A Divina Comédia dos Mutantes
17. SUBINDO A SERRA DO BARATO A população da pequena cidade paulista de Guararema demorou a entender o que aquele bando de cabeludos estava fazendo ali. Eles chegaram em um ônibus Mercedes Benz, todo colorido, com uma espécie de palco no teto e um gerador de energia na lateral. Sem falar no buggy pintado com as cores da bandeira norte-americana e as barulhentas motocicletas que vinham atrás do ônibus. Depois de passar pelo centro da cidadezinha, a comitiva seguiu até uma fazenda, a cerca de 15km dali, onde a animada tripulação montou acampamento. Era a oportunidade que os Mutantes esperavam há muito tempo. Os cinco já não aguentavam mais ficar tocando e cantando em lugares caretas, como bailes em clubes ou festas da cerveja pelo interior. O sonho de viajar por vários cantos do país, fazendo grandes shows ao ar livre, com ingresso gratuito, começava enfim a se tornar realidade. O articulador desse projeto era Cláudio Prado, um produtor visionário que voltara há pouco da Inglaterra, onde viveu por seis anos. Cláudio saiu do Brasil para estudar Sociologia, mas mudou radicalmente de vida ao se envolver com o rock e a cultura underground. Os Mutantes o conheceram numa de suas visitas a Gilberto Gil, em Londres. Quando voltou ao país, no final de 71, Cláudio planejava fazer um programa de rádio baseado na experiência das rádios piratas inglesas, que encaravam a música pop como pivô de uma futura revolução cultural. Porém, ao se ligar aos Mutantes, ele vislumbrou a possibilidade de fazer algo mais imediato e excitante. Em janeiro de 72, quando ele e a banda passaram a se encontrar com mais alguns amigos, na casa da família de Rita, um delirante projeto começou rapidamente a tomar forma. Dessas reuniões também participavam o engenheiro agrônomo Xiri, o fotógrafo Tony Nogueira e o artista gráfico Polé — parceiro de Arnaldo em corridas de motocicleta, no autódromo de Interlagos. Logo nas primeiras conversas foi definido um objetivo comum: criar uma forma alternativa de levar o rock e a música pop aos adolescentes e jovens, sem a caretice dos festivais da canção e dos programas de TV. A estratégia começava por produzir um show surpresa, em alguma cidade paulista, que funcionaria como piloto do projeto. Guararema foi escolhida não só pela proximidade da capital (75km ao leste), mas também porque um tio de Tony possuía uma fazenda naquela região, o que facilitaria bastante as coisas. Depois de registrar todo o evento, o passo seguinte seria tentar convencer a Antárctica a patrocinar o projeto. Naquela época, a indústria de bebidas já planejava divulgar mais seu guaraná entre os jovens, insatisfeita em vê-lo frequentando apenas as festinhas infantis. Calculados os gastos com a alimentação da trupe e da equipe de produção, gasolina, som, filmagem, alvarás e tudo mais, o custo aproximado de Cr$ 3 mil foi bancado por uma vaquinha de 15 pessoas. Mas a coisa só decolou mesmo quando se estabeleceu o contato com Ricardo Ashcar, um piloto de corridas que possuía um ônibus do jeito que eles precisavam. O veículo tinha sido preparado para acompanhar uma prova de automobilismo, mas na hora H o projeto não foi levado adiante. Ricardo não cedeu somente o ônibus, que saiu do Rio de Janeiro, mas ofereceu até o motorista. Conseguida a permissão para acampar na fazenda do tio de Tony, só faltava carregar o Mercedes Benz e cair na estrada. Depois de instalado o acampamento, Cláudio Prado e alguns assistentes foram à prefeitura, à delegacia de polícia e ao juizado de menores da cidade, para fazer os primeiros contatos com as autoridades locais e conseguir as licenças para o show, na praça central da cidade. Desde a chegada, na manhã de uma quarta-feira, até o domingo escolhido para o show, 11 dias depois, o desbunde foi total entre os quase 40 participantes da colorida 127