Seminário - Arte Contemporânea

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Arte Contemporânea

Flávio Pacheco

Josiane Siqueira


Observando a arte na atualidade, somos confrontados em uma profusão de estilos e diversidade de formas.

A arte contemporânea revela um desgaste de conceitos preestabelecidos, bem diferente dos movimentos já estudados.

Katia Canton, parafraseando em seu livro Do moderno ao Contemporâneo, define como uma arte representativa, materializando-se entre a arte e a vida, a vida e a arte, num relacionamento entre as diferentes áreas do conhecimento humano.


Segundo Michael Archer, se por um lado a arte contemporânea não tem o privilégio de ser reconhecida rapidamente por meios de métodos de trabalho

e técnicas específicas, por outro serve-se dessa diversidade, em reinterpretações cujos conceitos estão firmados em contextos sociais, políticos, formais, culturais, e de identidade.


Katia apresenta uma coleção formada de 6 livros chamados de Coleção Temas da Arte Contemporânea, onde aborda temas sobre os desdobramentos da arte contemporânea e o mundo atual.

Criadora de textos, poemas e imagens para livros, crítica de arte e jornalista, a

artista reuniu aos anos de prática em sua carreira - no acompanhamento dos artistas que surgiam e dos assuntos que buscavam para produzirem - os resultados de pesquisa como curadora e professora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC – USP).


A artista salienta que o cotidiano em todas as suas particularidades já é por si só um meio de representação da arte.

Fugindo dos padrões preestabelecidos e rompendo com as obviedades, a arte instiga e estimula à novas possibilidades.

Embora livre e subjetiva, a arte contemporânea se expressa através de uma orientação histórica e efetiva, um evidente conhecimento que estabelece uma relação e reflete verdade, visão, sentimento, tempo e espaço.


NARRATIVAS ENVIESADAS

Nesse livro, a artista comenta de forma contemporânea e não se preocupa com a linearidade formal, ou seja, o tradicional começo-meio-fim da estrutura nas histórias, mas o desenvolve por meio de fragmentos, assuntos

sobrepostos, deslocados e repetidos.


No período posterior à Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos,

especialmente, Nova York, há uma agitação em torno dos artistas europeus das experiências de vanguarda que buscam refúgio ali. E é nesse ambiente, descomprometido com a história e tradicionalismo do passado que desponta o expressionismo abstrato.

Esses artistas buscavam a abstração pura, sem resquícios de realidade, mas isso comprometeria a percepção do público ao olhar a tela pintada sem fazer associação através das narrativas e das memórias pessoais.


EXPERIMENTALISMO E CRISE DA ABSTRAÇÃO Embora a arte contemporânea abre caminho para o artista representar seu trabalho a partir de experimentações, cruzando a fronteira entre a arte e não

arte, esse experimentalismo e a dificuldade de compreensão da obra acaba gerando um afastamento do público.

Por essa razão, na década de 80, alguns a artistas retomam as produções de narrativa buscando inspirações através de fatos relacionados à vida.

Um outro fator a ser considerado é o mercado. Os artista voltam a realizar exposições em galerias, em teatros e casas de espetáculos.


IMAGEM E PALAVRAS

No final dos anos 60 e início dos anos 70 alguns artistas utilizavam-se da apropriação de palavras para conceber suas produções artísticas.

Nessa época, o que se questiona não é a natureza da arte mas o sentido da existência humana, com suas particularidades e estranhamentos.


O artista conceitual Joseph Kosuth, em sua obra fourcoloursfourwords

[quatrocoresquatropalavras], usa texto em neon com cada palavra contendo uma cor. Eram as cores verde, roxo, vermelho e anil.


A artista norte-americana Jenny Holzer, usa as palavras de forma provocativa e perturbadoras em suas instalaçþes.


Barbara Kruger sobrepĂľe imagens retiradas da mĂ­dia, causando ainda mais estranhamento e sentidos ambĂ­guos.


Os trabalhos de Tracy Emim, ressaltam a sexualidade ultrapassando os limites entre o pĂşblico e o privado. A artista utiliza o neon na frase Eu beijo vocĂŞ.


