PII - Fiocruz

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PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO (PII) NO CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ A inovação e o conhecimento são fatores diferenciais que determinam a competitivi-

Programa de Incentivo à Inovação no Centro de Pesquisas René Rachou

Programa de Incentivo à Inovação

dade de setores, universidades e empresas. O

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU

do novos produtos no mercado, a um preço

êxito empresarial depende da capacidade da empresa inovar tecnologicamente, colocanmenor, com uma qualidade melhor e a uma velocidade maior do que seus concorrentes. A inovação tecnológica tem sido inadequadamente vinculada apenas aos setores de alta tecnologia. O desenvolvimento de um país, a geração de melhores empregos e salários também depende de incorporar conhecimento gerado nas universidades aos setores da economia. A relação de dependência entre inovação tecnológica e desenvolvimento sustentável é verdadeira quando se examina a interação das empresas e das universidades e centros de pesquisa, numa perspectiva de crescimento econômico. A inovação é um instrumento alavancador de negócios. Esta publicação apresenta os dezesseis projetos do Programa de Incentivo à Inovação, desenvolvidos na Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz e no Centro de Pesquisas René Rachou, em parceria com o Sebra-MG, a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O objetivo do PII é fomentar a cultura empreendedora nas universidades por meio da: i) c onscientização e mobilização da comunidade acadêmica, órgãos de fomento, empresas e parceiros locais; ii) i nvestigação e apoio ao desenvolvimento de tecnologias acadêmicas capazes de gerar inovações tecnológicas de produtos e processos.

Realização

Foram apresentados 24 projetos, sendo 16 projetos selecionados para a fase de Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica,

Belo horizonte-MG

Comercial e Ambiental, sendo estes projetos apresentados nesta publicação.


Fundação Oswaldo Cruz Centro de Pesquisas René Rachou

Programa de Incentivo à Inovação no Centro de Pesquisas René Rachou

belo horizonte 2011


© 2011 Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz Nenhuma parte ou todo desta publicação poderá ser reproduzido – em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc. – nem apropriado ou estocado em sistema de banco de dados, sem prévia autorização, por escrito, da Fiocruz. Catalogação-na-fonte Rede de Bibliotecas da FIOCRUZ Biblioteca do CPqRR Segemar Oliveira Magalhães CRB/6 1975 F981p 2011

Fundação Oswaldo Cruz. Centro de Pesquisas René Rachou. PII: Programa de Incentivo à Inovação no Centro de Pesquisas René Rachou / Fundação Oswaldo Cruz. Centro de Pesquisas René Rachou. – Belo Horizonte: CPqRR, 2011.

80 p.

ISBN: 978-85-99016-15-2

1. Academias e Institutos/tendências 2. Desenvolvimento Tecnológico/políticas 3. Projetos de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação I. Título. II. Zerlotini Neto, Adhemar. III. Machado, Alexandre Magalhães Vieira. IV. Rabello, Ana. V. Carvalho, Andréa Teixeira. VI. Volpini, Ângela. VII. Zani, Carlos Leomar. VIII. Johann, Susana. IX. Oliveira, Edward Jose de. X. Fraga, Fernanda Campos. XI. Oliveira, Guilherme Corrêa de. XII. Jardim, João Bosco. XIII. Oliveira, Jaquelline Germano de. XIV. Reis, Kátia Teixeira dos. XV. Gomes, Luciana Inácia. XVI. Xavier, Marcelo Antônio Pascoal. XVII. Parreiras, Patrícia Martins. XVIII. Gazzinelli,Ricardo Tostes. XIX. Soares, Rodrigo Pedro Pinto. XX. Alves, Rosana de Oliveira. XXI. Alves, Tânia Maria de Almeida. XXII. Schall, Virginia Torres. CDD – 22. ed. – 371.264

Gestão Editorial Margem 3 Comunicação Estratégica Edição Frederico Alberti Redação Patrícia Mariuzzo Revisão Leila Maria Rodrigues Fotografia Ignácio Costa Projeto Gráfico e diagramação Sandra Fujii Autores dos projetos Adhemar Zerlotini Neto, Alexandre Magalhães Vieira Machado, Ana Rabello, Andréa Teixeira Carvalho, Ângela Volpini, Carlos Leomar Zani, Susana Johann, Edward Jose de Oliveira, Fernanda Campos Fraga, Guilherme Corrêa de Oliveira, João Bosco Jardim, Jaquelline Germano de Oliveira, Kátia Teixeira dos Reis, Luciana Inácia Gomes, Marcelo Antônio Pascoal Xavier, Patrícia Martins Parreiras, Ricardo Tostes Gazzinelli, Rodrigo Pedro Pinto Soares, Rosana de Oliveira Alves, Tânia Maria de Almeida Alves, Virginia Torres Schall. Bolsistas- assessores dos projetos PII- CPqRR Anna Luisa Tavares Neto, Carolina Costa Meira, Daniel Lana Faria da Veiga, Débora Nívea de Oliveira Pereira, Glauber Coutinho Eliazar, Haroldo Martins de Freitas Filho Helder Costa Drumond, Henrique Diniz, Juliana Fontes Nascimento, Junia Dayrell de Moura Cordeiro Kamila Pelegrino Tavares, Luiz Felipe Garcia Costa, Mayara Machado de Castro, Miriane Fernandes Dutra, Paula Parreiras de Aquino, Pedro Barbosa Penna Vidigal, Rafael Mendes de Almeida Carvalho, Roberta Rossi Nominato, Samuel Reis de Oliveira. Núcleo de Tecnologia da Qualidade da Inovação-NTQI Prof. Lin Chih Cheng Coordenador Jonathan Simões Freitas Sub- Coordenador Bolsistas PII NTQI Flávio Mancebo Machado Caio Álvares e Souza

PII FIOCRUZ a serviço da saúde pública Implantado em algumas universidades e centros de pesquisa de Minas Gerais, o Programa de Incentivo à Inovação (PII) contribui para a difusão da cultura empreendedora no setor acadêmico, estabelecendo uma ponte entre as instituições de ensino e pesquisa e o mercado. Desde a implantação do projeto piloto no Estado em 2006, o PII é considerado um programa de sucesso ao possibilitar que projetos de pesquisa aplicada se transformem em produtos inovadores, através de estudos de viabilidade e planos de negócio estendidos desenvolvidos ao longo dos 18 meses do programa. Reconhecida como uma instituição referência em pesquisa inovadora na área de saúde, a SECTES escolheu o Centro de Pesquisas René Rachou, unidade regional da FIOCRUZ Minas, para mais uma parceria de sucesso. O PII na FIOCRUZ teve início em 2010, onde 25 projetos inovadores foram inscritos, dos quais 11 foram selecionados para a elaboração dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica, Comercial e de Impacto Ambiental e Social (EVTECIAS). E, posteriormente, numa segunda seleção, 05 projetos receberam o aporte de recursos para a elaboração dos planos de negócio estendidos e para o desenvolvimento dos protótipos. Com os estudos de viabilidade técnica, os planos de negócio estendidos e os protótipos elaborados, o PII irá potencializar o caráter inovador da FIOCRUZ, e contribuir para que ela se estabeleça como uma instituição âncora do Parque Tecnológico de Belo Horizonte, o BHTEC. Assim, a parceria entre SECTES e FIOCRUZ cumprirá com um objetivo maior: a inovação tecnológica para a promoção da saúde pública.

Narcio Rodrigues Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior


A inovação e a competitividade Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)* mostram que o Brasil foi responsável, em 2007, por 60% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento entre os países da América Latina e do Caribe. As informações apontam, ainda, que trata-se do único País da região que destina acima de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) para a inovação. Ainda de acordo com o BID, um dos pontos fortes do Brasil é dispor de mecanismos de fomento à pesquisa tecnológica. Porém, assim como os vizinhos, a burocracia e a falta de articulação com os empresários impedem o crescimento da inovação brasileira e uma melhora na posição do País no ranking mundial. A participação da iniciativa privada no montante de recursos para inovação é pequena na América Latina e no Caribe. No Brasil e no restante dos países latino-americanos e caribenhos, 60% dos recursos são provenientes dos governos, enquanto que em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a contrapartida pública é de 36%. Neste contexto, o Programa de Incentivo à Inovação, parceria do Sebrae-MG e da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, exerce um papel essencial de estimular as universidades e os centros de pesquisa a desenvolverem pesquisas com foco no mercado, gerando novas empresas ou promovendo transferências de tecnologias, tendo como resultado efetivo a geração de ganhos econômicos para Minas Gerais e para o Brasil. Há de se destacar a competência técnica da Fiocruz, instituição parceira desta edição do PII. O Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR) é uma unidade regional da Fiocruz. Tem na sua estrutura quatorze laboratórios, onde são estudadas a Doença de Chagas, a Esquistossomose, as Leishmanioses e a Malária em seus diversos aspectos (biologia, diagnóstico, imunologia, terapêutica, clínica, fisiologia, epidemiologia e controle e sistemática). O CPqRR mantém intercâmbio nas áreas de pesquisa e/ou ensino com diversas instituições nacionais e internacionais, destacando-se UFMG, UFRJ, Fapemig, CNPq, Texas University, Houston University e York University (Inglaterra). Com o PII, o Sebrae-MG intensifica o investimento contínuo e crescente na inovação, contribuindo para o nascimento de empresas de base tecnológica, importantes para o desenvolvimento do estado. Lázaro Luiz Gonzaga Presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-MG * Nota: Dados do BID de setembro de 2010

Fortalecendo a Cultura da Inovação para a Saúde Pública Investir em inovação é hoje fundamental no país, e para isso além de recursos financeiros é preciso definir contextos que abram espaço para a criatividade contribuindo assim para novas idéias. Investir em inovação é apostar em projetos de risco, é converter conhecimento em produtos que tragam benefícios para a sociedade. É importante que instituições de pesquisa e ensino, em conjunto com empresas, disseminem uma nova cultura nas suas rotinas que favoreça e fortaleça a inovação em diferentes áreas. O Programa de Incentivo à Inovação –PII, uma iniciativa da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais (SECTES) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-MG), contribui para fomentar a cultura da inovação convertendo conhecimento em desenvolvimento, ampliando a rede de relacionamento das Instituições de Pesquisa com a sociedade e o mercado. O PII faz parte da estratégia de fortalecimento da inovação do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR), Unidade da Fundação Oswaldo Cruz- Fiocruz em Minas Gerais, desde março de 2010, quando lançamos o primeiro edital, fruto do convênio entre SECTES, SEBRAE e CPqRR. O entusiasmo dos pesquisadores do Centro com o Programa foi demonstrado com o grande número de projetos apresentados já no primeiro edital. Foram inscritas propostas de pesquisadores de quase todos os Laboratórios, além de projetos do Centro de Excelência em Bioinformática- CEBIO e de técnicos do Biotério. Algumas propostas envolviam outras Instituições do Estado de Minas como a Fundação Ezequiel Dias e Universidade Federal de Minas Gerais. O Programa é desafiador no seu objetivo e no formato como é conduzido, envolvendo pesquisadores seniores da Instituição e em início de carreira, tecnologistas, técnicos, além de estudantes de graduação. Todo o processo é muito rico e para nós cada vez mais importante para atingirmos a missão de nossa instituição que é levar o conhecimento gerado em nossos laboratórios para o desenvolvimento. O PII já faz parte da orientação política para o fortalecimento da cultura de inovação do CPqRR-Fiocruz. Rodrigo Corrêa de Oliveira Diretor do Centro de Pesquisas René Rachou – CPqRR Zélia Maria Profeta da Luz Vice Diretora de Pesquisa, Inovação Tecnológica e Laboratórios de Referência Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ


Sumário Sequenciamento de DNA e análise genômica..................................................... 8 LitProf: plataforma computacional para buscas................................................. 12 Caracterização de biomarcadores para o diagnóstico precoce do câncer do colo uterino associado ao Papilomavírus humano (HPV)............... 16 Biologia molecular para identificar bactérias.................................................... 20 Novo fármaco para micose a caminho............................................................. 24 Vacinas contra doenças infecciosas virais em suínos........................................... 28 Teste de potência de vacinas............................................................................ 34 Nova caixa para contenção animal................................................................... 38 Evidengue: combate ao mosquito dentro de casa............................................. 42 Moluscicida natural à base de látex................................................................. 46 Diagnóstico da esquistossomose pelo ensaio de PCR-ELISA............................... 52 Novo teste diagnóstico para leishmaniose visceral............................................ 56 Luz para encontrar novos fármacos para leishmaniose...................................... 62 Atenção para doenças negligenciadas............................................................... 66 Tecnologia aperfeiçoa método de diagnóstico da leishmaniose visceral.............. 70 Diagnóstico diferencial da Doença de Chagas e Leishmanioses.......................... 74


Sequenciamento de DNA e análise genômica Gerando inovação por meio da pesquisa básica

A genômica dedica-se ao estudo da informação contida no DNA de um organismo. É a principal ferramenta da biotecnologia, ciência que analisa os seres vivos no nível molecular. O sequenciamento do genoma e a análise dos dados gerados podem ser o primeiro passo para o desenvolvimento de inovações em diversas áreas, como agricultura, bioenergia, meio ambiente, saúde animal e medicina. Atualmente, empresas e grupos de pesquisa brasileiros interessados no sequenciamento do DNA de um organismo precisam contratar esse serviço fora do país. Pensando em solucionar esse gargalo tecnológico, a equipe de pesquisadores do CEBio, Centro de Excelência em Bioinformática, desenvolveu uma proposta para o sequenciamento e análise genômica de qualquer tipo de organismo. O diferencial

programa de INCENTIVO À inovaçÃO

da tecnologia é a geração de maior volume de informação a um custo menor. O objetivo do grupo de cientistas do CEBio é oferecer uma tecnologia nacional para análises de genoma, tanto para a iniciativa privada como para outros grupos de pesquisa. Com isso, eles esperam auxiliar no avanço das pesquisas brasileiras em biotecnologia, além de favorecer a geração de inovações nas empresas brasileiras que atuam nessa área. Para fazer o sequenciamento do DNA e a análise genômica, os pesquisadores utilizam a plataforma SOLiD, da Applied Systems. “Ela é capaz de gerar informação sobre milhões de pares de bases moleculares em uma única corrida”, explica Guilherme Oliveira, que coordena o projeto no CEBio. “Isso significa economia de tempo e menor custo por base sequenciada”, complementa. Ciência para cientistas O DNA, ou ácido desoxirribonucleico, contém as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos. Seu sequenciamento e análise é a base para o entendimento de um organismo. Esse conhecimento, por sua vez, pode ser uma fonte de inovação estratégica para a indústria de biotecnologia, tanto para o melhoramento de plantas e animais de interesse da agroindústria, como para o surgimento da indústria da genômica médica ou medicina personalizada.

