CINEMA POLÍTICO: O PODER DA IMAGEM

Page 1

Um homem com uma câmera

1


Este livro foi impresso pela Grรกfica Stamppa LTDA Formato 180X250mm, miolo 200 pรกg. em couche fosco 115g 1X1 cores capa em Supremo 300g 4X1 cores.


apresenta

2 0 16 14 JUNHO a 3 JULHO mostracinemapolitico.com.br

patrocĂ­nio



A CAIXA é uma das maiores patrocinadoras da cultura no Brasil, e destina, anualmente, mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e espaços de terceiros, com ênfase especial para exposições de artes visuais, peças de teatro, mostras de cinema, espetáculos de dança, shows musicais, apoio ao artesanato brasileiro e festivais de teatro e dança em todo o território nacional. Os projetos são escolhidos através de seleção pública, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio. A Mostra Cinema Político: o poder da imagem é uma oportunidade do público brasileiro assistir a mais de 40 filmes nacionais e internacionais, num apanhado histórico que vai desde O homem com a câmera na mão, de Dziga Vertov (1929), até produções recentes, como Rio cidade olímpica (2015), de Cláudio Felício, e Proibidão (2015), de Ludmila Curi e Guilherme Arruda. A Mostra traz o olhar de cineastas de diversas nacionalidades e épocas sobre temas políticos abrangentes, não se limitando a questões relativas aos ocupantes de cargos públicos. As obras são base para reflexões e debate, fortalecendo a diversidade de olhares. Temas como liberdade de imprensa, protestos populares, guerras e outros conflitos sociais, relações entre polícia e sociedade, e tantos outros, estão presentes na Mostra. Seja em filmes curtos ou longos, documentários ou ficções, em preto e branco ou em cores, a política é o centro da discussão, e por que não dizer, o centro da vida. Através da Mostra Cinema Político: o poder da imagem, a CAIXA reafirma sua política cultural, sua vocação social e a disposição de democratizar o acesso aos seus espaços e à programação artística, cumprindo, desta forma, o papel institucional de estimular a disseminação de ideias, mantendo viva a vocação de abrigar e promover a pluralidade de pensamento e o debate.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL



Justamente no ano que comemoramos a primeira década da Jurubeba, no ano em que a esfera política brasileira passa por abalos cínicos, lançamos a mostra Cinema Político – O Poder da Imagem e propomos refletir sobre política a partir do cinema. As possibilidades de temas e conexões com a atualidade são inesgotáveis, apenas uma curadoria anual daria conta de tantos caminhos. Para essa primeira edição, vamos dialogar com assuntos contemporâneos, resgatar clássicos, descobrir raridades, priorizar a busca por película, fazer cumprir a lei do curta na elaboração da programação diária, papear sobre fazer cinema de resistência, sobre a relação do Estado com a arte e o poder da mídia. A ideia é que a mostra seja um espaço de convivência e de reflexão e, para isso, nossa programação conta com a exibição de 42 filmes (19 longas, cinco médias e 18 curtas) e três bate-papos com cineastas e midiativistas. As formas tradicionais de realizar um filme convivem, hoje em dia, com as produções do flagra, do “sem roteiro”, do instantâneo. A cibercultura e a popularização dos celulares com câmera são fenômenos contemporâneos que massificam a produção e o consumo de filmes políticos. Com ou sem edição, com imagem Full HD ou pixelada, um vídeo produzido por uma ou poucas pessoas pode alcançar milhares de visualizações em dias ou horas. Se considerarmos a trajetória do cinema político; a história de resistência desde a captação de investimentos à conquista do espaço de exibição, podemos dizer que estamos vivendo uma revolução na comunicação. Se antes os filmes dependiam de janelas nos festivais ou nas salas independentes, hoje os filmes são feitos e vistos por celulares em qualquer lugar desde que o aparelho esteja conectado à internet. Os indígenas na tribo, o negro na favela, a secundarista que está ocupando uma escola pública são alguns cidadãos que podem fazer um filme político. E estão fazendo. E muitos optando em distribuir livremente via criative commons. Na hipertrofia da informação que estamos vivendo, a ideia da mostra é projetar uma transversalidade de temas políticos como racismo, revoltas populares, guerras mundiais, domínio midiático, ditadura militar, luta de classes, eleições governamentais, nazismo, resistência indígena e alguns outros. Reuni diversos olhares culturais ao programar produções de todos os continentes. Diretores clássicos como Glauber Rocha, Charlie Chaplin, Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Akira Kurosawa (e muitos outros) serão projetados ao lado


de diretores expoentes que estão invadindo os festivais e a internet: Simplicio Neto, Julia Mariano, Ludmila Curi e Guilherme Arruda. Mais de dez cópias serão exibidas em película. Tempos modernos, de Chaplin; Um filme como os outros, de Jean-Luc Godard; 1968, de Glauber Rocha; Liberdade de imprensa, de João Batista de Andrade; e Noite e neblina, de Alain Resnais, são alguns. Essa foi uma preocupação na montagem da programação: resgatar a projeção em 16 mm e 35 mm para os cinéfilos. Além dos filmes clássicos, a mostra abre espaço para os filmes contemporâneos que foram produzidos com celulares e câmeras digitais, equilibrando diversas gerações numa linha cronológica. Vamos fazer valer a lei do curta-metragem (artigo 13 da Lei Federal 6.281), sempre exibindo um curta antes do longa, geralmente dialogando com os temas centrais dos filmes de cada sessão. A programação irá mostrar ao público como são atuais os filmes clássicos, como a história da humanidade é cíclica. Um exemplo é Maranhão 66, um curta de 1966, onde Glauber Rocha filma a cerimônia de posse de José Sarney dois anos depois do golpe militar de 1964, e expõe toda a miséria da população maranhense. Estamos em 2016, a família Sarney continua comemorando em cerimônias de posses e a população maranhense continua na miséria. Essas analogias entre passado e presente são inevitáveis e estarão presentes no editorial do catálogo, que reunirá mais de 15 textos inéditos com a proposta de refletir sobre o Brasil contemporâneo a partir da experiência de um filme da mostra. Entregamos alguns filmes da programação a historiadores, sociólogos, cineastas, produtores, jornalistas, psicólogos; recebemos análises, críticas, memórias, contações de história e até ficção científica. A instigante entrevista com Leon Hirszman finaliza o editorial resumindo com, talvez, a maior motivação dos que realizam filmes políticos: a luta de classes. Falar sobre temas políticos é de extrema importância para a nossa construção social. E a arte tem um papel relevante na história da humanidade, se comunicando de forma direta ou lúdica com as mais diferentes pessoas de todas as classes sociais. Que essa reunião de filmes, junto com os bate-papos aos sábados, possibilite voos altos para vocês.


A toda equipe do projeto, muita admiração por tanta dedicação e profissionalismo. Aos convidados e colaboradores, muito obrigada por apostarem junto e contribuírem para esses instantes de reflexão e possibilidades de construção coletiva. Ao meu companheiro de lutas e de vida, Daniel Real, uma lágrima daquelas cheias de sonhos e amor que saem do coração. Obrigada por me fazer acreditar que é possível.

Alessandra Castañeda


Sumário A revolução dos idiotas: “work in progress” Diogo Lyra

14

Notícias de um sequestro Douglas Duarte

18

Um apelo ao passado – Editorial de O Globo, Rio de Janeiro, 26 de maio de 3016 24 Rafucko

10

De Huey de 68 a Rafael Braga de 2016 Ellen Paes

28

A invenção de novas possibilidades de vida Fabiana Castelo Valadares

34

Rio cidade olímpica ou a distopia olímpica carioca Janaína Castro Alves

38

Lei, ordem e a policialização do cotidiano: de Kansas City ao Rio de Janeiro 42 Carolina Christoph Grillo Um filme como todos na luta dos estudantes Marcelo Castañeda

46

Awa 50 Ana Gabriela Morim de Lima e Luisa Elvira Belaunde 50 x Maranhão 66 Daniel Caetano

54

Muito além do Cidadão Kane Zeca Ferreira

56

A percepção da história em Arraial do Cabo 60 Paulo Maia Tempos modernos x Tempos contemporâneos em Chaplin Wilson Gomes de Almeida

66


1989, o número Simplicio Neto

72

Dichavando a proibição Natália Noffke de Almeida

78

Soy Cuba Athos Luiz

84

O espião de Deus Fernando Morais e Cláudio Kahns entrevistam Leon Hirszman

90

Filmes Um homem com uma câmera (1929)

115

Tempos modernos (1936)

117

Noite e neblina (1955)

119

Arraial do Cabo (1959)

121

Soy Cuba (1964)

123

Maranhão 66 (1966)

125

Liberdade de imprensa (1967)

127

Manhã cinzenta (1967)

129

1968 (1968)

131

Um filme como os outros (1968)

133

Os Panteras Negras (1968)

135

79 primaveras (1969)

137

Lei e ordem (1969)

139

Megalópolis (1973)

141

11


12

Dersu Uzala (1975)

143

Eles não usam black-tie (1981)

145

Faça a coisa certa (1989)

147

Ilha das Flores (1989)

149

A revolução dos idiotas (1991)

151

Muito além do Cidadão Kane (1993)

153

Terra e liberdade (1995)

155

Erva (1999)

157

11 de setembro (2002)

159

A revolução não será televisionada (2003)

161

As escravas sexuais (2006)

163

Serras da desordem (2006)

165

Vocação do poder (2006)

167

Levante sua voz (2009)

169

A guerra que você não vê (2010)

171

Nuke Kuî / Barreira (2010)

173

A ditadura da especulação (2012)

175

Proibidão (2012)

177

Rio Carioca (2012)

179

Rio cidade olímpica (2012)

181

7 de setembro, 2013 – Independência de São Paulo (2013)

183


Ritmos de resistência (2013)

185

O som ao redor (2013)

187

Ameaçados (2014)

189

Domínio público (2014)

191

O prefeito tá chegando (2014)

193

Levante! (2015)

195

Que horas ela volta? (2015)

197

13


14

Título:

A revolução progress”

Autor:

Diogo Lyra

dos

idiotas:

“work

in

Dirigido por Nelson Hoineff, A revolução dos idiotas foi originalmente apresentado como um episódio do programa Documento especial: televisão verdade, da extinta Rede Manchete, em 1992. Tendo como ponto de partida uma inspiração rodrigueana, o documentário aborda um tema polêmico e um tanto quanto curioso: a “idiotização do país”. Uma peça rara que, de início, causa certa estranheza e desperta reações ambíguas. É que a ironia de Hoineff às vezes pode soar brutal para a sensível audiência dos anos 2010, sobretudo a maneira como ele explora a imagem do homem do povo. Tratadas como figuras arquetípicas da imbecilidade, homens e mulheres humildes são a todo tempo ridicularizados por suas opiniões e costumes. Funcionam como uma espécie de “prova viva” de mazelas político-sociais apresentadas no mesmo tom burlesco que perpassa todo o filme. Aos poucos, contudo, os idiotas de Hoineff vão adquirindo sentido, revelando sua forma, até ganharem inesperada densidade política. Nesse ponto, a subjetividade “idiotizada” do brasileiro emerge como fruto de estruturas menos óbvias e aparece atrelada aos efeitos perversos de uma mídia que produz apenas “conteúdos imbecilizantes”; de uma sociedade que convive com o rebaixamento da cultura; de uma estrutura educacional mecanizada; e, espe-


cialmente, da castração do pensamento autônomo de toda uma geração promovida pela ditadura militar. Mesmo que não fosse essa sua pretensão, é inegável que o documentário, quando foi ao ar pela primeira vez, estabelecia um claro diálogo com o cenário político do país, à época imerso numa crise que terminaria com o impeachment do primeiro presidente eleito por voto popular desde a ascensão de Jânio Quadros. Mas, aplicada àquele contexto, a revolução dos idiotas vivia sua derradeira consumação ou, ao contrário, tinha nele um momento inaugural? Quando Nelson Rodrigues afirmou que “o grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”, a internet ainda não existia. Nem o século XXI. Sua polêmica sentença é de um tempo anterior àquele no qual transformamos ilustres (quase) desconhecidos em membros permanentes da nossa vida cotidiana. Foi com as redes sociais que passamos a conhecer os gostos desse estranho. Observar de perto suas opiniões e posições políticas. Conviver com suas visões de mundo. E passamos a odiá-lo por isso. Porque só aí é que você descobre que aquele cara gente fina do violão curte o deputado homofóbico que faz apologia à tortura. Que o primo do primo do primo acha que saia curta justifica estupro. Que a colega do jardim de infância odeia nordestino. E eis que de repente, não mais que de repente, você se dá conta de que está cercado por idiotas ainda mais idiotas que os idiotas do Hoineff e Nelson Rodrigues juntos. Creio que nisso reside a pertinência de se resgatar A revolução dos idiotas no atual contexto político nacional. Porque descobrimos, talvez tarde demais, que o microcefalismo social preconizado por Nelson Rodrigues ainda está em pleno curso, prestes a um desfecho vitorioso, perto de gritar

15


“é tetra”. Entretanto os idiotas de hoje não são mais os descamisados de outrora. Hoje eles vestem uniforme. Por cima das camisas negras, a interinidade amarelo ovo da pátria e do pato. Amanhã vai ser outro dia. Sabemos disso. Mas por hora a única previsão confiável é a da moça da meteorologia:

“Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O Brasil está sendo varrido por fortes ventos.”

16


s A revolução dos idiota

17


18

Título:

Notícias de um sequestro

Autor:

Douglas Duarte

Ao contrário do que gostamos de admitir, muitas vezes saímos para filmar sem uma ideia muito precisa do filme que será feito – isso é especialmente real nos documentários. Glorificamos isso afirmando que temos um “dispositivo poroso”, enaltecemos nossa “abertura para o acaso” e citamos alguém (Coutinho é um alvo frequente) para afirmar que documentários são sempre o “registro de um encontro”. Mas o que acontece quando nossos planos são sequestrados pelas circunstâncias? A revolução não será televisionada é um desses casos. Aqui, dois documentaristas televisivos irlandeses são pegos de surpresa dentro do Palácio Miraflores enquanto se desenrola um golpe contra o presidente Hugo Chávez. O plano inicial era, como são muitas planos iniciais, formalistas: a ideia era filmar, à la cinema direto americano, o torvelinho humano que era Chávez no comando da Venezuela. Os planos iniciais são rapidamente abandonados quando o que era o retrato de um líder carismático – algo não necessariamente narrativo – ganha um plot vindo do extracampo: à revelia de todos, líderes da oposição se unem a militares e às raposas da mídia


local para derrubar Chávez. E, pra melhorar as coisas, a guarda presidencial reverte a situação cercando o palácio, prendendo os líderes do putsch e trazendo Chávez de volta. Parte do registro mantém formalmente a ideia inicial achegada ao cinema direto. Há gente suficientemente ocupada para ignorar as câmeras, confiança dos meses passados (e muita desorganização) para garantir acesso ao olho do furacão. A montagem, contudo, vira de ponta-cabeça. Há cartelas, locução, trilha sonora e também materiais de arquivo. De todas as violações puníveis pelo código xiita do cinema direto, nem o uso de entrevistas contextualizadoras se salva: há uma, em que um executivo de televisão demitido nesse mesmo dia rememora os eventos. Não me surpreenderia se muitos críticos e acadêmicos achassem o filme bom a despeito de si mesmo. De fato, não há descobertas formais aqui; a arte documental avança em nada com a existência ou não de A revolução não será televisionada. Ao mesmo tempo, como ignorar a riqueza de assistir de camarote o cair e levantar de um dos maiores líderes políticos do continente? Diversas dessas questões surgiram para mim de maneira inescapável enquanto filmava meu último filme, no momento intitulado Excelentíssimos. O projeto inicial, concebido como um retrato de pessoas anônimas e famosas no Congresso Nacional, rapidamente se tornou insuficiente quando nos demos conta de que aqueles atores-roteiristas estavam empenhados em algo ainda maior que o vislumbrado na fase de estruturação do projeto. Como manter nossa proposta formalista de retratar de maneira observacional apenas pessoas dentro do Congresso quando ficou claro que boa parte delas estava empenhada em derrubar a Presidente da República e que duas

19


enormes multidões do lado de fora, mal contidas por um enorme aparato policial, deixavam claras suas intenções de apoiar ou se opor ao golpe? Para citar apenas um detalhe ao mesmo tempo insignificante e enorme: quando sucumbimos à realidade de que teríamos de filmar as grandes manifestações de rua, convencionamos que não andaríamos junto com as passeatas pró-derrubada. Nós, nossas câmeras, o dispositivo, o filme, não marcharíamos ao lado de quem buscava a ruptura institucional. E assim fizemos uma, duas, três, quatro passeatas.

20

Mas o que fazer quando trinta parlamentares da oposição, com cartazetes, suando aos berros, gravatas ofuscando sob o sol, partem em trote rápido em direção ao vizinho Palácio do Planalto para lá jogar uma mala com dinheiro de mentira? Não havia uma massa enorme para passar qual rebanho por nós. E havia muito ali naquele grupo em expressões, pequenos diálogos, tropeços de corpo, que é riquíssimo. Que não poderia ser abandonado. Nesse dia deixamos nosso formalismo de lado e, sim, marchamos a contragosto – em mais de um sentido – ao lado dos parlamentares que pediam a saída de Dilma. Não nos tomou mais que dois segundos para tomar essa decisão enorme. Talvez tenhamos sido levianos. O filme que estamos montando no momento em que escrevo isso será a prova final. Há um fenômeno psicológico interessante que vi acontecendo em outros projetos e nesse foi radicalizado. Na fase formalista, quase qualquer tipo de material poderia se tornar potente a depender de nossa abordagem. Isso significava que o ônus estava sempre sobre nós e nossas decisões, o que pode ser bastante exaustivo, se ainda se contarem as horas longas de pé, com equipe pequena, refeições precárias etc.


Mas acontecia um fenômeno interessante quando, por uma razão ou outra, uma personagem tomava as rédeas dos acontecimentos e era possível apenas perseguir o que acontecia da melhor forma. Era como se as energias antes dispersas qual peixes num aquário finalmente se dessem conta de que eram cardume e se movessem na mesma direção sem que um sussurro fosse necessário. Era, de alguma forma estranha, uma relaxante forma de sequestro. Cabe lembrar aqui que o sequestro é uma mola importante nos filmes documentários. Dois de meus documentários de cabeceira são assim. Idi Amin, um autorretrato, de Barbet Schroeder, e Teodorico, imperador do sertão, de Coutinho. Em ambos, o caráter autoritário de suas personagens se torna tanto mais evidente quando os diretores cedem o mando do filme aos homens diante da câmera. É uma operação que conjuga inteligência com uma dose nada pequena de cinismo. Os diretores sabem que ser senhor de um pedaço de África ou de um pedaço de semiárido não qualifica ninguém a ser domador de ideias em movimento. Qualquer diretor sabe em primeira mão que a matéria com que lida é xucra, rebelde e guerrilheira. Sabem que os coices que já os atingiram agora chegarão às suas personagens, e aproveitam isso. Outra questão a ser levantada aqui é da oposição entre dois valores igualmente caros à arte documental: a sutileza e o extraordinário. Isso é especialmente real em dinâmicas políticas. É raro que homens e mulheres fazendo História deixem entrever sua vida interior. É com emoção, por exemplo, que vemos as mãos de Jackie Kennedy se retorcerem em Primárias, de Robert Drew. O frisson é tanto que não nos damos conta de quão pouco aquilo realmente diz sobre o complexo mundo em que aquele casal habitava naquele momento.

21


Em A revolução..., o que de mais íntimo vemos de Chávez é quando se desculpa com os diretores por não ter podido falar durante os momentos mais tensos de crise. Ou quando brinca, meras horas depois de deixar a prisão, que os golpistas levaram o sistema de som. Quase todo o resto joga o filme para o histórico e o jornalístico. Verbos tornamse mais importantes que adjetivos. Gostaria de argumentar aqui que isso não é necessariamente mau. Há ferramentas diferentes para filmes diferentes. A abordagem informativa do filme irlandês também gera reflexões úteis para o documentário. 22

Com um material bruto de mais de 200 horas espalhadas por sete meses de filmagem, os cineastas preferiam uma abordagem mais contextualizada, em que o golpe era parte de um todo maior. O montador tinha como parâmetro “não entediar os espectadores”. O produtor responsável favorecia um filme centrado no golpe. Um grupo de financiadores preferia que houvesse um tom de testemunha ocular numa situação de risco. E alguns dos financiadores, especialmente a BBC, forçaram a mão, grosso modo, para que o filme fosse mais opinativo, tomasse mais lado, contrastando assim com a cobertura “isenta” que a rede já havia feito da situação venezuelana nos meses anteriores. Todos esses fios se uniram de forma complexa e matizada na montagem final. O filme se constrói fortemente como desenrolado em poucos dias antes e horas depois do golpe. Contudo, há material de meses antes montado para dar a impressão de que assistimos a acontecimentos paralelos e urgentes. Em certo momento a locução em primeira pessoa aventa para o risco real de permanecer dentro do palácio depois que os golpistas ameaçam bombardeá-lo se Chávez não se entregar – embora, soube-se depois,


as imagens dessas horas tenham sido filmadas por um cinegrafista da TV pública e cedidas posteriormente à equipe irlandesa. Por fim, uma das poucas críticas feitas ao filme é que ele tem pouco contexto e um viés pró-Chávez, coisa que, aparentemente, os próprios diretores buscavam evitar. Por conta de seu cacoete informativo, o filme rendeu um diálogo cinematográfico interessante. É dos poucos casos em que um documentário ensejou outro documentário a refutá-lo diretamente. Pode-se extrapolar a contenda para uma luta sangrenta de réplicas e tréplicas cinematográficas, todas elas acolhidas em um último (ou penúltimo) filme dando conta de toda a polêmica. Filmes como A revolução não será televisionada oferecem um deslocamento interessante no eixo de irmandade entre filme e espectador. Em muitos, cria-se uma conexão entre espectador e retratado. Nesse, a conexão é entre os espectadores do filme e os espectadores da História – nós, os cineastas.

