Carlos Calado
13. UM CASAL SEM DESTINO O tempo fechou mesmo. Discussões e briguinhas eram bastante comuns no dia a dia dos Mutantes, mas o ambiente nunca ficara tão pesado como naquelas últimas semanas de 69. Apesar de o conjunto adotar um sistema mais ou menos democrático em suas decisões, as sessões de gravação do terceiro LP já tinham sido uma maratona de bate-bocas. Arnaldo, que costumava se colocar como líder durante as entrevistas e contatos com a imprensa, tomando quase sempre a dianteira na hora de falar, começou a assumir também a função de produtor musical do disco. À vezes, ficava intransigente, até mesmo autoritário. Nessas horas, era briga na certa. Ainda que nada de muito importante fosse decidido no conjunto sem votação, Arnaldo e Rita acabavam polarizando as discussões — os dois eram mais articulados e, na hora das controvérsias, sabiam escolher os argumentos mais convincentes. Sérgio, nessa época, ainda não se interessava muito por outros aspectos do trabalho que não os estritamente musicais. Muitas vezes, deixava os dois parceiros se engalfinhando e voltava para o que mais o interessava: a guitarra ou a namorada, mais ou menos nessa ordem. Mas o que realmente começou a complicar o cotidiano dos Mutantes foi o fato de, fora dos palcos, Arnaldo e Rita formarem um casal. Após cinco anos de duração, o namoro entrou em crise aberta. Em geral muito discretos, pela primeira vez os dois se separaram, anunciando aos amigos o definitivo término da relação amorosa — uma ameaça bastante considerável para o futuro do conjunto. O casal já passara por fases bem diferentes daquela. Logo que se conheceram, querendo impressionar Rita de qualquer maneira, Arnaldo até frequentou um curso para aprimorar o inglês. A ligação dos dois era forte, durante os primeiros anos do namoro. Além de passarem muito tempo juntos, ambos não conseguiam esconder uma boa dose de ciúme. Ainda no início do conjunto, Arnaldo quase trocou sopapos com Bogô (dos Beatniks), mordido por uma certa pinimba que restara entre o guitarrista e Rita, da época em que os dois formavam o trio Danny, Chestere Ginny. De seu lado, sempre que as macacas de auditório tentavam agarrar Arnaldo, na saída dos shows dos Mutantes, Rita também não deixava de defender o que era seu. Com unhas e dentes, se fosse preciso. Mais tarde, durante a convivência com os tropicalistas (todos mais velhos e bem mais experientes que eles, em todos os sentidos), Arnaldo e Rita enfrentaram com timidez e um certo moralismo os velados flertes que aconteciam no meio da turma. Caetano e Gil até evitavam falar sobre alguns assuntos, principalmente sexo, na presença dos garotos. Já o despachado Guilherme Araújo, com a melhor das más intenções, chegou a dar conselhos aos dois: “Ritinha, vocês precisam ser mais modernos. Você e o Arnaldo só andam grudados um com o outro. Isso é um desperdício...” Para o apaixonado casal de adolescentes, educados em colégios tradicionais, uma sugestão liberal como essa chegava a assustar. Não que Arnaldo e Rita tivessem alguma vocação para o convento ou algo parecido, mas a ligação dos dois, naquela época, era realmente especial. A começar do fato de os dois ainda serem virgens ao transarem pela primeira vez, já depois dos 18 anos. Após muitos amassos nos gramados do Parque do Ibirapuera ou nos cinemas, quando surgiu uma chance de irem até o fim, os dois não ficaram discutindo se eram contra ou a favor do sexo antes do casamento. Tudo aconteceu muito rápido, no porão da casa de Rita, numa tarde em que toda a família estava fora. Depois, com as primeiras viagens do conjunto, transar nos quartos de hotel era bem mais fácil. 102