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Pesquisas na área de genômica envolvem basicamente duas fases: a laboratorial, na qual se faz a extração e o sequenciamento do DNA; e a análise dos dados, realizada em laboratórios de bioinformática. De posse desse conhecimento, abrese um mundo de possibilidades. Alguns resultados já são amplamente conhecidos na pecuária, que faz investimentos pesados no melhoramento genético do gado e na agricultura, área em que as plantas transgênicas, resistentes a pragas e com maior produtividade são o melhor exemplo. A medicina é outro ramo de onde se esperam importantes avanços a partir da análise do genoma humano, cujo sequenciamento já foi concluído. Para Oliveira, em medicina, por exemplo, há um grande nicho a ser explorado. “Um dos nossos objetivos é tornar a tecnologia disponível para pesquisadores em todo o Brasil. Temos muitos cientistas capacitados, mas que têm acesso limitado a um bom serviço de sequenciamento e análise de DNA”, aponta. Ao oferecer um serviço como esse, é possível viabilizar e gerar mais projetos na área de biotecnologia. Nesse contexto, a tecnologia desenvolvida no CEBio pode gerar avanços na ciência brasileira como um todo. Parcerias com a iniciativa privada O Brasil já possui empresas consolidadas que fazem análise de informações geradas a partir do sequenciamento genético. No entanto, essas análises buscam atender a pesquisas e projetos muito específicos. “Estas empresas, em geral ligadas ao agronegócio ou à geração de energia, não podem atender cientistas envolvidos

com uma pesquisa básica. Tampouco farão análises genômicas para outra empresa que pode, inclusive, ser concorrente”, explica Oliveira. “Queremos fazer parcerias com a iniciativa privada para viabilizar a geração de inovações em qualquer área ou negócio”, afirma o pesquisador. Nesse sentido, a tecnologia desenvolvida no CEBio soluciona um gargalo no desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, ao trazer a atividade para dentro do País. A pesquisa genômica já é encarada pela academia como um elo importante para o avanço de diversas áreas; porém, ainda não foi totalmente incorporada pela indústria de biotecnologia. O projeto do Centro de Excelência em Bioinformática pode ajudar a mudar esse quadro. “Queremos mostrar para o Estado que somos uma base de pesquisa biotecnológica tanto para iniciativa privada quanto para a academia”, defende Oliveira. A tecnologia está em fase avançada de desenvolvimento. O Projeto de Incentivo à Inovação servirá para instalar no CEBio processos apropriados de gestão de qualidade, fundamentais para prestação de serviço na área de biotecnologia. “O PII pode ajudar a adquirir certificados nacionais e internacionais na área de qualidade. Eles são indispensáveis se quisermos oferecer a tecnologia para iniciativa privada”, esclarece Guilherme de Oliveira. O projeto é também uma oportunidade para aprimorar o modelo de negócios do CEBio para o atendimento aos parceiros. O estado de Minas Gerais, por exemplo, possui um dos mais importantes polos de biotecnologia do País, o que constitui um mercado potencial bastante promissor para a tecnologia gerada no CEBio. “Ao prestar esse serviço baseado em tecnologia nacional, abrimos também a possibilidade de disseminar em nosso País a importância da genômica para criar novos produtos, isto é, para gerar inovação”, finaliza o pesquisador.

Equipe e contato CEBio – Centro de Excelência em Bioinformática Guilherme Corrêa de Oliveira | oliveira@cpqrr.fiocruz.br 10 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

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LitProf: plataforma computacional para mineração de textos Tecnologia aplica-se às áreas de genômica funcional e inteligência corporativa

A plataforma LitProf, desenvolvida pelo Centro de Excelência em Bioinformática (CEBio), é um software que se baseia na utilização de text mining (mineração de textos, em uma tradução literal), ou seja, a prática de extrair informação de textos usando os princípios da análise linguística. O software tem um mecanismo de busca e estruturação inteligente de informações não necessariamente explícitas contidas nos textos. O diferencial em relação a outros mecanismos similares é a sua capacidade de buscar informações relevantes sobre determinado assunto e, principalmente, a precisão da classificação dessas informações em categorias, de acordo com os objetivos da busca. Um dos grandes desafios da área de biotecnologia e genômica é a grande quantidade de informações. Nas ciências exatas já existem sistemas que utilizam algoritmos robustos para tratamento de informações. Aos poucos, esses sistemas têm sido usados para a classificação e o agrupamento de entidades biológicas a partir das medidas de expressão gênica obtidas com microarranjos e proteômica, por exemplo. “No entanto, a interpretação desses resultados só é possível por meio de informações disponíveis na enorme e crescente literatura científica biomédica”, explica Roney Coimbra, um dos pesquisadores do projeto. “Foi isso que nos motivou a desenvolver um sistema de mineração de textos específico para a área biomédica. A versão atual do LitProf inclui um algoritmo de perfis de literatura e utiliza o banco PubMed, especializado em publicações na área biomédica como fonte de informação. Busca e análise para biotecnologia O uso da mineração de texto é bastante comum na rotina das grandes indústrias farmacêuticas multinacionais no desenvolvimento e descoberta de novos medicamentos. No entanto, de acordo com Coimbra, essa prática ainda é incipiente no Brasil. Embora existam empresas especializadas em text mining, não há no mercado brasileiro um produto específico para análise genômica funcional ou com foco na área de biotecnologia ou saúde.

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O LitProf pode realizar qualquer busca e análise baseado na mineração de dados. O diferencial está no modo de funcionamento do software. Por meio de um algoritmo de busca, totalmente desenvolvido no CEBio, ele consegue percorrer um extenso corpo literário e, além de selecionar os documentos relacionados ao tema da busca, classificá-los de acordo com categorias pré-determinadas, gerando material de alta confiabilidade, de maneira rápida e eficiente. De acordo com Roney Coimbra, o software permite criar classificadores específicos, adaptados aos objetivos de cada busca.

Em muitos casos, a falta de informação pode gerar graves prejuízos para uma empresa. “O LitProf é capaz de selecionar, agrupar e relacionar um grande número de informações de forma automática, diminuindo drasticamente o tempo que seria gasto por funcionários de uma empresa na busca e interpretação desses dados”, destaca Coimbra. “Nesse sentido, o software desenvolvido no CEBio serve como uma base de apoio confiável para tomada de decisão”, complementa. Nas próximas etapas do projeto, será desenvolvido um módulo para análise de coocorrência de termos e a inclusão de plug-ins para busca em outras fontes de informação voltadas para o mundo corporativo, como revistas, jornais e sites especializados, sites dos concorrentes, diagnósticos setoriais, entidades empresariais, agências de fomento e de desenvolvimento, dados governamentais e ainda bancos de dados disponíveis no mercado. De acordo com Coimbra, a construção de classificadores específicos é uma característica de funcionamento do software. “Isso é o que permite que ele seja utilizado em vários ambientes”, diz. No modelo de negócio idealizado pelos pesquisadores, o Litprof não será comercializado. O CEBio irá prestar serviços de análise completa de dados, a partir de uma busca sistemática em bancos de dados previamente estabelecidos. “Vamos entregar para o cliente um painel com o resultado das análises, bem como os arquivos selecionados e classificados”, adianta Coimbra. O LitProf já está sendo utilizado no meio acadêmico para estudos de genômica. O Bureau de Inovação e Inteligência Competitiva em Biotecnologia de Minas Gerais, órgão ligado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) manifestou interesse em utilizar a plataforma, o que poderá constituir um importante ponto de contato com as indústrias do Estado. Há que se ressaltar que o mercado de biotecnologia, um dos focos dessa tecnologia, vem crescendo significativamente nos últimos anos no Brasil. A Política Nacional de Biotecnologia, estabelecida em 2007, estima que o País fique entre os cinco maiores polos mundiais neste setor até 2015. O Estado de Minas Gerais é um dos principais centros de empresas de biotecnologia do País, configurando assim, um mercado potencial para os serviços de text mining a serem oferecidos a partir da consolidação do LitProf no mercado.

Inteligência competitiva Uma das aplicações mais comuns de text mining é no setor de inteligência de mercado. No mundo corporativo, informação rápida e precisa sobre consumidores, competidores, fornecedores e tecnologias é um quesito estratégico em especial nas áreas de vendas, marketing e desenvolvimento tecnológico e inovação. Vários estudos também sugerem que esses investimentos ainda apresentam tendência de crescimento. Isso porque, em um mundo onde um número cada vez maior de competidores busca e analisa dados e informações competitivas, o custo de não tê-las está se tornando cada dia mais alto.

Equipe e contatos Centro de Excelência em Bioinformática e Grupo de Genômica e Biologia Computacional Roney S. Coimbra - roney.s.coimbra@cebio.org Francislon Silva Adhemar Zerlotini Guilherme C. Oliveira

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Caracterização de biomarcadores para o diagnóstico precoce do câncer do colo uterino associado ao Papilomavírus humano (HPV) Utilização de biomarcador poderá permitir o diagnóstico precoce do câncer do colo do útero

O câncer do colo do útero, também chamado câncer cervical, é a segunda neoplasia mais frequente na população feminina mundial. Causada pelo HPV e, nos seus longos estágios iniciais, é assintomática na maioria dos casos. Para sua prevenção e diagnóstico precoce, são utilizados exames de rastreamento como o exame colpocitopatológico, também chamado teste de Papanicolau, e exames de biologia molecular para detecção da presença do HPV nas células. O diagnóstico precoce das alterações celulares que antecedem o câncer pelos exames de rastreamento, naquelas mulheres que realizam esses exames regularmente, deveria prevenir os estágios mais graves da neoplasia em 100% dos casos. Entretanto, cerca de 20 mil brasileiras recebem o diagnóstico na neoplasia e 5 mil morrem em decorrência dela, todos os anos. “Desde o início do projeto nos perguntávamos: como uma doença passível de prevenção compromete número tão elevado de mulheres e faz tantas vítimas”, lembra Marcelo Pascoal, um dos pesquisadores do projeto. Uma parcela relativamente significante dessa elevada incidência e mortalidade do câncer do colo uterino é decorrente de limitações dos exames atuais de rastreamento. “Daí a importância de se pesquisar novos métodos e biomarcadores eficazes para detecção de alterações celulares precoces, seja para rastreamento, para a triagem da presença do HPV ou da neoplasia, ou para a predição do câncer propriamente dito”, explica. Prevenção do câncer do colo do útero O método mais tradicional de triagem para investigar a presença do HPV é o teste de Papanicolau. Da infecção pelo vírus até a manifestação da doença podem se passar até dez anos. Por isso é recomendado que todas as mulheres façam o exame anualmente. “O Papanicolau é importante porque funciona”, destaca a Dra. Jaquelline de Oliveira, coordenadora desse projeto no Centro de Pesquisas René 16 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

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Rachou. “A mulher deve fazer o teste todos os anos para detectar células alteradas”, diz. No entanto, apesar do Papanicolau ser um exame simples e acessível, ele é suscetível a erros. “O Papanicolau examina apenas as camadas mais superficiais do epitélio do colo do útero, mas a infecção por HPV se manifesta primeiramente nas camadas mais inferiores”, esclarece Marcelo Pascoal. Segundo ele, é por isso que o exame tem limitações para detectar lesões causadas pelo HPV em estágios muito iniciais. “O método é eficaz, mas pode demorar a detectar alterações celulares decorrentes da presença do HPV”. Biomarcadores e diagnóstico precoce “Como a doença é causada pelo HPV, nós investigamos proteínas das células que podem ser alteradas por este vírus. Encontramos importantes alterações na síntese e na regulação de uma proteína celular”, conta Prof. Paulo César Peregrino Ferreira, coordenador do projeto no Laboratório de Vírus da UFMG. “Se quantificarmos a proteína, nosso biomarcador candidato, o médico poderá concluir também se a paciente tem ou não maior tendência ao desenvolvimento dos estágios tardios da doença. Com isso, ela poderá fazer exames mais frequentes e detectar a doença em seus estágios mais iniciais”, explica. A tecnologia proposta inicialmente é a utilização de anticorpos para detecção da proteína candidata a biomarcador em kits diagnósticos. Quando aplicados em uma amostra de tecido retirado do colo uterino, poder-se-á determinar o estágio da alte-

O HPV É a sigla em inglês para papilomavírus humano. Os HPV são vírus da família Papillomaviridae, capazes de provocar lesões de pele ou mucosa. Na maior parte dos casos, as lesões têm crescimento limitado e habitualmente regridem espontaneamente. Existem mais de 200 tipos diferentes de HPV. Eles são classificados entre de baixo e de alto risco de câncer. Somente os de alto risco estão relacionados a tumores malignos. Estes, com maior probabilidade de provocar lesões persistentes e estar associados a lesões pré-cancerosas, são os tipos 16, 18, 31, 33, 45 e 58, entre outros. Já os HPV de tipo 6 e 11, encontrados na maioria das verrugas genitais e papilomas laríngeos, parecem não oferecer nenhum risco de progressão para malignidade, apesar de serem encontrados em pequena proporção em tumores malignos.

