Jornal Samambaia - Abril de 2015

Page 1

DO CURSO DE JORNALISMO

DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

SOCIEDADE

NO FACEBOOK

3 10 11

Isabela Verônica

JORNAL LABORATÓRIO

Pela internet, apoiadores unem forças em favor de presos políticos

PROTESTO

POR DENTRO DA MÁSCARA

Sobre esconder o rosto e a proteção da identidade

nº 069/ ANO XV

IMPRENSA

CONTRA O FLUXO

Midiativismo ganha espaço e adeptos em busca de novos olhares

CULTURA

GRAFITE, MÚSICA E CINEMA Em Goiânia, paredes refletem revolução em andamento Pg. 13

Editores de Capa IZABELLA VERONICA MENDES, LORENA LARA, LUCAS BOTELHO E NATÁLIA MONTALVÃO | Criação e Design de Capa LORENA LARA, LUCAS BOTELHO E NATÁLIA MONTALVÃO

samambaia CRIMINALIZAR MIDIATIVISMOS PODE AMEAÇAR PRÁTICAS JORNALÍSTICAS [p. 8 e 9]

EDICÃO ESPECIAL MANIFESTAÇÕES POPULARES


2

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- OPINIÃO -

RUMOR

Q U E S TÃ O D E O R D E M

EDITORIAL

A

Por HIGOR COUTINHO E MILLENY CORDEIRO

primeira edição do Samambaia em 2015 reflete um momento crítico para a sociedade em geral e para a comunidade universitária em particular. As manifestações populares, que ocuparam as ruas de várias cidades do país contra o aumento das passagens do transporte coletivo, tiveram desdobramentos arbitrários em Goiânia. A prisão do estudante Gabriel Vilela, aluno do curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG, foi amplamente questionada dentro do ambiente acadêmico, mas não recebeu a mesma atenção fora dele. Encarcerado durante quatro dias na Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia, Gabriel alega que sua prisão foi aleatória e abusiva. O estudante, que filmava os protestos, teria sido alvo das autoridades apenas

por registrar a ação da polícia. Confirmada a versão do aluno da FIC, teríamos apenas a repetição da postura de truculência e despreparo já tradicional da Polícia Militar. O que, para além do fato, ressuscita a questão da desmilitarização da polícia, debate que precisa ser trazido à tona e discutido amplamente pela sociedade. A presente edição que você tem em mãos traz análises detalhadas da situação. Nossos repórteres e editores buscaram a informação precisa acerca dos eventos e as colocaram em perspectiva, traçando um painel que permita uma compreensão global das manifestações locais e questionando a atuação das duas frentes em conflito. De um lado o status quo, que perpetua a prática de prender primeiro para perguntar depois; do outro lado a população, acuada pela polícia e pelas sucessivas tentativas de reajuste de um serviço público de péssima qualidade.

POR QUE NÃO

“garantir sua segurança” – associada à manifestada má vontade do poder público em tocar o problema na sua raiz, que é o contrato de concessão completamente obscuro. Na tentativa de ocultar esta questão chave do problema, vem com a medida para inglês ver do subsídio, que na prática é abaixar a tarifa aos olhos do trabalhador para depois cobrá-la noutro lugar. Não estou julgando se os atos radicalizados – que enviezadamente são taxados de “violência” (sendo que o termo, etimologicamente, só se aplica a um ato cometido a outra pessoa, e não a uma coisa) e “vandalismo” – são a melhor tática para as reivindicações; tampouco estou aqui seguindo o fluxo midiático que insiste em marginalizar tais ações taxando-as por “oriundas de um grupo minoritário que só quer semear a baderna”. O que quero reafirmar é o caráter perverso de tornar estas questões o assunto-tema, quando a realidade é muito mais alarmante. Se estamos debatendo a legalidade de certas ações – ou a sua ilegalidade – por que é então que os manifestantes estão sendo avaliados tão antes dos empresários, que aumentam de maneira oculta a tarifa e que não cumprem com as leis de concessão do serviço público?

CONDENAR OS PROTESTOS OCORRENTES EM GOIÂNIA

E

VICENTE FERNANDES

ste é um tema complicado, cientificamente é muito melhor explorado em seus meandros, de modo que vou me limitar ao trivial do tema tentando não ser demasiado patético na superficialidade. Os atos que ocorreram em 2013 em Goiânia e que retornam agora depois deste aumento tarifário (que parece, a meu juízo, ser uma patente pressão das empresas consorciadas para manter o dinheiro seguro que é o subsídio estatal) são marcados pela frequente e injustificável violência policial – que cerceia o direito de livre manifestação, na maior parte das vezes agindo à própria vontade, antes mesmo de qualquer “situação de risco” estar posta; demonstrando claramente que seu interesse é minar os esforços postos pelos manifestantes, muito antes de

OS FINS E OS MEIOS A Lei 8.987/95 dispõe no seu parágrafo primeiro do artigo sexto que: “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesua na sua prestação e modicidade das tarifas”. Quem anda de ônibus sabe que isto é antes um sonho do que uma realidade vivida. Em primeiro lugar é bom informar àqueles que confiam muito em certos veículos de informação, que, como já foi amplamente estudado em diversos casos de protesto no Brasil, os atos de radicalização ocorrem quase que em sua unanimidade após ação truculenta da polícia no intuito de dispersar mobilizações. Em segundo lugar, chamá-los de baderneiros, as vezes até de “pessoas que não sabem o que fazem” é ignorar o fato de que talvez eles sejam os lúcidos. Explico por que: em uma cidade que, na cordialidade entre empresas de transporte e poder público (municipal e estatal), quando o onerado pelas promessas feitas entre estes atores é a população que depende do serviço para se locomover, me parece que quem se coloca do lado desta pensa muito mais do que aquele que condena ações radicais que, como já dito, ocorrem majoritariamente como resposta e não como estopim. Esquecendo-se ain-

da que violência sim (já que está ocorre contra as pessoas) sofrem os usuários do transporte cotidianamente. Se o mais reacionário diz que estes agem errado, digo que ao menos agem em prol da causa certa; e não é isso que deveria importar nesta discussão? As empresas são ousadas, vêm a público dizendo que “não sabem quanto a passagem abaixará caso os subsídios sejam pagos”; o curioso é que elas souberam exatamente o quanto aumentar, sob alegado “prejuízo”. E os errados são aqueles que se revoltam? O jogo torpe orquestrado para ofuscar a real causa dos eventos e transformar tudo em um delírio juvenil seria patético se não fosse trágico. Vemos um pedaço de borracha velha pegando fogo e achamos isso mais escandaloso do que o fato de que não temos acesso à cidade. Achamos menos escandaloso pagar agora, se dois ônibus tivermos de pegar, R$13,20 para irmos e voltarmos de algum compromisso ou passeio, considerando ida e volta, do que organizar-se e opor-se a esta situação deprimente. Achamos mais razoável sermos carregados que nem gado do que nos opormos a esta intocável máfia dos consorciados das empresas do transporte coletivo. Vendo este quadro o que resta é perguntar: quem são os “delirantes”?

samambaia

FIC Ano XV - Nº 69, Abril de 2015 Jornal Laboratório do curso de Jornalismo Faculdade de Informação e Comunicação Universidade Federal de Goiás

Orlando Afonso Valle do Amaral REITOR

Magno Medeiros

Luciene Dias

COORDENADORA GERAL DO SAMAMBAIA

Sálvio Juliano

DIRETOR DA FACULDADE DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

EDITOR DE DIAGRAMAÇÃO

Luciene Dias

Lucas Botelho

COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO

MONITORIA

PRODUÇÃO EDIÇÃO EXECUTIVA DIAGRAMAÇÃO Laboratório de Jornal Impresso II

EDIÇÃO ESPECIAL Laboratório de Jornal Impresso II

Contato: Campus Samambaia | Goiânia-GO - CEP 74001-970 | Telefone: (63) 3521-1854 - email: samambaiamonitoria@gmail.com | Versão online no issu.com/jornalsamambaia | Impressão pelo Cegraf/UFG - Tiragem de 1000 exemplares


samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- COLETIVIDADES -

AMPARO NAS REDES SOCIAIS

3 Grupo Liberdade aos Presos Políticos de Goiânia

GRUPOS DE SOLIDARIEDADE DIFUNDEM CAUSAS SOCIAIS E DÃO APOIO A FAMILIARES Reportagem e Edição ISABELA LACERDA

O

HISTÓRICO Em junho de 2013 grupos de jovens aliados ao Movimento Passe Livre (MPL) iniciaram uma manifestação na Avenida Paulista para protestar contra a alta no preço das passagens de ônibus. A partir daí, uma onda de manifestações se espalhou pelo país. O movimento que para os manifestantes ia além dos vinte centavos foi violentamente reprimido em grande parte das capitais com diversas prisões.