23


24

Título:

Um apelo ao passado – Editorial de O Globo, Rio de Janeiro, 26 de maio de 3016

Autor:

Rafucko

O ano é 3016, e a cidade é o Rio de Janeiro. Os seres humanos já habitam outros planetas e o trânsito intergaláctico é uma realidade. A Terra, ao contrário do que muitos previram, não terminou ou fora abandonada. Mas, aos poucos, tem virado mero apêndice do sistema solar. Fabrica algumas matérias-primas e serve de depósito para a Humanidade. Há alguns anos, grandes áreas começaram a ser transformadas em estacionamento de espaçonaves para visitantes e trabalhadores do planeta Terra. O próximo alvo é, exatamente, onde outrora esteve a cidade do Rio de Janeiro. Odebrecht XXII, que ganhou o Brasil de herança de seus ancestrais, negociava a obra com empreiteiras menores, que realizariam o serviço empregando mão de obra terceirizada – gerando, assim, menos custos com encargos trabalhistas para a família dona do país. O que antes fora Rio de Janeiro, entretanto, possuía um enorme entrave para a construção do estacionamento: havia muitas montanhas. Não se tratava, todavia, de um mero problema geográfico, posto que montanhas podem ser derrubadas com o auxílio de meia dúzia de grandes máquinas. Depois de muita análise, descobriu-se que as montanhas do Rio de Janeiro apresentavam um problema de ordem paranormal, que causava interferência em


ondas de rádio emitidas por e para as espaçonaves. O médium Orlando Botelho, que incorporava uma espécie de Cacique Interestelar, foi chamado pela família Real para solucionar o problema. Ao chegar no Morro da Providência, o primeiro morro a apresentar a interferência em solo outrora carioca, o médium viu as casas de classe média se transformarem em túmulos diante de seus olhos. Suas pernas enfraqueceram, e ele foi amparado por conselheiros do Governo que o acompanhavam. Em alguns minutos, sua visão voltou ao normal. O episódio se repetiu em outros morros da cidade, da Zona Sul à Zona Norte, de um lado e do outro do extinto Túnel Rebouças. Chegara à conclusão de que, nos morros cariocas, existiam cemitérios ancestrais não documentados, e que era a energia deles que desaparecia com as ondas de radiotransmissores naquelas regiões. Orlando Botelho, o médium, disse que invocaria as autoridades sobrenaturais responsáveis por esses cemitérios para que pudesse lhes pedir permissão para o uso da frequência de ondas que ali se encontrava ocupada pelo plano espiritual. E assim se fez: Botelho se encontrou com três espécies de guardiões daqueles cemitérios. Para o médium, eram figuras totalmente novas, mas o leitor, que se encontra a dez séculos de distância do ocorrido, saberia reconhecer os três guardiões que acabaram de se materializar na sua frente, ao redor de uma mesa posta com a toalha branca e uma vela gorda no centro: o primeiro, era um policial militar de uma UPP, polícia anterior ao Exército Intergaláctico do Brasil, o segundo, José Mariano Beltrame, ex-secretário de Segurança do RJ, e o terceiro, William Bonner, apresentador do maior telejornal do milênio anterior. NOTA: Em 3016, o fluxo de informações é tão grande que já não é mais possível encontrar as

25


informações que se quer – no caso de Orlando, quem eram as figuras sentadas à sua frente. O médium, então, perguntou, educadamente: – Como podemos resolver este impasse, ó divindades, sem que para isso precisemos atrapalhá-los.

26

O primeiro a se pronunciar foi o Policial Militar. Perguntou se o médium sabia o que significava UPP, ao que recebeu uma resposta negativa. “As UPP eram, nominalmente, as Unidades de Polícia Pacificadora. No longínquo ano de 2020, a mídia da época descobriu que de pacificadoras as UPP não tinham nada. Eram centros de tortura, verdadeiros governos paralelos em territórios – os morros – que viviam sob estado de exceção, e onde ocorreram muitas mortes de inocentes no passado.” “Estamos presos à condição de guardiões destes cemitérios porque fomos nós os responsáveis por essas mortes. Eu as executava”, disse o PM. Beltrame tomou para si a palavra, e complementou: “Eu mandava. Cada baixa era uma tragédia para nós, mas, você sabe, não se faz uma omelete sem quebrar alguns ovos”. Bonner esperou alguns segundos, criando uma expectativa dramática para sua fala. “E eu cobria. Eu sei que quanto mais pessoas soubessem o que acontecia de fato nas UPP, mais difícil seria para eles dois levar adiante essa política”, disse, sem pudor, apontando para os outros dois hologramas que se apresentavam naquela mesa. O médium, vendo que as luzes que formavam aquelas figuras iam enfraquecendo-se diante de seus olhos, se apressou em perguntar o que importava naquele momento: “Como podemos utilizar este espaço sem interferências nas ondas de rádio?”, ao que Beltrame respondeu: “Vocês não podem construir o novo passando por cima da nossa história”, sumindo logo em seguida.


O médium comunicou às autoridades o ocorrido, e disse que nada mais podia fazer pra alterar o curso daquelas áreas específicas. O estacionamento não foi construído. Os morros não foram derrubados e as fronteiras invisíveis não foram ultrapassadas. O ano é 3016, e ainda não inventaram a viagem no tempo. Se eu pudesse dar um conselho ao leitor que se encontra a dez séculos de distância, diria que vocês precisam encontrar uma outra forma de lidar com a guerra que está em curso. Mudar a história se faz no presente, e não no futuro.

27


Título:

De Huey de 68 a Rafael Braga de 2016

Autora:

Ellen Paes

“Panteras negras são animais belos e negros que nunca atacam. Mas se defendem ferozmente.” 28

Essa frase, que explica o significado do Partido Pantera Negra para Autodefesa, no documentário Black Panthers de Agnès Varda, fixa na mente e nos remete ao passado e, infelizmente, ao presente. O filme acompanhou uma reunião dos Panteras Negras na cidade de Oakland, na Califórnia (EUA). Como bem diz a narração, apesar do clima de música, dança e celebração, não se tratava de um piquenique. Era um ato político em apoio a Huey Newton, um dos líderes do partido, que havia sido preso após um embate com a polícia, que terminou na morte de um policial. A comunidade pedia liberdade a Huey e o evento foi marcado por muitos discursos que hoje podem servir como verdadeiras referências teórico -ideológicas para a militância negra em todo o mundo. O que se vê neste belíssimo registro de Varda é pura resistência. Uma comunidade negra completamente devastada pela violência estatal institucionalizada na figura da polícia, que é branca. Em uma das cidades com maior índice de violência contra negros da época.


Os Panteras Negras defendiam que a comunidade negra deveria se defender à altura. Pegar em armas. E tudo era respaldado pela lei. Na Califórnia era permitido ao cidadão o porte de armas. Só esqueceram que aos negros ainda não era legitimada a cidadania. Ainda era um tempo que a população preta precisava lutar para ser considerada gente, bela, honesta, admirável. O ano era 1968. Vários movimentos sociais se alastravam pelos Estados Unidos, influenciando todo o mundo. Houve guerra no Vietnã. Na Coreia do Norte. Surgiram os hippies e sua filosofia “faça amor não faça guerra”. Brancos que não sofriam perseguição policial pela cor da pele e podiam se dar ao luxo de tomar suas drogas enquanto defendiam a paz mundial. Eles não precisavam pegar em armas para se defender. Brasil, 2016. E não estamos muito longe da realidade norte-americana de 1968. Enquanto nossos novos hippies brancos pedem “Mais amor por favor” em lambes pelas cidades, sete jovens são mortos a cada duas horas. Duas horas. O tempo de um longametragem. Isso corresponde a 30 mil jovens entre 15 e 29 anos mortos por ano, dos quais 77% são pretos e pardos. A maioria dos assassinatos é praticada por armas de fogo e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados. A condição sub-humana das prisões sempre foi uma questão problemática. A vulnerabilidade da população negra nos países que mais receberam negros africanos na condição de escravos é um fato. No filme, Huey concede entrevista de dentro da penitenciária e denuncia maus-tratos e censura. Em um dos discursos do ato, um líder fala que a violência institucional começou desde que o primeiro negro africano foi sequestrado e levado ao país. E

29


que, daí, todos os presos deveriam ser considerados políticos, pois são violentados por motivação racial, em primeiro lugar. É uma verdade que resiste à História. Não precisamos ir muito longe. Aqui mesmo, em nosso quintal carioca, temos o exemplo recente de Rafael Braga e sua tripla qualificação: negro, pobre, morador de rua.

30

Foi preso em meio a milhares de outros jovens, como bode expiatório das manifestações de junho de 2013. A polícia disse que ele portava um coquetel molotov e Rafael defendeu que havia achado um Pinho Sol e uma água sanitária no lugar em que costumava dormir. Andava pela Lapa quando se deparou com os protestos, foi pego pelos policiais, espancado e detido. Segundo ele, o produto já não estava mais com a cor de origem e havia um pedaço de pano na boca da garrafa. Fala que foi forjado. Mas não importa. Rafael já estava condenado por quem é, antes mesmo de abrir a boca. A realidade do sistema carcerário brasileiro não difere muito da norte-americana. É composta basicamente por pretos e pobres: segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, dois em cada três presos no Brasil são negros. Um sinal de que a justiça tem cor e que nossas prisões são as nossas novas senzalas. As comunidades periféricas também. A violência policial presente no documentário e que motivava a reação do grupo dos Panteras Negras é observada e denunciada dia a dia pelo Movimento Negro brasileiro, sem tanta comoção da sociedade. Na periferia se mata todos os dias. Em 2015 chamou atenção o caso dos cinco adolescentes que foram fuzilados dentro de um carro em Costa Barros, na Zona Norte do Rio. Foram 111 tiros de pistola e fuzil contra eles. Esses não tiveram nem o direito à defesa.


Nem mesmo à defesa falha, de uma Justiça arbitrária e racista. Armas Havia um clima novo em 68 que já não é mais novidade em 2016. Mas se as estruturas não mudam, que o resgate daquele sentimento persevere e sobreviva. Mais amor para quem? Hoje as armas continuam e não importam muito as leis, pois negro armado será sempre o bandido. Há outras armas também. No documentário o orgulho negro presente na ideia do Poder Negro, o famigerado Black Power, voltou à tona nestes tempos de retomada de consciência da comunidade preta. Uns chamam de moda, eu prefiro chamar de resistência. A fala de Kathleen Cleaver, ativista e secretária de comunicação dos Panteras Negras no filme, ainda faz sentido para muitas mulheres negras hoje. Ela fala da necessidade de desconstrução dos estereótipos do belo, sempre eurocêntricos, sempre brancos, sempre opressores. À época, jovens peregrinavam às casas das pessoas para falar sobre eles. De negros para negros. Protagonizando suas histórias que por tanto tempo foram contadas por outros... brancos. Eram muitos negros analfabetos. Não havia internet. Hoje as palavras de Kathleen viralizam nas redes sociais. E ainda inspiram e estimulam meninas a assumirem seus cabelos naturais, sua estética preta, seus narizes largos, suas várias tonalidades de cores de pele negra. Black is beautiful! Há um novo código na rua e entendo que a mensagem é: somos gente, continuamos lutando para ser gente e pegamos em armas: sejam elas quais forem.

31


Que sejam tranças, música, dança. De passinho em passinho. Nas batalhas. Descobrir-se negro continua sendo uma afronta.

32


Os Panteras Negras

33


34

Título:

A invenção de novas possibilidades de vida

Autora:

Fabiana Castelo Valadares

“Cada um que se vire”. É assim que Raquel Rolnik definiu a política habitacional brasileira. Pensei nessa definição porque o filme Ritmos de resistência começa com uma cena da praia ao fundo e o contraste entre os prédios da orla da Zona Sul carioca e a arquitetura da favela do Cantagalo. O destaque especial vai para a trilha sonora: tiros. Por isso, proponho abordar três elementos para essa breve análise: resistência, arquitetura e tiros. Resistência é definida no dicionário como “qualidade de um corpo que reage contra a ação de outro corpo. Aptidão para suportar a fadiga, a fome, o esforço. Defesa contra um ataque. Oposição, reação recusa a submissão à vontade de outrem: obedecer sem resistência. Força que se opõe ao movimento; inércia. Eletricidade. Resistência dos materiais, ciência que tem como objetivo determinar as dimensões dos elementos de uma construção para que possam resistir à tensão que terão de suportar. Resistência passiva, a que se faz sem revide, sem apelo à violência”. Acredito que o filme opera todos os conceitos de resistência transcritos. Em “um corpo que reage” podemos pensar na própria música como expressão artística. Nesse sentido acompanham as narrativas


e as cenas de grupos musicais que vivem a vida da favela ocupada pela UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Tais ritmos revelam que o discurso oficial da pacificação “não é paz, é medo”. Logo, a resistência também se mostra como “suportar a fadiga”. O discurso oficial, apresentado na entrevista com o policial, destaca a “defesa contra um ataque”. Nesse discurso o programa da UPP se afirma como a garantia do monopólio da violência por parte do Estado, que, no Brasil, é o principal responsável pela morte da população jovem e negra. Segundo o entrevistado, a UPP foi criada para mudar os discursos sobre o país, que, até então, eram restritos ao futebol, samba e guerra entre “favelas controladas por traficantes”. A seu ver a política de segurança aplicada trata-se de “força que se opõe ao movimento”, ou seja, o Estado deveria nesse projeto de cidade se opor ao tráfico, o que não é uma realidade. Experiências e estudos em várias culturas apontam que a oposição efetiva ao tráfico é a legalização de todo o processo de produção, comércio e consumo das drogas ilegais, o que eliminaria também grande parte do comércio ilegal de armas de fogo, que é o principal meio pelo qual as mortes por violência ocorrem no país. Eletricidade, emaranhados de fios que detêm as brincadeiras das crianças, a pipa, a TV ligada no bar, onde um morador foi agredido, preso e alvejado por policiais. A “construção para que possam resistir” como as casas, a infância e a diversão. Os sentidos resistem “sem apelo à violência”? A favela é um ato de resistência. Resistência à segregação cultural e política, cujas marcas são concretas e definidas pela ocupação irregular e subequipada em termos de serviços coletivos. O que se expressa no “cada um que se vire”: com a dificuldade de acesso dos becos, vielas e escadarias;

35


com a precariedade da destinação dos lixos; com as restrições no abastecimento; e com a restrição de direitos, derivada da UPP. A arquitetura, em contraste, mostra diariamente que há outras formas de interagir com o espaço público, e ao mesmo tempo reforça a opressão de uns que podem ter discurso, e outros que devem ser silenciados.

36

O tiro. A expressão máxima da violência é o homicídio. O homicídio é negar definitivamente ao outro o direito ao discurso. Numa sociedade desigual, opressora e pouco democrática, o tiro tem destino certo: aqueles que não podem falar. E quem não pode falar no país é aquele que não tem poder econômico, que tem seu lugar de moradia marcado no recorte urbano. O Estado opera, por meio de suas políticas de segurança, esse processo de silenciamento, e mata seus policiais: “O policial que procurou ajuda para o jovem ferido não foi mais visto com vida”, “o policial foi executado por eles mesmos, porque ele não queria matar os rapazes”. Quem não pode falar? Sob que ritmo é possível falar e se fazer ouvir? Essas são questões bastante atuais uma vez que, frente a um cenário político incerto, cabe à arte “a invenção de novas possibilidades de vida” como aponta Deleuze. E essa me parece a grande aposta do filme.


Ritmos de resistĂŞncia

37


38

Título:

Rio cidade olímpica olímpica carioca

Autora:

Janaína Castro Alves

ou

a

distopia

Seria cômico se não fosse trágico receber os Jogos Olímpicos de 2016 na cidade do Rio de Janeiro – e infelizmente não estamos nos referindo apenas ao divertidíssimo curta-metragem Rio cidade olímpica de Cláudio Felício. O filme traz imagens de arquivo da cidade do Rio de Janeiro narradas como se fossem imagens da preparação para os jogos olímpicos atuais. No filme a “segurança” é reforçada e vemos além de imagens de ostentação militar e de agentes da leiagredindo pessoas não armadas. Na Cidade Olímpica teremos quadro semelhante: além das Forças Armadas ocuparem favelas do Complexo da Maré, Manguinhos, Acari e todo o entorno do Parque Olímpico de Deodoro, criou-se ainda a Lei Geral das Olimpíadas e reconheceu-se a tipificação criminal do termo “terrorista”, um ataque claro aos movimentos sociais disfarçado pelos ideais olímpicos pacificadores. Usando humor ácido para narrar as imagens de arquivo da cidade maravilhosa, o curta traz as imagens da cidade em transformação – inauguração da Perimetral e túnel de Copacabana –, num paralelo com as obras faraônicas do legado olímpico contemporâneo.


Os Jogos Olímpicos foram a força motriz perfeita para a mercantilização da cidade do Rio de Janeiro através da gentrificação. Bairros antes abandonados se tornaram “a menina dos olhos” dos investidores, especialmente para fins de especulação imobiliária. Na região central e portuária da cidade temos os bairros do Santo Cristo, Saúde, Morro da Providência, Morro da Conceição e Praça Mauá sofrendo com remoções, encarecimento dos impostos e taxas e a impossibilidade da população local de baixa renda se manter nos bairros. Na Zona Oeste, próxima aos gigantescos estádios, ginásios e alojamentos olímpicos fica a Vila Autódromo, um bairro formado à época da construção do Autódromo do Rio de Janeiro. Nos anos 1990, eles conseguiram a regulação fundiária, tendo o direito de permanecer no bairro por mais 99 anos. Ainda com todos os direitos garantidos dentro da lei, os moradores tiveram que lutar por anos para continuar em suas casas. A maioria dos residentes foi removida, num jogo sujo feito pelo poder público e as construtoras que financiam campanhas eleitorais. Ameaças, agressão física, assédio e constrangimento foram algumas das técnicas usadas para fazer com que os moradores da Vila Autódromo saíssem de suas casas. Algumas poucas famílias ainda estão em fase de negociação para manutenção de suas casas, mas quase mil famílias que compunham o bairro saíram de lá. O modelo de cidade desenvolvido a partir do anúncio de que o Rio de Janeiro sediaria os Jogos de 2016 é um modelo excludente, onde apenas as transações financeiras milionárias têm importância, e os interesses sociais comuns não têm nenhum peso nas escolhas da gestão pública. Assim como no curtametragem de Felício, a aura que ronda a realização dos jogos foca no progresso para as classes altas e repressão para as classes mais baixas. A Cidade

39


40

Olímpica é de quem pode comprá-la, de quem pode desfrutá-la. Violações de direitos humanos, como o direito à moradia e à ocupação militarizada do espaço urbano são parte do protocolo de realização de um grande evento em um país em desenvolvimento. Os ideais olímpicos de inclusão e integração deveriam pautar não só o marketing dos patrocinadores olímpicos, mas também a construção de infraestrutura para que o evento seja realizado. Infelizmente teremos as Olimpíadas da exclusão, das remoções e das violações de direitos. Seria incrível se a nossa maior questão olímpica fosse ter Liza Minnelli como coreógrafa da cerimônia de abertura ou a reprovação da rainha da Inglaterra, como no curta Rio cidade olímpica. Nossa maior questão é como trazer luz a todas essas violações e transformações. É necessário tornar público que por traz da gigantesca estrutura olímpica há o suor de muitos – não atletas –, de gente que resiste contra os avanços das violações. Quem sabe os próximos jogos olímpicos serão marcados pelo avanço na promoção dos direitos humanos e não na violação sistemática deles?