Fonte: Inca (Instituto Nacional do Câncer) 18 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

ração percebida, isto é, se ela é realmente uma neoplasia em um estágio e se pode evoluir para um câncer. “Nosso kit vai complementar o teste de Papanicolaou nos casos de infecções persistentes por HPV’, explica Jaquelline. Como os exames tradicionais de rastreamento não são capazes de diagnosticar com certeza as fases iniciais e a chance dessas fases evoluírem para o câncer, o tratamento poderá ser tardio e ocorrerá em estágios avançados da doença, o que demanda um maior gasto. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), os custos com quimioterapias realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aumentaram 450% nos últimos anos, passando de 18 milhões para 82 milhões de reais. Com o novo kit, os médicos poderão controlar as alterações provocadas pelo HPV antes que elas evoluam para câncer. Na fase atual do projeto, os pesquisadores estão validando tal proteína celular como biomarcador diagnóstico “Já fizemos testes com cerca de trezentas amostras de colo uterino, em diferentes estágios da neoplasia, e os resultados foram promissores”, conta Marcelo Pascoal, pesquisador responsável pelos testes. O mercado-alvo do produto serão clínicas e laboratórios que fazem exames diagnósticos e o Sistema Único de Saúde, que contarão com um exame mais preciso e confiável para diagnóstico. Equipe e contatos: Laboratório de Imunologia Celular e Molecular do CPqRR Jaquelline Germano de Oliveira | jaque@cpqrr.fiocruz.br Marcelo Antonio P. Xavier | marcelo.pascoal@cpqrr.fiocruz.br Laboratório de Virus da UFMG Paulo César Peregrino Ferreira |paulo.peregrino@pq.cnpq.br programa de INCENTIVO À inovaçÃO 19


Biologia molecular para identificar bactérias Tecnologia possibilitará avanços para o sistema de produção de vacinas

Sorotipagem é a técnica usada para identificação de diferentes tipos de microorganismos por meio da análise do soro sanguíneo (sorologia). A sorotipagem clássica é um processo demorado e caro, no qual animais são inoculados usualmente com proteínas produzidas em laboratórios, para induzir a produção de anticorpos específicos. Esses anticorpos são utilizados em reações para identificação de antígenos específicos, capazes de discriminar um micro-organismo dos seus similares. Com objetivo de criar um método mais rápido e preciso, pesquisadores do Centro de Excelência em Bioinformática (CEBio) do Centro de Pesquisas René Rachou desenvolveram uma nova tecnologia para sorotipagem de bactérias baseada em biologia molecular. A metodologia trabalha com o DNA das bactérias, possibilitando assim a detecção precisa do sorotipo, redução do custo em relação à sorotipagem convencional e a identificação de sorotipos ainda não descritos. Nesse sentido, a sorotipagem molecular contribuirá para maior eficiência do monitoramento das bactérias circulantes no País. Na primeira fase do projeto, realizada durante o doutoramento de Roney Coimbra, coordenador da pesquisa, foi desenvolvida a sorotipagem molecular das bactérias Escherichia coli e Shigella spp. Elas causam diarreia, intoxicação alimentar e doenças mais graves, como apendicite e, por isso, têm seus sorotipos constantemente monitorados pelo Ministério da Saúde. Já existem 171 sorotipos descritos para essas bactérias. A sorotipagem molecular está sendo expandida para a identificação de Streptocuccus pneumoniae, que, no momento, apresenta 91 sorotipos distribuídos e é a principal causadora de meningite, otite média e pneumonia. “Por conta da grande variedade desses sorotipos, a identificação mais rápida e precisa permitirá um acompanhamento mais eficiente dos tipos de bactérias prevalentes entre a população”, antecipa Coimbra. O genoma da Escherichia coli tem milhões de pares de bases e milhares de genes, codificando mais de quatro mil proteínas. Diante dessa quantidade tão grande de informação, como fazer a identificação do sorotipo a cuja produção a bactéria induz? O DNA dessas bacté-

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rias tem uma região específica chamada de rfb. É nela que estão os genes responsáveis pela síntese do antígeno. “O local exato onde se localiza esse conjunto de informações varia muito. No entanto, a região está ladeada por características constantes. E assim que conseguimos localizar a rfb nos vários sorotipos”, explica Coimbra. No caso das bactérias S. pneumoniae, a região do DNA equivalente a rfb é denominada de cps. Para identificação dos sorotipos, os pesquisadores do CEBio utilizaram uma técnica conhecida como RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism), que consiste em amplificar uma região de interesse do DNA e cortá-lo com uso de enzimas específicas. A amplificação e fragmentação do DNA envolvem reações químicas diferentes cujo produto gera um perfil específico, como se cada sorotipo apresentasse uma impressão digital. A diferenciação dessas impressões digitais é feita por meio da eletroforese, técnica de separação de moléculas utilizando uma corrente elétrica. Segundo Coimbra, a eletroforese gera uma representação para cada sorotipo, como se fosse um código de barras. “Comparando o tamanho das bandas desse código de barras, é possível diferenciar um sorotipo de outro”, explica o pesquisador. Banco de dados de sorotipos Associado à técnica de sorotipagem molecular, os pesquisadores do CEBio desenvolveram um software que compara os perfis de sorotipos isolados com um banco de perfis considerados de referência. “Quisemos ir além do trabalho de bancada, em que os sorotipos são identificados, e oferecer uma maneira eficiente de tratar essas informações”, conta Coimbra. Para usar o Molecular Serotyping Tool (MST), software de acesso livre, basta que o usuário informe o tamanho das bandas observadas na eletroforese. O programa então acessa o banco de dados e, utilizando um algoritmo especialmente desenvolvido para o MST, procura o perfil mais próximo daquele informado pelo usuário. “Para cada alinhamento é dada uma nota que vai de zero a 1.5, correspondente ao sorotipo indicado. Quanto mais próximo de zero, mais semelhantes são os sorotipos”, detalha Guilherme Oliveira, coordenador do CEBio, que participa do projeto. Além de permitir a rápida identificação do resultado obtido na sorotipagem molecular, o MST servirá também para construir um banco de dados dinâmico de sorotipos de diversas bactérias. O sistema já está em operação com sorotipos das bactérias Escherichia coli e Shigella spp. 22 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

A tecnologia já está disponível para comercialização. O público-alvo é a rede de Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), ligada ao Ministério da Saúde. Esses laboratórios desenvolvem atividades relacionadas à vigilância epidemiológica, vigilância ambiental em saúde, vigilância sanitária e assistência médica. O objetivo dos pesquisadores é transferir a tecnologia para o Ministério da Saúde e prestar consultoria para a rede de Lacens do País. Já existe uma parceria entre o CEBio e a Fundação Ezequiel Dias (Funed), um dos Laboratórios Centrais do Ministério da Saúde, para validação do projeto cps-RFLP em S. pneumoniae. Essa parceria pode facilitar a transferência da tecnologia para outros Laboratórios Centrais, que atualmente utilizam a sorotipagem clássica, método que tem alto custo porque depende da importação de soros da Europa e dos Estados Unidos. Controle epidemiológico A nova tecnologia encontra um contexto favorável à sua implementação, já que, além de permitir redução de gastos pelo sistema de saúde, permite identificar com precisão todas as variedades de sorotipos já conhecidas e também sorotipos novos, que a sorotipagem clássica não consegue detectar. Essas informações podem facilitar o monitoramento pelo Ministério da Saúde de bactérias prevalentes em cada região do País. Esse controle possibilita implementar medidas preventivas no caso de suspeitas de surtos infecciosos e também o monitoramento de campanhas de vacinação. O Ministério da Saúde tornará disponível, a partir deste ano, vacinação contra S. pneumoniae. “Seria oportuno registrar as variedades de sorotipos circulando no País com a tecnologia cps-RFLP, mais rápida e mais precisa. Esse monitoramento serviria para controlar o repovoamento dos sorotipos, fenômeno já observado em países que adotaram a vacina e, com isso, aperfeiçoar todo o sistema de controle e prevenção de doenças”, aponta Coimbra. Segundo dados de 2007 da Organização Panamericana da Saúde, a bactéria S. pneumoniae é causa básica de 29% das mortes anuais de crianças menores que cinco anos no mundo. O controle desses sorotipos circulantes seria um passo importante para o Brasil cumprir a quarta meta de desenvolvimento do milênio referente à redução da mortalidade infantil. Equipe Roney S. Coimbra Ângela C. Volpini Fabiano S. Pais Francislon S. Oliveira Guilherme C. Oliveira Marluce Oliveira (Funed) Contato Grupo de genômica e biologia computacional e CEBio Ângela C. Volpini | avolpini@cebio.org programa de INCENTIVO À inovaçÃO 23


Novo fármaco para micose a caminho Medicamento deve apresentar resultados mais rápidos e diminuir custos para o Sistema Único de Saúde

A paracoccidioidomicose (PCM) é uma micose típica da América Latina, sendo o Brasil o país com maior número de ocorrências. O Sistema Único de Saúde (SUS) atende a maioria dos casos da doença, mas o tratamento é longo e nem sempre eficaz. Com o objetivo de melhorar esse cenário, um grupo de pesquisadores do Laboratório de Química de Produtos Naturais do Centro de Pesquisas René Rachou está desenvolvendo uma substância a partir da qual poderá ser criado um novo medicamento: a TSC-Lapachol. Em ensaios biológicos, a nova substância apresentou ação antifúngica mais potente em comparação com um dos medicamentos usados atualmente para tratar pacientes com PCM. Após a comprovação

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desses resultados em testes clínicos, o grupo deve repassar a tecnologia para a Farmanguinhos produzir um novo fármaco. A paracoccidioidomicose não é uma doença de notificação compulsória, por isso não existem dados precisos sobre sua incidência no País. A doença acomete principalmente homens na fase mais produtiva da vida, entre os 30 e 50 anos de idade. De acordo com Susana Johann, bióloga que participa do projeto, as mulheres têm uma proteção natural contra o fungo Paracoccidioides brasiliensis, causador da doença. As pessoas com maior risco de infecção são as que entram em contato com solo contaminado com o fungo, como em atividades agrícolas, preparo de solo, jardinagem e transporte de vegetais. Boa parte dos casos da PCM se concentra nas regiões Sul e Sudeste. Isso se deve ao fato do fungo se adaptar melhor a lugares úmidos e com temperaturas amenas. “Atualmente, no entanto, em outras regiões, como o Centro-Oeste e Norte, estão aparecendo muitos casos desta doença. Talvez isto esteja ocorrendo devido à urbanização, com derrubada de florestas, e ou melhoria do diagnóstico da doença”, ressalta Susana. A transmissão se dá por inalação de partículas do fungo (conídios), que ficam suspensas no solo e na poeira. “Após serem inaladas, essas partículas transformam-se em leveduras, que constituem a forma parasitária nos tecidos do hospedeiro”, explica a bióloga. O período de incubação da programa de INCENTIVO À inovaçÃO 25


doença é desconhecido, podendo levar anos até que haja manifestações clínicas. Quando não diagnosticada e tratada a tempo, a micose do tipo PCM apresenta alto potencial incapacitante, podendo resultar na morte da pessoa infectada. A micose ataca primeiramente os pulmões, mas em boa parte dos casos compromete simultaneamente mais de um órgão, com infecções na pele, laringe, sistema linfático e ossos. Nos casos mais graves, a infecção pode atingir o sistema nervoso central e o cérebro, provocando dores de cabeça, alterações de comportamento e convulsões. Do total de infectados, 95% são atendidos pelo SUS. O tratamento oferecido é longo, com duração média de 24 meses, por isso são registrados altos índices de abandono. “O fato de o tratamento durar muito e do medicamento mais utilizado ter muitos efeitos colaterais, muitos pacientes param de se tratar”, aponta Susana. Daí a necessidade de encontrar medicamentos mais eficazes e com poucos efeitos colaterais, que possam encurtar o tempo de tratamento e possibilitar que o indivíduo acometido pela micose retome mais rapidamente suas atividades normais. “Nosso objetivo é conseguir uma medicação que faça efeito em um prazo mais curto, que seja menos tóxico e também resulte em custos menores para o SUS”, complementa a pesquisadora. Hoje são usadas drogas antifúngicas. Parte delas, entretanto, consegue apenas inibir a atividade do fungo, sem eliminá-lo. “Com isso, muitos pacientes podem apresentar recaídas mesmo depois de concluído o tratamento”, explica Susana. Isso exige o acompanhamento desses pacientes uma vez por ano, por meio de exames sorológicos (de sangue) e clínicos (em consultas médicas). Isso, além de comprometer a qualidade de vida do paciente, implica custos para o Sistema Único de Saúde. Há ainda casos mais graves em que o paciente precisar ser internado, porque a medicação é feita pela via intravenosa. Do Brasil para os brasileiros A tecnologia que está sendo desenvolvida no Centro de Pesquisas René Rachou baseia-se na síntese entre a tiosemicarbazida, uma substância sintética, e o lapachol, um composto orgânico natural isolado de árvores aparentadas com o Ipê. Os testes para medir a atividade antifúngica do TSC-Lapachol realizados no Centro mostraram que a Concentração Inibitória Mínima (CIM) da nova substância é menor do que a do medicamento empregado hoje pelo SUS. “Isso indica que a TSCLapachol possa ser mais eficiente”, explica Susana Johann, bióloga, que atualmente trabalha na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, instituição parceira do Centro de Pesquisas René Rachou nesta pesquisa. Isso significa que doses menores da substância são capazes de eliminar o fungo e talvez possa reduzir os efeitos colaterais. Outra vantagem do TSC-Lapachol é que sua eficiência na eliminação do agente infeccioso reduz a possibilidade de recaídas, o que representa um importante avanço no tratamento da PCM. O trata26 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

mento oferecido pelo Sistema Único de Saúde tem como efeitos adversos problemas gastrointestinais, hematológicos e dermatológicos. Também é contraindicado para pacientes com insuficiência renal. Os resultados, ainda que promissores, são preliminares, já que ainda faltam testes em animais (in vivo) e em seres humanos (pré-clínicos e clínicos). “Após concluir esses ensaios poderemos comprovar eficácia da nova substância para a cura da PCM, definir a forma de administração do medicamento e a dosagem”, pondera Susana. O projeto, que teve apoio do CNPq, Capes e da Fapemig, está sendo desenvolvido em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Depois de patenteada, a tecnologia será repassada para a Farmanguinhos, divisão da Fundação Oswaldo Cruz que produz medicamentos para o Sistema Único de Saúde. A perspectiva é que o tratamento com um novo fármaco à base de TSCLapachol também seja mais barato do que o disponível hoje.

Equipe e contato Universidade Federal de Minas Gerais Susana Johann | sjohann@cpqrr.fiocruz.br Laboratório de Química de Produtos Naturais Marina Azevedo de Souza | Tania Maria de Almeida Alves | Patrícia Silva Cisalpino Daniel de Assis Santos | Patrícia Campi Santos | Nívea Pereira de Sá Daniele da Glória de Souza | Carlos Leomar Zani programa de INCENTIVO À inovaçÃO 27


Vacinas contra doenças infecciosas virais em suínos Tecnologia utiliza técnica de genética reversa do vírus influenza

Pesquisadores do Laboratório de Imunopatologia do Centro de Pesquisas René Rachou estão desenvolvendo uma tecnologia inédita para produção de vacinas contra doenças infecciosas em suínos. A proposta consiste na utilização da genética reversa, técnica de biologia molecular que permite a manipulação do vírus. Dois tipos de vacinas serão produzidos: monovalentes, indutoras de imunização contra a influenza ou gripe; e bivalentes, que imunizam ao mesmo tempo contra a influenza e circovirose. O principal diferencial desse método é a agilidade na produção de vacinas, já que dispensa a necessidade de utilizar ovos embrionados, o que torna o processo mais rápido e mais controlado.