Gabriel Vilela, Jorge Santos, Alex Oliveira, Ramon Silva no dia em que sairam da Casa de Prisão Provisória (CPP) Quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015, aproximadamente oito e meia da manhã. No Terminal da Praça A, em Goiânia, a população indignada com o atraso das linhas 015 e 400 e a falta de qualidade do transporte coletivo da Capital inicia uma manifestação espontânea. O terminal é fechado. O aumento das passagens, de R$ 2,80 para R$ 3,30, é acrescentado à pauta dos manifestantes que só liberaram o Terminal depois do meio-dia, quando um representante da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC) chegou ao local para propor negociações. Alex Fernando de Oliveira, Gabriel Cunha Vilela, Jorge Eduardo dos Santos e Ramon Souza Silva participa-

vam da manifestação, foram presos e encaminhados para o Casa de Prisão Provisória (CPP) de Aparecida de Goiânia. Considerados presos políticos por outros manifestantes, os jovens passaram quatro dias na CPP. Durante as 96 horas em que ficaram detidos, amigos e familiares criaram grupo Liberdade aos Presos Políticos de Goiânia. Entre os membros do grupo de solidariedade é possível perceber um consenso de que antes das manifestações de 2013 não haviam motivos para que o mesmo existisse. “Prisões políticas eram quase inexistentes, então nunca se teve a necessidade de um grupo de solidariedade em Goiânia. Houve situações

Heitor Vilela

grupo Liberdade aos Presos Políticos de Goiânia foi criado nas redes sociais após a prisão de quatro jovens que participavam da manifestação de 26 de fevereiro de 2015. Familiares e amigos, em busca de conforto e divulgação da situação dos presos políticos, utilizam-se da eficácia da internet para divulgar conteúdos. Com mais de 900 curtidas na página do Facebook, o grupo é alimentado pelos próprios membros, sem funções rígidas. “Todos ajudam como conseguem. Repassamos informes do coletivo aos familiares e advogados, damos apoio emocional a família, ajudamos procurando apoio financeiro quando é necessário”, explica Giovanna Rosa, estudante e membro do grupo goiano. A proposta do grupo vem, principalmente, do conceito corriqueiro de solidariedade: demonstração de sentimento com o propósito de ajudar. Todavia a esta se amplia, uma vez que o grupo pode ser considerado um canal para conscientização política. De acordo com Rosa, “as informações divulgadas nas redes sociais promovem reflexão dos que as leem e podem despertar nas pessoas um sentimento de indignação e desejo de mudança, fazendo com que até uma conversa com os vizinhos na porta de casa no final da tarde se torne fundamental para a evolução da luta”.

de truculência, mas nunca houve tanta repressão às articulações sociais”, afirma Rosa. NACIONAL A ideia de utilizar as redes sociais para demonstrar seu posicionamento sobre as prisões não se limita a Goiânia. No Rio de Janeiro, onde também há insatisfações com relação ao transporte público, entre outras pautas, há o grupo Liberdade aos Presos Políticos – RJ. A dinâmica é a mesma: manter os usuários informados sobre os casos, dar apoio às famílias, divulgar o que a grande mídia não mostra, disseminar o conceito de “preso político” e atrair mais adeptos à causa. Para um dos representantes do grupo carioca, “a página é uma forma de disseminar nossas ideias. Nela temos a possibilidade de falar com todos os estados do país, recebemos apoio constantemente de várias regiões e organizações nacionais e também internacionais. Há presos políticos em vários Estados do país, não só na cidade como no campo, e fazemos o que podemos para apoiar também esses casos”. Os efeitos da marginalização e criminalização do movimento feito pela grande imprensa, são notados pelos membros dos grupos. Para Rosa, a população está apática com a situação e o mesmo pode ser notado no Rio de Janeiro. “A população acredita que vivemos num país verdadeiramente democrático. Então, como pode haver presos políticos numa democracia? Ninguém questiona”, afirma o grupo carioca.


4

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- MOVIMENTO

A S VÁ R I A S FA C E S D A Italo Wolff

MANIFESTAÇÕES SEM LIDERANÇA EMERGEM ESPONTANEAMENTE EM MOMENTOS DE TENSÃO NOS TERMINAIS DE ÔNIBUS Reportagem ITALO WOLFF

E ADRIANA RODRIGUES

Edição HIGOR COUTINHO

No terminal Padre Pelágio, em Goiânia, usuários do transporte coletivo podem esperar até 40 minutos. organizada. O aumento injusto da tarifa do ônibus diante da má qualidade do transporte coletivo é um exemplo. “Se o descontentamento não existisse, não haveriam pessoas se mobilizando e gritando raivosamente por uma vida diferente desta”, sustenta o professor. POVO Quem caminha pelos terminais de ônibus de Goiânia encontra um possível contraponto à visão de Marques. “Acho que [manifestação] com violência não rola. Manifestação tem que ser do bem.” Diz Zelelide de Almeida, usuária do transporte público, no Terminal da Praça A. Entre as pessoas entrevistadas nos terminais da Praça A e Padre Pelágio, nenhuma se posicionou a favor de depredações, simbólicas ou não. O fenômeno parece estar mais ligado às circunstâncias do que a uma batalha consciente entre classes, pelo menos na opinião dos usuários. “Ninguém combina de vir aqui quebrar as coisas; só fazem isso porque não tem ônibus e, quando tem, estão todos lotados. Aí, por causa da raiva da hora, acontece a bagunça.” diz Mário Rocha. Todos concordaram que os preços são abusivos e os serviços de má qualidade. No entanto, os usuários atestam já terem presenciado ações despreparadas das polícias militar e civil nos terminais. “Policial batendo e maltratando pessoas, crianças, idosos. Eles vêm com muita violência. Outro dia mesmo eu vi baterem em um sujeito que não estava fazendo nada”, relata Neuza Ferreira Rios. Enquanto ações policiais truculentas não são interpeladas e nem as relações das empresas de transporte com o estado

são esclarecidas, o cidadão paga duas vezes para usar o transporte. A reprovação popular à violência nos protestos pode ser explicada pela forma que a mídia vem abordando as manifestações. O fato de a violência possuir fator de noticiabilidade e serem necessárias poucas pessoas para cometê-la faz com que, mesmo na mais pacífica das manifestações, atos de violência

‘‘

Mas por que a senhora está detida?”. E ela respondeu: “Olha doutora, eu realmente estava no terminal, eu gritei, eu falei que o transporte não estava bom...

D

o sofá da sala assistimos na TV a um noticiário sobre manifestações em terminais de ônibus. O que ouvimos é que o protesto começou pacificamente, mas os manifestantes começaram a agir com violência e a polícia teve que intervir para garantir a segurança de todos. Simples, certo? De acordo com o professor de História e Economia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Edmilson Marques, a realidade pode ser mais complexa. Edmilson Marques afirma para a revista Enfrentamento que a história da sociedade capitalista é inteiramente marcada por manifestações espontâneas, com maior ou menor intensidade. Ou seja, movimentos nos quais pessoas insatisfeitas resolvem manifestar seu descontentamento sem aviso prévio e sem recorrer a trâmites burocráticos ou representantes. O professor enfatiza que manifestações espontâneas não se resumem a reivindicações relacionadas à passagem de ônibus, ao descaso do estado com a educação, saúde, segurança, embora seja essa a sua expressão aparente. Na verdade, segundo ele, essas queixas são o estopim de algo muito mais profundo: a forma como a sociedade atual está organizada. Marques defende que o capitalismo divide a sociedade em classes, onde alguns são privilegiados enquanto outros pagam pelo privilégio daqueles, onde muitos são explorados no trabalho e poucos desfrutam das riquezas produzidas. Dessa forma, para Marques, as manifestações espontâneas expressam o interesse da população oprimida e explorada de superar esta sociedade; as manifestações são atos que integram pessoas que tomaram a decisão de criticar, na prática, as diversas questões que resultam da maneira como nossa sociedade está

Diálogo entre a advogada Natália Oliveira e uma usuária detida em manifestação espontânea

Para garantir os lugares no ônibus, passageiros esperam de pé na plataforma, cau


samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

OS SOCIAIS -

Italo Wolff

A R E V O LTA P O P U L A R

5

cluiu: “E não é?! Também acho sabia...”, conta a advogada. O termo “prisão política” é usado quando um manifestante é preso, não com o objetivo de puni-lo por danos cometidos, mas com o de impedir que se manifeste novamente. Isso geralmente é feito imputando-lhe crimes para que este não volte a participar de protestos. Nesses casos, o objetivo não é cumprir a lei penal. Nessa conjuntura, a ideia de pacificidade nos protestos revela-se limitada. Pois, como salienta Edmilson Marques “a emergência de uma manifestação espontânea é sinal que os indivíduos não estão mais suportando a situação em que estão vivendo. E nesse estado é impossível tratar com pacificidade aqueles que estabelecem a repressão e a opressão – pressupostos das relações sociais.” AUTONOMIA

Intervalos longos fazem com que usuários permaneçam aglutinados por muito tempo até que o ônibus chegue.