Rio cidade olĂ­mpica

41


42

Título:

Lei, ordem e a policialização do cotidiano: de Kansas City ao Rio de Janeiro

Autora:

Carolina Christoph Grillo

A polícia é necessariamente uma instituição conservadora. O seu princípio básico é utilizarse da força para garantir a obediência à Lei e a manutenção da Ordem: uma law enforcement agency ou force de l’ordre. Como ainda não existiu sobre a face da terra uma “sociedade justa” – ou, pelo menos, nenhuma em que houvesse polícia –, o objetivo dessa instituição é essencialmente a conservação das relações de poder que reproduzem as desigualdades (de raça, gênero, acesso aos meios de produção, etc.). Num pretenso Estado de Direito, a função conservadora da polícia é desejável. Portanto, as críticas dirigidas a essas instituições concentram-se, à esquerda, na denúncia de que elas próprias não seguem a Lei e, à direita, na queixa de que não asseguram a Ordem. De um lado, pedem protocolos de ação que respeitem as garantias individuais e maior controle sobre a atuação dos agentes; de outro, pedem mais polícia e mais punição a qualquer custo. Numa ponta a reforma, na outra, a intensificação da repressão. O filme de Frederick Wiseman mostra o cotidiano de um departamento de polícia atravessado por esses dois vetores da crítica. Numa América em que os


cidadãos temiam andar nas ruas das cidades à noite (palavras de Nixon), os agentes policiais trabalhavam para combater o crime e prover segurança à população, mesmo que isso implicasse em destruir portas de residências e subjugar suspeitos com truculência. Mas no ano de lançamento do filme (1969), essa mesma América vinha também se adaptando à novidade da igualdade de direitos civis para os negros, conquistada por meio das lutas sociais que haviam se acirrado desde a década anterior. Queixas de abuso e arbitrariedade passaram a integrar as rotinas policiais, impelindo o comando da instituição a repreender seus agentes e orientá-los a reformular suas práticas de abordagem. O documentário centra-se num bairro negro de Kansas City (Missouri), cidade onde, em abril de 1968, a notícia do assassinato de Martin Luther King motivara revoltas populares reprimidas por cerca de 3 mil agentes das forças de ordem e um toque de recolher com uma semana de duração. Nesse mesmo estado, em 2014, a morte do jovem negro Michael Brown por um agente do Departamento de Polícia de Ferguson conduziu à eclosão de um dos mais importantes episódios de mobilização popular contra a violência policial e o racismo dos últimos anos nos Estados Unidos – o Ferguson Unrest. Mas a história norte-americana recente ainda não proporcionou outro período de ebulição dos conflitos raciais que se compare às lutas do Civil Rights Movement da década de 1960. E é justamente nessa década que Wiseman nos convida a observar a interação cotidiana entre policiais – em sua maioria, brancos – e a população negra. Como era de se esperar, o documentário é atravessado por revoltantes cenas de abuso, como a do adolescente negro agredido em retaliação à sua audácia verbal e a do sufocamento absolutamente desnecessário de uma prostituta também negra. Só

43


que a grande surpresa do filme é descobrir que, para além do combate ao crime, boa parte do trabalho policial destina-se à proteção social e à gestão de pequenos conflitos: a criança pequena que se perde dos pais, o menino que falta às aulas, o taxista que não devolve o devido troco à passageira, etc. A polícia emerge como o principal instrumento de ação do Estado, regulando as condutas rotineiras dos cidadãos e mediando conflitos das mais variadas naturezas. É não apenas a instituição que atua na ponta do Sistema de Justiça Criminal, mas também é a responsável pela interface da população com diversos outros serviços públicos.

44

O protagonismo das forças policiais no ordenamento da vida nas cidades integra um processo histórico transnacional de crescente e expansiva militarização da gestão urbana e policialização das condutas. Processo este que ainda se iniciava à época do filme, asseverando-se nas décadas posteriores. As manifestações dessa tendência global variaram bastante de um contexto a outro, dadas as diferentes conjunturas que se apresentaram em cada país ou cidade, o que não nos impede de observar continuidades que atravessam décadas e continentes. Ao refletirmos sobre o Rio de Janeiro de hoje a partir de questões levantadas pelo Lei e ordem de Frederick Wiseman, é preciso manter em vista a óbvia constatação de que a Kansas City da década de 1960 não é o Rio de Janeiro do século XXI. Por certo, a Polícia Militar do Rio de Janeiro é muito mais violenta do que a polícia de Kansas City e lida com uma criminalidade igualmente mais violenta. No entanto, a polícia é a mesma instituição conservadora empenhada no controle dos pobres e negros, visando à manutenção das relações de poder. É também aqui a instituição que protagoniza as relações do Estado com a população pobre, subs-


tituindo a suposta “ausência do Estado” por uma presença de péssima qualidade. O que não são – ou foram – as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) senão a coroação da Polícia Militar como o principal instrumento de ação do Estado nas favelas? A mesma instituição que até a véspera só entrava nessas áreas para matar e prender foi, de súbito, encarregada de regular as minúcias do cotidiano nas favelas. O uso dos espaços públicos, o volume do som nas residências, a coleta do lixo, a organização dos sistemas de transporte alternativo e tantas outras dimensões da vida social local passaram a ser geridas pelos mesmos agentes que, armados, abordavam os passantes para revistá-los e solicitar seus documentos. Os mesmos agentes que eram sabidamente responsáveis por mortes e desaparecimentos forçados, como o de Amarildo. Embora o documentário de Wiseman não mostre uma polícia letal como a nossa, revela que os negros de Kansas City se viam igualmente sujeitos às ingerências dessa instituição em suas vidas. Para remover um parente falecido ou mediar conflitos domésticos, não tinham outra alternativa senão recorrer aos mesmos agentes que humilhavam seus pares e derrubavam as portas de suas residências. O filme, contudo, não deixa de retratar a altivez do cidadão negro diante da polícia. Olhares e palavras desafiantes trazem para a cena as vitórias de um período de intensa resistência, que ainda não se viu igual no Brasil. Período que talvez ainda esteja por vir, projetando-se a partir de cada lágrima de dor derramada pelos que sofrem com a violência sistematicamente perpetrada pelo Estado por meio da polícia.

45


46

Título:

Um filme como todos na luta dos estudantes

Autor:

Marcelo Castañeda

Sentados em um gramado tendo a cidade ao fundo, estudantes universitários e trabalhadores tecem uma espécie de autocrítica acerca dos acontecimentos do ano de 1968 na França. Entre cigarros e diálogos instigantes se passam os fatos e imagens do ano que não terminou para muitos, que continua até os dias atuais mesmo que passando da contestação para a composição da dinâmica do capitalismo contemporâneo. Como traçar paralelos entre o filme de Godard e a luta dos estudantes secundaristas que ocupam suas escolas e contamina o Brasil? Com sua aparição insurgente em novembro do ano passado em São Paulo, inspirados no exemplo dos estudantes chilenos e fazendo uso de uma variedade de táticas, eles conseguiram ao menos parar o projeto de reorganização das escolas proposto arbitrariamente pelo governo do Estado. Essa luta extravasou São Paulo e foi parar em Goiás para chegar no Rio de Janeiro, no Ceará, no Rio Grande do Sul e, quando escrevo essas linhas, no Paraná. Até no Paraguai teve ocupação de escolas. Vou tentar estabelecer uma ligação entre o momento de 1968 e a inovação provocada no campo de


lutas e no capitalismo com a perspectiva antidisciplinar e a luta desses estudantes secundaristas que aparecem como atores políticos do terceiro milênio hiperconectados, horizontalizados e como lideranças distribuídas. Para ambos os contextos, perseverar na luta é o sucesso. Eram estudantes universitários com trabalhadores em 1968 e agora são estudantes secundaristas contaminando a sociedade, gerando uma solidariedade e uma ênfase na educação pública. De uma forma geral, são os estudantes contra uma forma específica de fazer política como representação. A discussão sobre revolução aparece mais marcada no filme e traz um aporte interessante para pensar que um estudante revolucionário é aquele que está em luta com os trabalhadores, participando de seus processos de exploração e contestação, rompendo com a condição privilegiada de intelectual. Essa marca não aparece no estudante secundarista de escola pública que luta na e contra a precariedade de suas condições contra os conluios entre Estado e mercado, que têm seus tentáculos na educação pública. Os dilemas da ação coletiva aparecem no filme como sendo entre os reformistas que atuam por dentro do sistema, e os revolucionários que optam pela ação com os proletários ou mesmo pela guerrilha. De certa forma, os estudantes secundaristas pensam primeiro nas suas condições e extrapolam essa divisão entre reforma e revolução, pois querem uma educação que não seja normatizadora e ao mesmo tempo fazem uma revolução ao inaugurar um tempo próprio com suas ocupações repletas de atividades que lhes interessam. O filme marca que os estudantes ensinam e os trabalhadores mostram que a questão da fábrica passa por parar a produção com a necessidade do contato

47


entre as fábricas e a permissão de apoiadores participarem da greve. Os estudantes secundaristas sentem que precisam se abrir e contar com apoio social no tempo próprio que inauguram.

48

Uma questão que mudou muito de 1968 para os tempos atuais foi o fluxo da informação. O que era extremamente demorado hoje é instantâneo dependendo do uso que se faça das tecnologias, que abrem espaços de autonomia, mas que representam um controle também. Se vinte e quatro horas era um espaço de tempo do imediato em 1968, hoje temos algo como um tempo real de conexão a facilitar as trocas de informação e articulação, mesmo que a dimensão do controle faça essas práticas estarem sob risco permanente. A tática das ocupações aparece nos filmes em especial das universidades, pois os intelectuais não queriam mais escrever livros apenas, mas participar da mobilização de todos, em especial quando se vê cada mais inserido numa máquina de exploração. Lutam para diminuir a jornada de trabalho e enfrentam a repressão. A crítica contida na constatação de que todos somos vítimas do sistema está no fato de que o imobilismo não muda e que é na sociedade que se deve ser revolucionário, na medida que as reivindicações não são apenas de segmentos, mas de todos. E quando se consegue isso vamos além do fato de que tudo não passa de estética e economia política. Por fim, as greves selvagens de 1968 se encontram com as ocupações dos estudantes secundaristas que protestam nas ruas, nas redes da internet e que buscam apoio na sociedade. Como diz o slogan de 1968 que se repete na diferença até hoje: “A luta continua”.


Um filme como os outros

49


50

Título:

Awa

Autora:

Ana Gabriela Morim de Lima e Luisa Elvira Belaunde

Awá: “gente”, “pessoa”, “verdadeiramente humano” na língua Tupi. Assim, se autodenominam os AwáGuajá, um pequeno grupo de caçadores coletores que habita o noroeste do Maranhão; ficaram conhecidos como os “índios invisíveis” e fizeram contato pela primeira vez apenas em 1973. Assim, Carapirú, nosso personagem principal, também é carinhosamente chamado pelos amigos sertanejos que reconhecem e acolhem sua pessoa: Avá. Carapirú escapou de um atentado de fazendeiros sofrido por sua aldeia em 1978. Sobrevivente do fim do mundo, ele caminhou errante pelo mato e pelo sertão, sendo encontrado 10 anos depois a quase 2 mil km de onde havia partido. O sertanista Sydney Possuelo levou Carapirú para Brasília, onde por obra do acaso um intraduzível reencontro os esperava. Por mais distante que tenha ido, o nômade desaparecido jamais foi esquecido. Serras da desordem é um evento-fílmico que reconstrói a história de Carapirú, pessoa-personagem que revive e encena, ele mesmo, suas próprias lembranças. Fala sobre separação e reencontro, “a perda do tempo e a esperança”, como definiu o diretor Andrea Tonacci. Diferentes temporalidades se penetram, a narrativa se desenvolve entre a vivência


presente e a rememoração do passado. Um filme que não é dado, pelo contrário, exige grande atenção do espectador, que precisa deixar de lado a ansiedade provocada pelo não entendimento, a exigência pela rápida e completa inteligibilidade das cenas e ações. É preciso se abrir à experiência sensorial, visual e sonora, é preciso se deixar sentir. O tempo não apressado do filme diz muito sobre o jeito de Carapirú e sobre a estética da sociabilidade cotidiana dos povos indígenas: o tranquilo silêncio e a alegria do riso, a abundância de afeto e o medo do iminente perigo. E diz muito também àqueles que com eles buscam estabelecer uma relação: não é tão logo que se entende a sofrida história de Carapirú, que se compreende toda a complexidade do modo de vida desses povos que “reXistem” na Terra. É preciso cautela nessa aproximação com o filme, com o personagem e o seu povo que, por vontade própria, tornam-se visíveis para nós (ou não). A câmera passeia com intimidade: não é uma simples captura de objetos, são as pessoas que se tornam visíveis para ela. Se no início temos a impressão de um olhar que espia, no fim, esse mesmo olhar se revela como “contação” de um sujeito. “O olhar documentário entra como ficção”, coloca Tonacci, e poderíamos complementar que não existe aqui um espectador absoluto ou transcendente, o evento-fílmico é pura relação, a partir da qual emerge um “real imaginado”. O filme promove um deslocamento essencial ao fugir da estereotipada alteridade do índio aos olhos do branco e adotar a perspectiva reversa de Carapirú, em seu profundo estranhamento à selvageria ocidental. Tal deslocamento provoca também a sensação de sermos os passageiros nesse trem-avião descarrilhado que atravessa a vida do povo

51


Awá; nos dá consciência da aceleração do tempo e do nosso devir-máquina mortífera. Desenvolvimento para quem? Foi a partir da construção da Estrada de Ferro Carajá pela Companhia Vale do Rio Doce que se intensifica o drama desse povo, os ataques, a perda de suas terras, a morte dos animais e da floresta do entorno, o atual confinamento e a restrição ao território, a situação de dependência em relação ao Estado.

52

O foco da câmera se coloca muitas vezes no rosto e nas expressões de Carapirú, nos transmitindo o sentimento de despertencimento do afetuoso guerreiro em relação à cidade, assim como sua enorme necessidade de contato físico e emocional. Ao mesmo tempo, as imagens nos fazem refletir sobre as tentativas de “amansamento” do personagem por parte das famílias que o acolhem, no sertão e na Funai. Carapirú aprende a se vestir, a comer com talheres e a usar o banheiro; menos sucesso tem ele com a montaria, o trabalho e as brincadeiras dos brancos. No regresso ao seio dos seus ancestrais, a aldeia perdida, entretanto, já está completamente desfigurada em relação àquela que ele conhecera no passado, pois assim como Carapirú, seus parentes também passaram pela experiência do contato. Se por um lado, ele se demonstra completamente à vontade naquele ambiente que lhe é tão familiar, por outro, percebe-se a dificuldade dele em se despir novamente, a proximidade que ele mantém com o universo da cozinha de fogão à lenha que tocou profundamente sua vivência sertaneja. Serras da desordem não se restringe a uma interpretação sociopolítica e jurídica sobre a história de luta dos Awá-Guajá e demais povos indígenas pelo reconhecimento de seus direitos. Serras da desordem promove, sobretudo, um encontro com Avá, a pessoa de Carapirú. Um encontro com o ser humano. O filme nos mostra que o direito originário à terra não é


anônimo, mas vivido e experenciado por esses seres humanos de verdade, e que a luta política começa também como abertura à subjetividade do outro. Através do rosto de Carapirú, somos, enfim, capazes de enxergar a humanidade que lhe foi negada pelos fazendeiros, madeireiros e mineradores que viam e ainda veem essas pessoas como “bichos” a serem caçados e exterminados, “filhotes” a serem domesticados pelo progresso civilizador. Através do rosto de Carapirú, nos vemos como ele nos vê, como ele enxerga o nosso mundo. Tal imagem de nós mesmos é profundamente monstruosa e desumana. Referências bibliográficas: Texto: GARCIA, U.F. Karawara: a caça e o mundo dos AwáGuajá. Tese de Doutorado. São Paulo: Departamento de Antropologia – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social / USP, 2010. GONÇALVES, M. A. O real imaginado. Etnografia, cinema e surrealismo em Jean Rouch. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 2008. MAMEDE, L.; WATANABE, F.; YAMAJI, F.; MIRANDA, M. “Entrevista com Andrea Tonacci”. In: Revista Cinequanon. 2008. WATANABE, F. “Serras da Desordem”. In: Revista Paisà. Edição 8 (capa Cassavetes). 2007. Vídeos: reXistir na Terra – II Seminário em apoio à Mobilização Nacional Indígena. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2016. Sites: Instituto Socioambiental (ISA): http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guaja

53


54

Título:

50 x Maranhão 66

Autor:

Daniel Caetano

É bem adequado rever Maranhão 66 cinquenta anos após a sua feitura, na época do #OcupaMinC, da Lava-Jato e das denúncias que envolvem políticos de vários partidos, todos aliados tradicionais de José Sarney, cuja posse como governador do Maranhão o filme retratou. O filme de Glauber Rocha foi produzido no auge da movimentação cinemanovista, quando os filmes daquela geração rapidamente consagrada apresentavam ao resto do país e do mundo retratos um tanto perturbadores sobre a realidade do Brasil. Naquele momento, Glauber transformava a ocasião da posse do então jovem governador Sarney numa possibilidade de mostrar as condições de vida bastante precárias em que vivia a população do estado naqueles dias. E desde então o que de fato mudou? O Maranhão segue apresentando algumas das piores estatísticas relacionadas ao acesso a serviços públicos por parte da sua população, após quase cinquenta anos de domínio da família Sarney, com raras interrupções (numa delas, em 2006, chegando ao ponto de sua filha Roseana ser nomeada governadora do estado após ficar em segundo lugar nas eleições). O país passa por uma grave crise de representação, em que as oligarquias políticas, ameaçadas, dão seguidas demonstrações de força e os poderes institucionais


entram em conflito, no fio da navalha das normas jurídicas. E a “classe artística” se tornou uma expressão que, pretendendo agregar universos variados, acaba dando mais visibilidade a grupos específicos que, graças à notoriedade, ganham força política e condições de produção e difusão. A “classe artística” também lida com as oligarquias da mídia e os barões da produção artística, onde antiguidade é posto, mas só há destaque dentro do curto-circuito global. As muitas vezes questionada relação entre o cinemanovismo e os círculos de poder do Estado, relação que é fundamental no filme de Glauber, tomou parte numa tradição de jogo para poucos, que até hoje segue presente, mesmo diante do crescimento da produção e da ampliação dos esquemas de difusão. As relações políticas e as criações artísticas seguem estruturadas pela lógica classista e afetiva do patrimonialismo reinante, em detrimento de relações democráticas e igualitárias. Nas circunstâncias atuais, ainda é evidente o vigor do gesto de registrar as imagens de pessoas e locais distantes dos grandes centros e das imagens publicitárias. A realidade seca e doente de Maranhão 66, cinquenta anos depois, ainda pode provocar fortes e sinceros desejos de mobilização, nada nostálgicos diante de um universo real em que as relações sociais seguem marcadas pela pobreza, pela desigualdade de forças e pelo autoritarismo. Mas o filme ainda nos leva também à necessidade de uma reflexão autocrítica: em que medida o sincero desejo de intervenção que ainda hoje move filmes assim – um desejo de conexão entre a criação artística e a sociedade em que ela toma parte – pode manter sua plena liberdade crítica diante das relações de proximidade e afetividade com personagens e movimentos políticos que logo se tornam, eles mesmos, agentes da reação patrimonialista?