A produção de vacinas pelo método clássico tem suprido a demanda mundial. No entanto, trata-se de uma metodologia praticamente artesanal, que usa ovos embrionados (ovo dentro do qual um embrião está em desenvolvimento). Para fabricar as vacinas, esses ovos são infectados com vírus, muitas vezes altamente patogênicos. “A capacidade de produção é limitada e o processo é bastante demorado”, conta Alexandre Vieira, farmacêutico que participa dessa pesquisa no Centro de Pesquisas René Rachou. “Em 1997, quando apareceram os primeiros casos de gripe aviária na Ásia e não se tinha domínio das técnicas de genética reversa, foram necessários quase oito meses para que se encontrasse um vírus para produzir uma vacina, no caso o H5N3”, lembra. Com a gripe H1N1, ou gripe A, que começou em 2009, em quatro semanas já se tinha uma vacina, obtida por genética reversa. A genética reversa é uma técnica de biologia molecular que permite a manipulação do vírus influenza. “É um processo controlável, por meio do qual podemos introduzir as modificações necessárias. No caso da gripe aviária, por exemplo, nós sabemos o que, no DNA do vírus, determina sua virulência. Você pode mudar isso, com se estivesse criando um vírus com pedigree’, ilustra o pesquisador. Outra vantagem da genética reversa é usar cultura celular como substrato para produção da vacina no lugar do ovo embrionado. De acordo com Vieira, muitas tentativas de criar uma vacina contra gripe aviária não tiveram sucesso porque o vírus era tão patogênico que matava o embrião. Com a manipulação genética, isso não acontece. Outra questão a destacar é que a técnica permite o isolamento do vírus rapidamente, o que, no caso do influenza, que se modifica em curtos espaços de tempo, fica mais fácil produzir novos tipos de vacinas. Alexandre Vieira faz questão de lembrar, no entanto, que não se trata de desmontar toda a estrutura fabril já instalada no Brasil e que é focada na produção de vacinas com ovos. “Isso não precisa ser desativado. É possível integrar os dois métodos. Os vírus seriam gerados em cultura celular, de forma mais rápida e segura, e depois poderiam ser propagados em ovos. Queremos criar uma ferramenta a mais”, pondera. Uma vacina, dupla proteção O projeto está sendo desenvolvido com recursos do Instituto Nacional de Tecnologia em Vacinas (INCTV), o qual conta com recursos do CNPq e da FAPEMIG, sendo coordenado pelo professor Ricardo Tostes Gazzinelli. O objetivo do grupo é desenvolver dois tipos de vacinas. Uma apenas contra influenza (monovalente) e

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outra contra influenza e circovirose (bivalente). No Brasil não existem vacinas contra a influenza para suínos. Como os vírus circulantes em nosso território são diferentes, as vacinas importadas provavelmente não teriam uma boa resposta imunológica no rebanho brasileiro. “A doença se caracteriza pelo aparecimento súbito de febre alta, prostração, perda de apetite, alterações respiratórias e tosse, perda de peso e susceptibilidade a infecção por outros vírus e bactérias”, explica a pesquisadora da UFMG, Zélia Lobato, professora da Escola de Veterinária, colaboradora do projeto. A doença representa perdas econômicas importantes para o criador, o que justifica oferecer uma vacina nacional para essa infecção. A imunização dos porcos contra influenza é, também, uma maneira de evitar que o vírus sofra adaptações e contamine seres humanos. A circovirose suína – para a qual já foram desenvolvidas vacinas - é uma das principais doenças infecciosas da produção de suínos atualmente. É um conjunto de síndromes causadas pelo circovírus suíno tipo 2 ou PCV2, um vírus patogênico para suínos que está disseminado em rebanhos do mundo todo. Dentre as síndromes que os circovírus provoca, a mais importante é a chamada Síndrome da Refugagem Multissistêmica (SRM) Ela atinge leitões entre oito a 12 semanas de vida, com índice de mortalidade de até 25%. As circoviroses são um conjunto de infecções graves que surgiram na década de 90 em rebanhos do mundo todo. “É muito difícil encontrar um animal livre do vírus, mas apenas alguns desenvolvem a Síndrome. Não se sabe o que determina a evolução da doença. Por isso a vacinação é tão importante, porque é um dos poucos mecanismos para evitar a circovirose e os prejuízos que ela acarreta”, explica a médica veterinária Zélia Lobato. A possibi-

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lidade de utilizar variantes do circovírus coletadas no rebanho brasileiro traz ainda a perspectiva de agregar a uma vacina desenvolvida com tecnologia nacional uma resposta imunológica melhor do que a do produto importado. Já a vacina bivalente que está sendo pesquisada no Laboratório de Imunopatologia vai imunizar contra duas infecções, a influenza e a circovirose, com uma única dose. Já existem vacinas contra circovirose no mercado, mas elas

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Tecnologia estratégica A pandemia de vírus influenza suíno A (H1N1), em 2009, mostrou como é importante um país ter instituições capazes de desenvolver e produzir vacinas, respondendo a um problema de saúde pública rapidamente. O projeto que está sendo desenvolvido no Centro de Pesquisas René Rachou se reveste de notável relevância na redução de um potencial problema de saúde pública e de segurança nacional. “Os investimentos para otimizar essas pesquisas se justificam na medida em que elas podem consolidar um método alternativo, pronto para ser usado para aumentar a capacidade de produção de vacinas no País. Isso é estratégico”, finaliza Vieira.

são importadas. Uma vacina bivalente diminuirá os custos do produtor com a vacinação. O Brasil tem o terceiro maior rebanho suíno do mundo, com aproximadamente 80 milhões de animais, por isso é um mercado potencial para as novas vacinas. A vacinação é também um meio de conferir qualidade ao rebanho suíno brasileiro, principalmente no competitivo mercado internacional. Família de produtos A proposta é utilizar a tecnologia de produção de vacinas com genética reversa para imunização de suínos contra influenza e circovirose. No entanto, algumas adaptações permitiriam imunizar os porcos contra adenovírus, toxoplasmose ou Doença de Chagas. A metodologia utilizada poderia também gerar vacinas monovalentes e bivalentes para equinos e aves. Equipe e contatos Laboratório de Imunopatologia Alexandre de Magalhães Vieira Machado | amarok@cpqrr.fiocruz.br Ricardo Tostes Gazzinelli Ana Paula Carneiro Salgado Leonardo Miranda Damasceno Laboratório de Pesquisa em Virologia Animal, UFMG Zélia Lobato | ziplobato@gmail.com

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Teste de potência de vacinas Novo método vai reduzir o uso de animais em laboratórios

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, da Fundação Ezequiel Dias e do Centro de Pesquisas René Rachou desenvolveram um novo método para testar a potência de vacinas clostridiais, usadas em bovinos, caprinos e ovinos. As clostridioses são infecções graves que podem causar sérios prejuízos para os criadores, daí a importância das vacinas serem eficientes e confiáveis. O principal diferencial do teste é que ele é feito in vitro, através do ensaio ELISA. A nova tecnologia poderá substituir a atual metodologia de testes de potência de vacinas realizada por meio de ensaios in vivo, ou seja, utilizando animais, em especial camundongos. A metodologia é um processo inédito, simples e mais barato que pode atender tanto a indústria farmacêutica quanto os órgãos do governo que fiscalizam a qualidade das vacinas. A vacina para clostridiose é a segunda mais utilizada em ruminantes no País, só perdendo, em número de doses produzidas, para a vacina contra febre aftosa. O teste de potência consiste em medir se a dosagem da vacina é adequada para proteger o animal. Os fabricantes são obrigados a enviar parte dos lotes para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) fazer a verificação da potência. Se a vacina induzir uma determinada capacidade de proteção, ela está dentro dos requisitos da legislação e pode ser comercializada. Hoje, esse teste é feito aplicando a vacina em camundongos. “Somente em 2010, o Ministério da Agricultura testou 160 milhões de doses de vacinas de aproximadamente 14 laboratórios nacionais e multinacionais. Para isso, foram utilizados cerca de dois mil camundongos. A substituição do teste da potência das vacinas pode reduzir sensivelmente esse número”, aponta Francisco Carlos Faria Lobato, médico veterinário que participa da pesquisa. Mais qualidade para produção industrial Por outro lado, a nova metodologia para teste de potência em vacinas tem 34 programa de INCENTIVO À inovaçÃO


Mercado estratégico A bovinocultura é um dos principais destaques do agronegócio brasileiro. O Brasil é dono do segundo maior rebanho efetivo do mundo, com cerca de 200 milhões de cabeças. Além disso, desde 2004, assumiu a liderança nas exportações, com um quinto da carne comercializada internacionalmente e vendas em mais de 180 países. Diante da importância dessa atividade econômica, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento cuida para manter a qualidade sanitária do gado brasileiro. O controle de qualidade das vacinas clostridiais é parte dessas ações. As clostridioses são transmitidas por bactérias do gênero Clostridium sp e/ou suas toxinas. São exemplos de clostridioses importantes o botulismo, carbúnculo sintomático (maqueira), gangrena gasosa ou edema maligno e a enterotoxemia.

grande potencial para ser adotada pela indústria. Por meio dos testes, o produtor saberá se a vacina está com falta ou excesso do antígeno vacinal antes de enviar lotes para fiscalização do órgão regulador. De acordo com Lobato, ainda hoje algumas partidas de vacinas testadas não são aprovadas. “Quando você tem um teste de qualidade, prático e barato, fica mais fácil para a indústria monitorar a produção antes de enviar lotes de teste para o órgão fiscalizador”, complementa. Nesse sentido, o procedimento vai conferir mais qualidade para o processo produtivo da indústria farmacêutica. A partir dessa informação, o produtor de vacinas poderá alterar seu processo de produção para corrigir esses desvios e evitar perdas. As empresas farmacêuticas que produzem vacinas também adotam os testes de potência de vacinas clostridiais in vivo, método mais demorado, mais caro e que nem sempre apresenta bons resultados. Com a utilização do novo kit de teste com metodologia ELISA, essas desvantagens seriam superadas, uma vez que o teste é rápido e mais barato e com resultados mais confiáveis.

é composto pelos produtores de vacina e pelo órgão regulador, no Ministério da Agricultura. A tecnologia é inédita. “As vacinas anticlostridiais seriam as primeiras a serem testadas in vitro no Brasil”, destaca Lobato. O objetivo do grupo é ampliar essa tecnologia para outros antígenos clostridiais. Há possibilidade de expansão da técnica de testes de potência com ELISA para outros antígenos o que daria origem a kits para controle de vacinas para outras doenças. Além de ser uma opção melhor para o MAPA e para a indústria, o novo teste de potência de vacinas clostridiais vai ao encontro da Lei Arouca (2008), que estabelece os procedimentos para o uso científico de animais. “A Lei recomenda a diminuição do uso de animais para testes ou em rotinas laboratoriais e sua substituição por métodos in vitro. Foi exatamente isso que nós fizemos ao desenvolver esta metodologia”, explica Patrícia Parreiras, médica veterinária que também participa do projeto. “A Lei Arouca foi um fator importante que nos motivou a pesquisar métodos que pudessem diminuir o número de animais para testar a potência de vacinas”, acrescenta.

Demanda do mercado Nos testes realizados pela equipe de pesquisadores, o processo obteve bons resultados. A tecnologia também foi testada no controle de produção de vacinas clostridiais de uma indústria farmacêutica parceira do projeto, com resultados satisfatórios. O objetivo do grupo de pesquisa é licenciar a tecnologia – que ainda será patenteada – para uma empresa produzir e comercializar o kit de teste. O mercado

Equipe e contato Biotério do Centro de Pesquisas René Rachou Patrícia Martins Parreiras | parreiras@cpqrr.fiocruz.br Luiz Guilherme Dias Heneine | heneinel@gmail.com Francisco Carlos Faria Lobato | flobato@vet.ufmg.br

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Nova caixa para contenção animal Segurança para o pesquisador e mais conforto para o animal

Com objetivo de oferecer mais segurança para o cientista que manipula animais em procedimentos experimentais e, ao mesmo tempo, reduzir o estresse e desconforto dos espécimes, as pesquisadoras Kátia Teixeira dos Reis, Rosana de Oliveira Alves e Patrícia Martins Parreiras estão desenvolvendo um novo modelo de caixa para contenção animal. A caixa, confeccionada em material de fácil higienização, leve, durável, prevê um mecanismo de ajuste ao tamanho do animal e aberturas para permitir a realização de diferentes experimentos. Além de proporcionar melhores condições de trabalho para os pesquisadores durante os ensaios, a tecnologia, inédita no Brasil, eliminará a necessidade de importação de caixas de contenção por instituições de pesquisa e ensino da área biomédica. A caixa terá formas diferenciadas, para se ajustar melhor à anatomia e ao tamanho dos animais, proporcionando mais conforto às cobaias. “Além disso, pro-

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jetamos aberturas estratégicas que facilitam realizar os procedimentos mais frequentes em laboratório, como inoculação e sangria pela calda, além de inoculações intraperitoneais”, explica Kátia Teixeira dos Reis, umas das idealizadoras da nova caixa. “Com isso, o profissional faz os ensaios de forma mais segura, o que minimiza o estresse do animal”, completa. Demanda por novas tecnologias Apesar de existirem metodologias alternativas ao uso de animais, eles ainda são necessários em diversas pesquisas científicas, em especial nas das áreas biomédica e farmacêutica. Em geral, são utilizados coelhos, ratos, camundongos, hamsters,e em casos mais específicos, algumas espécies de primatas não humanos. No entanto, o uso da cobaia animal deve seguir preceitos éticos que servem para reduzir o estresse a que o animal é submetido e para minimizar seu sofrimento. No Brasil, esses procedimentos foram regulamentos em 2008, pela Lei Arouca (Lei Nº 11.794). Como a Lei ainda é recente, as instituições de pesquisa têm buscado se adaptar à regulamentação por meio de treinamentos e adequações nas metodologias para procedimentos experimentais com animais. A tecnologia desenvolvida no Centro de Pesquisas René Rachou encontra um contexto favorável para ser introduzida no mercado, já que atende às determinações legais. Por meio da nova tecnologia, a contenção será mais segura e oferecerá menores riscos para o profissional além de permitir que o animal seja manipulado de forma menos estressante. O protótipo que está em desenvolvimento tem como foco animais de menor porte,

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Plataforma de produtos A contenção manual exige bastante preparo do pesquisador. Em algumas instituições, eles são treinados para fazer o manejo do animal antes de iniciar os procedimentos experimentais propriamente ditos. Nesses casos, o animal é submetido a estresse para que o pesquisador seja treinado em condições reais. Se o pesquisador não souber fazer a contenção apropriadamente, a cobaia corre risco de sufocamento ou estrangulamento. Pensando em minimizar o estresse e os riscos aos animais, as pesquisadoras idealizaram, para disponibilizar no mercado nacional, a confecção de réplicas de animais utilizados em laboratório. Elas seriam feitas de borracha ou outro material sintético para serem utilizadas como modelos alternativos para treinamento dos estudantes, técnicos e pesquisadores.

como camundongos e hamsters. O objetivo das pesquisadoras, entretanto, é estender a plataforma tecnológica para outras espécies. Atualmente é possível encontrar caixas de contenção no mercado internacional. “Mas nem todas as instituições encontram facilidades para comprar essas caixas fora do país, tanto pelo custo, quanto pela burocracia envolvida no processo de importação”, explica Patrícia Martins Parreiras, veterinária que participa da pesquisa no Centro René Rachou. Além disso, segundo ela, essas caixas importadas têm características diferentes da tecnologia que está sendo proposta. “Em nosso projeto privilegiamos um design que se adapte à anatomia dos animais e, ao mesmo tempo, atenda a diferentes técnicas experimentais”, ressalta. Sem falar que um produto nacional traz vantagens em relação ao custo, podendo ser adquirido por qualquer instituição de ensino ou pesquisa das áreas biomédica e farmacêutica. Segurança para o pesquisador A proposta do novo modelo de caixa de contenção surgiu também da necessidade de oferecer mais segurança para o pesquisador durante o manejo dos animais. “Na maioria dos experimentos, a contenção do animal é feita manualmente e, se ele não estiver bem contido, pode se debater provocando acidentes, tais como, arranhões ou mordidas”, explica Rosana de Oliveira Alves. “Se o pesquisador estiver manipulando agulhas, ele pode se perfurar, muitas vezes com material contaminante”, acrescenta. A tecnologia evita a exposição do pesquisador a esses 40 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

riscos indo ao encontro com as normas de biossegurança que devem ser seguidas em ensaios experimentais. A escolha da matéria-prima para a confecção da caixa se deu em virtude de sua resistência e durabilidade. O material escolhido pode ser submetido à descontaminação por diferentes métodos físicos e químicos. Além disso, o mesmoserá reciclável, possibilitando o descarte ecologicamente correto da caixa de contenção. A previsão de vida útil da caixa é de dez anos.

“Biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, que podem comprometer a saúde do homem, dos animais, do meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos.”

Equipe e contatos Kátia Teixeira dos Reis | teixereis@cpqrr.fiocruz.br Rosana de Oliveira Alves | ralves@cpqrr.fiocruz.br Patrícia Martins Parreiras | parreiras@cpqrr.fiocruz.br programa de INCENTIVO À inovaçÃO 41


Evidengue: combate ao mosquito dentro de casa Novo método de controle do vetor da doença em domicílios

Uma das principais armas para evitar a dengue é eliminar os criadouros do Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença. Como ele precisa apenas de pequenas quantidades de água parada para se reproduzir, um dos locais mais comuns para seu desenvolvimento no sudeste brasileiro são os pratos que ficam embaixo de vasos de plantas em residências. Com objetivo de criar um método de controle do vetor nesses recipientes, pesquisadores do Laboratório de Educação em Saúde e Ambiente (Laesa) do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz Minas) criaram a evidengue. Trata-se de uma capa circular de tela mosquiteira para pratos de plantas que veda completamente o vaso, impedindo o acesso de fêmeas do mosquito à água acumulada. O seu registro foi solicitado no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual) como modelo de utilidade (MU) e da marca (Evidengue), esta última já concedida. A Organização Mundial da Saúde recomenda o uso das chamadas bed nets (acortinados de tela para cobrir camas e redes de dormir) para evitar o contato com o mosquito que transmite a malária. Foi a partir dessa experiência que a pesquisadora Virgínia Torres Schall pensou em criar uma proteção para os pratos de vasos de plantas. “Se a experiência de cobrir camas e redes de dormir tem funcionado, por que não fazer o mesmo em relação aos vasos de plantas?” lembra a pesquisadorachefe do Laesa. Ela desenvolveu, então, a evidengue, uma capa de tela fabricada com resina sintética de poliéster com trama de aproximadamente 1 mm x 1 mm. A capa possui um franzido junto à borda de abertura, onde estão afixados uma tira do mesmo material sintético (na parte externa) e um elástico (na parte interna), que permitem o fechamento e o ajuste ao vaso de planta. O material escolhido para fazer a capa, tela de poliéster, apresenta alta durabilidade e resistência à umidade e ao fogo. “Quando ajustada adequadamente, a evidengue veda por completo o acesso de fêmeas do mosquito Aedes aegypti ao prato e, consequentemente, a postura de ovos nas proximidades da água que se acumula ali”, diz a pesquisadora. De acordo com ela, nos testes feitos em laboratório, a evidengue demonstrou 100% de eficácia como barreira física para impedir a oviposição das fêmeas do mosquito da dengue, interrompendo o ciclo de reprodução do inseto em pratos de vasos

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do outros criadouros. “A “evidengue é uma ferramenta educacional”, destaca João Bosco Jardim, um especialista em análise comportamental. Além de auxiliar o controle do vetor da dengue em ambiente domiciliar, a evidengue possibilita a realização de estudos comportamentais sobre como a população responde às medidas preventivas. “É possível quantificar a aceitação e rejeição de métodos preventivos. Isso gera conhecimento para aprimorar a difusão de tecnologias preventivas em saúde”, explica Jardim.

de plantas. Os resultados dos testes em campo, etapa que precede a comercialização em larga escala, também têm sido promissores. “Estamos obtendo bons índices de adoção da evidengue nas residências”, conta Virgínia. Ferramenta educacional O grande aumento dos casos de dengue no Brasil tem mostrado que é muito difícil mudar comportamento. “As pessoas adquirem conhecimento, mas não modificam o comportamento”, diz Virgínia. A partir dessa tecnologia foram feitas pesquisas em algumas escolas de Belo Horizonte. Na primeira etapa, as crianças receberam informações sobre a dengue e sobre as formas de prevenir a doença. Em seguida, cada estudante recebeu uma evidengue. “Depois de um tempo, íamos até a casa das pessoas verificar se as famílias tinham adotado a capa”, conta a pesquisadora. “Ao entregar a evidengue para uma criança na escola, você está dando a ela uma chance para agir. Isso é importante para as pessoas entenderem que todos têm que assumir seu papel no controle e prevenção das epidemias de dengue”, destaca. Nesse sentido, a evidengue é um recurso que pode estimular mudanças de comportamento e um indicador de uma ação preventiva na residência dos escolares. Essa perspectiva permite estudar a associação do conhecimento construído sobre a doença e sua translação em prática preventiva. Ao adotar a rede e obter resultados, a família pode estender esse comportamento para outros lugares da casa, eliminan44 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

Método simples e barato Há outras tecnologias de barreira física no mercado. Uma delas é o vaso antidengue, cujo dispositivo que evita que a água armazenada no prato fique exposta. Esse método, no entanto, tem a desvantagem de exigir a substituição de todos os vasos, o que, dependendo da quantidade, implica um custo elevado. “A evidengue pode ser adaptada a qualquer tipo de vaso, com um custo baixo”, destaca Virgínia. Outro método bastante disseminado para evitar a postura de ovos na água é a colocação de areia. Entretanto, de acordo com depoimentos de agentes de saúde e de pesquisadores da área, nem sempre a areia é suficiente para impedir a formação de poças de água. Em outros casos, a areia se dispersa com o vento ou pela ação de animais. “A medida gera uma falsa proteção, já que apenas uma pequena quantidade de água sobre a areia já é suficiente para a oviposição”, lembra a pesquisadora Virgínia Schall. Por outro lado, os larvicidas, que podem ser colocados nos pratos dos vasos, encontram resistência por parte da população. Segundo dados da literatura sobre dengue, nem sempre os moradores aceitam que os agentes de saúde apliquem o produto em suas casas. Um dos mercados da evidengue é o Programa Nacional de Controle da Dengue (PCND), do governo federal. Nesse caso, os gestores de saúde poderiam distribuir as redes de proteção nas casas como medida de proteção para os vasos de planta. A evidengue também poderia ser vendida em supermercados e floriculturas, constituindo-se em uma opção simples, barata e eficiente no combate aos criadouros domésticos do mosquito da dengue, sem a necessidade de mudar o hábito das pessoas de manter vasos de planta no ambiente doméstico. A partir desse projeto os pesquisadores estão expandindo a plataforma de produtos, investigando novas tecnologias preventivas da dengue. Equipe e contatos Laboratório de Educação em Saúde e Ambiente, Fiocruz Minas Virgínia Torres Schall | vtschall@cpqrr.fiocrus.vr João Bosco Jardim | jardim@cpqrr.fioruz.br Paulo Filemon Paolucci Pimenta Nágila Francinete Costa Secundino Giselle Lopes Armindo programa de INCENTIVO À inovaçÃO 45


Moluscicida natural à base de látex Produto elimina caramujos hospedeiros dos parasitas que causam a esquistossomose e a fasciolose

Em 1985, a pesquisadora Virgínia Torres Schall e o bolsista de aperfeiçoamento científico Mauricio Carvalho de Vasconcellos descobriram um moluscicida natural à base de látex da planta Euphorbia milii (ou Euphorbia splendens) var. hislopii, popularmente conhecida como Coroa de Cristo. O produto mostrou-se altamente eficiente para o controle das três espécies de caramujos (Biomphalaria glabrata, B. tenagophila e B. straminea) que hospedam o parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, doença endêmica no Brasil. Parasitas do mesmo gênero também causam a esquistossomose em vários outros países e, em estudos posteriores (1998), a equipe da pesquisadora demonstrou a ação letal do látex para caramujos hospedeiros dos vermes na África (Biomphalaria pfeiffer e Bulinus sp.), ampliando o

potencial de uso do moluscicida no mundo. Pouco depois (2000), Mauricio Carvalho de Vasconcellos demonstrou a mesma ação moluscicida para a espécie de caramujo (Lymnaea columella) que, no Brasil, hospeda a Fasciola hepática, verme causador da fasciolose, doença que ataca bovinos e caprinos e infecta ocasionalmente o homem, indicando mais uma vantagem do moluscicida para uso veterinário. Uma das principais vantagens desse moluscicida é a origem natural e, após diversas pesquisas, a comprovação de que na concentração letal para os moluscos, ele apresenta baixa toxicidade para outros organismos. Além disso, por conta da facilidade de cultivar a planta, ele tem baixo custo, podendo ser uma opção importante no controle da esquistossomose e fasciolose. Moluscicidas são substâncias usadas para controle de moluscos, como lesmas e caracóis. O novo produto é um biomoluscicida preparado como uma solução aquosa. Uma pequena quantidade do produto (uma parte por um milhão de partes de água, índice denominado ppm), já é suficiente para eliminar os caramujos em laboratório. No campo, a dose letal para matar 100% dos caramujos é de 5 ppm. “O látex da Coroa de Cristo foi intensamente pesquisado quanto a efeitos toxicológicos para outros animais e plantas pela equipe do pesquisador Francisco Paumgartten da Fiocruz do Rio de Janeiro. Os estudos comprovaram que, nas concentrações propostas para uso como moluscicida, a solução do látex não apresenta


A esquistossomose A esquistossomose, doença negligenciada e de alta prevalência no Brasil, é causada por vermes do gênero Schistosoma. Além do homem, o parasita necessita da participação de caramujos de água doce para completar seu ciclo vital. Na fase adulta, o parasita vive nos vasos sanguíneos do intestino e fígado do hospedeiro definitivo, o homem. Os ovos do verme são eliminados pelas fezes humanas. Em contato com a água, eles eclodem e liberam larvas (miracídios) que infectam os caramujos, hospedeiros intermediários, que vivem nas águas doces. Após algumas semanas, as larvas já desenvolvidas, na forma de cercarias, abandonam o caramujo e ficam livres nas águas naturais. O contato dos seres humanos com essas águas é a maneira pela qual se adquire a doença. Não existem vacinas contra a esquistossomose. O controle da população de caramujos é uma das principais medidas para prevenção da doença, associada ao tratamento das pessoas. Ampliação dos sistemas de saneamento e de esgoto, aliada a medidas educacionais com a população, também são importantes para impedir a disseminação da doença.

A fasciolose A fasciolose, doença que afeta bovinos e ovinos, causa sérios danos aos rebanhos de muitos países. Na área da saúde pública, a fasciolose requer mais atenção, pois o homem é também um ocasional hospedeiro, sendo pouco suscetível a ela, mas pode adquirir a doença ao ingerir plantas contaminadas pelo parasita. Em rebanhos, a doença pode trazer prejuízos econômicos, provocando desaceleração do crescimento em animais jovens infectados e resultando em baixa fertilidade e abortos, como também a perda progressiva da produção de carne e leite. Pode ainda afetar o fígado e levar os animais infectados à morte.

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atividade mutagênica, citotóxica ou carcinogênica”, destaca Virgínia Schall. Como demonstrado por Eduardo Cyrino de Oliveira, pesquisador da equipe do Paumgartten, o látex é também fotodegradável: “se for um dia de sol, em cinco horas o produto não é mais ativo. Ser biodegradável é uma das exigências da Organização Mundial da Saúde para moluscicidas”, explica. Também não polui o ambiente, não é tóxico, é de fácil manejo, atinge os caramujos-alvo e tem baixo custo. A Coroa de Cristo é uma planta ornamental, originária de Madagascar, mas disseminada pelo mundo e facilmente encontrada em todo o Brasil. Com produção regular de látex durante todo o ano, o qual, em pequenas concentrações - uma parte por milhão, diluída na água -, se mostrou muito eficiente para eliminar os moluscos. “A concentração usada para matar os caramujos envolvidos nos ciclos das doenças é muito baixa”, ressalta a pesquisadora. O objetivo dos pesquisadores é comercializar o produto em pó por meio do processo de liofilização. “As vantagens do liofilizado é a maior estabilidade da ação moluscicida (ação mantida até dois anos, se o liofilizado for estocado em frasco fechado sob refrigeração de 10 graus centígrados), facilidade de transporte e manuseio”, explica Virgínia. Segundo ela, os testes feitos com o produto demonstraram também a manutenção da atividade moluscicida para o látex derivado de plantas de locais diferentes e nas quatro estações do ano, indicando estabilidade geográfica e estacional, o que amplia as possibilidades de seu cultivo e coleta em diferentes lugares e épocas. A equipe da pesquisadora também realizou estudos de custobenefício, estimando tempo de crescimento da planta, volume de látex por área plantada, quantidade necessária do produto para tratar determinado volume de água, dentre outros aspectos. Sem efeito tóxico O produto disponível hoje no mercado é a Niclosamida, comercializado com o nome de Bayluscide. Com uso autorizado pela Organização Mundial da Saúde, é produto sintético e importado. De acordo com a pesquisadora, embora a substância seja letal para moluscos, ela é um biocida, ou seja, afeta a flora e fauna do ambiente tratado, podendo haver prejuízos para outras atividades, como a produção de vegetais e a piscicultura, por exemplo. “Em geral, as plantas perto da área de aplicação do produto ficam amareladas. Um produtor de hortaliças pode perder uma horta inteira, explica Virgínia. Devido ao alto grau de toxicidade, poucos municípios brasileiros têm optado pelo uso da Niclosamida. Existe, ainda, grande resistência por parte dos agricultores em aceitar a aplicação desse produto por causa dos efeitos sobre vegetais cultivados, tornando-os sem valor comercial. Este cenário é, portanto, uma oportunidade para introduzir um novo moluscicida vegetal, no sentido de substituir o único produto atualmente utilizado para controle dos caramujos no País.

