Carlos Calado
7. A INVASÃO DAS GUITARRAS Para desespero da vizinhança da Pompeia, em meados de 1967, quase diariamente havia barulho e música em alto volume no subsolo do casarão da família Baptista. Sem abandonarem o bom humor de sempre, Rita, Arnaldo e Serginho passaram a ensaiar com uma seriedade que até então eles mesmos não conheciam. De vez em quando, os amigos da turma eram convidados a ouvir o resultado dos ensaios e todos se transferiam para a sala de estar, no térreo. Nessas ocasiões os três exibiam pequenos shows, recheados por novos arranjos de canções dos Mamas and Papas, Peter, Paul & Mary, Beatles e outros hits do momento, além das primeiras e ainda tímidas composições próprias. As aparições do trio na TV serviram não só como experiência musical, mas também ajudaram a transição do conjunto semiamador ao profissionalismo. Os Mutantes estavam se preparando para um grande salto. Um salto, aliás, que agora dependia somente dos três, uma vez que o conjunto estava sem empresário. As previsões de Raphael e Mogguy, no episódio da separação do O’Seis, confirmaram-se de certo modo. Bah finalmente pôs as chamadas manguinhas de fora e ameaçou registrar o nome do conjunto como de sua propriedade. Mas os Mutantes foram mais rápidos no gatilho e deram um chega-pra-lá no espertalhão. Além de transitar por vários programas da TV Record, o trio também começou a ser convidado a fazer aparições em outras emissoras. As mais frequentes eram no Quadrado e Redondo, o programa que Sérgio Galvão comandava na TV Bandeirantes. O elenco era bem eclético: entrava tanto o samba swingado de Jorge Ben como as baladas românticas de Vanusa e Antonio Marcos. Num desses programas, com orquestra regida pelo maestro Chiquinho de Moraes, os Mutantes apresentaram A Day in the Life, dos Beatles. Também cantando em inglês, acompanhavam os cantores Dave Gordon e, principalmente, Tim, o carioca Sebastião Rodrigues Maia, que só anos mais tarde veio a ficar conhecido como Tim Maia. Os três garotos achavam aquele negão simplesmente o máximo. Era daquele jeito que Arnaldo gostaria de cantar. Tim conheceu a fundo o rhythm & blues, morando alguns anos nos EUA, mas acabou retornando deportado ao Brasil, depois de ser detido por porte de maconha. Toda vez que ele encontrava os Mutantes nos bastidores, seco por um fuminho, a pergunta era inevitável: “Tem um bauru aí?” Rita ficou bastante animada; Arnaldo e Serginho, nem tanto. Mas os três concordaram que não era a toda hora que se recebia um telefonema do respeitado Chiquinho de Moraes, diretor musical da TV Bandeirantes. Melhor ainda: o maestro não convocou o trio para um programa qualquer, mas sim para a gravação de uma canção concorrente do 30 Festival da Música Popular Brasileira da TV Record. O nome da canção era Bom Dia, composta por um violonista e cantor da Bahia, chamado Gilberto Gil. Dos três, só Rita sabia quem era Gil. Já o tinha visto no programa O Fino da Bossa, que Elis Regina conduzia na TV Record, e achava bacana o jeito meio bravo que aquele crioulo tinha de cantar. Já Arnaldo e principalmente Serginho não só desconheciam o sujeito, como tinham uma certa prevenção contra qualquer tipo de música popular brasileira. O negócio dos irmãos Baptista era rock. E, de preferência, cantado em inglês. Rita tinha que dar duro para conseguir que Serginho e Arnaldo aceitassem mais a música brasileira. Se ela apresentasse no ensaio uma musica de Ray Charles, de Peter, Paul & Mary, um blues ou mesmo um gospel, tudo bem. Mas se sugerisse a eles um João Gilberto ou um Juca Chaves, já vinha cara feia. Do Brasil, os irmãos Baptista não gostavam de quase nada. Mesmo assim, os dois foram perspicazes a ponto de perceberem que uma nova porta 46