REPRESSÃO Pelo artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, o cidadão possui o direito a exercitar a liberdade de manifestação, sendo

usando risco e desconforto às próprias vidas.

este um dos elementos indispensáveis à democracia. No entanto, no caso das revoltas populares que buscam qualidade no transporte coletivo e uma tarifa com preço adequado, as pessoas frequentemente têm esse direito ferido pelo uso da força policial. Uma vez que as empresas de transporte coletivo não diminuem o valor da tarifa ou mostram as plaItalo Wolff

sejam pinçados e recebam grande atenção. Além disso, nos jornais, o vandalismo é ostensivamente recriminado.

nilhas de custos ou abrem diálogo com os usuários ou não mantém a qualidade do transporte, as pessoas se manifestam. “Isso alimenta um ciclo vicioso, porque as empresas não querem atender à demanda, mas as pessoas estão atrapalhando quando param um terminal, quando vão para as ruas”, destaca a advogada Natália Oliveira. Ela ressalta que a Polícia Militar é muito eficiente em impor o medo da repressão; o medo de ser preso, porque eles sabem que vão “pegar” qualquer um que está na manifestação. A advogada ainda lembra que as manifestações espontâneas foram muito reprimidas no ano passado e que durante uma de suas atuações jurídicas na delegacia, presenciou mais de 20 pessoas detidas de uma vez, dentre elas trabalhadores comuns. “Eu nunca me esqueço de uma mulher, era uma negra, baixinha, gordinha; ela estava de mãos para trás no meio do pessoal mais jovem, aí eu perguntei: “A senhora está detida?”. Ela me olhou com uma cara de ‘o que está acontecendo’ e respondeu: “Estou”. Aí eu perguntei: “Mas porque a senhora está detida?”. E ela respondeu: “Olha doutora, eu realmente estava no terminal, eu gritei, eu falei que o transporte não estava bom...”. Aí eu insisti: “Nossa mas, a senhora não devia estar aqui...”. Ela parou, deu uma pensada e con-

Além de causar incômodo às empresas, os representantes do poder têm dificuldade em compreender as manifestações espontâneas e organizadas sem liderança, já que as mesmas possuem um caráter de instantaneidade e a inexistência de líderes torna a negociação mais difícil. Por isso vemos governantes assustados com esse tipo de movimento, sem saber como negociar, pois entendem a organização apenas com um representante a sua frente. O professor da UEG, Edmilson Marques sintetiza essa situação quando diz que “a espontaneidade expressa por manifestantes que buscam representarem a si mesmos, sem delegarem a outro a sua própria representatividade, gera uma confusão na cabeça dos burocratas, e até mesmo dos intelectuais mais esclarecidos; o que leva o estado a justificar a repressão que exerce, expressando que os manifestantes são baderneiros, vândalos e um conjunto de outros adjetivos que utiliza para desqualificar a sua espontaneidade”.

Vale ressaltar No Brasil, todos têm direito à livre a manifestação do pensamento, previsto no artigo 5º, inciso IV da Constituição Brasileira de 1988.


6

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- MÍDIA -

J O R N A L I S M O E X P E R I M E N TA L . . . Reprodução

CAMBURÃO DA POLÍCIA RECOLHE PROFISSIONAIS QUE EXPLORAM NOVOS MEIOS Reportagem e edição LEON CARELLI

E

m menos de um ano, dois estudantes de Jornalismo da UFG ganharam como cortesia do poder público passagem pela Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia. As prisões estavam relacionadas a participação deles em manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público. Além disso, exerciam funções jornalísticas dentro desse âmbito: com releases de manifestações, através de ilustrações consideradas violentas e com vídeos que documentam os atos populares, e que exibem momentos de truculência policial. Formação de quadrilha, danos ao patrimônio e incitação ao crime. Três categorias que serviram para incriminar três estudantes detidos em Goiânia no dia 23 de maio de 2014. Com eles foram apreendidos panfletos e cartazes que continham frases e ilustrações que representam a revolta de quem dedica o pouco dinheiro que consegue acumular durante a vida para o fundo obscuro de arrecadação das catracas. Os presos ficaram por cerca de uma semana na CPP e ainda hoje aguardam o andamento do processo, tendo suas mentes acorrentadas a degradantes processos jurídicos. Entre os presos estava o estudante Heitor Vilela. Incitação ao crime, corrupção de menores, dano ao patrimônio público e porte de entorpecente: outras tags da irresponsabilidade social, usadas dessa vez no dia 27 de fevereiro de 2015 pela Polícia Militar, para que Gabiel Vilela, midiativista, fosse parar atrás das grades. Junto com ele prenderam mais três pessoas que compunham uma manifestação espontânea, ou seja, sem prévia organização: fruto da revolta de quem estava no terminal Praça A, no setor C ampi-

Governador visita sede do Charlie Hebdo nas, indignadas com a situação geticular todos os assuntos consideral de descaso e desumanidade por rados de interesse público. Isso, parte dos arrecadadores de imposassociado à prática de colocar imatos do estado. gens e ao mesmo tempo um narDas sete pessoas presas por esrador que as explica com sua voz tarem exigindo melhorias no transsobreposta determina um modelo porte público nas situações citadas, de jornalismo sendo visivelmente Heitor e Gabriel tem uma coisa em o mais acolhido pelas emissoras de comum: eles utilizaram de modos TV aberta da capital. e discursos não tradicionais, difeEssa televisão possui muita virente das grandes empresas de mísibilidade, e atrai uma gama de india, para praticarem sua liberdade vestimentos publicitários e propade expressão. Sendo as instituições gandas governamentais de diversos atingidas pelas denúncias as porpartidos políticos. É por isso que tadoras do poder, tanto de armas existe dinheiro para manter toda quanto de influência, não foi difícil a estrutura criada pelas emissoras. que câmeras, panfletos e metade de um cigarro de maconha apreendidos sob posse dos acusados fosse suficiente para enjaulá-los. Em 2014, a “operação 2,80” deixou claro até pelo nome que o importante para os heróis da sociedade envolvidos era conseguir, por fim, o êxito de extrair mais dinheiro do bolso da população, eliminando os “antagonistas sociais” que tentavam barrar esse avanço na história da capital goiana: o benefício de poder pagar mais caro pela passagem e enriquecer os bolsos sabe se lá quem. No caso de 2015, os policiais que prenderam os quatro manifestantes no terminal Praça A entenderam que as situações de opressão relatadas por Gabiel e seus parceiros no canal do youtube Desneuralizador são um prejuízo. Saber que a polícia age com violência enquanto o povo só quer parar de sofrer, não faria bem para o andamento da jovem Goiânia, hoje com pouco mais de 80 anos. Forças inteligentes do estado preferiram tirar Gabriel de circulação antes que ele prejudicasse ainda mais a população de Goiânia e a imagem dos nobres policiais com sua câmera maldosa. POSSIBILIDADES Em Goiânia, crescemos observando que é muito comum o costume de se assistir jornalistas vestidos socialmente, a falar e ges-

Atualmente, algumas das câmeras que tem vida própria, as “câmeras de segurança”, vêm servindo além de sua função original, com espaço nessas emissoras. Convidam ao bizarro, atraindo audiência e consequentemente mais investimentos publicitários. A mente humana é uma fonte inesgotável de ideias. Em meio a toda a onda midiática, surgem novas iniciativas jornalísticas. A forma como as pessoas vivem é reflexo de varias experiências que passam enquanto respiram. Nem todo mundo que estuda jornalismo vê sentido no modelo terno/reportagem com narração empresarial. A tecnologia viabiliza experimentar novas estruturas, com ênfase a reflexões incomuns. Uma estratégia de comunicação bem bolada pode livrar um comunicador inconformado das redações coorporativas, além de eliminar a barreira editorial. A preocupação surge com o poder jurídico. Pessoas processam pessoas por uso indevido de imagens. Em um momento onde produtos jornalísticos servem como elemento de acusação aos crimes


samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- MÍDIA -

...E CENSURA EM GOIÂNIA mais variados, tendo em vista que as forças acusadoras possuem grande aparato de influências e de dinheiro para sustentar suas opiniões sobre o que é correto, ganha a disputa quem tem o poder de massacrar midiaticamente seu adversário. No caso de jornalistas independentes versus poder público, não é difícil descobrir quem ganha. Esse assunto serve para puxar várias reflexões sobre o poder das imagens. CÂMERAS Estamos cercados por filmadoras que captam tudo. Carregadas por mãos ou instaladas em quinas dos mais variados lugares. Nosso nascimento, nosso sexo, nossos assaltos, nossa morte. Toda a tragédia humana eternizada e divulgada através de pixels. As pessoas satisfazem seu desejo visual de conhecer o bizarro realismo dessas situações em telejornais e sites da web. Se não é ético que um jornalista filme tais situações, as câmeras ganham vida própria e aguardam automaticamente que fatos dessa

