na roda da criação, observando nas informações delas os detalhes que refletirão nas roupas”, conta. Violeta explica que pensa suas peças inspiradas nessa proximidade cliente-designer e espera que isso transpareça em suas roupas, que é um método completamente diferente do usado pelas grandes redes de lojas de roupa.

DIFICULDADES No Brasil, ainda há altos impostos na importação e exportação de roupas e da matéria prima para a produção destas. Para a Lorena Abdala, esse é um dos problemas principais para que a maior parte das pessoas não consigam aderir nem enxergar o movimento do slow fashion como algo prático. “Os consumidores não conseguem aderir porque o produto fica muito caro, e os produtores porque é difícil manter esta lógica de produção. Muitos exportam para conseguir pagar as contas.” Além disso, para a professora, ainda falta no país uma cultura engajada para evitar o consumo de produtos de empresas que poluem ou se envolvam, por exemplo, com


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trabalho escravo. “As roupas de slow fashion ainda são muito mais caras. A pessoa não vai conseguir deixar de comprar em lojas mais baratas para acompanhar o movimento. Tudo é lindamente construído em questões humanas, mas esbarra na acessibilidade” diz Abdala. Milleide Lopes, adepta ao slow fashion como designer e consumidora, diz que sua mãe sempre reaproveitou roupas e pequenos retalhos. “Fui educada para economizar, não desperdiçar. Cresci nesse movimento” afirma. Ela também reconhece a dificuldade de produzir na lógica do slow fashion, mas não acha impossível. “É difícil sobreviver em um mercado onde todos querem pagar menos. As pessoas demoram a assimilar o valor e significados de cada coisa. Mas daí é onde surgem ideias inovadoras”, explica. Lugares que já seguem uma maneira mais sustentável de consumir e produzir, como São Francisco, nos EUA, e Londres, na Inglaterra, são locais em que a revolução do fast fashion já passou. Para Naya Violeta, não é utopia querer viver do slow fashion. “Me sinto feliz com o trabalho feito e ele segue amadurecendo. Hoje tenho uma clientela querida e amorosa que frequenta o ateliê para prosa e compra. Mensalmente tem chegado muita gente nova que me encontra e vem somar nessa rede de contatos e afetos”, conta Naya, otimista.

Cida Carneiro

A MANEIRA DE CONSUMIR

Milleide Lopes se identifica com o movimento slow fashion

Reprodução

A MODA EM OUTROS CANTOS Nesse mês, a estadunidense Forever 21 inaugurou em Goiânia a sua primeira loja. Na abertura da filial do Shopping Passeio das Águas, clientes ansiosos encontraram uma loja lotada e muitos deles nem chegaram a entrar. A Forever 21 abrirá mais uma loja em Goiânia ainda esse ano, no Shopping Flamboyant. A estudante Giovanna Karla já havia feito compras em uma das filiais cariocas da multinacional antes da inauguração da Forever 21 em Goiânia. Ela diz que espera que a rede consiga oferecer o mesmo padrão de qualidade em todas as suas lojas. “As peças são bonitas e baratas. A qualidade é comparável a qualquer outra loja de departamentos conhecida, o que faz ser um preço justo”, declara Giovanna. Em contra-partida aos grandes lançamentos, eventos para compras e trocas ganham cada vez mais espaço em Goiânia, criando ambientes para crescimento criativo e de conhecimento. Bazares especiais reúnem

marcas novas e independentes, com produtos muitas vezes destinados a públicos com estilos específicos e alternativos. Michelly Morgan é formada em Design de Moda pela Universidade Estadual de Goiás e optou por lançar a sua marca, DaFlor, em um bazar. “É muito bom poder estar livre pra fazer um bazar com a própria marca, e ao mesmo tempo em que é muita responsabilidade. No dia do evento me senti realizada e orgulhosa pelo trabalho intenso de alguns meses”, declara Michelly, que reconhece a dificuldade de se competir com lojas maiores. Outro tipo de evento que tem ganhado espaço são as feiras de trocas, que, além do câmbio de objetos, possibilita o diálogo entre pessoas diferentes, além de abrir espaço para expressão artística e cultural. Na Universidade Federal de Goiás, essas feiras são organizadas tanto por coletivos estudantis quanto pela Incubadora Social UFG. (Beatriz Oliveira)


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samambaia

OLHARES

Jornada Magnífica Bandeiras vermelhas nas costas, pandeiro, tambor e viola em mãos. Assim vieram alguns integrantes do MST, que entoaram pela FIC vozes de luta e resistência. Era um pedaço do acampamento Dom Tomás Balduíno e do assentamento Oziel na III Jornada Magnífica, que promoveu debates sobre o Cerrado, para além do bioma. Presença especial, também, foi a do colunista do Estadão, Washignton Novaes, que veio discutir jornalismo ambiental. Uruguai de Galeano e de Mujica é também de todos nós e foi tema discutido dentro do ciclo de debates, com a professora Alicia Garcia, da Universidad de la República. Da América-Latina para o mundo, a jornada, transmitida pela web-tv, foi resultado do trabalho conjunto entre estudantes inquietos, movimentos sociais e parcerias que se firmaram ao longo dos 15 anos do coletivo Magnífica Mundi. Reportagem MILLENY CORDEIRO | Fotografias COLETIVO MAGNÍFICA MUNDI Diagramação LUCAS BOTELHO

GOIÂNIA, AGOSTO DE 2015


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