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O projeto recebeu apoio do Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR) da Organização Mundial da Saúde, Fapemig, Faperj e CNPq. O produto e o processo de obtenção do látex foram patenteados. Na próxima etapa da pesquisa serão feitos estudos para produção em larga escala, além da obtenção de licença para uso em campo e comercialização do produto pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Já foram firmadas parcerias com a Escola de Veterinária da UFMG para cultivo da planta e produção em escala-piloto do látex liofilizado. Em princípio, o mercado-alvo seria o Programa de Controle da Esquistossomose (PCE), do Ministério da Saúde, que compra, estoca e distribui moluscicidas para os municípios onde a esquistossomose é endêmica. O látex liofilizado poderia substituir a niclosamida, com mais eficiência e menor custo. Virgínia Schall conta que já existe interesse do Ministério da Saúde. Como o PCE demanda grande quantidade de moluscicida, o baixo custo do produto desenvolvido no Centro de Pesquisas René Rachou é um dos atrativos para adoção dessa tecnologia, bem como sua baixa toxicidade e fotodegradabilidade, o que oferece maior segurança ambiental. Segundo ela, o objetivo é que o processo de liofilização seja padronizado em Biomanguinhos, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que desenvolve e produz vacinas, dentre outros produtos da área da saúde. Ao mesmo tempo, existe a perspectiva de transferir a tecnologia para uma empresa privada produzir o novo biomoluscicida, que poderá ser comercializado para empresas especializadas em agronegócios, ONGs e instituições governamentais ligadas ao controle da esquistossomose e fasciolose em países endêmicos da Ásia, África e Oceania. Dados da Organização Mundial de Saúde informam que existem mais de 207 milhões de pessoas infectadas por esquistossomose no mundo e cerca de 700 milhões em risco nos 74 países endêmicos. Quanto à fasciolose, as perdas de produtividade animal no mundo devido à doença são estimadas em torno de 200 milhões de dólares por ano, para comunidades rurais e produtores comerciais. Estima-se que 600 milhões de animais são infectados anualmente, o que demonstra a dimensão dos problemas e a necessidade de investimento em inovações que auxiliem em seu controle. Equipe e contatos Laboratório de Educação em Saúde e Ambiente Virgínia Torres Schall | vtschall@cpqrr.fiocruz.br Martin Johannes Enk Samuel Moizés Barcelos Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental – Fiocruz (RJ) Mauricio Carvalho de Vasconcellos | mau@ioc.fiocruz.br Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária – UFMG Luiz Alberto do Lago programa de INCENTIVO À inovaçÃO 51


Diagnóstico da esquistossomose pelo ensaio de PCR-ELISA Pesquisa resulta no primeiro kit comercial que emprega técnicas moleculares

Um estudo coordenado pelas pesquisadoras Ana Rabello e Luciana Gomes, do Laboratório de Pesquisas Clínicas do Centro de Pesquisas René Rachou resultou no desenvolvimento de método e kit inéditos para diagnosticar a esquistossomose, usando amostras de fezes humanas pela técnica de PCR-ELISA. Não há kits comerciais que empreguem técnicas moleculares para o diagnóstico da esquistossomose disponíveis no mercado. Embora tendo alcançado a possibilidade de controle, principalmente pela disponibilidade de tratamento seguro e administrado em dose única, a esquistossomose ainda constitui importante problema de saúde pública. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que a doença atinge mais de 200 milhões de pessoas em 74 países na África, Oriente Médio, América do Sul, Caribe e sudeste da Ásia. O desenvolvimento de métodos diagnósticos mais sensíveis e específicos é necessário para que os programas de controle da esquistossomose alcancem a redução da transmissão em áreas de baixa prevalência. Nessas áreas, outros métodos diagnósticos têm menor eficiência, devido à redução do número de ovos do parasito nas fezes e à persistência da resposta imunológica em pacientes tratados. Já em fase de protótipo laboratorial, a nova metodologia é mais sensível e específica do que os métodos parasitológicos e sorológicos. O método detecta a presença de pequenas quantidades de DNA do parasito Schistosoma, agente causador da doença. Atualmente os programas de controle da esquistossomose, incluindo o Programa de Controle do Ministério da Saúde, adotam o método de Kato-Katz para o diagnóstico parasitológico da infecção, porque ele possui as melhores condições de eficácia associadas a custo e operacionalidade. “Entretanto, a sensibilidade da técnica cai consideravelmente quando o número de ovos nas fezes é pequeno, como em situações de baixa prevalência, baixa intensidade de infecção e no controle da cura”, explica Luciana Gomes. Para contornar este problema é necessária a análise de número repetido de amostras fecais, procedimento que dificulta operacionalmente e encarece as atividades dos programas de controle da endemia.

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Características do novo método diagnóstico A reação de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) é baseada na multiplicação (amplificação) de uma sequência de DNA, apenas encontrada no genoma do Schistosoma. Nas reações de PCR, a revelação desse DNA amplificado é feita de forma visual, pela coloração do DNA em uma camada de gel. Pela PCR-ELISA, a forma de revelação muda, sendo feita por uma outra reação, em placas plásticas contendo pequenos poços. Nesses poços, uma enzima transforma um substrato que aparece colorido, em intensidade proporcional à quantidade de DNA. A absorbância da solução colorida é medida em um espectrofotômetro (leitor de ELISA). O valor de leitura reflete não só a presença ou a ausência do DNA do parasito, como também possibilita a estimativa da carga parasitária, que pode ser correlacionada à quantidade de DNA na amostra. Assim, a técnica de PCR-ELISA padronizada representa uma alternativa para semiquantificação da carga parasitária, economicamente mais acessível que a fornecida pela técnica de PCR em tempo real, que é quantitativa. “O PCR-ELISA é um teste sensível, que pode detectar a presença do DNA do parasita causador da esquistossomose mesmo em pouquíssimas quantidades”, explica Luciana. Nos testes conduzidos no Centro de Pesquisas René Rachou, a sensibilidade da técnica foi de 97,37% e especificidade de 100%. Outras aplicações da tecnologia desenvolvida no Centro de Pesquisas René Rachou incluem a avaliação de vacinas, de novas drogas, de focos epidemiológicos restritos e acompanhamento de controle de cura.

“O método de PCR-ELISA apresenta como vantagens o processamento de maior número de amostras usando leitor de ELISA, aparelho amplamente disponível em laboratórios de análises clínicas e menor subjetividade na interpretação dos resultados em relação à detecção em gel dos produtos amplificados por PCR no ensaio convencional”, destaca Luciana. Na opinião dela, o método poderá se tornar uma ferramenta importante a ser utilizada em situações epidemiológicas em que há uma baixa carga parasitária, como áreas endêmicas submetidas a programas de controle e com possibilidade de eliminação (como é o caso de vários países) e para os quais o exame parasitológico de Kato-Katz, técnica recomendada pela OMS, apresenta sensibilidade limitada. O protótipo laboratorial do produto está pronto. As pesquisadoras optaram por tentar uma parceria com uma empresa para produção em larga escala e apresentação comercial do novo kit e método diagnóstico. O mercado para aplicação do método são os programas de controle da doença nos países em que ela é endêmica. No entanto, maior atenção deverá ser dada aos países em que a esquistossomose se encontra em fase de eliminação ou em baixa endemicidade, como exemplos, dentre outros: Egito, China, Filipinas, Sudão, regiões do Brasil e Venezuela. Equipe e contato Laboratório de Pesquisas Clínicas - LPC Ana Rabello | ana@cpqrr.fiocruz.br Luciana Inácia Gomes | lgomes@cpqrr.fiocruz.br

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Novo teste diagnóstico para leishmaniose visceral Método rápido, barato e não invasivo e pode ser facilmente levado a campo

Simplicidade, rapidez, baixo custo e a alta sensibilidade estão entre as vantagens do método para teste diagnóstico para leishmaniose visceral (LV) humana e canina desenvolvido pela médica veterinária Hélida Monteiro de Andrade, com apoio de duas bolsistas de pós-graduação da UFMG e do chefe do Laboratório de Imunopatologia do Centro de Pesquisas René Rachou, Dr. Ricardo Tostes Gazzinelli. O teste utiliza novos antígenos obtidos por meio de uma técnica de biologia molecular chamada análise proteômica. Esses antígenos serão utilizados em um kit diagnóstico imunocromatográfico – também chamado de teste de migração lateral – no qual uma pequena quantidade de sangue coletado reage com antígenos impregnados em uma fita. Essas fitas podem ser facilmente utilizadas em campo, sem a necessidade de equipamentos especiais ou de pessoal altamente treinado. O resultado é observado visualmente, por meio da coloração, ou não, da fita. No Brasil, a leishmaniose visceral atinge seres humanos e cães. Ela é causada pela infecção com o protozoário Leishmania chagasi, transmitido pela picada de mosquitos flebotomíneos, popularmente conhecidos como “mosquito palha” ou birigui. Hoje, o diagnóstico sorológico de LV humana é feito por meio de um teste de imunofluorescência (RIFI). “Este ensaio, no entanto, por utilizar um antígeno bruto do parasita, frequentemente apresenta reação cruzada com outras doenças, como por exemplo, a Doença de Chagas, já que o parasita da LV e dessa doença, o Trypanossoma cruzi, são parecidos”, explica Hélida de Andrade, professora da UFMG. Segundo ela, no Brasil, as áreas de coinfecção são muito grandes, ou seja, em várias regiões Chagas e LV são endêmicas, o que dificulta o diagnóstico correto das duas doenças. “Outra desvantagem é que as reações sorológicas permanecem depois do paciente ter sido curado, já que a resposta imunológica permanece: o teste não discrimina se as doenças, Chagas ou LV, estão ativas ou não”, conta. Já existe um teste em tira disponível no mercado; no entanto, ele apresenta baixa sensibilidade, detectando apenas os casos em estágios mais avançados da doença, quando os pacientes têm alto índice de anticorpos. Outro teste, bastante seguro e preciso, é muito invasivo, já que depende de coletar amostras de medula

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óssea ou do baço. Nesse cenário, a dificuldade do diagnóstico da leishmaniose visceral continua sendo um desafio na rotina dos consultórios. “O paciente que demora em ser diagnosticado tem alto índice de mortalidade. Como a doença atinge primordialmente crianças abaixo de dez anos, esse quadro torna-se ainda mais grave”, alerta Hélida. Análise de protéinas de Leishmania O diferencial tecnológico desse projeto é a análise proteômica (estudo da expressão das proteínas) da Leishmania chagasi, causadora da LV. “Por que analisar proteínas?”, questiona a veterinária. “Porque elas são o principal alvo do sistema imunológico quando ele vai produzir anticorpos em contato com o parasita”, explica. “Por isso fomos investigar que proteínas um teste sorológico reconheceria em primeiro lugar”, complementa. Utilizando recursos de bioinformática, foram identificadas mais de 40 proteínas que viabilizaram a produção de peptídeos sintéticos. Peptídeos são “pedaços” da proteína, capazes de atuar como antígenos,

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Mosquito invisível Uma das medidas para conter a epidemia de dengue é eliminar o vetor da doença, isto é, o mosquito transmissor, que se reproduz em água limpa e parada. No caso da leishmaniose, eliminar os insetos é muito difícil porque os criadouros são muitos espalhados. “O ‘mosquito-palha’, como é conhecido o inseto que transmite a Leishmania chagasi, pode ser encontrado tanto em áreas com lixo acumulado, como em jardins, onde há material orgânico em decomposição”, detalha Hélida de Andrade.

ou seja, que interagem com anticorpos, as moléculas produzidas pelo sistema de defesa do organismo. “Ao usar esses peptídeos selecionados entre as proteínas da Leishmania, conferimos grande sensibilidade e especificidade ao teste, eliminando a possibilidade da reação cruzada com Doença de Chagas, bastante frequente no ensaio RIFI”, destaca a pesquisadora. Os testes que comprovam a eficácia da tecnologia foram realizados com sucesso, capacitando os peptídeos sintéticos a serem incorporados a um kit diagnóstico para leishmaniose visceral canina e humana. Tecnologia para controle epidemiológico O cachorro é o hospedeiro intermediário do parasita. Além de vítima da leishmaniose, ele também representa risco de infecção para humanos. Por isso, em termos de vigilância epidemiológica, monitorar a população de cães infectados é fundamental. “O inseto se infecta no cachorro, e deste passa a contaminação para outros cães e para o homem. Se não houvesse cães infectados, em teoria, não haveria leishmaniose visceral humana”, aponta Hélida. Enquanto a LV atinge principalmente populações de baixa renda, que acumula fatores de risco como desnutrição e falta de acesso a boas condições de saneamento, a leishmaniose visceral canina não discrimina os animais. “Qualquer cachorro, saudável ou não, pode ser infectado pelo mosquito-palha”, alerta a pesquisadora. No Brasil existe um programa para identificar cães contaminados e eliminálos. No entanto, a medida não tem atingido bons resultados no sentido de reduzir os casos de leishmaniose visceral humana. “Nossa hipótese é que a forma de 60 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

diagnóstico dos cães infectados não tem sido eficiente, subestimando os animais infectados. Por isso, mesmo recolhendo parte dos animais, o programa deixa para trás cães que continuam transmitindo a doença”, acredita Hélida. Há, portanto, um gargalo em termos de diagnóstico nesse programa de controle conduzido pelo Ministério da Saúde. Daí a necessidade de um teste que possa ser facilmente aplicado em campo, com alta sensibilidade e que forneça os resultados rapidamente para os médicos veterinários. “Existem ainda o problema de eliminar cães sadios. Muitos cães, mesmo portadores do parasita, são assintomáticos. A falta de confiabilidade dos testes acaba fazendo com que os veterinários duvidem do resultado dos testes e relutem em sacrificar os animais, recomendação do Ministério a Saúde no caso de diagnóstico positivo”, lembra Hélida. “Nossa proposta é contribuir para melhorar os testes, tanto para seres humanos, quanto para os cães”, diz. Em estágio avançado de desenvolvimento, o objetivo dos pesquisadores é que a tecnologia seja licenciada para iniciativa privada produzir kits de diagnóstico. O mercado para o novo produto se divide entre os programas públicos de controle epidemiológico e ainda o público privado, formado por laboratórios de diagnóstico clínico e clínicas veterinárias. Equipe e contatos Laboratório de Leishmanioses Hélida Monteiro de Andrade | helida@icb.ufmg.br Angélica Rosa Faria Miriam Maria da Silva Costa Ricardo Tostes Gazzinelli

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Luz para encontrar novos fármacos para leishmaniose Fiocruz cria metodologia que utiliza parasitos fluorescentes

Os pesquisadores Rodrigo Pedro Pinto Soares e Marcele Neves Rocha, do Laboratório de Imunopatologia do Centro de Pesquisas René Rachou, criaram uma metodologia que pode contribuir para o desenvolvimento de novos medicamentos para leishmanioses. Trata-se de um método de testes in vitro semiautomatizado para triagem de moléculas candidatas a serem utilizadas como drogas leishmanicidas. O desenvolvimento dessa tecnologia aumenta muito as chances de encontrar moléculas que possam levar à criação de drogas mais eficazes no tratamento da doença. A principal vantagem da metodologia é aumentar o número de moléculas testadas em cada ensaio, com alto grau de sensibilidade e confiabilidade.

