Bienal 2015

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BACHARELADO EM ARTES VISUAIS

TEORIAS DA ARTE MODERNA E CONTEMPORÂNEA PROFESSOR RODRIGO MONTERO

JOSIANE DUTRA DE SIQUEIRA CEZAR 0121619 23 | 11 | 2015


A Bienal do Mercosul é reconhecida como o maior evento dedicado à arte contemporânea latino-americana. Em sua 10ª Edição e com o intuito de desenvolver o diálogo cultural entre a arte e a comunidade, a exposição oferece acesso gratuito a todos. A arte não é algo que haja somente uma pessoa, senão um processo posto em movimento por muitos (John Cage).

Entre os diversos artistas brasileiros e latino-americanos que apresentam suas criações artísticas nessa edição, está uma que chama bastante a atenção. O trabalho referido trata-se da instalação sonora Assonâncias de silêncios [coleção] (2010) da artista plástica Raquel Stolf.

Câmara da instalação sonora Assonâncias de silêncios; imagem externa e interna com a participação do público.

Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC possui também mestrado e doutorado em Poéticas Visuais pela UFRGS. Além disso, é professora adjunta nos cursos de Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, no qual coordena o grupo de pesquisa Proposições artísticas contemporâneas e seus processos experimentais (UDESC/CNPq). Inúmeros títulos e prêmios conceituam a carreira da artista e dentre esses, a pesquisa de doutorado Entre a palavra pênsil e a escuta porosa [investigações sob proposições sonoras], Raquel Stolf recebe Menção


Honrosa no Prêmio Capes de Tese Edição 2012, na área de Artes/Música, sob a orientação de Hélio Fervenza. A artista segue sua pesquisa iniciada anteriormente sobre as proposições

sonoras

e

seus

múltiplos

desdobramentos,

investigando

intersecções, ressonâncias e as dissonâncias dos ruídos e silêncios entre articulações da palavra escrita e falada. Na mesma linha, propõem intervenções sonoras domésticas e urbanas, relacionando as paisagens sonoras e micro sonoridades e paisagens sonoras modificadas e ficcionais. Retrata o material da pesquisa produzindo intervenções, vídeos, textos, desenhos, livros de artista, fotografias e instalações que em muitos casos, provocam a participação do público. Raquel Stolf reúne um empilhamento de 49 silêncios e os reproduz em um CD onde podemos perceber as pausas entre um silêncio e outro. São sons que passam quase que totalmente despercebidos durante o nosso dia a dia, mas que são facilmente ouvidos em momentos que pausamos nossas atividades ou nossa fala. A instalação sonora Assonâncias de silêncios retrata as percepções do silêncio em inúmeras facetas. Em um ambiente sem qualquer atividade humana ou ausência de som ainda é possível perceber atividade sonora através da respiração e das ações entre um movimento e outro. Dentro da cabine, na ausência de barulhos ou de fala, pode-se escutar o som da pulsação e de pequenos ruídos como chiados estridentes, porém em um volume baixo. Ao longo da pesquisa, descobre-se o que são esses “chiados”: Para certos fins de engenharia, é desejável ter uma situação tão silenciosa quanto possível. Tal recinto é chamado câmara anecóica, suas seis paredes são feitas de um material especial, um quarto sem ecos. Entrei em um destes na Universidade de Harvard há vários anos atrás e ouvi dois sons, um alto e outro baixo. Quando os descrevi para o engenheiro encarregado, ele me informou que o alto era o meu sistema nervoso em operação, o baixo, o meu sangue circulando. Até que eu morra haverá sons. E eles continuarão depois de minha morte. Não é necessário temer pelo futuro da música (CAGE, 1961: 8).