índole aconteçam. Quanto ao poder público, dificilmente vemos os conhecidos rostos da política diante das câmeras quando não estão preparados para esbanjarem simpatia (propagandas de campanha eleitoral, entrevistas coletivas etc). Policiais também não querem ser filmados ao exercerem um trabalho que é público. É como se sentissem ofendidos por serem fiscalizados. O papel de fiscal cabe apenas a eles. São pagos pra isso. O estranho é que um policial na rua é dinheiro público convertido em ações humanas. A não fiscalização dessa função, por qualquer pessoa, deslegitima a existência do investimento financeiro da população. SIGNIFICADOS A legalidade de imagens no meio midiático, aos olhos do poder público, também está sujeita a interesses políticos, tendo em vista que elas são uma fonte de criação de discursos. Discursos são os responsáveis por criarem a representação imaginária de uma figura política no meio social. Sorrisos, lamentos e exaltações

circulam toda hora. Apenas a caráter exemplificativo, podemos analisar alguns pormenores da imagem à esquerda. O discurso que ela transmite é o da solidariedade. Nela, podemos ver o atual representante do poder executivo do estado com flores em mãos, demonstração tradicional de luto. Anexo à imagem, em reportagem do jornal Opção de 8 de fevereiro deste ano, nos é revelado que o governador passava pela França para tratar de questões comerciais, mas antes deu um pulo na sede do jornal semanário Charlie Hedbo em um contexto de morte de jornalistas por conta de publicações satíricas, para que pudesse ser fotografado. A fotografia, divulgada pelo Gabinete de Imprensa de Goiás, foi lançada num momento em que as atenções midiáticas do mundo inteiro estavam voltadas ao ocorrido. Defender a liberdade de expressão diante de um fato tão visível, como no caso da França, mas que acontece em uma realidade muito distante da vida de quem mora em Goiás, pode ser um investimento que trará retorno mais benigno a imagem de um político que a defesa desta

7

liberdade dentro dos limites do estado que ele governa. Tanto que não existe nenhuma fotografia do governador do estado solidarizando-se com a situação dos manifestantes presos em Goiânia, nem mesmo uma explicação por parte do governador à população do seu estado, que inclusive é a que o elegeu nas urnas, e às criticas de pessoas de todo o mundo que ficaram sabendo pela internet que no estado de Goiás, na região central do Brasil, charges e panfletos foram apreendidos e criminalizados. Será que a atenção que o caso recebeu na internet não foi suficiente para que a imagem dos políticos em questão fosse atingida ao ponto de eles terem que justificar alguma coisa publicamente?


8

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- ENTRE

DESNEURALIZAR N ENTREVISTA COM GABRIEL VILELA, ESTUDANTE PRESO QUANDO COLHIA INFORMAÇÕES EM MANIFESTAÇÃO Reportagem e edição ANA CAROLINA JOBIM HEITOR VILELA

N

o dia 26 de fevereiro, quinta-feira, o Terminal Praça A foi cenário de uma manifestação espontânea contra o aumento nas passagens de ônibus da capital. Naquela manhã, Gabriel Cunha Vilela, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG) e um dos moderadores da página Desneuralizador, cumpria seu papel de registrar a indignação popular quando foi detido. De acordo com a família do estudante, ele gravava imagens do bloqueio do terminal quando a Polícia Militar, enviada para liberar o trânsito dos ônibus, pediu para revistar seus pertences. Segundo Sidney Carvalho Vilela, pai de Gabriel, depois de ter os pertences revistados os policiais intimaram o rapaz a ir a delegacia prestar esclarecimentos. Ele foi encaminhado à Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco). Na Draco, os policiais disseram que seriam feitas algumas perguntas, segundo conta Valéria Vilela,

mãe de Gabriel. Mas após os questionamentos, o delegado Breynner Vasconcelos Cursino acusou o rapaz dos crimes de: corrupção de menores, incitação ao crime, danos ao patrimônio público e porte de entorpecente. Junto a Gabriel, estavam outros três detidos: Jorge Eduardo dos Santos, Alex Fernando de Oliveira e Ramon Souza Silva, todos enquadrados em três destes quatro crimes. Após as detenções, uma polêmica se levantou sobre a ação da Polícia Militar e a legitimidade das acusações. A defesa do caso ressaltou que os rapazes não de-

Cartazes de apoio são colocados em frente ao Forúm durante protesto.

veriam ter sido presos uma vez que não faziam parte da articulação do movimento e não tiveram participação em ações violentas. Além disso, todos foram acusados indistintamente dos mesmos crimes, sem uma apuração específica para cada caso. Gabriel, que trabalha com mídia independente, faz juntamente com a equipe da página Desneuralizador, uma cobertura de diversas manifestações populares e por isso teria sido alvo da Polícia. Para Natália Oliveira, que atua como advogada do caso, o fato do estudante estar filmando incomodou os PMs. A advogada lembra porém que, como agentes públicos, é permitido a qualquer cidadão filmar ações policiais por meio do princípio da publicidade na administração pública previsto no Artigo 37 da Constituição Federal. O fato de a ação jornalística exercida por Gabriel ter servido de

justificativa a sua detenção configura censura ao trabalho da mídia e de jornalistas. É direito cogitado na Constituição Federal, em seu artigo 220 que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição [...].”, sendo a proibição ou repressão do ato um crime. No caso do estudante, a repressão mobilizou órgãos como a TV UFG e o Sindicato Municipal dos Servidores da Educação de Goiânia, que lançaram notas de repúdio se opondo a maneira como o exercício da profissão serviu como suposto pretexto à detenção. Justamente a indignação diante do caso levou a realização de um protesto na segunda-feira, dia 2, em f rente ao Fór um nas proximidades do Estádio S erra Dourada, que reuniu familiares, amigos e apoiadores do estudante e dos outros jovens detidos. O ato ser viu para pressionar a liberação dos jovens, cujo pedido de soltura havia sido feito na sexta-feira. O Habeas C or pus foi liberado no ínicio da tarde e os jovens liberados na noite de segunda-feira. A defesa aguada a conclusão do inquérito policial para que a decisão sobre o caso saia. Sobre o caso, conversamos com o estudante Gabriel Vilela.


samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

VISTA -

NUNCA FOI CRIME pelos professores. Nós moramos no plenário da câmara por mais de 20 dias e presenciamos a dinâmica de organizaçao e funcionamento de um movimento autônomo e horizontal. Comemos, dormimos, vivemos ali naquele espaço juntos, enfrentamos truculência e negligência dos governantes.

JS - Quando o Desneuralizador começou a cobrir as manifestações? GV – O Desneuralizador se tornou um Coletivo de Mídia Independente no dia 15 de abril do ano passado, quando houve uma manifestação no Itatiaia contra o aumento da tarifa e um ônibus foi incendiado no campus. Neste dia eu estava com uma câmera e filmei a manifestação, e indignado com o que ouvia na TV convencional sobre os atos, pensei em fazer um material mostrando a versão dos manifestantes, explicando para as pessoas o porque aquilo ocorrera. Nesta epoca eu não sabia editar, então procurei um colega (Lucas Xavier) para me ajudar a montar o material. Ficamos muito felizes com o resultado e passamos a fazer outros materias. JS - Para você qual a importância do midiativismo? GV – Cada vez fica mais claro que os veículos de comunicação produzem notícias perme-

adas por interesses de certos grupos. Sabemos no jornalismo que a neutralidade é impossivel, e a imparcialidade é impraticada pela grande mídia. O midiativismo ganha importância em contramão às notícias veiculadas da grande midia e seus interesses, por produzir material muitas vezes no próprio local do fato, possibilitando ao leitor uma abrangência maior e mais precisa da compreensão do fato. JS - Quando você começou a participar da militância e de eventos de cunho social em Goiânia? GV – Nas jornadas de maio e junho de 2013, quando ao ver uma grande mobilização no País minha esperança renasceu.

