Cultura Kaigang

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ARTE E CULTURA KAINGANG Antropologia da Arte Professora Mara E. Weinreb Esther Ledur Felipe Delgau Josiane Siqueira Luciana Firpo Maribel Grachten Samantha Tadiotto


Esse trabalho tem por objetivo apresentar aspectos gerais relacionados ao povo Kaingang. Contaremos um pouco da história desses índios no Brasil, sua

organização

social,

cultural,

língua

própria,

educação, costumes e artesanato como fonte de renda. Abordaremos também a história da comunidade Por Fi Ga na cidade

de

São

Leopoldo,

desde

a

chegada

das

primeiras

famílias à cidade, até os dias de hoje. Através

de

um

trabalho

etnográfico

junto

à

essa

comunidade, nós constatamos um pouco do dia a dia dessas famílias, através da observação, de relatos das pessoas com quem conversamos e pesquisas posteriores.


Cada

palavra

do

dicionário

Kaingang

está

repleta

de

significado, que muitas vezes não são compreendidos, se não por aqueles que vivem essa cultura. Como exemplo podemos citar: Por é o nome de um pássaro, Fi

é

considerada

fêmea

dessa

ave,

que

faz

barulho

anunciando quando alguém se aproxima da comunidade e Ga significa território. Portanto, para essa comunidade indígena de São Leopoldo, Por Fi Ga significa território do pássaro fêmea Por Fi.


ANTROPOLOGIA


O

conceito

de

Antropologia

deriva

do

grego

anthropos,

"homem", e logos, "razão"/"pensamento“. É

a

ciência

que

estuda

sobre

o

homem

e

a

humanidade,

abrangendo todas as suas dimensões. Antropologia divisões

Cultural

clássicas,

e

Antropologia

construídas

correntes de pensamento.

a

Biológica, partir

de

são

as

diversas


A

Antropologia

é

considerada

como

ciência,

poucas

décadas. Foi considerada como a história natural e física do homem e do

seu

processo

evolutivo

inicialmente,

restringindo

o

campo de estudo às características do homem físico, porém ao longo do tempo

tomou como objeto de estudo as formas de

expressão narrativa, o folclore e a mitologia, definidos hoje

como

religiosos.

formas

de

conhecimento

ou

sistemas

mítico-


O campo de investigação é vasto, toda a terra habitada, no espaço e no tempo de pelo menos dois milhões de anos e todas as populações socialmente organizadas. É o estudo do homem como ser biológico, social e cultural. A Antropologia Cultural, também definida como Antropologia social

por

alguns

autores,

evidencia

o que

pode

ser o

principal conceito desta ciência, a cultura. Esta abrange três

tópicos

que

subdividem-se

e

constituem-se

especialidades: Etnografia / Etnologia, e Arqueologia.

como


A etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a antropologia “uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia”. Independente da definição, a antropologia é uma forma de conhecimento

sobre

a

diversidade

cultural,

na

busca

de

respostas para entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “Outro”, de modo a nos situar na fronteira de

vários

mundos

sociais

e

culturais,

ampliando

nossas

possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o outro.


Dentre as vertentes da Antropologia, a Antropologia da arte examina detalhadamente as características dos objetos e as produções consideradas como artísticas que o homem produz em cada época, estuda as atividades e a cultura em um determinado momento histórico.


Etnografia


Do grego ethno - nação, povo e, graphein - escrever. A etnografia

é

o

método

utilizado

pela antropologia na

coleta de dados. É um processo entre o etnógrafo e o seu objeto, seja ele uma tribo indígena ou qualquer outro grupo social. Sem técnicas ou padrões pré-determinados, a etnografia é guiada através do senso questionador do etnógrafo e do campo da pesquisa. Compreende o estudo de observação das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas por um período de tempo formado por poucos ou muitos elementos.


A etnografia originou-se no final do século XIX e início do século XX, através da observação mais holística dos modos de vida das pessoas. Foi

encontrada

primeiramente

em

livros

de

viagem,

descrevendo sociedades exóticas. Houve

críticas

à

esses

livros

cujas

descrições

dramatizavam os fatos e o modo de vida do povo em questão. É

conhecida

também

como

pesquisa

social,

observação

participante, pesquisa interpretativa e analítica.


Cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas, e portanto, tem visões desencontradas das coisas. {Roque de Barros Laraia}


COSMOLOGIA, ARTESANATO E EDUCAÇÃO DO POVO KAINGANG


Os Kaingang são um povo indígena do Brasil. Sua cultura desenvolveu-se à sombra dos pinheirais. Ocupam cerca de trinta áreas reduzidas e distribuídas em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Pertencem

à

matriz

linguística

Macro

Jê.

Possuem

organização dualista: se organizam em Kamé e Kairu. Estas se opõem e complementam.


Os Kairus são relacionados à marca redonda ra rór, a um homem empreendedor e a posição Leste. Os Kamé são relacionados à marca comprida ra téi, ligados à resistência e à posição Oeste. Em um casamento, a mulher Kaingang da metade Kairu deve se casar com um homem da metade Kamé.


Na patrilinearidade os filhos pertencem à metade de seu pai. As mulheres são as detentoras das informações da aldeia. Elas têm grande importância para a preservação e transmissão dos valores e padrões culturais. Na fabricação da cestaria, os trançados revelam formas e grafismos relacionados à cosmologia dualista, evidenciando a organização

simbólica

dos

mundos

sobrenatural em metades Kamé e Kairu.

social,

natural

e


Os que tem formas alongadas e grafismos lineares são os Kre Téi, pertencentes à metade Kamé e os outros que tem formas menores

e

grafismos

quadrangulares,

são

os

Kre

Ror,

pertencentes à metade Kairu. Eles têm desenvolvido técnicas de trançado utilizadas na confecção de pulseiras, anéis, tiaras e enfeites de arco e flechas. geração.

A

atividade

de

criação

é

passada

de

geração

a


No Rio Grande do Sul, de acordo com o Regimento Coletivo das Escolas Estaduais Kaingang, em virtude do caráter bilíngue da escola níveis

indígena, e

estudo

modalidades,

fortalecimento comunidade, língua

o

da

do

Kaingang,

buscando

língua

na

forma

enquanto a alfabetização

materna,

Kaingang

ou

a

perpassa

todos

valorização como

é

e

o

falada

na

acontece a partir

portuguesa,

os

respeitando

da as

características e decisões de cada comunidade. Na aldeia Por Fi Ga em São Leopoldo foi construída uma escola com professores bilíngue e delegaram a uma escola estadual das proximidades a responsabilidade pela escola da aldeia. Desta

maneira,

professores

e

funcionários

indígenas

são

lotados nessa escola “normal”, tendo de seguir as normas e o currículo aldeia.

desta,

para

os

níveis

de

ensino

trabalhados

na


Dentro da aldeia o regime de classe é multiseriado, todos estudam

juntos

até

a

série.

O

entendimento

e

a

temporalidade que se tem da educação escolar é diferente das escolas ocidentais, marcadas pelas divisões séries/anos e

idades

escolares.

matriculados

na

Após

rede

a

de

ensino

série

os

regular,

alunos

são

próxima

da

comunidade. Para

os

Kaingang,

a

aprendizagem

não

ocorre

apenas

na

escola, ela acontece em qualquer momento e lugar. Todos adoram

ouvir

conhecimento.

e As

contar

crianças

histórias,

aprendem

com

compartilhando os

mais

velhos,

porque estes são os guardiões da memória, da história e da cultura de seu povo.


Segundo o professor Dorvalino Cardoso Refej, que trabalha na escola da comunidade, a língua Kaingang é uma língua sagrada, pois a memória, a lógica e toda a estrutura do pensamento

é

construída

a

partir

dessa

língua.