55


56

Título:

Muito além do Cidadão Kane

Autor:

Zeca Ferreira

Deve ser impossível, ao menos para um brasileiro, falar de Muito além do Cidadão Kane, documentário de Simon Hartog, sem remeter à polêmica que envolveu a sua (não) exibição no Brasil. Feito originalmente para a televisão britânica, o filme ganhou notoriedade ao protagonizar uma guerra jurídica capitaneada pela Rede Globo de Televisão, que acabou por impedir a sua exibição em território brasileiro (houve também a tentativa de proibir veiculação na televisão inglesa, mas, além dos limites da justiça brasileira, não obteve o mesmo sucesso. Lembro-me perfeitamente da sensação de ver esse filme pela primeira vez em meados da década de 90, em uma sessão clandestina realizada na Universidade de Campinas. A sessão ocorreu em uma das salas do ciclo básico da universidade inteiramente tomada por alunos de diferentes cursos. Precedida por uma fala solene dos organizadores detalhando as circunstâncias em que fora obtida a cópia proibida, a sessão deixava em cada um de nós a sensação cúmplice de estar cometendo uma transgressão. Esse sentimento, em plena era de liberdades democráticas, era o maior atestado de validade do discurso que o filme empregava. Por outro lado, foi justamente esse sentimento de compartilhar o proibido


o que eu retive na memória desse dia. Do filme, que só fui rever agora, para escrever esse texto, lembrava pouco. Ao longo de pouco mais de 90 minutos, Muito além do Cidadão Kane narra, de forma britanicamente didática, as circunstâncias em que a TV Globo surge, em pleno regime militar, sua consolidação nos anos que se seguem como império hegemônico de comunicação no Brasil e sua atuação no país ao longo das décadas seguintes, não hesitando em usar de seu poder para influir no cenário político nacional. Para quem já ostentava um certo posicionamento crítico em relação à forma como está organizado o sistema de comunicação no Brasil, o filme não apresentava grandes novidades factuais. O acordo inicial com a Time Life americana, o franco apoio à ditadura brasileira (já admitido pelas próprias Organizações Globo em “nota de arrependimento” recente), a formação de uma rede de afiliadas através de concessões distribuídas a políticos durante o governo Sarney, além de alguns já históricos casos de manipulação grosseira da notícia para influenciar a opinião pública (caso Proconsult; Diretas Já; edição do debate entre Collor e Lula), tudo isso já era bastante falado por aqui. Mas a união de todos esses elementos servindo a uma narrativa linear e didática acabava por desenhar o retrato de um país continental à sombra de um grande império de comunicação, a revelar os efeitos que um desequilíbrio midiático desse tamanho operam sobre o conjunto de uma população. Não é por acaso que o filme vez por outra retorna a uma mesma família, um casal com filho, reunidos em um sofá e tendo à sua frente um aparelho de televisão. Apresentados como uma típica família brasileira, os Silva, moradores de uma favela na periferia da cidade de Salvador, aparecem em quatro pequenas

57


58

inserções ao longo do filme. Na primeira, perguntados sobre que canais de televisão assistiriam, respondem de imediato: “Globo, só a Globo”; na segunda aparição, a esposa revela acompanhar religiosamente, de segunda a sábado, as três novelas exibidas todas as noites na grade da emissora; na terceira, atestam a credibilidade do noticiário da emissora: “se a notícia passa no Jornal Nacional, da Globo, eu creio que é verídica”, diz o senhor. Porém, na última aparição, ao serem perguntados sobre a exibição, no mesmo Jornal Nacional, dos já notórios trechos estrategicamente editados do debate entre Fernando Collor e Lula, na reta final da corrida presidencial de 1989, eles não hesitam em afirmar o caráter político ideológico da operação. “Ah, isso aí eu acho que foi dentro da Rede Globo. O Collor foi ajudado pela Rede Globo”, o senhor diz, acompanhado pela esposa, que completa “... isso aí tá parecendo mais baixaria do que mesmo uma discussão... Muito feio.” A contradição entre essa e as falas anteriores é justamente o que torna complexo o retrato trazido pelo filme, o retrato de um Brasil sentado de frente para a TV. A sempre falada manipulação operada por esses meios de comunicação, portanto, não é infalível, assim como a população não é, como muitos acreditam, inteiramente suscetível a esse tipo de estratégia – o que não a torna, claro, menos condenável ou menos perigosa. Isso nos sugere também, possibilidades mais efetivas no enfrentamento do problema da concentração midiática no Brasil que não pelo apontamento exclusivo desses momentos de esgarçamento, o que sempre pode soar como tentativa de interferência no conteúdo – não por acaso, essas empresas de comunicação, sem qualquer histórico de defesa da democracia, se amparem sempre nela para defender sua conduta. Interessante notar que, nessa revisão, aquilo que num primeiro momento me parecia fragilidade,


hoje me sugere o que de mais forte, em uma leitura política, o filme pode nos oferecer. Ainda que não possua total domínio sobre os fatos ou sobre a sua divulgação (menos ainda no período pós internet), a Rede Globo segue tendo força decisiva na construção da grande narrativa nacional. Acabamos muitas vezes por naturalizar a emissora como uma voz ininterrupta a ecoar diariamente pelas casas, consultórios, restaurantes do país; a dar números finais às grandes questões nacionais, sejam os enfrentamentos políticos ou mesmo transformações comportamentais. O que o didatismo da construção de Muito além do Cidadão Kane revela, ao fim, é a estupefação do olhar estrangeiro diante de um quadro claramente (para eles) de exceção. 59


60

Título:

A percepção da história em Arraial do Cabo

Autor:

Paulo Maia

Paulo César Saraceni e Mario Carneiro captaram um movimento diferente em Arraial do Cabo. O movimento que devemos perceber em uma imagem cinemática é a deformação do espaço em um tempo determinado. Na história, por sua vez, o que se percebe é a alteração espacial e temporal, é a redefinição do ambiente e do ritmo de um lugar. Em 1959, enquanto a televisão apresentava a Cuba socialista e o cinema projetava a Hiroshima resignada, o vilarejo de pescadores de que trata o filme contava as horas para a sua dissolução. Paulo e Mario documentaram o processo histórico desse contexto. Eles congelaram em um ritmo determinado a movimentação do espaço e do tempo na chegada da indústria na região. E fizeram isso registrando o que seria a extinção da cultura pesqueira típica dali. Uma comunidade tradicional cuja organização social e cultural estruturava-se na atividade pesqueira, no trabalho cooperativo e nas trocas vicinais. Em 1954, Arraial não era ainda uma cidade. É neste momento que a política desenvolvimentista nacional implementada por Getúlio Vargas cria a empresa estatal Álcalis, para a produção de barrilha, matéria-prima usada na fabricação de vidros. Instalada na paisagem agreste da região, a maqui-


naria transformou a restinga e impôs um contraste na relação com os trabalhadores do mar. O abandono da atividade pesqueira e da organização coletiva dos trabalhadores do mar foi dado como certo, devido à mudança no ritmo da vida imposta pelas máquinas e às novas relações sociais e culturais por ela obrigadas. Paulo e Mario simbolizam o processo de destruição cultural nas imagens que captam, no roteiro que propõem e no ritmo da montagem. Na dialética do filme, ouvimos de um lado a voz do mar e de outro um concerto de vozes de tubulações, elevadores, engrenagens. Não ouvimos homens, salvo um bêbado local que faz um mal captado discurso encomiástico a Getúlio Vargas, ensurdecido pelos motores dos caminhões. Estamos distantes, isolados pela câmera, acompanhando os contrastes apresentados. Assim é que os cineastas nos fazem perceber Arraial na sua transformação espacial e temporal. “Um tempo novo, que os pescadores recusam, incapazes de aceitar o trabalho com as máquinas” diz o narrador em off. Entretanto, ele mostra algo além disso. No final de Arraial do Cabo, o que percebemos é a conciliação entre pescadores e operários em um bar, talvez no único bar do local. O novo proletariado, na visão dos cineastas, absorve os trabalhadores do mar. Um tempo novo gera um novo espaço e novas relações sociais e culturais. Paulo César Saraceni e Mario Carneiro percebem este processo histórico e nos fazem ver o movimento de maneira dialética. O filme encerra-se no riso cordial de um grupo vencido. O signo cinematográfico que se tornou Arraial do Cabo é a história da derrota da cultura orgânica e da vitória do liberalismo desenvolvimentista industrial. Álcalis enterrou-se nas dunas daquele lugar como uma aranha gigante, mecânica e

61


metálica. O povo que ali vivia entregou-se, vulnerável e cordialmente ao seu ritmo e necessidade. Ao que parece, o progresso venceu sem luta.

62

Arraial do Cabo tornou-se um signo no cânone semiótico do cinema. Um símbolo que remete a comunidades orgânicas destruídas pelo avanço da produção capitalista, pela ideologia do desenvolvimento e do progresso. Uma alegoria, uma unidade significativa sonora e imaginária, no sentido de uma imaginação sobre o tema. No parco acervo de narrativas sobre a cultura marítima brasileira, Arraial do Cabo (junto com Barravento, de Glauber Rocha, e Four Men in the Raft, de Orson Welles) é a referência mais importante. Não só por que inaugura o Cinema Novo, mas porque dialetiza o desenvolvimentismo e o tradicionalismo ideológicos. A arbitrariedade do modelo de modernização do país, baseado na superprodução e no consumo de mercadorias, estimulou o Estado a criar um sistema industrial dos anos 50 até hoje, para extração de matéria-prima, produção de energia e logística. Diversas estatais surgiram para garantir a dinâmica desse sistema, que se aprofundou durante a ditadura militar e, depois do estágio neoliberal de desmonte do estado nos anos 90, foi retomada na última década. Um exemplo que se relaciona com Arraial do Cabo é a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, que é apresentada como o projeto da terceira maior do mundo na produção de energia considerada limpa. Apesar de isto ser contestado, o que pesa mais contra o projeto é o impacto social e cultural sobre as comunidades indígenas e ribeirinhas que vivem, como viviam os pescadores de Arraial, no espaço que deverá ser alagado pela barragem de água da hidrelétrica. O argumento do governo é que, botando na balança, a produção de energia para o atendimento de 20 milhões de pessoas compensaria o deslocamento demográfico de 54


mil e o desmatamento de uma larga região da Floresta Amazônica. O lugar onde foi construída a usina chamava-se Kararaô, que em kayapó significa “grito de guerra”. O nome mudou, segundo o Estado, em respeito aos Kayapós, antigos donos do território. O projeto da hidrelétrica, idealizado nos anos 70, ao contrário do que mostra o filme de Saraceni e Carneiro, sempre foi objeto de disputa entre o Estado e as comunidades diretamente afetadas pela barragem do Rio Xingu. Palco de alguns conflitos de lá para cá, como a recente desocupação coercitiva do canteiro de obras, ocupado pelos índios em 2013, o lugar tem como um dos seus principais signos históricos uma imagem de 1989. No Primeiro Seminário dos povos do Xingu, realizado pelo governo para discutir com as comunidades o impacto da usina, Tuíra, uma índia Kayapó, ameaçou o presidente da Eletronorte, empresa responsável pela construção da hidrelétrica, com um facão. A imagem tornou-se icônica da resistência indígena e ribeirinha à transformação do espaço e do tempo naquela região. Em um curta chamado Escama de peixe (2012), Rafael Costa projeta o filme Arraial do Cabo a alguns pescadores que trabalharam nesse clássico do Cinema Novo. Ao entrevistá-los sobre processos daquela produção cinematográfica, ele apontou para aspectos do modo como Saraceni e Carneiro talvez tenham percebido o movimento que filmaram. Detalhes da convivência dos cineastas com a comunidade registrada ou dos planejamentos da realização cinematográfica ajudam a revelar como eles teriam captado e montado esta versão da história do desenvolvimentismo no Brasil. O elemento mais importante dessa narrativa, neste caso, é que ele se converte em um signo sobre o processo narrado. Como todo signo é ideológico e toda ideologia está em disputa, o filme é um ícone das transformações sociais e culturais

63


no Brasil, como a foto de Tuíra. Dois signos distintos, um mostra a conciliação, outro a resistência. No entanto, os dois são percepções do mesmo modelo opressivo de desenvolvimento.

64

A Álcalis faliu e suas estruturas hoje enferrujam abandonadas como uma cicatriz na paisagem de Arraial. Na antiga vila, que hoje é uma cidade, a pesca ainda é, curiosamente, uma atividade relevante para um pequeno grupo de pescadores. Diferente da resistente Kararaô que capitulou, Arraial do Cabo persiste. A estrutura que atropelou as relações orgânicas e estimulou outras artificiais parece ter sido mais frágil do que imaginaram e filmaram Saraceni e Carneiro. Eles perceberam a história com suas lentes. Porém, no avanço do capital, nada é tão sólido que não desmanche no ar, como a aranha mecânica e metálica à beira da praia ou as dunas da paisagem que os dois cineastas imortalizaram.


Arraial do Cabo

65


66

Título:

Tempos modernos x Tempos contemporâneos em Chaplin

Autor:

Wilson Gomes de Almeida

Falar de Tempos modernos, é falar de Charles Spenser Chaplin, Carlitos em terras tupiniquins, pessoa multifacetada que combinava numa só, com os papéis de ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico. Nos seus 88 anos de vida(nasceu em Walworth, Londres/Inglaterra, em 16 de abril de 1889, e faleceu em Corsier-sur-Vevey/Suíça, em 1977), 53 anos foram dedicados à sétima arte, cuja filmografia soma cerca de 120 filmes, sendo 100 como ator e 16 como diretor. Tempos modernos, produzido em 1936, inscreve-se como uma das mais destacadas criações da sua filmografia, pela hodiernidade, para a época, do tema tratado, embora se utilizando de limitados recursos e da linguagem disponíveis: as transformações do mundo do trabalho. Tempos modernos, como outros filmes de crítica social de Chaplin, trouxe muitas dores de cabeça e abertas perseguições políticas em território norte -americano, onde era acusado de simpatizante comunista. Tanto mais que se recusou a naturalizar-se norte-americano argumentando ser um “cidadão do mundo”. Incluído na tenebrosa “lista negra” de Hollywood durante o macarthismo, viu seus filmes proibidos e foi submetido a insustentáveis condições de trabalho nos EUA, país que deixou em definitivo


em 1952. Lê-se no texto introdutório do filme de Chaplin: “Tempos modernos é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade”. Realizado na emergência da modernização industrial voltada para o consumo de massa, no exemplo do setor automobilístico, Tempos modernos retrata as profundas transformações ocorridas no chão da fábrica visando à produção em larga escala baseada na fabricação em série sob a égide da verticalização. Ingrediente imprescindível dessa concepção de produção de massa, conhecida por fordismo, numa alusão ao seu idealizador, o empresário norte-americano Henri Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company, foi o taylorismo, conjunto de princípios de padronização e simplificação, orientados à organização e divisão de tarefas dentro de uma empresa com o objetivo de obter o máximo de rendimento e eficiência do trabalho com o mínimo de tempo e atividade, concebidos pelo engenheiro mecânico e economista norte-americano Frederick Winslow Taylor, no final do século XIX. Significa dizer, o objetivo perseguido com a introdução dos novos métodos de produção é atingir em grau mais elevado a produtividade do trabalho na produção de bens de consumo de massa. Por detrás do humor nas suas variadas manifestações, Tempos modernos tem por tema central a alienação da classe trabalhadora, sabidamente a questão central da crítica ao modo de produção capitalista. Isso porque a alienação se manifesta no processo produtivo no qual está inserida, onde o operário emprega a sua força de trabalho alheio à natureza dos bens que produz e à destinação dos mesmos e, de igual modo, completamente distante dos demais aspectos abrangidos pelo complexo mundo da produção e circulação da mercadoria, como a formação de seu preço, a oferta e realização do produto

67


no mercado etc. Alienação essa, tão essencial, que ensejou Marx grafá-la com a genial fórmula-síntese: “Eles fazem, mas não sabem”. Em artigo recente, o sociólogo Emir Sader sumariza o conceito de alienação nos seguintes termos:

68

Alienar, no sentido marxista, vem da expressão jurídica, por exemplo, de alienar um bem, passar a outro o que é nosso. Nesse caso, o trabalhador entrega a riqueza produzida pelo seu próprio trabalho ao capitalista, que se apropria dela, remunerando o trabalhador não pelo que ele entrega, mas pelo que necessita para sobreviver como trabalhador, para ter forças para voltar no dia seguinte para apertar, alienadamente, as mesmas porcas da mercadoria em que ele não se reconhece e que não pode comprar. É um mecanismo fundamental para compreender que o capitalismo não é apenas um sistema de produção de riquezas, mas inerentemente um sistema de exploração dos trabalhadores, o que faz com que estes, que produzem toda a riqueza existente na sociedade capitalista, apenas sobrevivam, enquanto os capitalistas, que apenas administram o processo de exploração, enriqueçam. Esse o tema de Tempos modernos, obra-prima do cinema, de Charles Chaplin.

Tempos modernos retrata a situação norte-americana vivida na esteira da Grande Depressão de 1929, que levou em sua torrente toda a economia mundial, com intensidade, variando de país a país, e que se estendeu com os seus efeitos nefastos (desemprego generalizado, queda drástica de produtos, retração do consumo a níveis calamitosos, indigência social etc.) nos anos que se seguiram até o início da II Grande Guerra. No filme, que começa igualando metaforicamente ovelhas e trabalhadores fabris, o vagabundo Carlitos aparece inserido como operário, no padrão de acumulação taylorista-fordista – que dispensa as habilidades pessoais, substituídas pelo trabalho rotineiro e alienado –, manifesta sua evidente inadequação adaptativa ao novo mundo de produção em massa, regido por opressoras máquinas e uma supe-


rexploração do trabalho fabril ao ritmo da esteira rolante (fordista) e do cronômetro (taylorista). Dentre os principais ensinamentos de Tempos modernos que se podem inferir como resultantes da alienação derivada do novo estágio da divisão técnica do trabalho destacam-se: o alucinante ritmo da produção com a relação homem-máquina bastante conflituosa (no filme Carlitos é literalmente engolido pela máquina); a alienação do trabalho como fonte de insanidade, não apenas mental; a insurgência, quando ocorre, do trabalhador contra a máquina, mas não contra o patrão; o invisível e todo-poderoso patrão ou seu lugar-tenente (correspondente, guardadas as devidas proporções, ao Big Brother dos dias atuais); expressão máxima da alienação é o predomínio absoluto do trabalho abstrato sobre o trabalho concreto, significa que alheios ao que produzem, daí sequer saberem os operários o que produzem, e o filme mostra exatamente isso – alguma coisa é produzida, mas não se sabe concretamente o que, posto que na lógica do patrão, que é a que prevalece, o resultado que conta é a criação de valor (derivado da mais-valia); e, questão crucial, ao mesmo tempo lúgubre no capítulo final do filme, o enfrentamento do trabalho contra o capital não acontece. Posto o passado do magistral filme de Carlitos, resta-nos um esforço de imaginação. Um exercício interessante e instigante seria pensar Charles Chaplin e seu Tempos modernos nos dias atuais, sob a égide da financeirização do capital e os auspícios das tecnologias da informação e comunicação dominantes. Como Carlitos se comportaria na impensável missão de transmutar-se do operário fordista-taylorista dos anos 30-40 do século passado para o mundo da internet com os escritórios virtuais servidos por infovias da informação. Mundo este onde desde há muito, até o toyotismo, forma avançada de orga-

69


70

nização da produção, baseado na automação, robótica e microeletrônica ditando novos padrões de produtividade do trabalho, perdeu sentido, superado por formas mais engenhosas de regulação laboral. Haja vista que estas fundam-se na crescente precarização das relações de trabalho, da redução do preço da força de trabalho e, naturalmente, no sentido oposto, no aumento vertiginoso da acumulação capitalista em escala global, cujo traço marcante é o bipolo maior concentração em poucas mãos versus aumento exponencial da excludência. Tendência essa que o movimento Occupy Wall Street traduziu na seguinte expressão: We are the 99% (“Nós somos os 99%”), em oposição ao 1% que detém o grosso da riqueza do planeta. Como representaria ele a alienação fortemente concentrada na esfera do consumo (consumismo e descartáveis), com os centros de compra convertidos em verdadeiras “catedrais do consumo”, intermediadas pela internet, onde comercializam-se mercadorias sob as formas de coisas, serviços e também de ideias. Enfim, como Carlitos saltaria com o seu humor rumo ao novo abismo da contemporaneidade na condição de trabalhador da nova engrenagem do capital mundializado?


Tempos modernos

71


72

Título:

1989, o número

Autor:

Simplicio Neto

1989 the number another summer e o então aspirante a antropólogo cineasta que vos fala se iniciava na cinefilia e na boemia, como muitos outros teens e lost boys de sua geração (e mais até da anterior), nas portas de uma galeria. Nela, ao fundo, se descortinava a entrada de um “cinema poeira”, como se dizia, hoje chamado “a sala 1 do Estação”. Tal típica galeria comercial de pequenos negócios de bairro ainda não se “gourmetizara”, como hoje se diz: o foco dos encontros fortuitos e dos bate-papos entusiasmados que aconteciam antes, depois, ou mesmo apesar das sessões de um cinema que se queria de “arte” ou “alternativo”, era um boteco pé-sujo. Ficava onde hoje há um belo “café” arrumado. Nesse ambiente os cariocas “antenados” se encantavam com os novos filmes de Wim Wenders, Pedro Almodóvar e Jim Jarmusch, sentindo as frescas lufadas de mais um momentochave do cinema “autoral” mundial, naquela virada confusa dos anos 80 para os 90. Confusa ao menos pra mim, eu no auge da adolescência wertheriana. Aboletado nas cadeiras rotas, via marchar esse exército de auteurs na tela do fundo da galeria, criadores decididamente ou injustamente alcunhados de pós-modernos. Entre eles, pontificava enfim um “cineasta negro”, como o buchicho geral a ele se


referia. Ou, seria um, como aprendemos a chamar, graças aos caminhos tortuosos do pensamento civilizado, diretor de cinema “afrodescendente”. Sim, em resumo é disso que falarei nesse texto: de como era na bagagem de produtos culturais inaugurantes de novas tendências éticas e estéticas, como Faça a coisa certa de Spike Lee, que chegavam até nós nas bordas e franjas da imprensa cultural nativa, as questões do “multiculturalismo” nas universidades americanas, do tal “sistema de cotas” de lá, que vinha fazendo aparecer cada vez mais talentos e personalidades afrodescentes na América do Norte. Assim como dessa cobrança mesma que se estabelecia no jornalismo e na academia, nos circuitos intelectuais, enfim, da potência-mor, de se “dizer a coisa certa”, do “politically correct”. Causando como reação mais comum da parte de nossos intelectuais, nessa hora não tendo nenhuma vergonha de passarem, sei lá, por provincianos: Ah, isso era moda passageira típica da gringolândia, da qual nossa velha, e ao seu modo sábia, “democracia racial” prescindia, pois afinal não tínhamos “racismo de verdade” como nos EUA. Oh, quanto nacionalismo. Só que não. Para os adolescentes que tinham sido treinados a, pela própria tradição de nossa elite intelectual, correr atrás de, e a se encartar com, as novidades culturais do grande irmão do norte, o entendimento de que: a) quem tinha acabado de ganhar dos “russos” na Guerra Fria, b) tinha ao mesmo tempo gerado a explosão antissupremacia branca que Faça a coisa certa nos ensinava – ainda mais aos já decididos no caminho da esquerda política como eu –, que c) imitar, ou mesmo ter de aceitar como úteis ao Brasil certos modos e novidades dos ianques, podia não ser de todo mau. Só hoje, umas décadas de filmes e músicas e decretos depois, que estamos encarando, enfim, os desafios salutares de uma política de cotas mais ou