‘‘

JS - Como foi as duas primeiras manifestações contra o aumento esse ano? GV – A primeira manifestaçao contra o aumento este ano foi um tanto desorganizada, mas bastante combativa. Ela foi a expressão de uma conjuntura, o povo estava indignado e cheio de revolta com os absurdos praticados pelos poderosos. Na minha opinião ainda não conseguiriam se organizar para

A criminalização e a perseguição recaem sobre aqueles que disseminam informações que desmascaram os verdadeiros motivos e interesses que trazem a precarização do transporte.

JS - Quais experiências você já vivenciou, além da profissional, você pode destacar nesse tempo em que produz o Desneuralizador? GV – Tivemos várias experiências marcantes na produção dos vídeos, até porque o que retratam são momentos intensos. Mas, sem dúvida, o mais marcante foi em 2014 na ocupação da Câmara Municipal

‘‘

JS - Como e quando surgiu o Desneuralizador? GV – Antes de eu entrar para o curso de jornalismo, o Desneuralizador era uma página onde eu publicava imagens montadas com textos, afim de descontruir visões de mundo viciadas, desconstruir noções cristalizadas sobre a vida, desneuralizar as pessoas.

JS - Quais situações você já presenciou abuso por parte da Polícia na repressão e criminalização dos movimentos sociais ? GV – Uma das situações de truculência de que me lembro, concidência ou não, foi numa manifestaçao espontânea no dia 16 de maio de 2014 na Praça A. Um grupo de pessoas fazia manifestação do lado de fora do terminal e vários usuários do transporte aguardavam dentro do terminal. O tropa de choque chegou atirando bombas de gás e balas de borracha, atirando em todo mundo, manifestantes ou não. Atirou bombas dentro do terminal, com criança e idosos. Neste dia uma mulher foi presa arbitrariamente.

travar a luta pela dignidade. Não sei qual é esta segunda manifestação, acho que não presenciei por estar detido. JS - Como ocorreu a sua detenção? GV – Estava na aula quando fiquei sabendo que estava ocorrendo uma manifestação espontânea na Praça A. Cheguei no local por

9

volta das 11 horas e a manifestação, segundo os populares no lugar, havia começado as 8 horas. Filmei toda movimentação no terminal. A massa insurreta resolveu deslocar-se para o centro da cidade, acompanhei a marcha até a plataforma do Eixo fora do terminal. Nesta hora resolvi voltar pois teria que trabalhar naquela tarde. E retornando com o Lucas para o local onde haviamos estacionado, fomos abordados e detidos. JS - O que foi alegado para a detenção e encaminhamento ao centro de triagem da CPP? GV – Durante a manifestação, um menor subiu num onibus e chutou uma especie de aerofólio que tem em cima do ônibus. Este foi o único dano causado nesta manifestação e o menor foi detido. Foram presas e mandadas para CPP 4 pessoas dentre elas, eu. Todos com as mesmas acusações: incitação à violenica, incitação de menor e dano. JS - Como foram os dias no cárcere? GV – Péssimos. Ficávamos presos em uma cela 5 por 5 com 12 presos e sem nada pra fazer. Tivemos uma relação amistosa com os presos pois buscamos nos adequar às normas de convivência do local. JS - Porque você acha que a repressão caiu em quem escreve, desenha ou registra em vídeos os movimentos pelo transporte? GV – Acredito que a criminalização e a preseguição recaem sobre aqueles que disseminam informações que desmascaram os verdadeiros motivos e interesses que trazem a precarização do transporte. Aqueles que mostram o quanto alguns lucram com o sofrimento de muitos. JS - Você pretende continuar com seu trabalho de midiativismo? GV – Sem dúvida pretendo continuar o meu trabalho. Só aumentou minha convicção. JS - Qual a dica que você deixa para outras pessoas, estudantes e profissionais de jornalismo, que pretendem atuar como midiativistas? GV – Para os midiativistas, digo: uni-vos, desenvolvam este trabalho com afinco e com a certeza de que lutam pelo certo. Mas, fica ligeiro, o Estado não respeita ninguém que o contrarie.


10

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- IDENTIFICAÇÃO -

B A I L E D E M Á S C A R A S N A S M A N I F E S TA Ç Õ E S Heitor Vilela

QUANDO ESCONDER O ROSTO PODE SIGNIFICAR PROTEÇÃO OU AFIRMAÇÃO Reportagem e Edição BEATRIZ OLIVEIRA

N

sidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Célio, diz que o anonimato dificulta as negociações políticas. PROIBIÇÃO Após as manifestações de 2013, o projeto de lei número 2404 foi apresentado à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, pretendendo tornar crime o uso de máscaras e de qualquer outra forma de ocultação de identidade. O projeto de emenda constitucional vedaria o “anonimato no exercício do direito constitucional à reunião pública para manifestação de pensamento”. O professor Pedro Célio considera que criminalização do uso de máscaras fere o direito de reunião e do indivíduo. “Disciplinar previamente o protesto soa como tentativa de anular o direito de protestar. Além disso é inócuo. Quem protesta já se sente fora dos parâmetros hegemônicos de comportamento e de condução regulamentada”, completa Pedro Célio. A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura a todos, brasileiros e estrangeiros residentes no País, o livre exercício ao Direito de Reunião. O artigo 5, parágrafo XVI do Estatuto, garante que “todos podem reunirse pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização”. O paragráfo IV do mesmo artigo torna livre a Manifestação de Pensamento, sendo vedado o anonimato.

U de Unidade As máscaras começaram a ser usadas com maior frequência em manifestações como a Ocupe Wall Street nos Estados Unidos e os Indignados nos países da Zona do Euro, durante a crise econômica mundial de 2008. Uma das máscaras mais vistas em manifestações é a de Guy Fawkes, popularizada pelo filme V de Vingança. Fawkes foi um soldado católico inglês, que se tornou ícone ao ser torturado e enforcado depois da Conspiração da Pólvora, em 1605. Mas as máscaras não são a única forma de protesto. No Brasil, os protestos pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992 levaram às ruas milhares de pessoas com as caras pintadas, como o movimento passou a ser conhecido.

Reprodução

os protestos cada vez mais frequentes no Brasil, a ocultação do rosto se tornou tática usada por muitos manifestantes para preservação de sua identidade. Os entrevistados, participantes ativos nas últimas manifestações, protegidos aqui por pseudônimos, explica que o uso da máscara vai além da pessoa que se esconde atrás dela, interferindo diretamente no movimento. O receio da repressão é o principal motivo para que os manifestantes compareçam mascarados aos atos de protesto. “A polícia marca quem está com o rosto à mostra. Eles procuram um líder pra culpar e assim abafar o movimento”, afirma Fábio, um dos membros. Temem, não só a polícia, mas também serem identificados por patrões e por meios de comunicação “burgueses, que nos chamam de vândalos”. Vistos como marginais pela sociedade, os militantes entendem a associação da ocultação de identidade com atividades criminosas como a reprodução do discurso adotado pela mídia de massas, que busca deslegitimizar as manifestações. “As pessoas nos enxergam como bandidos por que não têm conhecimento, por que não entendem o movimento”, diz Júlia. A máscara é uma forma de não individualização das massas, se afirmando como luta coletiva, sem líderanças ou culpados, onde o intuito é o movimento: “Quando tampamos o rosto, queremos despersonalizar a manifestação. A intenção não é promover uma pessoa, e sim o movimento. O protesto é o coletivo que tem um objetivo em comum”, afirma Jonas. O papel do indivíduo naquele movimento também é considerado quando se mascaram. “Se a pessoa estiver com o rosto escondido e tiver um papel de destaque no ato, como discursar ou operar um carro de som, ela também fica visada”, afirma Júlia. Sobre isso, o professor de Ciências Sociais da Univer-


samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

-INTERNET -

ESPECIALMENTE DAS REDES SOCIAIS TRAZEM NOVAS NARRATIVAS Reportagem e edição LUIZ DA LUZ MILLENY CORDEIRO

O

s protestos ocorridos em junho de 2013, que tinham como pauta inicial a redução do preço das passagens do transporte público, levaram milhões de pessoas às ruas de grandes capitais brasileiras, como São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Goiânia. Organizados pelas redes sociais, esses protestos proporcionaram um cenário singular para a avaliação do uso dos meios de comunicação, levando destaque ao midiativismo, lido aqui como ativismo político através da web. A proposta surge no momento histórico em que as novas tecnologias da informação e comunicação tornam-se acessíveis a uma grande parcela da sociedade. A partir deste momento, novos conteúdos contrastam com os que são compartilhados pela mídia corporativa. Midiativistas são narradores que procuram contrapor-se ao discurso da mídia convencional, chamada de mídia de massas, os fatos abordados por esses narradores em relação aos movimentos sociais. Com uma estrutura descentralizada, eles