A artista brasileira Rosana Ricalde, utiliza letras, palavras e sobreposições de palavras e se apropria de fragmentos de textos de escritores e pensadores na construção de suas obras. Em Ensaio sobre a Cegueira, Rosana cria um labirinto com as páginas, onde a palavra cegueira aparece, retiradas do livro de José Saramago.


Katia Canton, em entrevista Ă Georgia Vilela, questiona o uso de palavras em seus trabalhos. A artista ressalta o uso das palavras como forma de produzir sonoridade. HĂĄ movimento no texto, as palavras entram e saem de dentro para fora como de fora para dentro e vĂŁo dando significado ao trabalho.


CONTOS DE FADA Katia Canton se refere ao tema dos contos de fada como uma estratégia dos

artistas contemporâneos em suas narrativas.

E nesse contexto é possível dialogar com o tema de outra edição de livros da

autora, Tempo e Memória. A própria artista se apossa desse tema para tecer sua narrativa numa série de contos chamado Ontem. Katia faz releituras de contos clássicos, como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, Barba Azul e Pele de Asno. Usando nanquim e aquarela, ela produz um trabalho com efeito de imprecisão, que se relaciona ao passado e às memórias dos contos passados pelas gerações anteriores.


Rapunzel

Chapeuzinho e o Lobo


Chapeuzinho na Floresta

Pele de Asno


TEMPO E MEMÓRIA Na vida e arte contemporâneos, um dos elementos mais significativos é o tempo, talvez, com a correria diária, onde o tempo parece “correr” seja mais sensato dizer a falta de tempo.

Stuart Hall, no livro A identidade cultural na pós-modernidade[2000], retrata as diferenças das épocas culturais nas formas de combinar tempo e espaço. Pablo Picasso e George Braque condensam o tempo através da

simultaneidade da imagem em várias posições ocupando a mesma superfície do quadro. Na literatura, a narrativa de Marcel Proust expande a memória num tempo que ocupa todo o espaço.


David Harvey, em A condição pós-moderna explica o desequilíbrio das relações temporais. A comunicação via satélite acaba encurtando a distância entre tempo e espaço. Os espaços reais do mundo são reduzidos à imagens simultâneas na tela da televisão e redes virtuais e sociais como Skype, Messenger entre tantos outros, provocando o fim do espaço por meio do

tempo.


Em meio à poluição ecológica que estamos vivenciando, podemos distinguir uma a qual chamamos de poluição dromosférica. Essa palavra deriva do termo dromos, que significa corrida. A degradação do planeta não se dá somente na fauna, flora, ar e na água, mas também na questão tempo-espaço, reduzidos pelos meios de transporte e da comunicação instantânea.

Em uma citação de Peter Pál Pelbart ele descreve a redução das espessuras do tempo como algo desorientador. O tempo raso e fugaz da contemporaneidade, provoca uma sensação de instabilidade, retirando as noções da história, das memórias. Sem objetividade cronológica, o que existe é apenas o agora.


MEMÓRIA COMO AGENTE DE RESISTÊNCIA

Segundo o químico Ilya Prigogine, em Cartas à futuras gerações, o fim da história e a perda das memórias seria a realidade de uma sociedade atemporal.

O artista que usa o elemento memória na construção de suas obras visualiza

certa dificuldade em produzir a ideia de individualidade devido à tecnologia virtual que tende a reduzir ou até mesmo anular a privacidade e as trocas reais. Outro ponto relacionado é o fato das memórias se tornarem uma

espécie de diário, testemunhando riquezas afetivas e de existência.


Bill Viola, um dos primeiros artistas a utilizar a linguagem do vídeo na

construção de narrativas contemporâneas, em entrevista a Marcello Dantas no documentário Processing the Signal, diz que explora a redução de informações em um momento prolongado de tempo, contrariando a

aceleração contemporânea na questão do tempo e espaço. O artista se preocupa com a passagem do tempo e o desenvolvimento das memórias e atribui esses fatores em seus trabalhos através dos recursos de slowmotion.

