Carlos Calado
16. OS ÚLTIMOS DIAS DE POMPEIA Um tanto frustrados por não poderem curtir mais a Europa, os Mutantes voltaram ao Brasil quase tão rápido como partiram, em 3 de dezembro de 70. Oito dias depois, já contratados pela TV Globo, estrearam em um novo programa musical da emissora, no qual a gravadora Philips tinha muito interesse em que a banda participasse. O projeto do programa Som Livre Exportação nasceu com a repercussão obtida no FIC daquele mesmo ano por um grupo de jovens compositores: o MAU (Movimento Artístico Universitário), que incluía Ivan Lins, Gonzaguinha, João Bosco e Aldir Blanc, entre outros. Convencido pelo jornalista Eduardo Atayde a fazer um programa com essa nova geração de músicos, Boni, o diretor geral da Rede Globo, convocou Solano Ribeiro para ajudar Atayde a produzi-lo, entregando a direção a Walter Lacet. O sucesso foi enorme: logo nas primeiras semanas, o Ibope acusava a alta média de 60% de audiência. Anos após o período áureo dos musicais da TV Record, esse era o primeiro programa que conseguia combinar a qualidade e a variedade musical de um O Fino com a descontração de um Jovem Guarda, sem cair na anarquia tropicalista do Divino Maravilhoso. Desde a estreia, os números musicais eram gravados no estúdio da Globo, com um auditório para 1.600 pessoas, em forma de arena. Entrevistas colhidas nas ruas, com espectadores opinando sobre o programa e seu elenco, intercalavam cada apresentação — um verdadeiro esforço técnico para a época, já que sem a facilidade das atuais câmeras portáteis era necessário um caminhão carregado de equipamentos para qualquer cena externa. Aberto a todas as tendências da música popular brasileira, do pop de Antonio Adolfo e A Brazuca ao brega de Waldik Soriano e Agnaldo Timóteo, o Som Livre Exportação não tinha apresentadores fixos, justamente para evitar que o programa fosse identificado com um “dono”. Rita Lee também chegou a apresentá-lo, porém, na opinião de Solano Ribeiro, mostrou-se um pouco tímida para a função. Os Mutantes achavam divertido participar do programa, ainda que a convivência semanal com cantores da velha guarda, sambistas, ou mesmo com alas mais conservadoras da MPB, não os agradasse especialmente. No fundo, consideravam a linha musical do programa “meio devagar”. Mas não deixava de ser uma ótima oportunidade para revigorar a carreira do conjunto, após um longo período de crises e separações. A partir do terceiro mês no ar, o Som Livre Exportação sofreu mudanças. A inclusão de artistas mais consagrados no elenco, como Elis Regina e Wilson Simonal, remetia de certo modo aos velhos musicais da Record. Porém, havia uma diferença notável: os programas passaram a ser gravados em ginásios, frente a enormes plateias, alternando cidades como São Paulo, Salvador, Porto Alegre e Brasília, além do Rio de Janeiro. Desse modo, buscava-se reproduzir o clima quente dos festivais, sem a gritaria e as vaias provocadas pela competição. Numa dessas gravações, em 6 de março de 71, em São Paulo, por pouco não aconteceu uma tragédia. Mais de 80 mil pessoas se espremeram no Palácio de Exposições do Anhembi, para ver Roberto Carlos, Elis Regina, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Gal Costa, Milton Nascimento e os Mutantes, entre Outros convidados. A polícia não tinha preparo necessário para organizar tanta gente e logo se formou a confusão, com desmaios e pessoas machucadas. Não fosse a presença de espírito de Elis, dando uma respeitável bronca na plateia para que parasse com o empurra-empurra, o tumulto teria se transformado em catástrofe. Curiosamente, terminado o show, dezenas de sapatos, blusas, calcinhas e outras 120