abordam temas sociais e políticos levantando a criticidade e a discussão através das redes sociais, divulgando notícias, vídeos e fotografias, sem serem, necessariamente, jornalistas ou pessoas ligadas à comunicação. Coordenada pelo Fora do Eixo, a Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação, Mídia Ninja, foi o primeiro coletivo de midiativistas a ter destaque pela cobertura das manifestações de 2013. Desde então outros coletivos foram surgindo, como o coletivo Mariachi e o Carranca, ambos no Rio de Janeiro, conquistando espaço e provando que as grandes empresas de comunicação têm perdido a credibilidade e o espaço para meios alternativos. Em Goiás, as manifestações contra o aumento da passagem de ônibus foram narradas pela perspectiva de midiativistas que integram coletivos como o Coma Livre e o Desneuralizador. Além destes alguns midiativistas publicaram em seus perfis pessoais construções em vídeos, textos e fotos, não se correspondendo com a lógica de um coletivo, preocupando-se, apenas, com a forma de contar. Para Thalys Alcantara, participante do Coletivo Coma Livre, acrônimo de Comunicação Mídias e Audiovisual, há uma preocupação em noticiar pela ótica do movimento como ações das manifestações acontecem, diferente dos grandes veículos que noticiam o fato como um acontecimento geral. Ao olhar como observador, podemos perceber que não há modelo pré-pronto que conduza as narrativas dos midiativistas. Os textos, as fotos e os vídeos produzidos em

torno do assunto “manifestação” atendem a demanda de informação em relação as esses movimentos. No site do coletivo Carranca o grupo de midiativistas estabelece sua relação como “amizades feitas no gás”. Com o objetivo de “dar vi-

sibilidade às manifestações que tomaram o país desde junho de 2013”, concluem que suas coberturas são focadas naquele “fenômeno de explosão social que já começou reprimido tanto pelo Estado quanto pela mídia corporativa”.

Luiz da Luz e Milleny Cordeiro

INICIATIVAS VINDAS

Luiz da Luz e Milleny Cordeiro

M I D I AT I V I S M O , R E G I S T R O E A Ç Ã O

11


- CRÔNICA -

DESPERTADOR RELATO DE UM

SONHO QUE LEVOU A UMA MANHÃ QUE PODERIA SER COMUM NOS TEMPOS DA DITADURA HEITOR VILELA

S

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

ão 5:54 da manhã. Meu pai abre a porta do meu quarto gritando muito nervoso, de susto mesmo – “Rápido! Acorda! É a polícia que está ali embaixo!” Vi nos olhos do Meu Velho, sem os seus usuais óculos e apenas de cuecas, o terror da situação. Era sexta-feira, 23 de maio de 2014. Meu aniversário de duas décadas, mas não havia muito o que comemorar. Eu e minha linda companheira, Giovanna, estávamos quentinhos e pelados na cama. Mal deu tempo de vestir às pressas uma calça e vi adentrar, com brutalidade, na sala daquele apartamento, quatro oficiais, fardados de preto, apontando metralhadoras, pistolas automáticas e até uma espingarda calibre 12, a famigerada “punheteira”. Três homens e uma mulher, usando capuzes também pretos cobrindo o rosto, vasculharam o pequeno apartamento antes de dizerem alguma coisa. Meu pai, com sobriedade e um pouco de medo, pergunta – “Quem são vocês?! Têm algum mandado?! Sobre o que se trata tudo isso?!”. Um deles tirou o capuz do rosto (pensei comigo em como era irônico a polícia estar ali na minha sala travestida de Black Block) e se apresentou como o delegado. Apresentou um papel com o mandado de prisão preventiva e de busca e apreensão de uma pasta de nome: Operação 2,80. Perguntou se eu que era o Heitor, com a confirmação positiva e seca – “sou eu”, me entregou o documento. Enquanto examinava o documento tal delegado, de nome Alexandre, com tom agressivo e tentando desnecessariamente impor respeito e superioridade pela voz, (desnecessariamente, pois o mesmo junto com sua tropa estava armado até os dentes de uma forma que só tinha visto em filmes) – “Heitor Vilela é acusado de ser o líder de quebradeiras e vandalismo por toda a cidade! Formação de quadrilha e de ter destruído mais de 100 ônibus nos últimos dias, fora ter incendiado o veículo da Metrobus, dando um prejuízo de mais de dois milhões de reais”.

Poxa vida eu sou foda mesmo, mais de 100 ônibus?! Nem Nero conseguiria tremenda proeza, devo ser o deus pagão do fogo. Minha mãe de camisola ao canto, chorando, falou – “Não foi meu filho quem fez isso não”. Foi interrompida com o “é melhor a senhora calar a boca”, gritado às seis da manhã, na garganta da excelentíssima autoridade ali presente. Dois policiais, juntamente com o porteiro do prédio, que fora levado para a deflagração da gloriosa operação como testemunha, adentraram o meu quarto. Agora consegui ler o distintivo no braço de um desses oficiais, D.R.A.C.O. (Delegacia de Repressão a Crimes Organizados) começaram a revistar o quarto, gavetas, caixas, arquivos, folhas, papéis, tudo jogado sobre a cama com uma cavalar e mais uma vez desnecessária força. Tudo bem, quietinho sem movimentos bruscos e colaborando com a investigação. Caixas de presentes e sapatos abertas, um baú de madeira com as cartinhas de minhas namoradinhas de adolescência revirado e lido pelo agente – “analisando para ver se configura prova...” disse com um sorriso lerdo no canto da boca. Panfletos, cartazes, textos de material para estudo da faculdade, jornais dos anos 80 e flyers de festas punks, manifestações e rocks antigos que guardava como registro histórico, material informativo do MPL (Movimento Passe Livre), jornais AVANTE da RECC (Rede Estudantil Classista Combativa), exemplares da Nova Democracia e até mesmo jornaizinhos do PSTU, todos atirados naquelas bolsas pretas da delegacia com um indefectível “confidencial” estampado. Uma gaveta que tinha alguns piões de madeira, carrinhos em miniatura, bonecos dos Beatles, broches de bandas psicodélicas dos anos 60, um nariz de palhaço entre outros brinquedos da minha infância, foi encontrada uma perigosa arma: um estilingue de plástico pequeno, daqueles que se compra em qualquer loja de produtos a R$ 1,99 (com a borracha arrebentada inclusive), e que também foi levado como prova. Rabiscos, rascunhos e escarros, meus primeiros textos da faculdade de jornalismo, computador (que uso para trabalho), celular, cd’s de música, filmes, cartões de memória e pen drives com fotos de família. Meus desenhos e primeiras charges feitas para o Jornal Samambaia da UFG, junto tudo que tinha guardado para o meu TCC. Além de material para primeiros socorros (faixa, esparadrapo, luvas de plástico e soro fisiológico), tudo atirado com grotesca força dentro da bolsa preta que foi lacrada. Após a coleta nada seletiva e papéis assinados, era a hora de ir para a delegacia. Peguei os cigarros e o is-

queiro. Antes de sair um dos oficiais que anotava meus dados com a identidade na mão ironizou – “hoje é seu aniversário né? Parabéns!” como não sabia no que tinha por vir, perguntei – “com licença, antes de ir poderia comer um pedaço do bolo?” Um bolo “Prestígio” feito pela minha mãe, uma delícia. Comi algumas garfadas com o meu amor, que estava bastante angustiada ao meu lado, apertando firme minha mão que, num sussurro, disse-me – “vai ficar tudo bem meu amor”. Me acalmei um pouco. Mesmo sendo destratada com o ar escroto que qualquer homem portando uma arma tem, minha mãe não podia deixar de oferecer um café aos homens da lei, como manda o costume do interior. Mãos para trás, arma apontada para as costas, saio de cabeça levantada é claro, comprimento os vizinhos que curiosos com o barulho observavam a movimentação. Fui colocado no banco de trás de um carro a paisana, sentado em cima das mãos – “não tente nenhuma gracinha”. Os agentes da D.R.A.C.O. comentaram que outros dois alvos haviam sido capturados com sucesso, outro não fora encontrado. Poxa vida os camaradas caíram também. Chegamos à delegacia, que ficava na velha Campinas, na Rua Honestino Guimarães. Não fosse suficiente a ironia de ter sido preso no dia do meu aniversário, os policiais obstinados da Operação 2,80 (que contou com mais de 25 policiais), levaram-me para uma delegacia que ficava numa rua que tinha um nome em homenagem a um dos estudantes que foram presos, torturados e mortos nos “anos de chumbo” da ditadura militar no Brasil. Senti-me aliviado em pensar que agora estávamos em um estado democrático de direito e que aqueles malditos anos da ditadura já não existiam mais. Na porta do prédio da D.R.A.C.O., alto e grande, paredes largas e grades cinzas nas janelas. A imprensa carniceira, que havia sido informada previamente da gloriosa operação da Policia Civil para prender os perigosos vândalos urbanos, já lotavam a entrada. Não eram nem sete da manhã e já havia sido acordado, humilhado, revistado, preso e fotografado para completar minha sentença com chave de ouro.

