Carlos Calado
Além de terem feito um enterro simbólico em um dos programas, Gil, Capinan e Torquato Neto chegaram a esboçar um especial para ser exibido na TV Globo: Vida, Paixão e Banana do Tropicalismo, com direção de Zé Celso Martinez Corrêa, que anunciaria oficialmente a morte do movimento. Mas esse programa, que seria bancado pela Shell e pela Rhodia, nem chegou a ser produzido, por desistência dos patrocinadores. A prisão dos baianos e o fim do Divino Maravilhoso funcionaram como o enterro oficial da Tropicália.
10. ALGO MAIS Deu certo. Mal saíram da agitação do festival da Record, satisfeitos com o sucesso de 2001, os Mutantes viram recompensado seu esforço para investir mais na carreira do grupo. De cara, receberam o Troféu Imprensa como o melhor conjunto musical de 1968. Depois, foram convidados por sua gravadora, a Philips, a se apresentarem no influente MIDEM (o Mercado Internacional de Discos e Editores Musicais), uma espécie de feira musical realizada anualmente em Cannes, na França, onde os executivos de gravadoras e produtores de vários continentes fazem negócios e mostram seus novos lançamentos na área. A comitiva brasileira escalada para a edição de janeiro de 69 também incluiria Gilberto Gil, Elis Regina, Chico Buarque de Hollanda e Edu Lobo. Pela primeira vez, os Mutantes teriam a chance de exibir sua música no exterior. Arnaldo, Rita e Sérgio estavam excitadíssimos durante todo aquele mês de dezembro. Além das participações semanais no programa Divino Maravilhoso, tiveram que acelerar as gravações do segundo LP, por causa da viagem já marcada para a Europa. Como ainda só tinham quatro faixas prontas (Mágica, Dom Quixote, 2001 e Caminhante Noturno, todas apresentadas em festivais daquele ano), o jeito foi se trancarem durante dez dias no Estúdio Scatena, para terminarem a gravação a toque de caixa. Felizmente, o próprio conceito do álbum contribuiu para que a pressa não comprometesse o resultado final. Mais experientes do que na época do disco de estreia, cujo trabalho de estúdio durou um mês e meio, os Mutantes sentiam a segurança necessária para assumirem riscos maiores. Junto com o produtor Manoel Barenbein, definiram que em vez do tradicional acompanhamento de orquestra o conjunto deveria tocar mais no disco. Além dos originais arranjos de Rogério Duprat, dessa vez os Mutantes também tiveram à disposição o know-how de três técnicos de som: Stélio Carlini, João Kibelskis e José Carlos Teixeira. Uma evidente mudança — ou melhor, mutação — já aparecia no repertório escolhido. No primeiro LP, quatro faixas traziam a assinatura de Caetano Veloso, sendo duas em parceria com Gilberto Gil e uma com o próprio conjunto. No novo disco, o único baiano que contribuiu como parceiro do trio foi Tom Zé (em 2001 e Qualquer Bobagem). De quatro canções que os Mutantes assinaram no álbum de estreia (sem contar a versão Tempo no Tempo), o número de composições próprias cresceu para nove. Sem dúvida, era um trabalho com muito mais personalidade. A boa dose de humor, que já havia recheado o primeiro disco, voltou com peso ainda maior. A começar de Dom Quixote, a primeira faixa, com arranjo orquestral que inclui na introdução uma citação da ópera A ida, de Verdi, e termina em tom de deboche escancarado. Logo após uma menção a Chacrinha e sua barulhenta buzina (“palmas para o Dom Quixote que ele merece!”), um violino citando Disparada (a canção de Geraldo Vandré, desafeto assumido dos tropicalistas) é seguido por gostosas gargalhadas de Arnaldo e Sérgio. Diferente do que pode parecer, não são os Mutantes que cantam como uma dupla sertaneja, na futurista moda de viola 2001. Na verdade, para essa gravação foram requisitados dois genuínos especialistas no gênero: Zé do Rancho e Mariazinha, acompanhados por suas 76