Carlos Calado
12. O PLANETA DOS MUTANTES Ansiedade e nervosismo corriam soltos no Pavilhão Internacional do Ibirapuera, em São Paulo. Era 17 de abril de 69, véspera da inauguração de mais uma Feira de Utilidades Domésticas, a popular UD. Agitados, correndo sobre o enorme palco montado no Pavilhão de Plástico, contrarregras, técnicos e outras pessoas da produção cuidavam dos últimos detalhes para o ensaio do show. A maioria dos músicos já tinha chegado. Só estava faltando a atração principal: os Mutantes. Ao vê-los chegar, um dos produtores colocou as mãos na cabeça, num gesto de desespero. Arnaldo estava com o braço direito engessado. E pela expressão de dor que trazia no rosto, parecia coisa séria. O infeliz produtor já arrancara alguns cabelos, pensando na verdadeira catástrofe que seria adiar a estreia do espetáculo, quando teve uma nova surpresa. Viu o mesmo Arnaldo tirar a tipoia e o gesso que envolviam seu braço, com um sorriso maroto que logo se transformou em uma sonora gargalhada. Evidentemente, acompanhada pelas risadas de Rita e Sérgio. “Você é maluco, rapaz?”, perguntou a vítima. Não exatamente. O produtor ainda não tivera a chance de conhecer a fundo a verve gozadora dos Mutantes e caíra como um patinho, no novo truque que Arnaldo trouxera dos EUA. Mas bastou o ensaio começar para que os três se transformassem imediatamente em profissionais tão responsáveis e compenetrados como qualquer outro do elenco. No dia seguinte, sem outros sustos pregados pelo trio, estreou o Moda Mutante — um badalado desfile show com artistas de TV, conjuntos musicais, atores e modelos, montado para apresentar as coleções femininas e masculinas da Rhodia para o inverno de 69. A imagem jovem, alegre e irreverente dos Mutantes era tão conveniente ao conceito do desfile, que se tornou a própria grife do evento. Com shows diários, a temporada durou quase três semanas. Para o trio, o convite não poderia vir em melhor hora. Mal voltara do exterior, já se viu como a atração principal de uma das conceituadas superproduções de Lívio Rangan, o diretor de eventos institucionais da Rhodia. Naquela época, essa indústria de fios investia muito dinheiro em seus desfiles e eventos. Rangan vivia rodando o mundo, colhendo informações e novidades sobre moda, design, perfumes, automóveis e tudo mais que interessasse a seus espetáculos. Os shows da Rhodia costumavam ser produções ambiciosas e up to date, em geral com uma boa repercussão nos meios de comunicação. O casal Eva Wilma e John Herbert — par romântico da pioneira série de TV Alô Doçura — cuidou da apresentação do Moda Mutante. Além das manecas e manecos da Rhodia, cerca de 40 atores e figurantes completavam o elenco. Do time musical participou também o Brazilian Octopus, um conjunto eclético e de vida muito curta que reuniu personalidades musicais fortes, como o flautista Hermeto Pascoal (do Quarteto Novo) e os guitarristas Alemão (Olmir Stocker, autor de Caderninho, um sucesso da era Jovem Guarda) e Lanny Gordin (que também acompanhava Gal Costa). Dividido em vários quadros, ilustrados com desfiles e números musicais, o espetáculo homenageava grandes astros do cinema e da TV. Também se referia a assuntos bem atuais, como o vôo da nave espacial Apolo 9 à Lua, tema explorado pelo então avançadíssimo circuito fechado de TV em cores, enormes monitores instalados frente à plateia e efeitos visuais. E como trilha sonora de toda essa hitech do final dos anos 60, nada mais apropriado que a futurista 2001, a canção de Rita e Tom Zé. Alguns dias após a estreia do show da Rhodia, Arnaldo repetiu o golpe da tipoia. Apareceu com o braço engessado em uma sessão de fotos marcada com Jean Solari, fotógrafo 90