Ali dentro dessa cabine, há uma dualidade de pensamentos e sensações. Em textos referentes à obra, a artista salienta o ato de subtração, ou seja, abaixar o som até a energia perder-se em quietude e, por fim – silêncio. Enquanto você tenta “ouvir” o silêncio, há a sensação de falta, como uma necessidade de ouvir sonoridade, seja ela qual for, de ouvir algo, ainda que sejam os ruídos. Estamos tão acostumados com a vida contemporânea, a correria e a poluição sonora em demasia, que estar em um reduto de silêncio nos provoca. No experimentalismo das sensações no silêncio ou na ausência dele dentro da cabine, faz-se uma ponte de ligação com a obra do compositor americano John Cage, em 4’33’’, a partir dos estudos do período de Arte Moderna, e constatado posteriormente, durante a leitura. O trabalho de Stolf permeia entre o minimalista e a arte conceitual. Impõe a interação do espectador, e nesse ponto, Thomas Hess em 1963 apontava a plateia como peça fundamental na produção de um trabalho e sem as suas reações, a obra não passaria de um fragmento. Porém, assim como no trabalho de Cage, é uma arte repleta de ideias e possibilidades, onde o resultado da obra depende de todo esse conceito pré-definido por eles ou no caso da música, muda a plateia, transforma-se o resultado, e no caso do trabalho de Raquel Stolf, vão-se acumulando os resultados a cada edição. Remete também ao movimento Fluxus, na década de 60, que dialoga com o Dadaísmo, movimento que se recusa a obedecer a regras e desafia os limites impostos como princípios subjetivos, não havia uma normativa especificando a arte como nas ideias modernistas entendidas pelas vanguardas, e sim, uma liberdade expositiva onde cada artista podia desenvolver seu próprio estilo. Na música, a partitura é composta não apenas de notas, que são os sons, mas também de pausas, e Cage, em 1952, evidencia essa multiplicidade de sons contidos no silêncio da composição ao incorporar na obra o som gerado pelo público durante o tempo de 4 minutos e 33 segundos da performance, demonstrando agora o silêncio não mais como sinônimo de nada, mas como linguagem de expressão.


. Pesquisando sobre o assunto, a artista refere-se ao artista e músico John Cage como inspiração, e este por sua vez, busca pelo menos três fontes de inspiração na execução da obra silenciosa além das suas experiências na câmara anecóica. Uma delas é baseada nas telas de Rauschemberg em 1949, em que umas são pintadas totalmente brancas e outras totalmente pretas, sendo que as que lhe trazem mais inspiração são as brancas. A ausência de um centro de atenção na tela branca promove uma busca por elementos a partir do olhar. Em determinado momento, a artista também descreve o silêncio como branco e não transparente, ou seja, isento de completa ausência. Existe uma relação na necessidade de buscar ouvir até mesmo no silêncio de dentro da cabine de Raquel Spolt, logo o “branco” sendo pintura e contendo todas as cores, oferece a possibilidade de contemplação, sem um modelo préestabelecido, então, o silêncio sendo musica, obtém todos os sons. Outra inspiração vem do filósofo Henry David Thoreau, que exemplifica o silêncio como uma superfície líquida em movimento, onde os sons, que denomina de borbulhas, tocam e esvaem-se. Cage, ainda na busca pelos sons contidos no silêncio, realiza outra experiência. Numa espécie de rejeição aos sons na escrita da partitura, ele as joga no mar esperando que a água dilua as notas escritas na pauta, até restar somente o papel em branco. Então, partindo das afirmações anteriores de que o silêncio é uma pintura em branco e uma superfície em movimento, as notas que são os sons, ao serem apagadas, perdem suas identidades, mas sabe-se que existem. O músico acredita que há dois tipos de silêncios e os classifica em silêncio silencioso, quando não encontramos atividade sonora, pois não há a intenção de procurá-los, e silêncio ruidoso, que é marcado por múltiplos sons, mas sem a consciência de descrição ou sentido. Para Raquel Stolf, o silêncio pode ser também uma desconstrução. Baixar a voz, parar a fala, baixar o volume do mundo e escutar!


O silêncio pode trazer sensações agradáveis, pode instigar, ou nos levar a reflexão. A artista cita que em o Livro dos Prazeres, Clarice Lispector, ressalta o silêncio dentro de si e através dele a fonte para as suas palavras. Durante a pesquisa, uma palavra chave remete ao autor da obra O Silêncio, do escultor Antoine Augustin Preault (1809-1879). Aqui, o rosto e os dedos nos lábios “emerge” das cavas em baixo relevo e direciona o tema para outro patamar, a barreira entre os vivos e os mortos. Mas, depois de ouvir os áudios de Stolf, eis a pergunta: haverá a ausência total de sonoridade mesmo na morte? Talvez sim... Talvez não... Talvez o ruído de minhocas ou de qualquer ser embaixo da terra... Porque não? O silêncio. Diferentes silêncios. Silêncios dentro dos silêncios ou ausência dos silêncios... Cage afirma que o silêncio existe, no entanto, não da forma como o presumimos, não em completa ausência de sons, mas em variações de silêncios. O silêncio absoluto não pode ser ouvido, e quanto mais se procura alcançá-lo, mais ressaltados se mostram os sons e ruídos.


REFERÊNCIAS

Archer, Michael. Arte Contemporânea - Uma História Concisa http://alb.com.br/arquivomorto/edicoes_anteriores/anais16/sem14pdf/sm14ss04_08.pdf http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4794730Z0 http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0100512x2005000200023&script=sci_arttext http://www.louvre.fr/oeuvre-notices/le-silence http://linda.nmelindo.com/2015/06/raquel-stolf-assonancias-de-silencios/ http://www.pap.art.br/artista/2802 - Vídeo


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