73


74

menos efetiva no Brasil de Zumbi e Ganga Zumba. Uma nova geração de afrodescendentes de formação universitária tem cada vez mais voz em seus próprios, e por que não mais apropriados, diagnósticos sobre a desigualdade e a injustiça congênita de nossa sociedade. Principalmente eles trazem, incontornavelmente à baila, toda a questão da representação dos negros nos espaços de poder e prestígio, a mesma que este filme em discussão nos provoca toda vez que visto. Representação que está sempre ameaçada pelas idas e vindas de nossa precária institucionalidade política. Escrevo esse texto no momento do impeachment, do apeamento extremamente discutível de um projeto de poder que bem ou mal andou trazendo as questões da igualdade racial e da quatrocentona dívida social brasileira à baila. Nós, garotos que vimos o Spike Lee despontar lá no Estação, um par de anos depois estávamos, sim, na Avenida Rio Branco nos manifestando loucamente pelo impeachment de um presidente e sendo chamados de caras pintadas, mesmo aqueles de cara limpa, pela grande mídia. Esta que sempre navegou nas ondas que lhes interessavam. Mas o projeto em questão hoje é outro, não o neoliberal-afunda-estado de Collor. Que as conquistas do projeto mais recente, sacramentado por quatro eleições, não sejam apeadas também, pois são de todo nosso país. De qualquer forma, momento mais oportuno para esse filme não poderia haver. A frase em inglês que abre esse texto como sabem é a frase que abre o fluxo de rimas “designed to fill your mind” do “hard rymer” Chuck D. O líder do grupo de rap Public Enemy, que tanta influência teria no nosso Mano Brown, nos nossos Racionais MCs, e assim essa mensagem que primeiro ecoou nas salas de arte da triste e linda Zona Sul do balneário, ecoaria depois pelas periferias de nosso país. Os anos 90 chegavam com Spike Lee, e a força política inau-


dita do hip hop de tom mais politizado marcaria o mundo. Uma força que está sintetizada na sempre estonteante sequência de abertura do filme, com a bailarina-boxer suingando ao som do funky drummer, pedindo “give us what we want”, pois “gotta give us what we need”. Já que “our freedom of speech is freedom or death”, então, “We got to fight the powers that be”, convence-nos de prima este espetacular introito. Equiparável, nesse sentido de celebração de uma revolução tanto social quanto estética, as cenas da estátua do Tzar sendo derrubada na abertura de Outubro de Eisenstein. Só que com o “suingue da cor”, como explicariam ad nauseam os axés e pagodes que também dominariam a década a se seguir, e também seriam indicativos de novos lugares para nossa cultura de ascendência afro, politizada ou não. A letra do hit “Fight the Power” embala esse prólogo, já apontando as principais cenas e questões do filme. Como a da crise de representação, que se agrava num contexto étnico-racial, e nos evoca o clamor tão atual dos gritos de “não nos representa” das ruas de hoje. As agruras do deficit de representatividade são magnificamente resumidas num outro trecho da música, que aliás gerou intensa polêmica nos EUA. Aquele em que os ícones culturais brancos são desconstruídos, em que Elvis, o eurodescendente que fez sucesso como rei ilegítimo de uma música afrodescendente, o rock and roll, e é xingado: Elvis “was a hero to most”, mas “ele nunca quis dizer merda nenhuma pra mim”, vociferava Chuck D, alegando que o “the pelvis” era um “Straight up racist”, portanto “Mother fuck him and John Wayne”, e acabou. Esse é o clima que vai sendo construído cinematograficamente, principalmente mais tarde, no lócus dramático da pizzaria dos italianos. Lá onde apenas se penduram quadros dos Frank Sinatras da vida, de outros tantos ídolos brancos, apesar da frequência da casa ser majoritariamente de blacks.

75


76

Essa alegoria do “não nos representa”, que de fato nos EUA se adequaria mais apenas a um bairro negro, pois lá eles são 11 por cento da população, num país como o nosso, onde os afrodescendentes são mais de 50 por cento, não poderia soar mais cabível e pervasiva. Por aqui é que a conta da representatividade não bate mesmo. Por aqui, a sensação de que “most of my heroes don’t appear on no stamps” é que pode ser ainda mais dolorosa, pois sim, “you look and find nothing but rednecks for 400 years if you check” em todas as esferas de poder. Se há que se evitar o incêndio da pizzaria toda, o incêndio do nosso bairro todo, como no clímax de Faça a coisa certa, as forças dramáticas centenárias postas em ação e em representação e alegorização no filme de Spike Lee têm que ser reconfiguradas no mundo social. Para isso, fight the powers that be. Do jeito que der, Faça a coisa certa.


Faรงa a coisa certa

77


78

Título:

Dichavando a proibição

Autora:

Natália Noffke de Almeida

Voltar no tempo através de filmes, campanhas e notícias para compreender como e por que o uso da cannabis foi e ainda é marginalizado em grande parte do mundo: esta é a experiência que o documentário Grass – The History of Marijuana (1999) traz em seus 80 minutos. Ele ainda nos revela que o preconceito é o grande motivo por trás deste tabu. Fica clara a crítica aos argumentos sem embasamento, exagerados e, até mesmo cômicos, veiculados e incansavelmente repetidos pela TV e cinema dos EUA no final dos anos 20. A essa combinação do poder de uma potência do capitalismo com o da mente humana de se apegar especialmente no que é esdrúxulo, sensacionalista e repetitivo, que faz com que os fatos por eles distorcidos se perpetuem através dos anos habitando o imaginário popular – por mais que atualmente já tenhamos estudos e informações que contestem e comprovem o absurdo desses dados que um dia foram apresentados como fatos. É evidente a lavagem cerebral, as razões e ações repletas de ignorância e covardias tomadas em prol da “segurança e saúde pública”. A campanha proibicionista foi por muitos anos massiva, alarmante e massacrante. Mas o que ela não foi é ser embasada em estudos, pesquisas ou fatos que justificassem a fama de droga mortal que foi imposta à


cannabis. Tanto nos EUA como nos demais países que mais tarde também declararam essa guerra, como o Brasil, a proibição foi instaurada por razões racistas e preconceituosas de um povo acuado com a chegada de imigrantes com suas peles negras e pardas, seus costumes e sua cultura. Amedrontando a população com informações levianas e distorcidas para que pudessem controlar os imigrantes e seus hábitos “profanos”, criminalizando seus hábitos e, consequentemente, sua cor da pele e etnia, tendo assim uma boa desculpa para colocá-los atrás das grades, fazendo crer que assim evitariam a propagação do consumo. Munidos de suas ignorâncias sobre o tema aliadas ao bombardeio de informações incertas e ao terror das notícias vinculadas à planta, a população teve suas mentes facilmente moldadas de forma a repudiar, temer e clamar pela caça e extermínio da tal “erva do diabo”. Numa época em que toda a mídia, tanto televisiva quanto impressa, propagava tais atrocidades sem poupar esforços e afirmações apelativas, era praticamente impossível ficar indiferente e não acreditar no potencial destrutivo da tal planta. Foi nessa época que nasceu o mais repetido dos discursos proibicionistas sem fundamento: o de que maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas. Ledo engano. Tal como a proibição do álcool, em meados dos anos 20, só fez aumentar o seu uso criando um mercado ilegal milionário deixado nas mãos de traficantes que construíram fortuna burlando a lei, a proibição da maconha também surtiu o efeito contrário. Seu consumo foi se popularizando principalmente entre os jovens, até se difundir pelos EUA e, consequentemente, pelo mundo. Vale frisar que a cannabis vem sendo utilizada pela humanidade há pelos menos 6 mil anos, tanto para fins recreativos como para fins medicinais, tendo sido citada já em 1550 a.C. pelos egípcios no Papiro Ebers, um dos tratados médicos mais antigos e importantes que conhecemos. Naquela época, dependendo apenas das informações disponí-

79


80

veis, eu e você provavelmente não saberíamos disso. E é exatamente quando passamos a ter acesso a informações e fontes variadas que as coisas começaram a mudar. E seguem mudando. Depois de longos, duros e violentos anos – bilhões de dólares dedicados a proibir uma planta de existir culminarem com o encarceramento massivo da população, alinhado a uma cultura de cannabis que se estabelecia com uma crescente de jovens e adultos usuários das mais diversas esferas sociais – o movimento antiproibicionista ganha força protestando e cobrando seu direito à liberdade e autonomia sobre o próprio corpo. E finalmente começa a ser ouvido. Ano após ano os movimentos culturais e pela legalização da maconha se espalharam e ganharam força e adesão de ativistas, artistas, intelectuais, políticos, médicos e cientistas ao redor do mundo e, mais atualmente, de pacientes que descobriram na cannabis algum alívio – e até a cura – para suas enfermidades. A eleição em 2012 de um presidente negro que assumiu publicamente já ter fumado maconha foi certamente o sinal definitivo de que, apesar de ainda difíceis, os tempos mudaram. Hoje, na era da informação, da conectividade e das liberdades individuais, é cada vez maior o número de pessoas conscientizadas e politizadas exigindo seus direitos, se organizando, mobilizando e indo às ruas pedir o fim desta guerra ineficaz que se alastra por tantos anos baseada na facilidade de outrora em manipular a opinião coletiva com terror, moralismo e repressão. Esse truque já não cola mais. Com a ajuda da música, do cinema, da internet e mais recentemente das mídias sociais, a máscara da proibição cai a cada dia, enquanto os benefícios da legalização ganham destaque, o mercado começa a se beneficiar e a indústria a (re)descobrir os milhares de utilidades dessa planta como obra-prima barata, limpa e sustentável para centenas de setores, e o impacto disso ecoa alto pelo mundo. Só nos estados legalizados dos EUA, são trilhões de dólares arrecadados


todos os anos com a venda de maconha legal – outros bilhões que seriam investidos em repressão economizados e destinados a outros fins, além do enfraquecimento do crime organizado que tem nessa planta, a droga recreativa mais consumida no mundo depois do álcool, sua principal fonte de renda. Sem citar as centenas de novas indústrias possibilitadas e encorajadas pelas leis atuais e os milhares de novos empregos gerados por elas. A sociedade civil começa a perceber o cunho de golpe político e econômico da proibição e a se unir em prol de uma causa que é bem mais ampla que o simples direito de fumar ou não um baseado. No primeiro país a legalizar totalmente a maconha, nosso vizinho Uruguai, os índices de consumo caíram, a arrecadação de impostos subiu e os casos de mortes e violência relacionadas ao comércio da mesma simplesmente zeraram. No Brasil, a terra da bancada evangélica, da bíblia e da bala, ainda estamos engatinhando nesse debate, ao menos nas esferas do poder. Já nas ruas, todos os anos ativistas lotam as Marchas da Maconha que surgem por todo o país num coro uníssono pelo fim de uma guerra racista que mata e encarcera negros e pobres todos os dias. E o movimento só vem crescendo, ano após ano, tornando as Marchas não só em dias de luta e resistência, mas também de comemoração pelos avanços, descobertas e conquistas, ainda que pequenos, que damos dia após dia em rumo a uma sociedade mais justa e que respeite as escolhas de cada indivíduo. A Marcha da Maconha ganha espaço e voz ao mostrar para a sociedade e políticos que maconheiro não é criminoso, vagabundo, viciado ou doente em potencial, e sim cidadãos conscientes, produtivos, ativos e merecedores de respeito e respaldo legal para viverem suas vidas como bem entenderem. Estado nenhum os manterá na marginalidade à base da inércia e da alienação como foi no passado. Eles são muitos, em todas as esferas da sociedade, e não são menos capazes por escolherem fumar uma erva que já é uti-

81


82

lizada há milhares de anos sem nenhum relato de morte e centenas de benefícios já comprovados. Hoje sabemos que proibir nunca inibiu e nem inibirá o consumo. Pelo contrário, desde a criação da lei proibicionista ele só tem aumentado, juntamente com a violência e as mortes ligadas não ao uso, mas sim ao comércio ilegal. Enquanto em alguns lugares ela já é vendida em balcões, como os de farmácia, em outros, dentre eles o Brasil, é comercializada por traficantes armados e mal-intencionados, cujos chefes muitas vezes são políticos, policiais e autoridades corruptas alimentando e se beneficiando de uma guerra hipócrita e sangrenta. O caminho ainda pode ser longo, mas o retrocesso não será mais tolerado. Não é mais uma questão de “se” vamos legalizar, e sim de quando isso vai acontecer. Em contraste com os antigos e tragicômicos conteúdos reproduzidos para moldar o pensamento coletivo e dar início a essa proibição – como o Grass nos mostra de forma tão brilhante –, hoje contamos com diversos filmes, documentários, estudos e pesquisas sérias que levam o debate a um outro nível, explorando e explanando as descobertas e experiências recentes, argumentos científicos, históricos, médicos e mercadológicos e até mesmo comparativo entre os países que modernizaram suas leis e os que teimam em se manter na bolha da desinformação e na contramão da evolução. Esses estudos e dados recentes nos mostram também, por exemplo, que são centenas as doenças possivelmente tratáveis e curáveis por essa planta, com diversos relatos de tratamentos comprovadamente eficazes. Na contramão temos uma gigante indústria farmacêutica que vê na legalização e na luta pelo direito a plantar o próprio remédio uma ameaça a seus monopólios e lucros astronômicos. Hoje sabemos que essa planta é muito mais poderosa do que imaginávamos ser e não há mais como voltar atrás. Se o leitor me permite, gostaria de indicar dois


excelentes documentários orgulhosamente brasileiros acerca do tema: Cortina de fumaça e Quebrando o tabu – que abordam a importância e a urgência desse debate na esfera social, política e econômica – e convidá-lo à reflexão, ao estudo e engajamento nessa que não é apenas uma causa dos usuários, mas sim de todos que esperam viver em uma sociedade mais justa, sustentável, igualitária e pacífica. Legalizar a maconha é garantir um futuro melhor para nós, nossos filhos e para o nosso planeta. O tráfico é contra a legalização! E você?

83


84

Título:

Soy Cuba

Autor:

Athos Luiz

Soy Cuba é uma dessas obras nas quais as histórias de sua produção são tão épicas quanto o próprio filme em si. Resultado da aproximação entre os governos de Cuba e da antiga União Soviética no início dos anos 60, a produção se propôs a narrar a grande vitória da Revolução Cubana, ocorrida em 1958, através das lentes e da narrativa de cineastas russos. Coube a Mikhail Kalatozov e a Sergei Urusevsky conduzirem a épica produção que consumiu dois anos entre estudos, vivência, filmagem e produção. Tal história está contada no documentário do brasileiro Vicente Ferraz, Soy Cuba – O mamute siberiano, de 2005. A ilha caribenha, até então privada de praticamente tudo que não servisse aos interesses e aos prazeres norte-americanos, teve sua história alterada pela mobilização de revolucionários barbudos que expulsaram à bala uma ditadura sanguinária. Na [re]construção de uma nova sociedade pós-revolução, houve também empenho no fomento de uma escola cinematográfica que contou com grande suporte técnico soviético e que alterou para sempre a narrativa cubana dentro das telas. O resultado prático dessa cooperação, o filme Soy Cuba, acabou não agradando nem a soviéticos nem a cubanos. A estética eslava parecia não ter sido capaz de captar


o espírito caribenho. Era demasiado formalismo, sequências longas que enfadavam e uma estetização do povo cubano que o tornou irreconhecível para si próprio ao se deparar com as telas. Foram necessárias algumas décadas de maturação para que dois dos mais renomados cineastas do cinema norte-americano resgatassem Soy Cuba do esquecimento para a lista dos grandes clássicos da sétima arte. Há um quê de ironia no fato de Martin Scorsese e Francis Ford Copolla terem oferecido a redenção de Kalatozov e Urusevsky que pretenderam utilizar toda a expertise cinematográfica para denunciar as relações espúrias norte-americanas com a ilha caribenha através de sua obra. Copolla, inclusive, já havia cruzado com a Cuba revolucionária ao ambientar parte da saga dos Corleone na noite da Revolução Cubana quando, em O poderoso chefão – parte II (1979), uma comitiva de “empresários” norte-americanos desembarcam na ilha para fatiar seus novos negócios. Nas lentes de Copolla, a perspicácia de Michael Corleone previu a vitória dos “lunáticos” revolucionários ao presenciar um atentado nas ruas de Havana contra a polícia militar. Corleone previu que a luta movida pela ideologia é mais intensa, mais sincera e capaz de ser levada às últimas consequências, pois detona maior entrega daqueles que se comprometem com uma causa de forma que o dinheiro jamais pode comprar. A festa de réveillon na qual Michael revela conhecer a traição de seu irmão é também o episódio da fuga de Fulgêncio Batista após a notícia da vitória definitiva de Che Guevara em Santa Clara. Do outro lado da ilha, Fidel tomaria Santiago de Cuba dali a dois dias. A revolução havia triunfado e em três anos os russos desembarcariam na ilha. Mas o desembarque russo somente foi possível com a saída norte-americana. Fidel sempre negou o caráter comunista da revolução enquanto ressaltava

85


86

o nacionalismo contido no movimento. Nunca foi ouvido. Kennedy o ignorou e saiu de Cuba abrindo caminho para os russos e o que veio depois foi o tenso período em que o mundo ferveu em banho-maria naquela que poderia ter sido a última guerra mundial. O temor de um embate nuclear entre as duas potências que emergiram das cinzas da última guerra alimentou paranoias e temores por diversas gerações, mas sem dúvida os dias que abalaram o mundo se deram em 1962, quando a URSS decidiu instalar mísseis em Cuba, a poucos quilômetros de Miami. O vácuo deixado pelo fim das relações entre a pequena ilha e os Estados Unidos foi ocupado e o primeiro resultado dessa ação política quase levou o mundo a pique. Cuba representava uma peça valiosa naquele tabuleiro geopolítico e os soviéticos não hesitaram em mover seus cavalos. A tensão causada pelo episódio dos mísseis deixou como herança o bloqueio econômico imposto à ilha, que ainda persiste, e vinte e sete anos depois veria cair a União Soviética, último grande apoio ao governo revolucionário. A partir daí Cuba entraria em uma época marcada por imensa carestia, dificuldades de toda ordem e uma resistência tenaz do povo cubano. Essa época é conhecida em Cuba como “período especial”, somente parcialmente revertida com a entrada em cena de Hugo Chávez, em 2001, que ofereceu a Cuba um pouco de oxigênio em sua asfixia. A interferência de Chávez foi um dos primeiros grandes movimentos soberanos que governos da América Latina tomaram durante o século XXI. O resultado mais palpável dessa mudança foi a criação de novos fóruns políticos como a UNASUL (União das Nações da América do Sul) e a CELAC (Comunidade de Estados Latinos e Caribenhos), instituições das quais os Estados Unidos, controladores da OEA (Organização dos Estados Americanos), não fazem parte, além do fortalecimento do Mercosul com a entrada venezuelana, em 2012.


Se a administração Bush teve pouca atenção para a América Latina e permitiu sua organização ao redor de objetivos distantes do norte-americano, o mesmo não pode ser dito de Obama que, além da UNASUL e CELAC, também teve e tem de lidar com a ameaça da influência e crescimento do BRICS, novo bloco que reúne Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. A cooperação militar russa com a Venezuela, a construção pelos chineses do canal da Nicarágua como alternativa ao canal do Panamá, recém-devolvido à soberania panamenha pelos EUA, e os investimentos do Brasil em Cuba são exemplos do aumento da influência externa em uma área considerada de interesse natural para os americanos. A retomada da relação mais próxima por parte dos norte-americanos para o restante das américas com a administração Obama representa nova fase da política externa da potência do norte na região e que teve no reatamento dos laços diplomáticos com Cuba a marca de um novo paradigma. Como disse o próprio Obama, mais de meio século já deveria ter provado que a estratégia de isolamento não surtiu o efeito esperado e para desespero daqueles que nunca aceitaram a vitória de Fidel Castro, moveuse para reconstruir as relações com a ilha empreendendo viagem histórica com toda a família e grande comitiva presidencial, algo que não ocorria há quase um século. Foram necessários 10 presidentes desde Kennedy para que os EUA reatassem as relações com Cuba. A nova estratégia de aproximação e cooperação, em vez do isolamento que empurrou Cuba para relações com nações hostis aos interesses de Washington, parece mais prudente – ainda que tal entendimento ainda não se reflita no congresso, único meio possível para a suspensão do embargo econômico que se mantém. A grande questão é: quais serão os resultados desta nova fase da relação Cuba-EUA?

87


88

Não há paralelo com Cuba que nos permita comparação, mas o longo histórico de interferência política praticado pelos EUA na América Latina põe em alerta todos na ilha e também os fora dela que acompanharam os progressos sociais desde a chegada ao poder de Fidel Castro. Mais de meio século de revolução produziu uma sociedade com níveis de saúde pública admiráveis, bem como os níveis educacionais, similares aos mais desenvolvidos países do mundo, além de um tremendo orgulho de sua história e luta. O isolamento, entretanto, já cansa grande parcela da população, principalmente a geração mais jovem tão distante daquela Cuba repartida e explorada da pré-revolução que Soy Cuba denuncia. É chegado um novo momento para o povo cubano no qual será posto em teste todos os avanços sociais provocados pela revolução, mas, também, e talvez principalmente, político. A nova missão de uma superpotência com interesses na ilha agora tem características distintas e até mesmo opostas. Obama, chefe da maior nação capitalista do mundo, chegou com discurso de conciliação prometendo respeito à soberania cubana e às conquistas da revolução, participou de um programa popular de comédia na TV cubana e falou espanhol, e não poderia ser diferente. Conquistar corações e mentes parece ser o caminho, e não a beligerância. Resta agora observarmos os desdobramentos da nova tática norte-americana e sua ação junto a um dos povos mais soberanos do planeta. E sobre a epopeia de meio século atrás, se aqueles eslavos sonhadores não compreenderam bem a alma cubana, pouco importa, o resultado daquela aventura foi uma obra antropofágica única, de forte impacto visual, repleta de cenas incríveis e fantásticos planos-sequências além de ter sido testemunha de um momento único da história. Soy Cuba pode ser visto como um poema-imagético-épico,


mas como diz Enrique Pineda Barnet, um dos roteiristas, talvez tenha sido sua pretensão seu maior pecado ao tentar produzir poesia onde já havia demasiada poesia. “Soy Cuba Los hombres cuando nacen tienen dos caminos: Escogerás la estrella.”