Cada

palavra Kaingang está repleta de significado, que muitas vezes não são compreendidos senão por aqueles que vivem essa

cultura

e

o

professor

reforça

isso

durante suas aulas na comunidade Por Fi Ga.

diariamente


PESQUISA ETNOGRÁFICA NA

ALDEIA POR FI GA COMUNIDADE INDÍGENA KAINGANG EM SÃO LEOPOLDO


Visitação à Aldeia Por Fi Ga

No

dia

18

de

abril

do

ano

de

2015,

nosso

grupo

de

Antropologia da Arte do curso de Artes Visuais, formado pelos alunos Esther, Felipe, Josiane, Luciana, Maribel e Samantha, juntamente com os alunos do curso de História e a professora Inês, nos reunimos no Campus I, onde nos deslocaríamos de ônibus

para

uma

visita

à

Comunidade

Indígena

Kaingang,

situada no bairro Feitoria em São Leopoldo em um percurso de mais ou menos uns 40 minutos. Toda a comunidade estava reunida para comemorar o Dia do Índio com uma churrascada, no entanto, a festa era aberta aos parentes recebidos.

e

visitantes

em

geral.

Nós,

fomos

muito

bem


Os índios foram muito receptivos e responderam a todas os nossos questionamentos. Tivemos livre acesso a todas as dependências da comunidade. Observamos que moram em casas de alvenaria e madeira, distribuídas em um terreno de chão batido. Embora seja uma aldeia, as tecnologias são uma realidade tanto nesse local como em todas as regioes do Brasil. Enquanto

os

churrasqueira

homens e

da

espetavam

comunidade a

carne,

preparavam algumas

a

mulheres

preparavam a salada. Os convidados conversavam e tomavam chimarrão.


Muito emocionante mencionar o fato de perceber a liberdade das crianรงas brincando soltas, correndo descalรงos aldeia afora, livres como passarinhos, improvisando brincadeiras e

jogos

animais...

ou

compartilhando

o

mesmo

espaรงo

dos

seus


Um dos moradores, professor Dorvalino, que é formado em pedagogia pela UFRGS e atende 32 alunos na aldeia, fez-nos um breve relato a respeito da comunidade. Mencionou, MEC

com

que

o

recebam

material

o

apoio

didático,

do que

segundo ele é pouco usado devido a diversidade

cultural,

então,

usam

seus próprios meios para o ensino.

A escola local atende crianças até a quinta série. As aulas e o

método

de

ensino

são

ministrados

na

língua

e

cultura

Kaingang pelos dois professores da aldeia, Dorvalino e Josme.


Embora existe um projeto e este já aprovado para a criação de uma escola completa dentro da comunidade, os alunos da sexta série em diante, ainda são recebidos em uma escola próxima, fora da aldeia. Na

localidade,

funciona

uma

Igreja

e

uma

escola,

bem

estruturada com quadro negro, livros, estantes com cadernos e material escolar, onde as paredes estão decoradas com muitos desenhos e figuras da cultura. É um lugar arborizado, possui uma área social e outra para esportes, um campo de futebol e espaços para a criação de galinhas e porcos.


A

comunidade

é

constituída

de

cerca

de

200

habitantes,

distribuídos em uma área que ocupa 2 hectares e meio, cedidos pela prefeitura de São Leopoldo em 2007. Posteriormente, os Kaingangs conseguiram adquirir uma área que faz divisa com a reserva doada e este fato, é muito importante pois dessa forma preservam a mata e contribuem para a conservação da mesma naquela região. A origem do nome da aldeia se deu em razão de um pássaro que convivia com os índio e chamava-se Por Fi. Os pássaros que comiam as sementes, milho e migalhas que sobravam da moedura, tornaram-se

amigos

dos

índios.

aproximava, esses pássaros avisavam.

Quando

um

inimigo

se


Na visita, encontramos no centro da aldeia duas senhoras que exibiam

suas

produções

de

artesanato,

cestos,

pulseiras,

anéis, colares, filtros, arcos e flechas. Elas nos relataram que aprenderam a fazer com os seus antepassados, e que fazem da fabricação e da venda dos objetos o seu sustento.


