37ª Edição

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DIAS DE CONFINAMENTO

Vamos todos ficar bem e Estamos juntos são dois dos slogans que mais se ouvem por estes dias. São reconfortantes, dizem alguns. Mas as pessoas adultas com quem falo têm uma visão diferente. Acham-nos simplistas e enganadores. É evidente, mesmo para um Cândido contemporâneo, que não vamos ficar todos bem. Mais de 100 000 mortos são disso suficientemente elucidativo. Também estarmos todos juntos é uma maneira de dizer. Há quem viva o luxo (entediante, é certo) de ficar em casa, deslocando-se de carro e com a certeza de que o rendimento mensal está garantido. Há quem tenha de sair todos os dias para ir trabalhar, muitas vezes recorrendo a transportes públicos e sem equipamento idóneo (máscaras, luvas, desinfectante). Há quem possa encomendar comida para entregar em casa e há quem vá para as filas dos supermercados. Há também quem tenha de recorrer à ajuda pública ou provada. Não é vergonha nenhuma, claro. Apenas o escrevo para marcar a superficialidade

de pensamento inerente à ideia de que estamos todos juntos. Como vi algures numa publicação no Facebook “a tempestade é a mesma, os barcos são diferentes”. Nos momentos de crise como os que vivemos as frases agregadoras são necessárias. Poderá dizer-se que daí não vem mal ao mundo, mesmo quando lhes vemos as fragilidades. Excepto, digo eu, por contribuírem para a sempre crescente infantilização da opinião pública, um perigo para a subsistência a longo prazo das democracias. Uma outra forma de lidar com a situação que vivemos é transformá-la num sinal do planeta, numa chamada de atenção para a necessidade de modificarmos o nosso modo de viver. Mas quem nos chama? O planeta? Que estamos a exaurir os seus recursos é evidente. Ninguém sente tão pouco entusiasmo por “mercados vivos” (designação irónica, considerando que o negócio é o da morte) como eu. Acredito que devemos por de lado a perspectiva antropocêntrica que nos tem guiado ao longo dos séculos, aceitando sermos apenas mais uma espécie num planeta de grande diversidade biológica que pode ou não ser o único no Universo. O uso da razão é uma responsabilidade, não um privilégio.


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