89


90

Título:

O espião de Deus

Autor:

Fernando Morais e Cláudio Kahns entrevistam Leon Hirszman

Entrevista realizada em 3 de abril de 1979. Redação: Lúcia Nagib Revisão: Carlos Augusto Calil e Fernando Morais

Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre a greve? Eu estava em São Paulo trabalhando com o Guarnieri num roteiro, uma adaptação para o tempo presente de Eles não usam black-tie. Trata-se de uma situação de greve, de consciência e solidariedade de classe, que vamos adaptar a partir das experiências das greves do ano passado e deste ano. Assim, ao começar este filme, que vai se chamar talvez ABC da greve ou Espiões de Deus, não estava apenas a reboque, como um jornalista que documenta. Aquilo já fazia parte das nossas discussões diárias. Como a Embrafilme está financiando o meu projeto com o Guarnieri, eu pude antecipar o dinheiro para comprar o filme virgem, assumir uma série de despesas.


Mas o filme não tem nenhum financiamento1 . Foi feito em sistema de cooperativa. É uma estrutura nova que pensamos para a Oboré (uma editora de jornais, revistas e livros ligada ao movimento sindical), que se preocupa constantemente em ampliar sua ação. Então falei com alguns companheiros que se articularam – o João Pedro da Luz (pela Oboré), o Adrian Cooper, o Francisco Mou, o Uli Bruhn, o Cláudio Kahns, o Ivan Novais – e partimos para as filmagens. Portanto, vocês acompanharam o processo a partir do boato de greve até o fim. Estamos acompanhando até agora, atentos ao fim da intervenção. Estamos articulando um filme complexo, no qual a classe operária desempenha um papel novo, a partir de sua própria experiência. O avanço das forças produtivas, no ABC, deu condições para a concentração de uma grande massa, com alto nível de consciência de classe. E isso se expressou nessa batalha que estamos vendo aí, pacífica, organizada e que pode ser de muita valia para todos os trabalhadores do Brasil, para que compreendam a necessidade de lutar por seus direitos, de se organizar e vencer a ilegalidade. Trata-se de estabelecer uma legalidade nova, que é a greve como forma de ação e reivindicação, já que as negociações, levadas até o fim, não corresponderam às necessidades das massas avançadas. Então fomos filmar no ABC as condições de vida da massa trabalhadora, onde mora, como é sua saúde, suas relações familiares, seu cotidiano. E também suas condições de trabalho, ou seja, o problema ecológico verdadeiro, a situação real daqueles que 1 Em 4.10.1979, a Embrafilme firmou um contrato de distribuição, visando dar condições à finalização e ampliação do filme para 35 mm. (CAC)

91


lidam com produtos químicos, gases, que engolem tudo, mastigam aquele ferro, engolem aquele fel. O filme seria uma base para se construir uma nova organização, não só em nível de produção, mas também de distribuição de filmes. Dizem que eu sempre enfio Cuba nas entrevistas que faço. Mas os cubanos têm o hábito saudável de filmar tudo o que acontece no país. No Brasil, não é exatamente costume entre o pessoal de cinema filmar a história imediata, ou seja: as coisas estão acontecendo, então devem ser filmadas, mesmo que não se saiba para quê. Você sabe de experiências anteriores à sua? 92

Na época do Centro Popular de Cultura e da UNE, dinamizamos essa proposta, que serviu para formar muita gente. Pessoas como o Afonso Beato, o Arnaldo Jabor, o Eduardo Escorel... A gente documentava muita coisa, como o movimento dos retirantes, o comício de Jango na Central do Brasil, em 13 de março, as atividades do próprio CPC. Só que nem sempre se pode mostrar, por questões de segurança. Parte deste material eu editei no filme que fiz para a televisão italiana2. Estamos fazendo, agora, um filme de intervenção. Seu caráter jornalístico é fundamental. Ele requer uma capacidade de avaliação política para selecionar um material que seja significativo, representativo. A política está se desdobrando na realidade. Durante a filmagem, conseguimos coisas que não esperávamos, assim como não conseguimos coisas que tínhamos planejado. E vimos a queda de uma série de mitos. Por exemplo, o de que o trabalhador metalúrgico compõe uma elite. 2 Trata-se de Inchiesta sulla cultura latinoamericana: Brasile, cujo título entre nós seria Que país é este?


Qual o orçamento deste filme? Quinhentos mil cruzeiros, mas depende dos desdobramentos, se o movimento continuar... A questão está em criar internamente condições objetivas para se dar sequência a isso, realizar aquela utopia que você mencionou de filmar todo dia para registrar e acompanhar os fatos. Mas isso de certa forma a Globo faz... Faz, mas esvazia. O cinema organiza o material, que permanece cristalizado. Na nossa era, a presença do rádio, do som, da reprodutibilidade que muda o caráter da obra de arte e tira a aura, como disse o Walter Benjamin. Um dos sintomas é o da televisão, que passa uma impressão imediata sujeita a um desgaste muito forte. Ela não cristaliza, não tem a permanência do filme. As coisas se perdem, a memória se esvai, porque interessa ao faturamento real, no processo de acumulação capitalista. O nosso interesse é outro, recolher uma memória de coisas que desconhecíamos. Estamos saindo da casca do medo. Toda essa couraça que impedia que desabrochasse a consciência do real, do que se passa de fato no país. É assim que se evitam tragédias, explosões, de consequências muito piores. Esse filme ainda é um reflexo de quem vive sob ameaça. No ponto em que estamos, o salto irá significar uma unidade do nacional-popular, uma vontade política nacional-popular em defesa da democracia. São Paulo está à frente disso. É por isso que esse filme vai sair de São Paulo, da sua classe operária, fundamentalmente. Você acha que, com a transformação e a modernização do país, haverá condições para a continuidade desse tipo de produção?

93


Não quero ser otimista, acho que depende do trabalho. Temos pouca gente trabalhando e precisamos de mais. Em minhas experiências com cinema, muitas ideias brilhantes, muitos desejos promissores deram com os burros n’água; já vi isso muito de perto. Por isso, toda dedicação é pouca. Trabalho político é trabalho prático, temos que aprender que certas coisas devem ser feitas para obtermos determinados fins. Nossa perspectiva cultural deve ser pluralista; atuar em todas as frentes, cinema comercial, televisão, mercado paralelo. Desde 68, discutimos a criação de um mercado paralelo.

94

A continuidade da produção depende da circulação do filme-mercadoria que deve criar condições para que outros filmes apareçam, financiados diretamente pela sociedade. As entidades – sindicatos, associações – compram cópias, que são vendidas por menos de mil dólares. Essa experiência existe aqui mesmo, em São Paulo, com o trabalho do Renato Tapajós. Há também o movimento democrático internacional – pequenas entidades da Suécia, Alemanha, Estados Unidos interessadas em divulgar uma perspectiva nova do Terceiro Mundo. A Itália, com seu cinejornal livre, a França, com várias organizações da sociedade civil... Pois é, aí entra uma questão que me preocupa: restringir o acesso a um filme como esse não seria pouco para a envergadura do trabalho? Aí é uma luta maior. Existe um campo próprio de luta que são as ligações efetivas do filme, a quem ele serve, em primeiro lugar. Numa televisão, a quem serviria? A televisão diria: “meu lucro, não! meus anunciantes, não!”, colocaria uma série de empecilhos contra a veiculação do material. No entanto, mesmo que limitado, mesmo que o passo seja pequeno, é um passo consolidado, mesmo


que não “acenda as luzes de todas as casas”, como disse Maiakóvski, serve para aqueles diretamente ligados à experiência, aos trabalhadores. É importante formar um circuito de trabalhadores que possam se ver, discutir. As pessoas hoje não têm mais condições de trocar ideias, trocam impressões telegraficamente, sem poder de conclusão, de síntese. Isso não exclui a ampliação do circuito de exibição, no processo de democratização dos meios de comunicação no Brasil. Porque o controle democrático dos meios de comunicação no Brasil é fundamental. Mas deve também haver liberdade partidária para romper o isolamento do indivíduo. Quando a lei impede o acesso aos órgãos de comunicação de massa, como rádio e televisão, é um absurdo, um autoritarismo inominável, uma discriminação real das ideias no país. E o filme passa muitas ideias. Por isso não tenho a ilusão de que venha a penetrar numa televisão. Acho que hoje, a possibilidade de continuação depende da compreensão de que o fruto da abertura é a organização do povo na direção de seus objetivos. O avanço real é a consolidação ou o propiciamento à organização popular, em todos os níveis, sem chauvinismo, de uma forma pluralista. Precisamos compreender a democracia compreendendo o antagonismo, o processo da diferença, a questão da participação. Nos últimos anos temos sentido – e isso vem muito de São Paulo – a questão da autonomia. Um determinado sindicato tem sua diferenciação. Essa diferenciação vai se expressar politicamente. A intervenção do governo em São Bernardo esclareceu as relações que levam à luta social. Não havendo um processo de abertura política, com partidos políticos que discutam as questões em

95


nível nacional, o país permanece regionalizado. Poucos foram, até hoje, os partidos de caráter nacional. Só depois da ditadura de Vargas é que a coisa começa a adquirir esse caráter, mesmo assim, limitado. Essa situação não nacional faz com que a diferença se manifeste. À medida em que há condição de expressão dos vários segmentos da sociedade, há uma acentuação da luta social.

96

O importante é impedir que as pessoas deem um passo atrás em relação à luta social por um problema de defesa da democracia. O avanço da luta de classes não impede que se consolide a democracia. Essa questão é complexa, ela pede uma mediação dialética, na qual a práxis política de todas as forças, honestamente comprometidas com a reconquista da democracia no país, deve se empenhar. É uma questão importante, que a gente só vai perceber no próprio processo. Daí a complexidade do filme. A riqueza da transformação do real nos surpreende sempre, não é? Você se enriquece com o real, se organiza com ele e a partir dele. Não é a consciência social que determina o ser social, mas o inverso. Esse ser social é dado legitimamente, a partir da luta de classes, e pelas condições autoritárias e limitadas criadas pela legislação do trabalho existente no país, que impede a autonomia sindical, que impede a luta e a organização dos sindicatos. Tudo isso faz parte de um leque, de uma luta que está aberta no país hoje. A classe operária, os trabalhadores do Brasil vão ocupar um espaço, porque não há democratização que não reserve um espaço aos trabalhadores. Se eles não aparecem como sujeitos da história, como de fato são, a farsa permanece. Mas ela não vai resistir, quando desaparecer a casca do medo. É preciso isolar os intolerantes de todo tipo, os fascistas, os direitistas, aqueles que não suportam


a diversidade, o pluralismo, a discussão, o “não”. É preciso encontrar posições que façam avançar o todo da sociedade, restringindo a atuação dos grupos que defendem exclusivamente seus interesses oligárquicos ou financeiros. Parece que você aposta no avanço das forças democráticas para assumir e fazer o filme. Claramente. O que o Leon está falando, em síntese, dá no seguinte: a luta da classe trabalhadora não apenas alarga o espaço do exercício da democracia, como se oferece como tema. Ela se apresenta como principal personagem dessa abertura. Ela é o sujeito da história. Costuma-se dizer “objeto”, que seria o tema, o assunto. No entanto, do ponto de vista filosófico, ela é o verdadeiro sujeito do processo. Nós somos aqueles que podem organizar esse material e fazer com que ele sirva à memória dos trabalhadores. Isso significa servir aos trabalhadores. Assim, não se trabalha mais com virtualidades, com metáforas, com relações simbólicas, mas com um dado de caráter definido, concreto, muito terra, muito pedra. Você acha que esse filme é uma volta ao trabalho que vocês faziam no CPC? Não. Ele tem semelhança com Maioria absoluta, filme que fiz em 1963 sobre o analfabetismo no Brasil e que ainda não foi liberado aqui. Nunca chegou a passar? Não. Passou em cineclubes, em círculos mais fechados. O filme tem 20 minutos e faz um levan-

97


tamento das condições de vida do analfabeto no Nordeste, principalmente em Brasília, mostrando a relação da condição social real da pessoa com sua situação cultural. Com isso, se desmistifica a ideia de que o analfabeto não tem condições de discutir as questões sociais, que não seria capaz de participar, defendendo seus interesses, principalmente o camponês. As relações de trabalho são diferenciadas, desde aquele que trabalha na cana, na agroindústria, até o que está na indústria de subsistência ou na periferia das grandes cidades, já expulso da produção e atraído pelas melhores condições de trabalho, saúde e educação que a grande cidade começava a oferecer, sobretudo no fim da década de 50. 98

Além de Maioria absoluta, que experiências anteriores na sua carreira foram semelhantes a essa? Minoria absoluta, que estava sendo filmado a seguir, pelo Centro Popular de Cultura. Era um filme sobre a reforma universitária, que salvava 1% do povo brasileiro e o resto não importava. Era um filme universitário. Procurávamos documentar várias situações, os sindicatos, as manifestações políticas etc. Esse material nunca chegou a ser editado propriamente, porque o filme foi interrompido a partir de 1.º de abril de 1964. Tratava-se de um trabalho efetivo de ligação entre o intelectual e o povo, o intelectual tentava responder às exigências populares, contrariando a imagem daquele que não quer rebaixar suas ideias puras e sublimes para a massa ignara, que está alienada e precisa receber a iluminação ideológica da ciência. Foi uma experiência do CPC, uma discussão que tampouco estava ligada a uma resposta folclorista, na qual até recentemente embarcaram vários cineastas que tentavam recuperar a memória folclórica do país, ameaçada de extinção pelo avanço da comunicação de massa.


Mas aqui em São Paulo é diferente. Não é o intelectual que quer, é a massa que exige, no seu processo de organização. A diferença é enorme. De certa forma, já estávamos conscientes de que era necessária uma dramaturgia nova, uma condição nova de ligação entre o intelectual e o povo. Por que você se refere a São Paulo? Por causa da presença de uma classe operária definida. A cidade avançada que é São Paulo carrega o capitalismo no Brasil. Ela concentra a penetração internacional, multinacional, imitando um modelo vitorioso, que começou a ser implantado depois de 55 na periferia do mundo inteiro, em vista do excedente de capital. Mas existem limites reais: a classe trabalhadora que faz isso tudo, que produz essas mercadorias, não recebe nada, ao contrário, é roubada em 34,1% de seus salários num passe de mágica, somente no ano passado, coisa que tanto empresários como trabalhadores aceitam, e o DIEESE provou. E na medida em que os trabalhadores conseguem recuperar uma parte dessa perda e neste ano em São Bernardo, em Santo André, em São Caetano, querem que esse adiantamento não seja descontado, se veem acusados de agitação política. Mas estavam reivindicando um direito justo, salarial. Então, eu, como intelectual, não quero mais ver como eles estão alienados. Alienado estou eu dessa realidade viva, quente, nova, indecifrável, mas com direção. Não dá mais para o sábio lá em cima cagar regras, É preciso integrar-se à sua profissão, à sua organização, democratizar-se, colocar-se democraticamente dentro de seu trabalho político e profissional. Quem são esses homens e mulheres que você viu, durante 15 dias, junto com a equipe, em São Bernardo do Campo?

99


100

O metalúrgico é ativo, pacífico, organizado, mantém o diálogo, sabe da responsabilidade dele com a família, tem clareza sobre seu papel no momento do piquete. Na assembleia, ele é uma pessoa que respira politicamente o tempo todo, se indaga, participa ativamente. Na relação com os meios de comunicação, nós sentimos, durante a filmagem, uma pressão, eles perguntavam: “Vocês são da Globo? Vocês só dão voz para o patrão, não é? É só empresário que aparece, não é? Por que é que o companheiro Lula falou e não apareceu? Por que é que aquilo que a gente está colocando aqui, o que a gente está apanhando aqui não aparece?” Então, nós todos, de cinema, de repente éramos confundidos, e com razão, já que a experiência deles é essa. Até esclarecermos que não estávamos ali a serviço de nenhum dos órgãos de comunicação. Tive que segurar a barra lá, um dia. Queriam dar um pau no pessoal da TV Globo, e eu tive que dizer: “Não, espera aí, esses caras são companheiros de vocês”. Isso foi uma maturação. Mudou a relação. Eles compreenderam. Mas também para o companheiro da TV Globo, compreender que aquele é um trabalhador, é um avanço do nível de consciência de classe dele, isso é muito importante. A mudança foi muito rápida. Houve uma aceleração muito forte de consciência, de perspicácia, de sagacidade política. Mas tem ainda as mulheres de São Bernardo, as crianças de São Bernardo. Existem crianças trabalhando no setor de autopeças. E você compreende melhor como é a relação de opressão da Volkswagen, da Ford, ou das outras montadoras que compram autopeças. A mulher também trabalha em condições não permitidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, do ponto de vista da saúde.


Fizemos uma entrevista incrível com uma mulher cujo marido era vigia de uma fábrica. Os dois trabalhavam à noite, ele vigiando a fábrica, e ela como arrumadeira num motel. Cada um deles trabalhava 12 horas por noite, tendo seis filhos, todos dormindo juntos na mesma cama, no seu barraco. Seriam oito pessoas na cama, se o casal não trabalhasse à noite. As crianças dormiam sozinhas e, durante o dia, os pais voltavam para descansar um pouco, e aí ela tinha que fazer as coisas da casa... Durante as filmagens, vocês perceberam a tomada de consciência do trabalhador a respeito de sua própria condição. Agora pergunto: do lado de cá da câmera, esse trabalho também fez a cabeça de vocês? Foi um trabalho incessante, cansativo, a gente dormia pouco durante muitos dias seguidos. No entanto, conseguimos estabelecer uma discussão política, que em certos momentos entrou em sincronia com o processo do real. Era preciso adequar mesmo a angulação da câmera, fazer uma seleção correta do material, escolher os momentos que estão efetivamente ligados ao discurso a que você se propõe (já que havia pouco filme virgem). Não era apenas reportagem, havia mesmo uma perspectiva de construir. Pois intelectuais que fazem a análise da coisa. Não é um filme de análise. Nós estávamos dentro, vivendo a coisa, vigiando a greve e vivendo a luta dos trabalhadores, vivendo a sua evolução e as condições políticas nas quais se processava. Isso fez com que, no dia da decisão da suspensão da greve, continuássemos a filmar. Fomos para as portas das fábricas, no dia seguinte, ver a entrada dos trabalhadores. Depois da intervenção, quando a gente sentiu a massa solta, sem liderança, sentimos a mesma angústia e desespero deles, porque os líderes da liberdade no país não podem efetivamente se organizar dentro da fábrica,

101


não têm direito a um delegado sindical, não têm direito de votar num companheiro que represente seus interesses. As pessoas sentiam a necessidade de um confronto, ali, debaixo da chuva. Apesar da liderança cassada, era preciso impedir o confronto com a polícia, que não levaria a nada, ou levaria a um decréscimo da própria luta, a um refluxo real das condições de luta da classe trabalhadora. Naquele momento, para nós, foi uma crise, como foi uma crise para aqueles trabalhadores. A imagem deles era a nossa imagem.

102

Enquanto filmávamos a missa, nós comungamos, todos os que estávamos naquela igreja comungamos, mesmo não sendo católicos nem nada. Ali estávamos juntos, companheiros na luta pelos direitos dos trabalhadores do Brasil. Como é que você vê a ligação desse trabalho com Eles não usam black-tie? Você vai usar o material deste filme? Não, vai ser uma ficção. Isso que nós estamos editando aqui é um documentário, que deve servir à classe trabalhadora, à classe operária, mostrando uma experiência concreta determinada vivida num ano determinado e que significou um passo na consciência de classe no Brasil. Em nenhum momento ele foi pensado como uso, senão como serviço. Por isso o filme é barato e só pode ser barato. A vivência perto do povo foi uma experiência riquíssima para mim enquanto diretor de cinema. Passei a compreender uma série de coisas, que não há descrição literária ou análise política, que não há imaginação poética, que não há nada que enriqueça mais do que a vivência de uma greve real. Vale mais do que cem dias de pensamento concentrado em qualquer monastério do saber.