A matéria prima utilizadas na construção dos arcos e flechas são o bambu, taquara, cipó São João e cipó marrom, e são tarefas dos homens da aldeia, enquanto que a produção do artesanato é a atividade das mulheres. Os adornos são feitos com sementes e contas, algumas destas compradas no mercado em Porto Alegre. As

cestas

Kaingang

são

confeccionadas

com

as

taquaras

cortadas em tiras, tiras finas e depois tramadas. São usadas como

material

transporte

de

de

apoio

colheitas

acampamento e outro.

na e

pesca

e

caça,

transporte

de

e

também

bens

de

no um


ao

final

da

nossa

visita,

conhecemos

o

índio

José

Vergueiro, responsável pela comunidade. O jornal Vale dos Sinos, que fazia uma reportagem no local, entrevistou nosso colega Felipe. Durante todo o passeio, aproveitamos para fazer inúmeras fotografias.


A FESTA




MORADORES DA COMUNIDADE



ESCOLA


LAZER DA COMUNIDADE


CRIANÇAS


ARTESANATO



AS CASAS



A IGREJA


Para nós, os Kaingangs, o importante é nossa

herança

cada

um,

cultural,

nossa

a

história

identidade,

de

nossas

raízes, o amor, a sabedoria. As riquezas materiais

estão

em

[Professor Dorvalino]

segundo

plano.


CONCLUSÃO


Definitivamente, a origem da cultura kaingang, bem como o grafismo através do artesanato se fundamentam nos pares opostos

comprido/redondo

correspondem

à

ou

bipolarização

aberto/

complementar

fechado

que

da

cosmologia

é

a taquara,

a

partir

KAME/KAĨRU. Uma

das

matérias

utilizadas trançados.

nos

primas do utensílios

povo

kaingang

confeccionados

de


A representação da dualidade das metades está presente nos mais

diversos

tipos

de

grafismos

(painéis

rupestres,

tecidos, cerâmicas e flechas), persistindo nos dias atuais principalmente nos trançados e nas cestas. A cultura da dualidade ainda existe, pois suas bases se unem ao eixo cultural dos povos Jê-meridional do sul do Brasil.


Com a prática da confecção de artefatos de taquara, a cultura oral e material é

passada de uma geração a outra.

Outro fato importante é que apesar de muitos produzirem utensílios de taquara baseados na técnica de trançar e no grafismo referente a uma das metades (KAME/KAĨRU), há os que

não

sabem

identificar

a

qual

metade

eles

mesmos

pertencem. Além da perda na identificação dos grafismos e trançados, há

também

uma

perda

na

terminologia

dos

utensílios

kaingang que constituem-se em referências visuais claras da identidade cultural, fortemente identificada em relação à sociedade envolvente.


Conforme nos relatou a mulher indígena na visita à Aldeia Por Fi Ga, a prática dos trançados serve como fonte de renda das famílias, e apesar de não ser uma fonte de renda completa

para

a

sobrevivência,

contribui

para

a

“sobrevivência” de toda uma etnia que sofreu um complexo processo da sua cultura.


REFERÊNCIAS - UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Delac – Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação Curso de Design – Habilitação Produto - http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/292 - http://www.portalkaingang.org/index_povo_1default.htm - http://pt.wikipedia.org/wiki/Caingangues - http://www.museuindiavanuire.org.br/india-vanuire/oskaingang - Representações

visuais

da

cestaria

Kaingang

na

Terra

Indígena Carreteiro: o grafismo e seus significados. Angelo Inácio Pohl / UFSM, Saul Eduardo Seiguer Milder / UFSM1 - Antropologia da Arte - A Abordagem Etnográfica, Mara E. Weinreb


- http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br - www.youtube.com/watch?v=_9LsrfcujdE - www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102...script - www.scielo.br/pdf/sn/v24n3/v24n3a05.pdf - www.educadores.diaadia.pr.gov.br/.../disserta_cult... - História Oral e Cultura Material Kaingáng: um olhar sobre a tradição e o ambiente escolar LUANA MÁYRA DA SILVA* ANA LÚCIA VULFE NÖTZOLD**Índios resgatam cultura Kaingang em Chapecó - Diário ... - http://www.diariocatarinense.clicrbs.com.br/.../indiosresgatam. - https://www.lume.ufrgs.br/.../000753800.pdf?...


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