A Divina Comédia dos Mutantes
6. CATIVANDO O PEQUENO PRÍNCIPE Foi uma verdadeira descoberta. A falta de Raphael, o "pai" musical do O'Seis, não chegou a desanimar Arnaldo, Rita e Serginho. Ao contrário, serviu para que a união do novo trio se concretizasse mais rapidamente. Com as decepções que cada um trazia dos conjuntos anteriores, essa formação revelou aos três um sabor especial. Nem mesmo Arnaldo e Serginho (então próximo de completar 15 anos) se conheciam muito bem musicalmente. No fundo, era como se os três estivessem se encontrando pela primeira vez. Rita levava aos ensaios discos de música popular norteamericana da coleção do pai; Arnaldo e Sérgio emprestavam o conhecimento que possuíam de harmonia clássica para estruturar os arranjos vocais. Ali começou a fase mais calma do conjunto. Nunca os irmãos Baptista e Rita Lee se sentiram tão unidos. Claro que a mudança do sexteto para o trio trouxe alguns probleminhas. Em primeiro lugar, havia a necessidade de batizar o novo conjunto. Outra vez o deboche falou mais alto: escolheram O Konjunto. Foi com esse nome que o trio voltou a se apresentar na cervejaria Urso Branco, ao lado do pessoal da Koisanovah. Excluir uma das vozes femininas (a de Mogguy, no caso) ou mesmo uma guitarra (a de Raphael) dos arranjos originais do sexteto não era tão difícil, mas a bateria era mesmo um problema. O jeito foi recorrer a Cláudio César que, no melhor estilo Professor Pardal, entrou em cena de baquetas na mão, com a fórmula E = MC2 inscrita no bumbo da bateria. E não parou por aí. Aproveitou outra apresentação, dessa vez no Teatro João Caetano, para realizar uma experiência quase insólita para a época: instalou em uma das caixas da bateria um captador de guitarra que transmitia a vibração da esteira para uma câmara de eco. Assim, numa música mais lenta e cadenciada, podia usar a baqueta só uma vez sobre a caixa, deixando que o eco reproduzisse as batidas seguintes do compasso. Cláudio César chegou perto de inventar a bateria eletrônica, em 1966. Com a colaboração de Bah, bem relacionado no meio artístico, as coisas começaram a andar mais rápido. Um dia o empresário surgiu com uma novidade: tinha conseguido uma apresentação no Jovem Guarda, de Roberto Carlos. Para qualquer outro conjunto jovem da época seria o máximo, mas Rita, Arnaldo e Serginho definitivamente não faziam parte da legião de súditos do Rei. Cantavam quase somente em inglês e já começavam a usar roupas bem diferentes das modas lançadas pelo programa. Na verdade, achavam quase todos os cantores e conjuntos que frequentavam o Jovem Guarda meio velhos, ultrapassados, quadrados mesmo. Rebatizados provisoriamente de Os Bruxos, os três já chegaram no Teatro Record com os narizes meio torcidos. Durante o ensaio, no domingo de manhã, Arnaldo e Sérgio exigiram algo bem diferente do padrão visual do programa. Queriam que os amplificadores de suas guitarras fossem colocados no palco, à vista da plateia, exatamente como se fazia em shows de rock nos EUA ou na Inglaterra, argumentaram. Mas a produção rejeitou a ideia e os três decidiram comprar a briga. Após um certo bate-boca, recolheram os instrumentos e desistiram da apresentação. Os garotos já tinham personalidade de sobra. Se não deu certo com o Rei, por que não arriscar com o Pequeno Príncipe? Foi o que Bah deve ter pensado quando soube que o cantor Ronnie Von andava procurando músicos para seu novo programa na TV Record. Parecia uma ótima chance para os meninos. A estreia seria dali a duas ou três semanas e o elenco ainda nem fora definido. Ronnie andava preocupadíssimo com esse problema e se mostrou bastante interessado em conhecer o trio. Ainda mais quando soube que eles também eram beatlemaníacos e cantavam em inglês. 41