Mas existe ainda a tarefa de democratização dos meios de comunicação do país. A tarefa da conquista do mercado nacional para o cinema brasileiro e da liberdade, quer dizer, a eliminação da censura sobre os meios de comunicação, sobre cinema e teatro, sobre a imprensa em geral, sobre a televisão, sobre o rádio. São passos importantes, que fazem parte dessa mesma luta para que o povo tenha voz, e que sua voz seja ouvida pela nação. A nação não deve simplesmente usar o povo como objeto de um espetáculo, num processo de acumulação de capital. É na democracia que o proletariado vai poder se organizar. Sei que o problema material não é o mais grave que você enfrenta. Mas é um problema também, tanto que vocês estão tentando arrumar um meio de ter retorno econômico. Eu pergunto: você disse que o filme está orçado, mais ou menos, em 500 mil; se você tivesse hoje cinco pacotes de 500 mil disponíveis aqui, na sua mão, quais seriam os seus próximos cinco projetos? Nós estávamos pensando em fazer um trabalho sobre o 1.º de Maio, sobre o significado do 1.º de Maio dentro de uma conjuntura como a nossa. Se você tivesse cinco minutos para dizer quais os seus cinco próximos projetos, se houvesse financiamento... Acho que há um imenso processo de espoliação no país. A questão nacional é viva na medida em que é a perspectiva do proletariado, e só o proletariado pode trazer a questão nacional à tona mesmo. Toda questão nacional manipulada a partir do Estado é falsa e serve para encobrir a manipulação na informação. O país é dominado pelas multinacionais e

103


não independente, soberano, como se apregoa. Isso é uma questão que tem que ser explorada com maior profundidade. Outro exemplo, a questão da Amazônia, que é gritante para todos nós. Mas como é que a questão nacional pode ser transposta para o cinema?

104

Pergunta-se: os minerais atômicos estão na terra dos índios, ou estão fora da terra dos índios? Quanto seria preciso aplicar para determinadas indústrias se transferirem para o Brasil? Isso seria vantajoso com relação à dívida externa? Ou seja, há uma série de questões jornalísticas que não tem vazão pelos órgãos comuns, e que interessam. E existe também a questão da democracia na América Latina. O que significa isso? O Chile, a ditadura no Chile, a situação da Argentina, quer dizer, as contradições da ditadura argentina, como é que isso se situa em relação a nós, a luta pela democracia no Brasil e a nossa solidariedade com os outros povos latino-americanos, para a reconquista das franquias democráticas? E do respeito aos direitos humanos? Isso é um filme ou não é? Acho que é. Você já gastou um milhão dos dois e meio que eu lhe dei. Quinhentos com a questão nacional e 500 com a América Latina. E o resto? Eu falei do 1.º de Maio também, da importância da consciência de classe, do internacionalismo proletário. Seria interessante recuperar a verdadeira história do Brasil, o que foi que se passou mesmo? A questão democrática é um filme importantíssimo para compreender como é que a democracia se manifesta pela participação. O que há de novo,


enquanto organização popular, além das reivindicações específicas? O corporativismo se realiza independentemente do Estado. Leon, uma última pergunta: começou a fazer cinema?

como

é

que

você

A primeira coisa que eu fiz foi montar a parte cinematográfica da peça musical do Vianninha, do Oduvaldo Vianna Filho, A mais valia vai acabar, seu Edgar. Era na virada de 59 para 60. Antes, fui assistente de direção e continuidade, sem ganhar nada, do filme Juventude sem amanhã, em 58. Naquela época, o jovem de 11 a 17 anos tinha contato com a vida social e política do país, quer dizer, ele não estava fechado dentro da escola – eu falo a partir da escola em que estudei, porque não era um fenômeno geral. A escola israelita em que eu estudava dava condições, por exemplo, de se tomar consciência, a partir de uma exposição, das atrocidades nazistas. Então, na juventude mesmo você se integrava e via o cinema como um instrumento válido para essa participação. Minha aproximação foi através da política. E os trabalhos de Lênin me marcaram. Talvez não se possa publicar isso, eu não devo me queimar a esse nível. Mas foi o estudo de Lênin que me chamou a atenção para o cinema. E depois, uma série de experiências no cineclubismo, as aulas de arte cinematográfica. Meu imaginário explodiu com os filmes de Eisenstein, Jean Vigo, Jean Renoir, Pudóvkin, Chaplin... E os brasileiros? Rio, 40 graus, e a luta pela liberação do filme na censura. Foi em 54, ano em que Getúlio se suicidou. Comecei a fazer longas-metragens a partir de 64. A falecida, uma peça de Nelson Rodrigues, tratava

105


da determinação de uma mulher, vivendo uma situação concreta, em que o marido está desempregado. Ela passa a viver uma realidade interior, a obsessão da morte, da autodestruição, para poder estabelecer uma vingança contra a sociedade que a oprime. Sobre Garota de Ipanema, as pessoas disseram que não correspondia ao mito. No entanto, eu não tinha mesmo essa intenção, pensava na vida que tinha uma garota daquele nível, uma vida enfadonha, sem perspectiva e sem liberdade. Isso frustrou as pessoas. Com São Bernardo fui à falência, foi um confronto superior às minhas forças, mas era importante, não pude resistir e fiz.

106

Fiz ainda Que país é este?, um filme experimental, uma pesquisa para recuperar a verdadeira história do Brasil. Espero que este filme esteja logo no Brasil. É uma coprodução minha com a RAI (Rádio e Televisão Italianas). Só que ainda não estou de posse da cópia. O filme, de 1976, é narrado por Fernando Novaes, Sérgio Buarque de Holanda, Maria da Conceição Tavares, Alfredo Bosi e Fernando Henrique Cardoso. A partir de cada um deles, vai se formando uma interligação. Fernando Novaes fala da crise no antigo sistema colonial; Sérgio Buarque, do Império; Fernando Henrique faz a recuperação da história da República; o impasse atual, a situação política contemporânea ficou com Maria da Conceição Tavares, que aborda a questão econômica, o milagre; e o Alfredo Bosi faz um contraponto geral da história da literatura brasileira, ligando-a com a questão nacional, a questão de classes, a questão popular, a questão da dominação. Este foi o filme mais importante que fiz, deu um trabalho imenso, levei uns seis meses montando. Há entrevistas com Magalhães Pinto, Petrônio Portela, Dom Paulo Evaristo Arns, Alceu Amoroso Lima, Prudente de Moraes, neto, é um filme estelar. Um grande filme.


Eles nĂŁo usam black-tie

107


Sobre os autores :

Ana Gabriela Morim de Lima 108

É doutora em antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Athos Luiz Suburbano latino-americano, levado à História por causa da Guerra de Canudos quando, pura inocência, se surpreendeu com o Estado aniquilando sua própria gente. Formado historiador pela UFRJ com especialização na contação de histórias pelos bares, arte em constante aprimoramento. Viajante ficcional, explorador do irreal e completamente apaixonado pela surrealidade latino-americana. Mestre em Ciência Política e doutorando em Sociologia, só espera que um dia tudo dê certo.

Carolina Christoph Grillo É doutora em antropologia cultural pela UFRJ. Atua como pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU/IFCS/UFRJ) e como bolsista de pós-doutorado FAPESP do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, com o projeto “Crime e gestão de conflitos no Rio de Janeiro e São Paulo em perspectiva comparada”, vinculado ao Projeto Temático “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: o caso de São Paulo”.


Daniel Caetano É professor do Departamento de Artes e Estudos Culturais da UFF e cineasta, diretor e produtor dos filmes coletivos Conceição – Autor bom é autor morto (2007) e Rio em chamas (2014), além de curtas e documentários.

Diogo Lyra É formado em direito pela UERJ, com mestrado e doutorado em Sociologia pelo antigo IUPERJ. É autor do livro A república dos meninos, sobre valores éticos e morais de jovens em conflito com a lei da Baixada Fluminense. Atualmente é pesquisador da Subcomissão da Verdade no Tempo da Democracia, subordinada à comissão de Direitos Humanos da ALERJ. Também é roteirista e videomaker, tendo produzido mais de 100 peças audiovisuais sobre temas ligados ao ativismo político desde junho de 2013. Nas horas vagas escreve haikais, anda de skate e tenta tocar trompete.

Douglas Duarte É cineasta e jornalista. Dirigiu os documentários Personal Che, Os sem-Lula e Sete visitas, e prepara um filme sobre o Congresso durante o impeachment, intitulado provisoriamente Excelentíssimos. Como repórter, já escreveu para a Piauí, Folha de S. Paulo, Gatopardo, O Globo, Jornal do Brasil e Revista Trip.

Ellen Paes É jornalista com especialização em telejornalismo. Cresceu e trabalhou em São Paulo, Recife, Natal e Rio de Janeiro. Também atua como escritora em alguns blogs e é ativista feminista negra de presença reconhecida em coletivos e nas mídias sociais.

Fabiana Castelo Valadares É psicóloga do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, mestre em Psicologia Social (PPGPS/UERJ) e doutora em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ).

109


Janaína Castro Alves É produtora e realizadora audiovisual formada pela Escola de Comunicação da UFRJ. Residente no Rio de Janeiro, pesquisa construção de subjetividade e ambientes urbanos. É mídia-ativista integrante do coletivo Rio na Rua desde 2013.

Luisa Elvira Belaunde É professora de antropologia UFRJ-PPGAS/MN.

Marcelo Castañeda É sociólogo e pesquisador do PPGCom/UERJ.

Natália Noffke de Almeida 110

É ativista antiproibicionista, aspirante a jornalista, colunista no portal Smoke Buddies e vlogueira no Nah Brisa.

Paulo Maia É doutor em literatura comparada, com tese sobre Sebastião Salgado, e professor no Grupo de Educação Multimídia da UFRJ e no Instituto Politécnico da UFRJ.

Rafucko Rafael Puetter, mais conhecido como Rafucko, é roteirista, videomaker e artivista. Ganhou destaque na internet fazendo vídeos de sátira política. Em seu trabalho, trata de temas que vão desde a homofobia até as remoções involuntárias para os grandes eventos, passando pelas questões globais do autoritarismo da Polícia Militar e da cobertura tendenciosa da mídia. Em 2013, foi listado pela revista Galileu e pelo portal youPix como umas das 25 pessoas mais influentes na internet brasileira.

Simplício Neto É bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ e mestre e doutor em Comunicação pela UFF; diretor dos documentários


Onde a coruja dorme e Carioca era um rio; e roteirista de TV, como nos canais Gloob e TV Brasil, entre outros. Foi professor substituto no Departamento de Cinema e Vídeo da UFF de 2008 a 2010, ministrou cursos e oficinas de cinema em instituições diversas, e hoje é professor-assistente do curso de cinema e audiovisual da ESPM-Rio.

Wilson Gomes de Almeida É doutor em História Econômica pela USP.

Zeca Ferreira É formado em história pela Unicamp, com mestrado em cinema pela USP, tendo trabalhado nas áreas de direção e produção de cinema e televisão ao longo dos últimos 15 anos. Como diretor, realizou os documentários Terreiro Grande (2009) e Ensaio sobre o silêncio (2012), além dos curtas Áurea (2009), Aldeia (2012), Ilha das crianças (2016) e Entre o traço e a luz (2016).

111




Um homem com uma câmera

114


Um homem com uma

DIVULGAÇÃO

Direção, roteiro e montagem: Dziga Vertov Direção de fotografia: Mikhail Kaufman e Gleb Troyanski

câmera Chelovek s ki no-apparatom

Um homem com uma câmera

Chelovek s kino-apparatom, União Soviética, 1929, 68 min

115 O filme documenta a vida dos habitantes de uma cidade através do olho de uma câmera. Seus atores são as máquinas e as pessoas da cidade, fotografadas em todos os tipos de situação com a câmera seguindo todos os seus movimentos. Considerado por muitos, como o precursor dos documentários, já que o chamado cinema direto foi fortemente influenciado por Vertov.


Tempos modernos

116


produção

e

trilha

sonora:

Direção de fotografia: Roland Totheroh e Ira H. Morgan Montagem: Charles Chaplin e Willard Nico

Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Sandford, Chester Conklin Tempos modern os

DIVULGAÇÃO

Direção, roteiro, Charlie Chaplin

Modern Times

Tempos modernos

Modern Times, EUA, 1936, 87 min

117 máquina uma testou que operário, Um revolucionária para evitar a hora do almoço, é levado à loucura por seu trabalho. Após um longo período em um sanatório, ele fica curado de sua crise nervosa, mas desempregado. Ele deixa o hospital, mas encontra uma crise generalizada e é equivocadamente preso como um agitador comunista, que liderava uma marcha de operários em protesto. Simultaneamente, uma jovem rouba comida para salvar suas irmãs famintas. Elas não têm mãe e o pai delas está desempregado, mas o pior ainda está por vir, pois ele é morto em um conflito. A lei vai cuidar das órfãs, mas enquanto as menores são levadas, a jovem consegue escapar.


Noite e neblina

118


Roteiro: Jean Cayrol e Chris Marker Produção: Anatole Dauman, Philippe Lifchitz e Samy Halfon Direção de fotografia: Ghislain Cloquet e Sacha Vierny

Montagem: Jasmine Chasney e Henri Colpi Trilha sonora: Hanns Eisler

Noite e nebl ina

DIVULGAÇÃO

Direção: Alain Resnais

Nuit et brou illard

Narração: Michel Bouquet

Noite e neblina

Nuit et brouillard, França, 1955, 32 min

119 Realizado por encomenda do Comitê da História da Segunda Guerra Mundial, o filme apresenta um perturbador registro dos locais em que até pouco tempo antes funcionavam os campos de concentração nazistas. Acompanhando as imagens da guerra e seu pós, a narração de um texto do poeta francês Jean Cayrol, um sobrevivente.


Arraial do Cabo

120


Direção de fotografia: Mario Carneiro

Arraial do Ca bo

DIVULGAÇÃO

Direção e montagem: Mario Carneiro e Paulo César Saraceni Produção: Sérgio Montagna e Joaquim Pedro de Andrade

Arraial do Cabo

Brasil, 1959, 17 min

121 Os pescadores de Arraial do Cabo são apresentados em contraste com a fábrica álcalis que se instala na região: modos tradicionais de produção se entrechocam com os problemas da industrialização. Gravuras de Oswaldo Goeldi abrem o filme.


Soy Cuba

122


Enrique Roteiro: Yevtushenko

Pineda

Barnet

e

Yevgeny

Produção: Bela Fridman, Semyon Maryakhin e Miguel Mendoza Direção de fotografia: Sergey Urusevsky Montagem: Nina Glagoleva

Trilha sonora: Carlos Fariñas Elenco: Sergio Corrieri, Gallardo e Jean Bouise

Salvador

Soy Cuba

Wood,

José

DIVULGAÇÃO

Direção: Mikhail Kalatozov

Soy Cuba

Soy Cuba

Soy Cuba, Cuba/União Soviética, 1964, 140 min

123 Quatro histórias independentes traçam um painel de Cuba entre a derrubada do regime de Batista e a revolução comunista. Em Havana, Maria envergonha-se quando o homem de quem gosta descobre como ela ganha a vida. Pedro, um camponês idoso, descobre que a terra que cultiva foi vendida a uma empresa. Um universitário vê seus amigos serem atacados pela polícia quando distribuíam panfletos a favor de Fidel Castro. Por fim, uma família de camponeses é ameaçada pelas forças de Batista.


MaranhĂŁo 66

124


Produção: Luis Carlos Barreto e Zelito Viana Direção de fotografia: Fernando Duarte Montagem: João Ramiro Mello

Maranhão 66

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Glauber Rocha

Maranhão 66

Brasil, 1966, 10 min

125 Documentário sobre a cerimônia da posse do político em ascensão José Sarney, da UDN/ ARENA, em 1966, dois anos depois do golpe militar. A posse de Sarney marcava o início do domínio político de sua família no Maranhão.


Liberdade de imprensa

126


Produção: Sidney Paiva Lopes

Direção de fotografia: Armando Barreto Montagem: Francisco Ramalho Jr. e Jovita Pereira

Depoimentos: Carlos Lacerda, João Calmon, Genival Rabelo e Marcus Pereira Liberdade de imprensa

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: João Batista de Andrade

Liberdade de imprensa Brasil, 1967, 25 min

127 Documentário lendário que teve apenas duas exibições fechadas antes de ser proibido pela censura, já que contestava o governo ditatorial além de discutir assuntos polêmicos, como o acordo Time/Rede Globo e Carlos Lacerda.


ManhĂŁ cinzenta

128


Produção: Jorge Dias

Direção de fotografia: José Carlos Avelar Montagem: Luís Tanin

Manhã cinzen ta

DIVULGAÇÃO

Direção: Olney São Paulo

Manhã cinzenta

Brasil, 1967, 22 min

129 Um golpe de Estado num país imaginário da América Latina. O poder. A repressão. O filme que levou seu realizador aos porões da ditadura.


1968

130


Direção de fotografia: Afonso Beato

1968

DIVULGAÇÃO

Direção: Glauber Rocha e Afonso Beato

1968

Brasil, 1968, 22 min

131 sobre filmenigma inacabado, Documentário o Brasil de 1968 na luta contra a ditadura militar. Pouco se sabe das motivações e dos planos dos autores com este trabalho. Quais eram exatamente aquelas passeatas? Trata-se especificamente da Passeata dos 100 mil?


Um filme como os outros

132


Direção de fotografia: Jean-Luc Godard e William Lubtchansky Montagem: Jean-Luc Godard

Um fil

me como os ou tros Un film comme les autres

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Jean-Luc Godard

Um filme como os outros

Un film comme les autres, França, 1968, 120 min

133 Refletindo sobre os acontecimentos de maio de 1968 na França, um grupo de estudantes e trabalhadores da Renault discute sobre política, os objetivos da paralisação na época e possíveis passos de uma revolução no país. O filme é composto por duas bobinas de filme 16 mm: uma, colorida, mostra esse diálogo; a outra, em preto e branco, mostra os acontecimentos que os participantes discutem, complementando a conversa.


Os Panteras Negras

134


Direção de fotografia: Paul Aratow, Agnès Varda, David Myers e John Schofill Montagem: Paddy Monk

Os Panteras Negras

DIVULGAÇÃO

Direção e produção: Agnès Varda

Black Panthe rs

Os Panteras Negras

Black Panthers, França, 1968, 28 min

135 No verão de 1968, os Panteras Negras de Oakland, Califórnia, organizaram vários debates de conscientização em torno do processo de um de seus líderes, Huey Newton. Eles queriam – e conseguiram – chamar a atenção dos norteamericanos e mobilizar as consciências negras durante esse processo político. Neste sentido, deve-se realmente datar este documento: 1968.


79 primaveras

136


Montagem: Norma Torrado

Trilha sonora: Idalberto Gálvez

79 primaveras

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Santiago Álvarez Direção de fotografia: Ivan Nápoles

79 primaveras

79 primaveras

79 primaveras, Cuba, 1969, 25 min

137 Por meio da vida de Ho Chi Minh, poeta, guerrilheiro e estadista, o filme reflete a luta secular do povo vietnamita contra aqueles que tentaram subjugá-lo.


Lei e ordem

138


Direção de fotografia: William Brayne

Lei e ordem

DIVULGAÇÃO

Direção, produção e montagem: Frederick Wiseman

Law & Order

Lei e ordem

Law & Order, EUA, 1969, 81 min

139 Um levantamento a respeito da grande gama de tarefas que a polícia é solicitada a realizar: verificar o cumprimento da lei, manter a ordem, oferecer serviços gerais à sociedade. Os incidentes mostrados ilustram como o treinamento, as expectativas da população, o status socioeconômico do indivíduo, a ameaça de violência e o sigilo influenciam no comportamento da polícia.


Megalรณpolis

140


Roteiro: Bertha Becker

Produção: Max Lópes Chaves

Direção de fotografia: Luiz Carlos Saldanha Montagem: Nello Melli

Narração: Paulo César Pereio

Megalópolis

DIVULGAÇÃO

Direção: Leon Hirszman

Megalópolis

Brasil, 1973, 10 min

141 O documentário adota como referência a cidade de Atenas, megalópole grega que incorporou cerca de 40 cidades em 370 a.C., para discutir o destino da região sudeste brasileira, que tem por centros Rio de Janeiro e São Paulo. E questiona: temos capacidade de produzir um projeto mais feliz para a humanidade?


Dersu Uzala

142


Roteiro: Akira Kurosawa e Yuri Nagibin Produção: Yoishi Matsue e Nikolai Sizov

Direção de fotografia: Fyodor Dobronravov, Yuri Gantman e Asakazu Nakai Montagem: Valentina Stepanova

Trilha Sonora: Isaac Schwartz

Elenco: Maksim Munzuk, Yuriy Solomin e Mikhail Bychkov

Dersu Uzala

DIVULGAÇÃO

Direção: Akira Kurosawa

Dersu Uzala

Dersu Uzala

Dersu Uzala, Japão/União Soviética, 1975, 144 min

143 O capitão Vladimir Arseniev é enviado pelo governo soviético para explorar e reconhecer as montanhas da Mongólia, juntamente com uma pequena tropa. Em meio à expedição, eles encontram Dersu Uzala, um caçador que vive apenas nas florestas. Percebendo que Dersu conhece bastante o local, o que pode facilitar o trabalho, o capitão lhe oferece que acompanhe a tropa até o término da missão. É o início de uma forte amizade entre o capitão e Dersu, que aos poucos demonstra suas habilidades.