No vídeo The Passing, dedicado à memória de sua mãe, Bill Viola faz a produção em preto e branco, com o suspiro de sua mãe como efeito sonoro. O vídeo que tem duração de 54 minutos, parece nunca terminar com a lentidão das imagens e a densidade do tempo, que resulta na contemplação

das cenas em seus detalhes e nuances. https://www.youtube.com/watch?v=7vHtK-DoKB8


Cenas do vĂ­deo The Passing, de Bill Viola.


O filme Memento, lançado no Brasil como Amnesia é um exemplo dessa categoria de narrativa de recortes que tenta juntar os acontecimentos em

passados de tempos e duração diferentes. No filme, o protagonista perde a habilidade de memorizar eventos recentes após o estupro e assassinato de sua esposa. Ele lembra-se de fatos do passado até o incidente mas é refém do presente pois as memórias são guardadas por apenas quinze minutos as experiências vividas. Para driblar

essa deficiência, passa a vivenciar os momentos de ausência através de registros e documentos que refletem as experiências vividas.


O filósofo alemão Walter Benjamim expõe uma narrativa de memória que remete à transmissão de experiência pessoal. O compartilhar dessas experiências passadas de pai para filho, é transformada nas gerações posteriores em memória viva. Em O narrador, Benjamim ressalta um outro lado dessa narração. A problemática de passar adiante fragmentos de uma narrativa. O narrador, que pode ser o artista, seria uma espécie de catador de sucatas que movido pelo

desejo de não deixar nada se perder nem ser esquecido, recolhe todos o despojos que aparentam não ter importância ou sentido para a história oficial.


MEMÓRIA: TEMPO OU LUGAR? A literatura é produzida a partir de memórias, seja de tempo perdido, seja na forma de lugar, ou de um espaço demarcado por lembranças. Mas e a

memória? É uma questão de tempo ou de lugar?

No livro O Vendedor de passados, do escritor José Eduardo Agualusa, há um discurso sobre a memória onde é descrita como um trem em movimento que se desloca tão rapidamente que não possibilita o toque. É como uma paisagem vista ao longe de dentro desse trem que é tão veloz, que não há certeza se realmente aconteceram.


É interessante o relato de Paul Auster, quando escreve em A invenção da solidão. Ele compara a memória como um quarto onde o autor está sentado, escrevendo. Nesse caso o assunto que tenta escrever é sobre a morte de seu pai. Num impulso, descreve sobre ele como se toda a personalidade daquele homem e memórias de vida fossem desaparecer junto com ele.


José Rufino em suas obras denominadas de Respiracio, Vociferacio,Lacrimacio e Sudoracio, o artista explora as sensações encontradas nas lembranças de infância e da história familiar. Os títulos das suas instalações fazem referência aos verbos, respirar, gritar, lacrimejar e suar respectivamente. Retratam um processo de libertação da alma. As características de seus trabalhos são na

maioria das vezes por meio de memórias da família. Na obra Cartas de areia, Rufino destranca um baú onde há centenas de cartas, enquanto trabalha em algumas recobrindo-as com pinturas, carimbos e monotipias, em outras

mesmo constrangido, ele inicia a leitura, revelando as memórias e emoções intimas registradas naquelas cartas.


Sandra Cintra cita a memória como questão essencial para pensar o futuro, pois na reflexão do passado, preservamos as referências.

Albano Afonso em sua série do céu de são Paulo, ele observa o mesmo céu durante vários dias. Esse trabalho, embora abstrato, é recheado de memórias

nas passagens do tempo.

Katia finaliza considerando a temática da memória como uma forma de resistência e resgate ao tempo acelerado da vida contemporânea.


REFERÊNCIAS DE FUSCO, Renato. Historia da Arte Contemporânea ARCHER, Michael. Arte Contemporânea – Uma História Concisa CANTON, Katia. Do Moderno ao Contemporâneo CANTON, Katia. Narrativas Enviesadas CANTON, Katia. Tempo e Memória http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,katia-canton-exibe-obrasinspiradas-nos-contos-de-fadas,1643005 http://www.usp.br/espacoaberto/?materia=era-uma-vez-em-uma-galeria http://cargocollective.com/katiacanton/As-series-de-Katia-Canton


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