Heitor Vilela

12

samambaia

Era mais um dia comum, com a esquerda no poder, no país da copa. Parece o início de um discurso clichê, infelizmente é um espetáculo mais comum do que aparenta ser. No aniversário dos 50 anos do famigerado golpe militar de 1964, estava ali, preso, vivenciando uma nova caça às bruxas, o AI-5 goiano. E tudo “para manter a ordem pública e a segurança nacional.” Eu rabisco desde criancinha. Caricatura do professor de matemática, desenhos para o dia das mães, dia dos pais, cartões de natal e aniversário, cartinhas ilustradas para as primeiras paixões do ensino fundamental (algumas até gostavam, outras riram um pouco). Esboços de pessoas e seus rostos. Logo depois comecei a fazer caricaturas nos parques e bosques da cidade, cobrava dez reais e não demorava nem dez minutos. Tirava o dinheiro para o cigarro e a cerveja do fim de semana, ainda dava para comprar mais canetas, papéis e cadernos e continuar sempre rabiscando. Nunca pensei que pela caneta nanquim, ponta 0.3 e meu raso, porém ácido, conceito crítico em cima de uma determinada forma de perceber o mundo e a realidade, estaria preso, encarcerado na temida CPP goiana. Charges e quadrinhos como chave de cadeia. Passados cinquenta anos depois do terrível golpe militar fui preso na calada da madrugada por homens fardados e encapuzados, segurando suas armas ostensivas, pelo perigoso porte de “material subversivo”. A caça às bruxas rolando solta. Só faltou falarem “maldito comunista”! (logo eu que mal li o manifesto). Minha expressão, minha arte. Desenhos perigosos, proibidos, apreendidos, julgados e condenados.


samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- CULTURA -

ARTE QUE TRANSFORMA CONVENCIONAL, EXISTE UM NOVO CENÁRIO Reportagem ANNA CAROLINA MENDES E IZABELLA VERONICA MENDES Edição HIGOR COUTINHO

E

m uma época em que protestos são violentamente reprimidos pela polícia, manifestações artísticas refletem o que as pessoas estão pensando nas ruas, e uma forma não-convencional de enxergar o mundo, por meio da arte, é possível. A cantora Paula de Paula, integrante da banda goiana Erotori, alega serem importantes expressões subversivas e que não se encaixam no padrão imposto atualmente, pois ajudam a criar uma consciência social e uma vontade de mudanças. Essas mudanças já partem da intenção do artista em se expressar de uma forma singular, na busca por não repetir o que já está sendo realizado no cenário artístico contemporâneo. Mesmo sendo difícil comparar as artes, o alcance da música e do grafite ganha uma grande proporção, por se tratarem das formas artísticas que o público tem contato direto. MÚSICA Paula acredita em uma arte transformadora: “É o sentido maior da arte, a transformação da sociedade”. Para ela, a música tem esse poder por ser mais democrática, já que consegue chegar a mais pessoas. Ela alega que, mesmo que não tenha diretamente uma letra de protesto, uma música com discurso de amor, por exemplo, já é política. Contrária à forma que a música atualmente se mostra, do marketing em detrimento da arte, Paula se mantém esperançosa, já que muitos compositores e artistas autorais locais estão emergindo. Com uma proposta de dar voz e visibilidade a artistas locais que estão fora do circuito comercial da capital, o Festival Juriti de Música e Poesia Encenada é um exemplo de fuga aos moldes convencionais. No setor Crimeia Leste, o Festival é realizado quando o projeto consegue incentivo da prefeitura. Paula enxerga em incentivos como esse uma oportunidade de fazer arte que não se faz nos meios tradicionais. Para ela, Goiânia ainda carece de locais onde artistas e canto-

res que não fazem parte do circuito comercial possam mostrar seu trabalho. “Está chegando a um ponto de saturação”, revela Paula, se referindo ao fato de que o cenário da música, em âmbito local e nacional, precisa ser modificado. O movimento contrário à forma hegemônica sempre existiu, por trás desse circuito, mesmo sem a divulgação da mídia para esse movimento alternativo. “Acho que está emergindo, igual na época da Tropicália”, Paula propõe. Ela que acredita que, mesmo que não existam espaços para o cenário underground, a vontade de mudanças cria oportunidades antes inexistentes. GRAFITE A arte que colore a cidade tem uma nova cara nos dias de hoje. O grafite surgiu com o objetivo puro e simples de “deixar uma marca nas ruas”. Com o tempo, foi tomando novas formas e ganhando características próprias de uma arte que busca, acima de tudo, expressar o descontentamento social. Apesar de ser um movimento artístico respeitado por diversas classes, a arte de grafitar ainda é considerada por alguns como “poluição visual” e, por vezes, confundida com “pichação”: ação de escrever em muros e monumentos públicos, considerada crime de vandalismo. O grafite sempre foi uma arte característica das ruas. Contudo, tem sido apropriado pelo mercado, ocupando espaços hegemônicos, como museus e galerias de arte. O grafiteiro

goianiense Decy crê que tal apropriação modifica o sentido dessa arte. Afinal, depois de expostas nesses espaços, as obras são apagadas para dar lugar a novas exposições, enquanto que na rua o grafite permanece. Atuando na capital há cerca de seis anos, Decy acredita

OS EDUKADORES E A REVOLUÇÃO

P

ilhas de móveis sofisticados espalhadas pela mansão. O aparelho de som descansa dentro da geladeira. Os donos do casarão encontram um bilhete no meio da desordem: “Seus dias de fartura estão contados!”. É assim que os autodenominados Edukadores disciplinam os abastados. Para os jovens Jan (Daniel Brühl), Jule (Julia Jentsch) e Peter (Stipe Erceg) invadir as mansões dos milionários, modificando os objetos de lugar sem levarem nada, gera uma sensação de insegurança, mesmo com toda a segurança que o dinheiro pode comprar. Com uma câmera frenética que passa a sensação de realismo, Os Edukadores (Die fetten Jahre sind vorbei, Alemanha, 2004) é um filme que trata de questões políticas pelo viés de jovens que buscam mudanças na realidade, mesmo com todo o pessimismo que emana de uma época que parece fadada a continuar nos mesmos moldes imutáveis. Em um dos protestos criativos na mansão de um milionário, Jule (Julia Jentsch) acaba esquecendo seu celular e, quando os Edukadores

que o grafite, além de uma forma de expressão, é uma terapia para aqueles que o praticam. “O momento que o artista está pintando é um desabafo, ele está expressando algo que ele sente naquele momento e por isso busca paz de espirito”. Decy, que alega estar listado entre os 50 melhores grafiteiros do mundo, possui uma característica própria de se expressar: ele busca retratar principalmente rostos humanos de maneira realista. Seu olhar se volta para as minorias sociais. “Tenho um carinho especial pela raça negra”. Decy ainda afirma preferir grafitar crianças, pois elas transmitem uma aura positiva para a cidade. Para ele, nem sempre é necessário pintar um rosto inteiro, sendo que um olhar já é capaz de passar a intenção desejada. retornam ao local para buscá-lo, acabam encontrando o dono da casa. Este fato desencadeia uma série de eventos que tem início com o sequestro do milionário, dando origem a uma empreitada pela filosofia dos protestos e o comportamento de uma sociedade ditada pelo capital. Um conflito de gerações é posto: o milionário Hardenberg (Burghart Klaubner), que na juventude era subversivo, agora de adequa ao estilo de vida contra o qual lutara, enquanto os jovens Edukadores discursam sobre como suas intervenções não são nada, se comparadas à violência gerada pela cultura do capital. Em Os Edukadores, Hardenberg é utilizado como uma parte de um todo que se caracteriza pelos que estão no topo da cadeia social. Em uma cena memorável, o milionário alega ser o bode expiatório errado, pois que ele não inventou as regras, apenas joga o jogo; Peter (Stipe Erceg) retruca não importar quem inventou a arma, e sim quem puxa o gatilho, denotando a culpabilidade de Hardenberg. É um filme que retrata a dificuldade em ser idealista nos dias atuais; se apresenta como uma reação à falta de ação, um chamamento à juventude, afinal, “Todo coração é uma célula revolucionária”.