Eles nĂŁo usam black-tie

144


Roteiro: Leon Hirszman e Gianfrancesco Guarnieri Direção de fotografia: Lauro Escorel Montagem: Eduardo Escorel

Adoniran Gnatalli, Radamés sonora: Trilha Barbosa, Chico Buarque e Gianfrancesco Guarnieri Fernanda Guarnieri, Gianfrancesco Elenco: Montenegro, Carlos Alberto Riccelli e Bete Mendes

Eles não usam black-tie

DIVULGAÇÃO

Direção e produção: Leon Hirszman

Eles não usam black-tie Brasil, 1981, 120 min

145 Em São Paulo, em 1980, o jovem operário Tião e sua namorada Maria decidem se casar ao saber que a moça está grávida. Ao mesmo tempo, eclode um movimento grevista que divide a categoria metalúrgica. Preocupado com o casamento e temendo perder o emprego, Tião fura a greve, entrando em conflito com o pai, Otávio, um velho militante sindical que passou três anos na cadeia durante o regime militar.


Faรงa a coisa certa

146


Produção: Jon Kilik, Spike Lee e Monty Ross Direção de fotografia: Ernest R. Dickerson Montagem: Barry Alexander Brown Trilha sonora: Bill Lee

Elenco: Danny Aiello, Ossie Davis, Ruby Dee e Spike Lee

Faça a coisa cert

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Spike Lee

a Do the Right Thing

Faça a coisa certa

Do the Right Thing, EUA, 1989, 120 min

147 Em um bairro onde a maioria é predominantemente negra, Buggin’ Out, um ativista, exige que Sal, o dono de uma pizzaria, troque as fotos de seus ídolos brancos do local por fotos de ídolos negros. Quando tem seu pedido negado, o ativista passa a organizar um boicote contra a pizzaria de Sal.


Ilha das Flores

148


Produção: Giba Assis Brasil, Mônica Schmiedt e Nôra Gulart Direção de fotografia: Roberto Henkin e Sérgio Amon

Montagem: Giba Assis Brasil

Direção de arte: Fiapo Barth

Trilha original: Geraldo Flach

Elenco: Paulo José (narração) e Ciça Reckziegel

Ilha das Flor es

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Jorge Furtado

Ilha das Flores

Brasil, 1989, 13 min

149 Um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho.


s A revolução dos idiota

150


Produção: Elaine Mattos

Montagem: Eduardo Vasconcellos

A revolução dos idiotas

DIVULGAÇÃO

Direção: Nelson Hoineff

A revolução dos idiotas Brasil, 1991, 28 min

151 Nelson Rodrigues dizia que antigamente os idiotas resignavam-se à sua insignificância, até o momento em que se deram conta de sua superioridade numérica. A partir daí, passaram a ocupar todos os postos decisórios. Episódio do programa de reportagens Documento Especial produzido pela Rede Manchete sobre a imbecilização de parte da sociedade brasileira durante o início dos anos 1990.


Kane Muito além do Cidadão

152


Produção: John Ellis

Montagem: Simon Hartog e John Ellis

Muito além

do Cidadão Ka ne Beyond Citize n Kane

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Simon Hartog

Muito além do Cidadão Kane

Beyond Citizen Kane, Reino Unido, 1993, 105 min

153 O documentário mostra o apoio da Rede Globo à ditadura militar brasileira, sua parceria ilegal com o grupo americano Time Warner e práticas de manipulação da emissora, incluindo o auxílio dado à tentativa de fraude nas eleições fluminenses de 1982 para impedir a vitória de Leonel Brizola, a cobertura tendenciosa do movimento das Diretas Já, em 1984, quando a emissora noticiou um importante comício como um evento de comemoração ao aniversário de São Paulo, e a edição, para o Jornal Nacional, do debate do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras de 1989, de modo a favorecer o candidato Fernando Collor.


Terra e liberdade

154


Roteiro: Jim Allen

Produção: Marta Esteban, Ulrich Felsberg, Gerardo Herrero, Sally Hibbin e Rebecca O’Brien Direção de fotografia: Barry Ackroyd Montagem: Jonathan Morris

Trilha sonora: George Fenton

Elenco: Ian Hart, Rosana Pastor, Icíar Bollaín, Tom Gilroy, Frédéric Pierrot e Andrés Aladren

Terra

e liberdade Land and Free dom

DIVULGAÇÃO

Direção: Ken Loach

Terra e liberdade

Land and Freedom, Reino Unido/Espanha/Itália/Alemanha, 1995, 109 min

155 Após a morte de seu avô, uma adolescente decide vasculhar seus documentos e descobre que ele era um veterano da Guerra Civil Espanhola. Durante sua juventude, David (Ian Hart) se juntou ao Partido Comunista e logo se aliou ao POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista). Ele deixou a Inglaterra para lutar contra os fascistas na Espanha em 1936, vendo seus sonhos e ideologias serem postos à prova.


Terra e liberdade

156


Roteiro: Solomon Vesta

Produção: Ron Mann e Sue Len Quon Montagem: Robert Kennedy

Trilha sonora: Guido Luciani Narração: Woody Harrelson

Erva

DIVULGAÇÃO

Direção: Ron Mann

Grass

Erva

Grass, Canadá, 1999, 80 min

157 O documentário usa imagens de arquivo e quadrinhos psicodélicos, feitos pelo cartunista Paul Mavrides, para fazer uma espécie de histórico da maconha, dos que a cultuam aos que a abominam. Extratos de filmes mostram como oponentes ferrenhos da droga, como Richard Nixon e Ronald Reagan, se especializaram no assunto. O ator Robert Mitchum e o músico de jazz Gene Krupa, vítimas de acusações penais conduzidas pelo governo, também contam suas experiências.


11 de setembro

158


Roteiro: Alain Brigand, Youssef Chahine, Sabrina Dhawan, Amos Gitai, Alejandro González Iñárritu, Paul Laverty, Claude Lelouch, Ken Loach, Samira Makhmalbaf, Idrissa Ouedraogo, Sean Penn, Marie José Sanselme, Danis Tanovic. Daisuke Tengan, Pierre Uytterhoeven e Vladimir Vega

11 de setemb ro

DIVULGAÇÃO

Direção: Youssef Chahine, Amos Gitai, Alejandro González Iñárritu, Shoei Imamura, Claude Lelouch, Ken Loach, Samira Makhmalbaf, Mira Nair, Idrissa Ouedraogo, Sean Penn e Danis Tanovic.

11’09”01 - Se ptember 11

11 de setembro

11’09”01 - September 11, Reino Unido/França/Egito/ Japão/México/EUA/Irã, 2002, 134 min

159 diversos abordando curtas-metragens Onze aspectos dos ataques terroristas aos Estados Unidos, ocorridos em 11 de setembro de 2001. Tanovic lembra-se do dia 11 de julho de 1995, quando ocorreu o massacre em Srebrenica, e Loach rememora que Salvador Allende foi deposto do governo chileno em 11 de setembro de 1973. Ouedraogo realizou uma comédia reflexiva sobre Burkina Faso. Makhmalbaf mostra uma professora que tenta explicar o ataque a um grupo de crianças. Penn evoca a vida de um viúvo que morava à sombra das duas torres desabadas. Lelouch descreve as reações de vários surdos ao evento ou que testemunharam o evento. Imamura recorre às memórias japonesas da Segunda Guerra Mundial e Nair mostra os problemas das minorias étnicas. Gitai dá a sua interpretação sobre o papel da mídia em uma informação de significado internacional. Iñárritu apresenta 11 minutos de preces na escuridão, enquanto Chahine reflete a perspectiva do Oriente Médio.


evisionada A revolução não será tel

160


Roteiro: Rafael Sánchez Ventura Produção: David Power

Montagem: Angel H. Zoido A revolução não

DIVULGAÇÃO

Direção e direção de fotografia: Kim Bartleyl e Donnacha O’Briain

será televisi The Revoluti onada on Will Not Be Televised

A revolução não será televisionada

The Revolution Will Not Be Televised, Irlanda, 2003, 74 min

161 Em missão na Venezuela, dois documentaristas se encontram no meio de um golpe de Estado contra o governo do presidente Hugo Chávez. Popular nas classes mais baixas e desprezado pelos ricos, Chávez foi uma figura controversa desde que assumiu o cargo. Uma sequência chocante e sem precedentes que mostra o primeiro golpe do mundo a ser televisionado.


As escravas sexuais

162


Roteiro: Ric Esther Bienstock

Produção: Ric Esther Bienstock, Felix Golubev, Simcha Jacobovici e Brian Woods Direção de fotografia: Michael Grippo Montagem: David Kazala

Trilha sonora: Aaron Davis e John Lang

As escravas sexuais

DIVULGAÇÃO

Direção: Ric Esther Bienstock e Franca Cerretti

Sex Slaves

As escravas sexuais

Sex Slaves, Canadá, 2006, 56 min

163 Um emocionante documentário sobre o comércio sexual de mulheres na antiga União Soviética. O filme leva os espectadores para dentro do mundo multimilionário do tráfico sexual.


Serras da desordem

164


e

Montagem: Cristina Amaral Trilha sonora: Rui Weber

Serras da de sordem

DIVULGAÇÃO

Direção, roteiro e produção: Andrea Tonacci Fotografia: Aloysio Raulino, Alziro Barbosa Fernando Coster

Serras da desordem

Brasil, 2006, 130 min

165 Carapirú é um índio nômade que escapa de um ataque surpresa de fazendeiros. Durante dez anos ele perambula sozinho pelas serras do Brasil central, até ser capturado em novembro de 1988, a 2 mil quilômetros de distância de sua fuga inicial. Levado a Brasília pelo sertanista Sydney Ferreira Possuelo, em uma semana ele se torna manchete por todo país e centro de uma polêmica entre antropólogos e linguistas em relação a sua origem e identidade. Na tentativa de identificar sua origem, ele reencontra um filho, com quem retorna ao Maranhão. Porém o que Carapirú encontra ao retornar já não está mais de acordo com sua vida nômade.


Serras da desordem

166


Rondon

Vocação do po der

DIVULGAÇÃO

Direção: Eduardo Escorel e José Joffily Direção de fotografia: Fred Rocha, Guy Gonçalves e Luís Abramo Montagem: Eduardo Escorel, José Joffily e Fernanda

Vocação do poder

Brasil, 2006, 110 min

167 Qual o atrativo de uma carreira política? Para tentar responder a essa pergunta, o filme acompanha as campanhas de seis candidatos ao cargo de vereador no Rio de Janeiro durante as eleições municipais de 2004. O documentário traça um panorama das ações de cada personagem, acompanhando todo o processo eleitoral -– desde as convenções partidárias, passando pelo trabalho nas ruas, a apuração dos votos até a reação dos eleitos e dos derrotados.


Levante sua voz

168


Produção: Daniele Ricieri

Direção de fotografia: Thomas Miguez Direção de arte: Anna Luiza Marques Voz: José Rubens Chachá

Levante sua voz

DIVULGAÇÃO

Direção, roteiro, montagem e animações: Pedro Ekman

Levante sua voz

Brasil, 2009, 17 min

169 O vídeo remonta ao curta Ilha das Flores, de Jorge Furtado, com a temática do direito à comunicação. A obra faz um retrato da comunicação de meios dos concentração . Brasil no nte existe


vê A guerra que você não

170


Roteiro: John Pilger

Direção de fotografia: Rupert Binsley Trilha sonora: Sacha Puttnam Narração: John Pilger

A guerra qu

e você não vê The War You Don’t See

DIVULGAÇÃO

Direção e produção: Alan Lowery e John Pilger

A guerra que você não vê

The War You Don’t See, Reino Unido, 2010, 97 min

171 Uma investigação poderosa e oportuna sobre o papel da mídia na guerra, traçando a história das reportagens independentes e cheias de carnificina da Primeira Guerra Mundial à destruição de Hiroshima, e desde a invasão do Vietnã à Guerra do Afeganistão e o desastre no Iraque. Como as armas e propaganda se tornam ainda mais sofisticados, a natureza da guerra está se desenvolvendo em um campo de batalha eletrônico, em que os jornalistas desempenham um papel fundamental e os civis são as vítimas.


Nuke KuĂŽ / Barreira

172


Nuke Kuî / Ba rreira

DIVULGAÇÃO

Direção: Mauro Môcha

Nuke Kuî / Barreira Brasil, 2010, 8 min

173 Insatisfeitos com a escassez de recursos públicos para suas aldeias, os Katukina fecham a BR 364, estrada que atravessa suas terras, para protestar. O ex-governador do Acre, Orleir Cameli, chega para negociar, dando início a um jogo tenso entre os indígenas, políticos e empresários. Vídeo realizado por alunos do povo Katukina, no Ponto de Cultura Indígena Yositi Shovo, aldeia Samaúma.


รฃo A ditadura da especulaรง

174


Vavá

A ditadura da especulação

DIVULGAÇÃO

Direção, direção de fotografia e montagem: Zé Furtado Trilha sonora: Gog, Lado 2 Estéreo, Emicida e

A ditadura da especulação Brasil, 2012, 13 min

175 As tentativas de impedir que as máquinas derrubassem a vegetação local para construção de edifícios do setor noroeste: diversos confrontos entre indígenas, manifestantes, polícia militar e seguranças da administradora Terracap, que é a estatal que administra as terras públicas do Distrito Federal. O movimento de resistência ao avanço das construções desse novo bairro em Brasília, que tenta retirar do local um antigo santuário e a comunidade indígena que habita a área.


ProibidĂŁo

176


e

roteiro:

Ludmila

Curi

e

Guilherme

Produção: Guilherme Arruda, Lorenzo e Arnaut Direção de fotografia: Thiago Facina Montagem: Silvio Arnaut

Proibidão

DIVULGAÇÃO

Direção Arruda

Proibidão

Brasil, 2012, 13min

177 A partir da trajetória do MC Smith, jovem morador do complexo de favelas da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, o filme busca entender o fenômeno do funk proibido, sua origem e sucesso.


Rio Carioca

178


Produção: Raphael Carolina Amaral

Mesquita,

Poliana

Paiva

e

Direção de fotografia: Guga Millet Montagem: Silvio Arnaut, André Mielnik e Julia Bernstein Trilha: Augusto Malbouisson, Barbara Kahane, Felipe Rodrigues, Gabriel Ares, Sandro Rodrigues, Simplicio Neto e Banda Filme

Rio Carioca

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Simplicio Neto

Rio Carioca

Brasil, 2012, 15 min

179 Documentário sobre o rio que deu nome aos habitantes da cidade do Rio, onde os “rios brincam de esconder”, como resumiu Drummond. Principal fonte de abastecimento de água da antiga capital brasileira por dois séculos, orientador do seu próprio traçado urbano, ele hoje é apenas um grande canal de esgoto submerso, que deságua na Baía de Guanabara.


Rio cidade olĂ­mpica

180


Trilha sonora: Rumori Desenho Sonoro Elenco: Pedro Paulo Malta

Rio cidade ol ímpica

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Claudio Felicio Direção de fotografia, montagem e direção de arte: Desire Taconi

Rio cidade olímpica Brasil, 2012, 7 min

181 Um falso documentário – nem tão falso assim – sobre os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016.


lo Independência de São Pau 7 de setembro, 2013 –

182


Produção: 12pm Photographic e Urso Morto Direção de fotografia: Gabriel Brambatti e Danilo Arenas

Montagem: Fabricio Brambatti Trilha: Jonny Greenwood

7 de setembro , 2013 – Inde pendência de São Pa ulo

DIVULGAÇÃO

Direção: 12pm Photographic

7 de setembro, 2013 – Independência de São Paulo Brasil, 2013, 5 min

183 Manifestação em São Paulo de 7 de Setembro de 2013.


Ritmos de resistĂŞncia

184


Produção: Jason O’Hara e Patrick Ganja Direção de fotografia: Guilherme Chalita e Jason O’Hara Trilha sonora: Ken Muir, Kevin Macleod, Cathola, Alegria da Zona Sul, Reciclato e Os Músicos do Tuiuti Ritmos de re sist

ência Rhythms of Re sistance

DIVULGAÇÃO

Direção e montagem: Jason O’Hara

Ritmos de resistência

Rhythms of Resistance, Canadá/Brasil, 2013, 29 min

185 Um olhar sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) através dos discursos politizados de artistas de algumas comunidades cariocas. Entre eles, está o músico Cathola, preso e baleado pela polícia logo após a implantação da UPP da favela do Cantagalo, onde vive. Com músicas e performances que tematizam a exclusão social e violência policial, esses artistas discutem a retórica da pacificação e questionam em que medida a chegada das UPP não representa uma intensificação da criminalização da pobreza.


O som ao redor

186


Produção: Emilie Lesclaux

Direção de fotografia: Pedro Sotero e Fabricio Tadeu Montagem: João Maria e Kleber Mendonça Filho Elenco: Irandhir Santos, Gustavo Jinkings, W.J. Solha e Irma Brown

Jahn,

Maeve

Trilha sonora: DJ Dolores

O som ao redo r

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho

O som ao redor

Brasil, 2013, 131 min

187 A presença de uma milícia em uma rua de classe média na Zona Sul do Recife muda a vida dos moradores do local. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a tranquilidade trazida pela segurança privada, sob liderança de Clodoaldo, outros passam por momentos de extrema tensão. Ao mesmo tempo, casada e mãe de duas crianças, Bia tenta encontrar um modo de lidar com o barulhento cachorro de seu vizinho.


Ameaรงados

188


Montagem: Julia Bernstein

Ameaçados

DIVULGAÇÃO

Direção, roteiro, produção e direção de fotografia: Julia Mariano Trilha Sonora: Tuzé de Abreu e Ricardo Luedy

Ameaçados

Brasil, 2014, 22 min

189 No Brasil profundo, onde a lei e a justiça dependem de nome e sobrenome, a luta por um pedaço de terra vira uma questão de vida ou morte. No sul e no sudeste do Pará, pequenos agricultores lutam por um pedaço de terra para plantar e viver.


Domínio público

190


Produção: Fausto Mota

Câmera: Victor Zaiden, Fernando DeMello, Diego Sobral, Liliu, Tomás Camargo, Paulo Gouvea, Bruno Franklin, Raoni Vidal e Fausto Mota Montagem: Raoni Vidal e Fausto Mota

Domínio públ ico

DIVULGAÇÃO

Direção: Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro

Domínio público

Brasil, 2014, 98 min

191 Entre 2011 e 2014, o documentário investigou as transformações no Rio de Janeiro por conta dos megaeventos: as UPP nas favelas, remoções forçadas, privatizações de espaços públicos e revoltas populares.


O prefeito tรก chegando

192


O prefeito tá chegando

DIVULGAÇÃO

Direção, produção e montagem: Cid César Augusto Direção de fotografia: Alberto Bellezia

O prefeito tá chegando Brasil, 2014, 16 min

193 Irmã Fátima é líder comunitária. Eduardo Paes é prefeito. Eles se encontraram na Estradinha.


Levante!

194


Roteiro: Barney Lankester-Owen Produção: Susanna Pedro Rosa

Lira,

Sabrina

Bitencourt

e

Montagem: Paulo Mainhard Levante!

DIVULGAÇÃO

Direção: Susanna Lira e Barney Lankester-Owen

Levante!

Brasil, 2015, 52 min

195 O filme mostra como a tecnologia se traduz em uma poderosa ferramenta de inovação da comunicação através de pessoas que se “levantaram” contra injustiças sociais em diversas partes do mundo.


Que horas ela volta?

196


Produção: Fabiano Gullane, Caio Gullane, Débora Ivanov e Anna Muylaert Direção de fotografia: Bárbara Alvarez Montagem: Karen Harley

Trilha sonora: Vitor Araújo e Fábio Trummer Que horas el a volta?

DIVULGAÇÃO

Direção e roteiro: Anna Muylaert

Que horas ela volta? Brasil, 2015, 114 min

197 Depois de deixar a filha no interior de Pernambuco e passar 13 anos como babá do menino Fabinho em São Paulo, Val convive com a culpa por não ter criado sua filha Jéssica. Às vésperas do vestibular do menino, no entanto, ela recebe um telefonema da filha, que parece ser sua segunda chance.


Créditos Realização Jurubeba Produções Curadoria Alessandra Castañeda Coordenação Geral Alessandra Castañeda Produção Executiva e Coordenação de produção Amanda Castro Monitoria Thiago Tavares 198

Assistência de Produção Daniel Araújo Coordenação de cópias João Cândido Zacharias Assistência de Produção de cópias Louise Lyrio Legendagem Eletrônica 4 Estações Webdesigner Lucas Martins Assessoria de Imprensa Claudia Oliveira Vinheta Karen Black Registro Videográfico Luiz Guilherme Guerreiro Registro Fotográfico Rodrigo Gorosito


Editorial Coordenação Editorial Alessandra Castañeda João Cândido Zacharias Programação Visual Daniel Real Ricardo Prema Revisão de Texto Rachel Ades Produção de texto Ana Gabriela Morim de Lima Athos Luiz Carolina Christoph Grillo Daniel Caetano Diogo Lyra Douglas Duarte Ellen Paes Fabiana Castelo Valadares Janaína Castro Alves Luisa Elvira Belaunde Marcelo Castañeda Natália Noffke de Almeida Paulo Maia Rafucko Simplicio Neto Wilson Gomes de Almeida Zeca Ferreira Agradecimentos

Ana Claudia Mielke Cinemateca Brasileira Cinemateca do MAM Diana Almeida Dilma Rousseff Hernani Heffner

199


João Luiz Vieira João Paulo Saraceni Julia Bernestein Luiz Giban Maria Hirszman Mariana dos Reis Mariana Menna Matthieu Thibaudault Nancy Korim Olney São Paulo Júnior Pedro Prado Rebeca Lerer Rudá Castañeda Real Sergio Silva 200


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.