A tecnologia utiliza Leishmanias geneticamente modificadas que apresentam uma proteína vermelha fluorescente (RFP, da sigla em inglês). “Utilizando técnicas de biologia molecular, a Leishmania passa a produzir fluorescência vermelha e, após o contato com a droga, o grau de fluorescência final pode ser medido em um aparelho chamado fluorímetro”, explica Rodrigo Soares, que coordena o projeto. “A intensidade de fluorescência emitida é uma indicação da atividade da molécula. A partir do grau de fluorescência, a molécula é classificada como ativa ou inativa. O método é promissor”, diz ele. A Leishmania fluorescente é obtida por meio de uma técnica de biologia molecular chamada transfecção: um plasmídeo, contendo o gene RFP, é incorporado nos parasitos. Plasmídeos são moléculas de DNA circulares em que é possível incorporar genes de interesse, por isso eles são usados para transmitir características desejáveis de um organismo para outro, no caso desse projeto, a fluorescência que é transmitida para Leishmania. Eliminando a subjetividade O método usado hoje para triagem de moléculas contra Leishmanias depende da avaliação de um observador, que faz a contagem via microscópio de um grande número de macrófagos infectados, algo entre 50 e 300. “Como a contagem é manual, o teste tem que ser repetido três vezes para garantir a precisão”, explica Marcele Rocha, biomédica que desenvolve o projeto como tese de Doutorado. “É necessário ter um profissional muito bem treinado para fazer o trabalho, mesmo assim, a reprodutibilidade experimental fica comprometida”, diz ela. Outra desvantagem é que o método tradicional é demorado. “Muitas vezes é preciso até três semanas para testar uma droga. Por isso não é possível fazer um grande número de testes. O resultado é que o método tradicional, programa de INCENTIVO À inovaçÃO 63


embora utilizado há muitos anos, não é capaz de atender a uma demanda crescente da academia e da indústria”, explica. “Com as Leishmanias fluorescentes, o experimento é feito da mesma forma, só que usa um equipamento mais rápido e preciso”, destaca. Um dos principais diferenciais da nova metodologia é a redução do tempo de execução do método para uma triagem in vitro de drogas. De acordo com Rodrigo Soares, normalmente são triadas pouco mais de dez moléculas por mês. Com o novo método, poderão serão analisadas aproximadamente 60. “Além de ser rápido, outro fator determinante é a qualidade e confiabilidade dos resultados, para isso o método deve ser bastante sensível, específico, não sofrer influências de quem o realiza e não gerar resíduos tóxicos”, ressalta o pesquisador. O novo método de testes de moléculas está em fase avançada de desenvolvimento. Poderão ser testadas novas moléculas ou até mesmo com drogas já usadas para tratamento de outras doenças, principalmente, aquelas utilizadas contra outros protozoários. “Se a molécula não obtiver resultados positivos contra a Leishmania, o cliente pode fazer modificações na estrutura e repetir o teste”, esclarece. O objetivo é prestar serviços de triagem de moléculas para grupos de pesquisas e indústrias farmacêuticas interessadas em testar moléculas contra as leishmanioses. Os clientes iniciais serão grupos de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), unidade da Fiocruz no Rio e do próprio Centro de Pesquisas René Rachou, que já colaboram com o projeto. Há aproximadamente 55 grupos cadastrados trabalhando com síntese de novos fármacos em Leishmania, de acordo com o CNPq. Outro mercado potencial são as indústrias farmacêuticas que buscam desenvolver novos medicamentos contra as leishmanioses. “Nossa ideia foi simplificar o método de triagem utilizado hoje, tornando-o mais rápido e eficiente. Acredito que o maior benefício será acelerar as pesquisas que buscam desenvolver novos medicamentos para leishmanioses”, ressalta Soares. O aperfeiçoamento do método de triagem viabilizado por essa tecnologia possibilitará identificar compostos leishmanicidas que sejam menos tóxicos, de administração oral e que apresentem menos efeitos colaterais. As leishmanioses são um grupo de doenças infecciosas causadas por protozoários do gênero Leishmania. Nas Américas, são transmitidas ao homem por meio da picada de flebotomíneos do gênero Lutzomyia, podendo afetar a pele, as mucosas ou as vísceras (forma mais grave). A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica as leishmanioses como uma das seis endemias prioritárias no mundo, atingindo, em especial, em países de clima tropical. Mudanças climáticas e desequilíbrio ecológico têm provocado sua expansão em todo o mundo. Embora seja curável quando diagnosticada a tempo, o tratamento inadequado pode levar o paciente à morte. Não há vacina 100% eficaz. Até hoje também não existem medicamentos administrados por via oral. O tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe de poucos medicamentos, com alta toxicidade e, consequentemente, 64 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

com muitos efeitos colaterais, o que gera alto índice de desistência pelos pacientes. A administração dos remédios exige hospitalização ou acompanhamento ambulatorial, o que requer um alto investimento. Nesse contexto, o desenvolvimento de um método de testes mais rápido e eficaz que acelere as pesquisas para encontrar novos fármacos é fundamental.

Equipe e contatos Laboratório de Imunopatologia Rodrigo Pedro Pinto Soares | rsoares@cpqrr.fiocruz.br Marcele Neves Rocha | marcele@cpqrr.fiocruz.br programa de INCENTIVO À inovaçÃO 65


Atenção para doenças negligenciadas Pesquisa pode gerar novo fármaco para leishmaniose cutânea

Um grupo de pesquisadores do Laboratório de Química de Produtos Naturais do Centro de Pesquisas René Rachou está estudando a possibilidade de usar uma nova substância para tratamento da leishmaniose cutânea, doença negligenciada e endêmica no Brasil. As possíveis substâncias candidatas a novas drogas para tratamento da leishmaniose foram extraídas do fungo Cochliobolus sp. que, nos testes iniciais realizados pelo grupo, se mostraram eficientes contra o parasita Leishmania amazonensis, causador da leishmaniose cutânea. Se os resultados nas etapas posteriores da pesquisa forem positivos, a tecnologia poderá ser transferida para o BioManguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz que desenvolve e produz medicamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS).

A leishmaniose cutânea é uma doença endêmica transmitida por insetos do gênero flebótomos, conhecidos popularmente como mosquito-palha, infectados pelo parasito Leishmania amazonensis. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 1,5 milhões de novos casos são registrados a cada ano. Embora não seja a forma mais grave da leishmaniose, se não for tratada corretamente pode evoluir para leishmaniose mucocutânea, que afeta e pode destruir membranas mucosas, como a parte interna do nariz e da boca. O principal sintoma da leishmaniose cutânea ou tegumentar é uma inflamação no local picado pelo mosquito. No Brasil, a doença ocorre em todos os Estados, mas principalmente na Região Norte, onde é comumente designada como “ferida brava”. Evolução no tratamento Os pesquisadores descobriram que as substâncias naturais coclioquinona A e isococlioquinona A, extraídas do fungo, são eficientes para combater o parasita L. amazonensis, que causa a leishmaniose cutânea no Brasil. “Nos testes in vitro, as duas substâncias inibiram o parasita em, respectivamente, 60 e 70% nas concentrações de 1,5 e 3,4 mg/mL”, resultados do trabalho de doutorado da microbiologista Fernanda Fraga Campos, que está publicado na revista Plos Neglected Tropical Diseases. Segundo a pesquisadora Tânia Alves, que participa do projeto, essa concentração é muito menor que a do tratamento atual, em que são necessários 81mg/mL em cada


ampola do medicamento Glucantine, utilizado hoje no tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde que dura, em média, 40 dias, durante os quais o paciente recebe injeções intramusculares. Isso, aliado aos efeitos colaterais, faz com que muitos pacientes desistam do tratamento. Por se tratar de uma doença negligenciada, a leishmaniose cutânea não tem sido muito estudada. Segundo Tânia, as drogas administradas atualmente já estão há mais 40 anos no mercado, mesmo não tendo uma eficácia tão grande. “As leishmanioses foram consideradas pela OMS as doenças mais negligenciadas dentre as negligenciadas, ou seja, quase nenhuma pesquisa ou outro tipo de investimento têm sido feitos para gerar vacinas ou melhorar os medicamentos para a doença. Isso nos motivou a começar o projeto”, conta Tânia. A identificação das duas substâncias é resultado de um trabalho de bioprospecção realizado pelo Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz. “Procuramos substâncias na natureza que possam ser ativas no combate a doenças negligenciadas. Nessa prospecção, aliamos conhecimentos da química e da biologia”, conta Tânia Maria Alves. “Um dos desafios da pesquisa é determinar em que condições de cultivo o fungo produz

Invasão de território A disseminação da leishmaniose está ligada à ocupação de áreas de floresta e ao consequente desequilíbrio ambiental, que facilita o contato com o inseto cuja picada transmite a doença. Na região amazônica, o aparecimento da doença tende a seguir núcleos de colonização, construção de estradas e com a abertura de áreas para a prática do garimpo. Estudos indicam que mais da metade da população da Região Norte já teve contato com o parasita.

coclioquinona que possibilitem obter maiores quantidades dessa substância”, explica Fernanda Campos, que é a responsável pelos trabalhos no Centro. O objetivo desse projeto é substituir o medicamento usado pelo SUS, oferecendo um fármaco mais eficiente para reduzir a ação do parasita e que possibilite um tratamento mais curto, sem tantos efeitos colaterais e, de preferência, indolor. Já existe patente de atividade biológica da cochlioquinona A e da isocochlioquinona A no tratamento de doenças causadas pela leishmania. “É importante lembrar que o desenvolvimento do novo fármaco depende do resultado dos próximos testes”, pondera Tânia. “Eles irão determinar as características fundamentais para a elaboração do medicamento como sua formulação (tópica, comprimido ou injetável) e a concentração do princípio ativo”, complementa. Problema local Na fase atual do projeto, o foco é inibir a ação do L. amazonensis, porém existe a perspectiva de que as novas substâncias também sejam eficientes para o tratamento de outras formas da doença: mucosa e visceral, que são provocadas por outros parasitos. “Belo Horizonte é uma das cidades que tem um dos maiores índices de leishmaniose no Brasil, incluindo a forma mais grave, a leishmaniose visceral”, lembra a pesquisadora Tânia Maria Alves. Equipe e contatos Laboratório de Química de Produtos Naturais Fernanda Fraga Campos | fcampos@cpqrr.fiocruz.br Tânia Maria Almeida Alves | tania@cpqrr.fiocruz.br Ana Rabello | ana@cpqrr.fiocruz.br Carlos Leomar Zani | zani@cpqrr.fiocruz.br

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Tecnologia aperfeiçoa método de diagnóstico da leishmaniose visceral Metodologia pode ajudar Sistema Único de Saúde no controle dessa endemia

O diagnóstico da leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, continua sendo um desafio para os médicos, que trabalham em áreas endêmicas. Isso acontece porque os sinais e sintomas da doença podem ser confundidos com os de outras doenças, e também, porque nem sempre os exames laboratoriais estão acessíveis. A técnica mais amplamente adotada para diagnosticar a doença é a reação de imunofluorescência indireta, que depende do uso de microscópio de imunofluorescência, equipamento caro e que não está disponível em todas as regiões do País. Além disso, a reação é pouco específica, podendo apresentar reação cruzada em amostras de soro de pacientes com outras doenças. O DAT, sigla em inglês de direct agglutination test, ou seja, teste de aglutinação direta, é um teste sorológico que pode ser utilizado em casos individuais e em estudos epidemiológicos, para identificar pacientes com leishmaniose visceral. Como o nome indica, o teste baseia-se na aglutinação de parasitos por anticorpos presentes em amostras de soro dos pacientes infectados. “Os parasitos são corados em azul, por isso a reação de aglutinação é interpretada a olho nu, sem a necessidade de equipamentos”, explica Edward Oliveira, pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou-FIOCRUZ. Esse teste vem sendo produzido por duas Instituições europeias, mas não está disponível no mercado brasileiro. “Além disso, esses kits utilizam antígeno produzido com Leishmania donovani, diferente da espécie que provoca a LV no Brasil”, explica Oliveira. Antígeno brasileiro Com objetivo de desenvolver um kit mais próximo à realidade brasileira, Edward Oliveira e Ana Rabello, pesquisadores do Laboratório de Pesquisas Clínicas, do Centro de Pesquisas René Rachou-FIOCRUZ, com apoio do PDTIS-FIOCRUZ (Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde, desenvolveram um novo antígeno, utilizando Leishmania chagasi, espécie causadora da doença no País. A principal inovação do projeto, no entanto, é a produção do antígeno liofi70 programa de INCENTIVO À inovaçÃO


lizado, isto é, na forma de pó. Isso garante mais estabilidade para o componente. “Nosso objetivo é que o antígeno liofilizado permaneça estável por dois anos. Isso viabilizaria a distribuição e a utilização do kit, para diagnóstico da leishmaniose visceral, em áreas urbanas, e também, em regiões de difícil acesso, como algumas áreas rurais do País”, explica Edward Oliveira. “Nós conseguimos produzir o antígeno liofilizado e, nos testes realizados até o momento, demonstrou ser muito eficiente para diagnóstico para leishmaniose visceral. Nas próximas etapas da pesquisa serão realizados testes com objetivo de avaliar a estabilidade físico-química desse antígeno, empregado no protótipo préindustrial do kit DAT-LPC”. Os pesquisadores pretendem fazer parceria com indústria, tendo em vista a produção do novo kit em larga escala. Dentre as leishmanioses, a visceral é a forma mais grave. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor será o prognóstico. Como se trata de uma doença negligenciada, poucos esforços têm sido feitos por parte da iniciativa privada para aperfeiçoar o diagnóstico laboratorial. O teste DAT-LPC foi desenvolvido como alternativa à reação de imunofluorescência, para o diagnóstico humano da leishmaniose visceral. A adoção do novo teste, mais simples e preciso, poderá reduzir a incerteza do resultado, bem como o risco de tratamento inadequado. Plataforma de produtos O protótipo foi produzido para o diagnóstico da leishmaniose visceral em seres humanos; entretanto, também pode ser usado para diagnóstico da doença em cães, sendo necessárias algumas adaptações no teste. Nos cães, reservatórios do parasito, a identificação da infecção também é problemática porque, em muitos casos, mesmo sendo portadores do parasito, eles não apresentam sintomas. Em 2009 foram realizados 400 mil exames sorológicos para diagnóstico da leishmaniose visceral canina pela rede pública, somente em Minas Gerais. Na rede particular foram cerca de 90 mil exames. Esse quadro indica que a introdução de um teste de diagnóstico mais rápido e eficiente, encontraria um cenário bastante favorável. “O diferencial do novo kit diagnóstico é que ele tem baixo custo, alta aplicabilidade, eficiência, e não depende do uso do microscópio de fluorescência”, destaca Oliveira. O mercado para a nova metodologia no Brasil são os serviços públicos e os programas de controle da doença e os laboratórios de análises clínicas privados. Há também mercado potencial fora do país, já que o novo kit poderá ser uma alternativa para os países que compram o DAT europeu.

