Carlos Calado
20. PERDIDO NO ESPAÇO Não só os Mutantes, mas praticamente toda a comunidade freak da serra da Cantareira era ligada em ufologia, astrologia, telepatia, magias e ocultismos em geral. Muitos tinham certeza de que, mais dia menos dia, acabariam se deparando com um disco voador, cruzando o céu estrelado da Mutantolândia — como alguns a chamavam. Por isso, a reação da turma foi muito natural no dia em que Léo, um dos roadies da banda, entrou gritando na sala de ensaio, bastante nervoso. O volume do som era tão alto e todos estavam tão doidões que apenas viram os lábios do sujeito se movendo, sem conseguirem entender uma só palavra. “Disco voador”, alguém gritou, logo que o som diminuiu. Ninguém riu, nem perguntou se Léo estava maluco. Largaram os instrumentos e saíram correndo. Porém, era outra a surpresa que os esperava do lado de fora: o motor do caminhão da banda estava pegando fogo. E para piorar mais ainda a situação, não havia água ou mesmo extintores suficientes para apagar o incêndio. Tiveram que usar terra, o que não ajudou muito. Começaram a achar que era mau-olhado, vodu ou coisa do tipo. Dias antes, a banda também recebera outra péssima noticia: o bilhete azul da gravadora. A Phonogram considerou que O A e o Z, álbum que os Mutantes tinham acabado de gravar, não possuía nenhum apelo comercial. Depois de discussões com Mick Killingbeck e membros da banda, a Phonogram não só vetou o lançamento do álbum, mas também dispensou os Mutantes de seu cast. Sem Rita, André Midani parecia ter perdido totalmente o interesse por eles. Achou que a música da banda tinha deixado de ser provocativa. O ano que parecia tão promissor para os Mutantes se transformou definitivamente em pesadelo. Por causa desse incidente, O A e o Z permaneceu inédito durante 19 anos, até ser lançado pela Polygram, em 92, já em formato CD. Produzido no Estúdio Eldorado, em São Paulo, esse disco inclui seis faixas assinadas pelo quarteto, que foram compostas, executadas, gravadas e mixadas sob efeito de LSD. Sem usar pIayback ou outros recursos de edição, a banda reproduziu fielmente no estúdio o que estava tocando em seus ensaios diários na Cantareira. Se o anterior Hoje E o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida já indicava que os Mutantes estavam se aproximando dos sons progressivos, O A e o Z escancarou de vez esse mergulho. Todas as seis faixas são longas (com mais de 6 minutos de duração) e repletas de vôos instrumentais. A meia exceção é Ainda Vou Transar com Você, que conserva o espírito mais dançante e descontraído do rock & roIl. Várias fontes sonoras da banda, naquela época, são facilmente reconhecíveis nessa gravação. Hey Joe (nada a ver com a canção homônima do repertório de Jimi Hendrix) e Uma Pessoa Só trazem vocais calcados na banda Yes, influência marcante no álbum. O violão de Sérgio, na introdução de Você Sabe, foi inspirado no guitarrista inglês John McLaughlin, da Mahavishnu Orchestra; os teclados de Arnaldo remetem, em vários momentos, ao trio Emerson, Lake and Palmer. Além disso, a instrumentação da banda trazia algumas novidades em disco, como o teclado Mellotron de Arnaldo, a guitarra Fender Stratocaster de Sérgio e a tabla (percussão indiana) de Dinho. Também criadas coletivamente, as letras trocaram o bom humor e o deboche por uma nova ideologia, uma espécie de pregação lisérgica com toques religiosos, em busca de um novo público: “Você sabe o que eu pensei / Eu também sei o que você pensa / Você sabe o quanto andei / Deus, também serei o que você quiser / Nas estradas eu andarei / Nessa 148