Reprodução

CIRCUITO ARTÍSTICO

Isabela Verônica

POR TRÁS DO

13


14

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

- COTIDIANO -

DIÁRIO DE UM DETENTO BREVE ROTINA DOS ESTUDANTES CONSIDERADOS PRESOS POLÍTICOS NA CPP EM 2015 Reportagem e edição NASSER NAJAR

S

ão 5:30h da manhã e os detentos já estão acordando, é pouco tempo pra ir ao banheiro e tomar um banho, pois em poucos minutos o dia cansativo e repetitivo vai começar. Às 6h os portões se abrem e os detentos podem sair do pavilhão para fazer a primeira das três refeições do dia oferecida pelo Estado. O café-da-manhã é pão francês puro e um achocolatado de caixinha. Depois dessa refeição “gourmet” os presos vão trabalhar na limpeza de todo o complexo prisional, isso inclui as próprias celas, os quartos dos policiais, os banheiros, os corredores e os pátios. Eles trabalham porque estão em uma ala diferente da ala comum, esse lugar é conhecido dentro da Casa de Prisão Provisória (CPP) como “Ala dos Verdinhos”, basicamente um lugar isolado. Nela ficam presos: policiais ou parentes de policiais, quem

cometeu crime hediondo e presos de bom comportamento. A Ala dos Verdinhos tem esse nome pois os detentos usam um colete verde fluorenscente e trabalham dentro da CPP. Poucos têm essa oportunidade de trabalhar, e em alguns casos ganhar uma remuneração quase que simbólica. O mais importante dessa ala é a segurança, tendo em vista que a ala comum é mais violenta. Quem comete crime hediondo, estupro, por exemplo, não pode ser encaminhado para ala normal. Os verdinhos trabalham a manhã inteira até a “hora da xepa”. A xepa é o almoço, um marmitex com arroz, feijão, um tipo de carne e um vegetal cozido. Não tem salada, macarrão ou qualquer outro adicional que possa agradar o paladar. Junto, tem a água para ajudar a descer. O talher é a própria tampa do marmitex que é amassada pra fazer uma cuia. O almoço dura uma hora. Após esse tempo, é trabalhar novamente a tarde toda, só que agora recolhendo o lixo de todo o presídio. Às 18h termina o expediente e é hora da última refeição do dia.

A segunda xepa chega e os detentos têm até as 20h para jantar, mas quanto mais esperar, mais vai azedar a comida. Quem trabalha nas pilhas enormes de lixo tarde adentro é fortemente “instruído” pelos companheiros a banhar-se primeiro antes de se juntar aos colegas na janta. A experiência do almoço se repete agora. O pavilhão tem toque de recolher às 20h e os “verdinhos” podem se locomover livremente

pelo corredor, celas e banheiros qualquer hora da noite. Todos os dias tem trabalho, de domingo a domingo. O melhor a fazer é dormir cedo para aguentar o próximo dia. Alguns verdinhos aproveitam o espaço de tempo entre o fim do trabalho e o toque de recolher para ir à academia improvisada de canos e blocos de concretos, conhecida como “quebra -osso” ou jogar uma pelada na quadra, mas alguns já estão cansados demais de carregar dezenas de quilos de lixo mal armazenado e escapar dos ratos que, segundo alguns, tem tamanho de coelhos. A noite é um momento mais descontraído, os detentos jogam um carHeitor Vilela teado, apostam cigarros e assistem televisão ou ouvem um som para matar o tempo. Momento cantado pelos Racionais MC’s, quando afirmam: “mato o tempo pra ele não me matar”. Às vezes sai uma conversa que os detentos tomam uma bebida, uma “ragatanga” ou “maria louca”, mas isso é só um boato não confirmado. Até porque não deve ser possível beber muito e acordar cedo no outro dia para recomeçar o itinerário.

ESTRUTURA, PROCEDIMENTOS E CURIOSIDADES DA CPP ALA VERDE

VISITAS

COMÉRCIO

As celas têm dois beliches e as grades ficam sempre abertas, pois só há dois banheiros que ficam no final de um corredor e atendem em torno de 60 pessoas. O pavilhão tem um toque de recolher normalmente, mas os presos têm livre acesso aos quartos um do outro. Quem não tem família passa necessidade, pois apesar de ser “mais confortável”, os presos não recebem nada do Estado, nem remédios para doenças crônicas. O espaço conta com uma academia improvisada e uma quadra de futebol, e com o passar do tempo os detentos improvisam alguns confortos básicos, que não serão ditos para preservação dos mesmos.

Quem vai para CPP só poderá receber visitas de parentes de primeiro grau, tais como: pais, filhos, irmãos e cônjuges. Todos eles devem antes de tudo se cadastrarem no Vapt-Vupt e esperar a aprovação do órgão. Os dias de visita são apenas no domingo, qualquer visita fora deste dia só pode ser feita após uma solicitação especial e uma análise do sistema da CPP. Um dos estudantes presos, Ian Caetano, que vive com sua namorada não podia receber a visita da mesma, então durante o período que passou detido, ele se casou no civil para poder receber a visita da companheira. Advogados têm acesso livre na CPP a qualquer hora e a qualquer dia.

A própria CPP vende alguns produtos de higiene pessoal, alimentícios e cigarros. Advogados e familiares costumam levar cigarros e só no dia de visitas a família leva comida. É permitida a entrada de livros, roupas para o frio, higiene pessoal. Bebida alcoolica é proibida. A biblioteca que quase nenhum detento sabe que existe, vive à base de doações, pois nenhuma verba da CPP é destinada para ela. (N.N.) Sanduíche R$6,00 a R$18,00 Cigarros R$7,00 a R$15,00 Coca-cola 2L R$8,00

Heitor Vilela

A

o contrário do que se possa imaginar, os detentos são bem organizados entre si. Todas as funções e trabalhos são muito discutidos e debatidos. Se algum colega não está cumprindo com suas funções ou está gerando uma situação de desconforto, uma reunião é convocada para colocar os incômodos em pauta. Os presos da ala verde não costumam ter problemas entre si e nem criar problemas para os carcereiros. Caso venham a ter um comportamento considerado ruim, serão expulsos e transferidos para a outra ala. O problema de ser transferido para ala comum não é o simples fato de perder algumas regalias, existe uma rixa declarada entre os pavilhões, um nível de ódio é estabelecido por parte da ala comum e a chance de morte é fato para um verdinho.


- COTIDIANO -

CONDIÇÕES DE TRABALHO NA CPP COMO OCORRE EM OUTROS ESTADOS, MÃO-DE-OBRA DE PRESIDIÁRIOS É UTILIZADA SEM CUIDADOS Reportagem e edição NASSER NAJAR

É

relativamente convencional que o sistema prisional brasileiro utilize o trabalho dos detentos como estratégia para a redução de pensa e também para manter a população carcerária ocupada. No caso da CPP, alguns trabalham na cadeia tanto para eximir suas famílias de despesas e obrigações ou simplesmente para ficar na

‘‘

“ala dos verdinhos”, um lugar mais seguro dentro da CPP. Alguns trabalham em diversas tarefas e todas são revesadas. Temos o pessoal da biblioteca, da limpeza, da coleta da xepa, da coleta do lixo e de trabalhos tercerizados por empresas de capital privado. Na coleta do lixo, que é feita por várias pessoas, só existe um par de galochas. De Acordo com Ian Caetano, um dos estudantes que passaram por esta experiência, os trabalhadores-presidiários não têm acesso a luvas para coletar o lixo dos banheiros, das refeições e até mesmo o lixo que poderia ser caracterizado como hospitalar. A convivência diária envolve metais enferrujados, lençóis sujos e até seringas. De acordo com Ian Caetano, o lixo é amontoado em um espaço muito pequeno. Os presos circulam por este espaço e não há equipamentos de segurança ou materiais que garantam a salubridade.

15 Heitor Vilela

samambaia

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015

A CPP não ofereçe nem mesmo uma luva para coletar o lixo dos banheiros, das refeições e até mesmo de caráter hospitalar. Tem muitos metais enferrujados, lençois sujos e até mesmo seringas.

Reprodução

‘‘

Ian Caetano


16

samambaia

OLHARES LUIZ DA LUZ

2013 - Início das movimentações.

2014 - Resposta popular à intervenção do poder público.

2015 - Mais um aumento provoca novas mobilizações.

GOIÂNIA, ABRIL DE 2015


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.