Equipe e contatos Laboratório de Pesquisas Clínicas Ana Rabello | ana@cpqrr.fiocruz.br Edward Oliveira | edwardjo@cpqrr.fiocruz.br 72 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

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Diagnóstico diferencial da Doença de Chagas e Leishmanioses Doença de Chagas e leishmanioses tegumentar e visceral poderão ser detectadas com precisão e rapidez

Toda coleta realizada nos bancos de sangue espalhados pelo País é submetida a testes de triagem sorológica para garantir que o material doado esteja isento de agentes patogênicos. Esses testes são fundamentais para a segurança dos pacientes que receberão transfusões de sangue e para o doador que também receberá o resultado do seu teste. Um dos maiores problemas na triagem sorológica, no entanto, é a alta frequência de resultados inconclusivos para Doença de Chagas. Pelo fato de a triagem sorológica ser pouco específica, uma porcentagem significativa de pessoas sadias pode ser rotulada como portadora de doença grave por causa de reações cruzadas. Pensando em solucionar esse problema, um Grupo Integrado de Pesquisas em Biomarcadores do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR-FIOCRUZ) desenvolveu um método inédito de diagnóstico, a metodologia Triplex (FC-Triplex-IgG1). Ao detectar com alto nível de precisão a presença de anticorpos para Doença de Chagas e leishmanioses tegumentar e visceral, a tecnologia possibilita dar ao doador de sangue um diagnóstico conclusivo sobre seu estado de saúde, e ainda, em segundo plano, pode evitar o descarte desnecessário de bolsas de sangue. A Doença de Chagas, a leishmaniose tegumentar e a leishmaniose visceral são doenças tropicais com sintomas e tratamento bastante diversos, mas causadas por protozoários da mesma família, a dos Tripanosomatídeos. “Esses patógenos são muito parecidos e, por isso, um anticorpo produzido contra o Trypanosoma cruzi, que causa a Doença de Chagas, pode reconheçer também os antígenos das espécies de Leishmania e vice-versa. Se isso acontecer, o resultado do exame sorológico aponta para o que chamamos de falso-positivo”, explica Olindo Assis Martins Filho, um dos pesquisadores do projeto. A triagem sorológica feita nos bancos de sangue é um teste muito sensível, sua função é exatamente essa: identificar agentes patológicos, quaisquer que sejam. No entanto, o exame não é específico, isto é, ele não aponta com precisão qual o agente patológico presente no soro sanguíneo. “Por conta disso, o resultado que o doador recebe é inconclusivo: ele tem Doença de Chagas, leishmaniose ou nenhuma doença?”, destaca Martins. “O objetivo da nova metodologia de diagnóstico Triplex é dar um retorno mais preciso”, afirma.

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Enquanto os bancos de sangue trabalham com soro concentrado para identificar anticorpos mesmo em quantidades mínimas, os testes feitos nos laboratórios de análises clínicas convencionais utilizam o soro diluído. Com isso, é possível detectar a presença de anticorpos mesmo em uma pequena concentração de sangue. São exames altamente específicos que servem, portanto, para comprovar um diagnóstico. Entretanto, mesmo eles, podem apresentar resultados inconclusivos e, em alguns casos, falso-negativos, ou seja, o teste não detecta a presença do anticorpo e o paciente é rotulado como não portador da doença. Sensível e específico A grande inovação do método Triplex, criado pelos pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou, é que se trata de um exame ao mesmo tempo sensível, como na triagem feita nos bancos de sangue, e específico, como os testes dos laboratórios clínicos. Assim, o resultado é muito preciso, não deixando dúvidas para paciente e para médico sobre o diagnóstico para Doença de Chagas e leishmanioses tegumentar e visceral. Os métodos sorológicos convencionais para fazer o exame do soro sanguíneo são a imunofluorescência indireta (IFI), baseado no uso de um microscópio de fluorescência e um anticorpo secundário fluorescente para visualizar a ligação dos anticorpos do paciente com os antígenos do parasita e para decidir, assim, a positividade ou negatividade da amostra. O outro método é o ELISA, em que os antíge-

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nos são ligados em microplacas, reconhecidos por anticorpos em soros de pacientes e o diagnóstico é feito a partir da deteção do complexo antígeno/anticorpo por um anticorpo secundário acoplado com uma enzima, que, quando for adicionado um substrato adequado, resulta em formação de um espectro de cores, que pode ser detectado por um espectrofotômetro. Outra vantagem da tecnologia Triplex é a possibilidade de diluir as amostras de sangue e ainda assim, manter a especificidade do teste. O banco de sangue utiliza amostras diluídas no máximo 20 vezes. Diagnóstico múltiplo em um só teste Uma tendência mundial na área de exames é usar uma mesma plataforma para diagnosticar mais de uma doença. Cientistas em universidades e empresas em todo mundo se dedicam ao desenvolvimento de kits de exames multiplex, que aproveitam uma única amostra para vários testes. No sistema Triplex “Usamos três protozoários da mesma família em nosso teste e conseguimos analisar a positividade para cada um deles, ou seja, no mesmo ensaio é possível diagnosticar mais de uma doença, daí o nome Triplex”, explica Martins. Isso foi possível graças ao desenvolvimento de uma espécie de etiqueta que é ligada a cada protozoário. Com esse sistema de marcação desenvolvido pelo grupo de pesquisa do Centro de Pesquisas René Rachou, os protozoários, apesar de muito parecidos, reagem de maneira diferente ao laser emitido pelo citômetro de fluxo. O público-alvo da tecnologia, em processo de patenteamento, são os Centros de Referência para Doença de Chagas e para leishmaniose em todo o País. É para lá que são enviados os indivíduos identificados como positivos ou com testes inconclusivos na triagem realizada nos bancos de sangue. O Centro de Pesquisas René Rachou, por exemplo, é um Centro de Referência para Leishmaniose. “Nosso foco é melhorar o atendimento para os doadores com testes inconclusivos ou não negativos. Muitas vezes não se consegue obter respostas conclusivas para estes pacientes mesmo após os testes comprobatórios, já que os exames não são específicos o suficiente”, lembra Martins. Segundo o pesquisador, somente em Minas Gerais, de 20 mil a 30 mil pessoas recebem resultados inconclusivos anualmente. “No caso da Doença de Chagas, por exemplo, dizer para uma pessoa que ela tem a doença ou não terá um impacto e um direcionamento totalmente diferentes para a vida dela”, ressalta Martins. Outra contribuição do novo método será atender regiões no Brasil onde leishmaniose e Doença de Chagas são co-endêmicas. Este é o caso de Minas Gerais e de alguns Estados no Nordeste. Assim, além de identificar de modo eficiente e preciso os portadores da Doença de Chagas, a aplicação da tecnologia Triplex pelos Centros de Referência para essas doenças poderia indicar se a pessoa tem leishmaniose visceral, doença que, em muitos casos, é assintomática. A tecnologia também poderia esclarecer casos de indivíduos que apresentam o que os especialistas chamam de cicatriz imunológica. São pessoas que já tiveram leishmaniose ou Chagas, programa de INCENTIVO À inovaçÃO 77


Foco em doenças negligenciadas A indústria farmacêutica tem investido no desenvolvimento de kits multiplex para exames. São pesquisas que envolvem alto custo e que têm como foco AIDS, sífilis, hepatites virais, doenças que atingem populações em todo mundo, e que, por conta disso, dariam alto retorno comercial para as empresas. Há poucas pesquisas para desenvolvimento de testes em plataforma única quando se trata das chamadas doenças negligenciadas, como é o caso das doenças tropicais. “Nosso foco também foi esse: criar uma tecnologia simples que pudesse fornecer diagnóstico correto sobre Doença de Chagas e leishmanioses tegumentar e visceral”, finaliza Olindo Martins.

por exemplo. A doença deixa no organismo uma memória imunológica residual que pode persistir ao longo da vida. Se for doar sangue, é provável que o teste dê falso-positivo, ou seja, indique que esse indivíduo era portador da doença, quando já foi tratado e curado. Pronto para usar Um dos fatores de sucesso de uma tecnologia é seu custo de implementação. No caso do exame Triplex, existe a necessidade da citometria de fluxo. O citômetro é um equipamento de alta tecnologia e custo elevado. Entretanto, por conta do programa do governo para diagnóstico de AIDS, que também utiliza o equipamento, boa parte dos centros de referência no Brasil já possui uma unidade. “Já existem cerca de cem citômetros que poderiam ser usados para fazer os exames Triplex no País. Só precisamos capacitar os recursos humanos desses Centros de Referência”, destaca Andréa Teixeira de Carvalho, que participa da pesquisa. O grupo, que já tem parcerias com a Fundação Hemominas e com a Fundação Pró-Sangue, no Estado de São Paulo, trabalha agora no desenvolvimento de um kit de exame. O objetivo é transferir a tecnologia para que o kit seja produzido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos - Biomanguinhos - Unidade da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) responsável pelo desenvolvimento tecnológico e pela produção de vacinas e biofármacos. O mercado alvo da nova metodologia de diagnóstico são hemocentros, laboratórios clínicos e, principalmente, laboratórios de referência. 78 programa de INCENTIVO À inovaçÃO

Equipe: Andréa Teixeira de Carvalho Anna Bárbara de Freitas Carneiro Proietti Ariane Masini Barata Danielle Marquete Vitelli-Avelar Edward José de Oliveira Ester Cerdeira Sabino Helder Costa Drumond Márcio Sobreira Silva Araújo Mariléia Chaves Andrade Olindo Assis Martins Filho Rafaella Gaiotti Caldas Leite Roberta Dias Rodrigues Rocha Stefan Michael Geiger Contato: Laboratório de Biomarcadores de Diagnóstico de Monitoração (LBDM) Olindo Assis Martins Filho | oamfilho@cpqrr.fiocruz.br Andréa Teixeira de Carvalho | andreat@cpqrr.fiocruz.br programa de INCENTIVO À inovaçÃO 79


Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Narcio Rodrigues da Silveira Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Evaldo Ferreira Vilela Secretário Adjunto de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Vicente José Gamarano Subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação José Luciano de Assis Pereira Superintendente de Inovação Tecnológica

SEBRAE – MG Lázaro Luiz Gonzaga Presidente do Conselho Deliberativo Afonso Maria Rocha Diretor-superintendente Luiz Márcio Haddad Pereira Santos Diretor-técnico Elbe Figueiredo Brandão Santiago Diretora de Operações Anízio Dutra Vianna Gerente da Unidade de Inovação e Sustentabilidade Andréa Furtado de Almeida Analista da Unidade de Inovação e Sustentabilidade Maria Teresa Goulart Gerente da Assessoria de Comunicação

Fundação Oswaldo Cruz- Centro de Pesquisas René Rachou - CPqRR Rodrigo Corrêa de Oliveira Diretor Zélia Maria Profeta da Luz Vice Diretora de Pesquisa, Inovação e Serviços de Referência Carlos Leomar Zani Vice Diretor de Gestão e desenvolvimento Institucional Paulo Pimenta Vice Diretor de Ensino

Equipe PII- CPqRR Zélia Maria Profeta da Luz Coordenadora Carolina Lara Bicalho Álvares de Souza Chrisostomo Costa Jhonatan Avelar de Oliveira Luciana de Paula Machado Oliveira Assessores

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PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO (PII) NO CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ A inovação e o conhecimento são fatores diferenciais que determinam a competitivi-

Programa de Incentivo à Inovação no Centro de Pesquisas René Rachou

Programa de Incentivo à Inovação

dade de setores, universidades e empresas. O

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU

do novos produtos no mercado, a um preço

êxito empresarial depende da capacidade da empresa inovar tecnologicamente, colocanmenor, com uma qualidade melhor e a uma velocidade maior do que seus concorrentes. A inovação tecnológica tem sido inadequadamente vinculada apenas aos setores de alta tecnologia. O desenvolvimento de um país, a geração de melhores empregos e salários também depende de incorporar conhecimento gerado nas universidades aos setores da economia. A relação de dependência entre inovação tecnológica e desenvolvimento sustentável é verdadeira quando se examina a interação das empresas e das universidades e centros de pesquisa, numa perspectiva de crescimento econômico. A inovação é um instrumento alavancador de negócios. Esta publicação apresenta os dezesseis projetos do Programa de Incentivo à Inovação, desenvolvidos na Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz e no Centro de Pesquisas René Rachou, em parceria com o Sebra-MG, a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O objetivo do PII é fomentar a cultura empreendedora nas universidades por meio da: i) c onscientização e mobilização da comunidade acadêmica, órgãos de fomento, empresas e parceiros locais; ii) i nvestigação e apoio ao desenvolvimento de tecnologias acadêmicas capazes de gerar inovações tecnológicas de produtos e processos.

Realização

Foram apresentados 24 projetos, sendo 16 projetos selecionados para a fase de Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica,

Belo horizonte-MG

Comercial e Ambiental, sendo estes projetos apresentados nesta publicação.


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