3 minute read
Pano para Mangas Margarida Vargues
PANO PARA MANGAS
Margarida Vargues
APANHADA NA REDE
á precisamente dois anos que escrevo aqui! Diz-se que a velocidade do tempo H é proporcional à idade e, se assim é, não quero imaginar a duração de um ano quando entrar nos noventas – isto é que é ter fé! Prefiro não fazer contas e viver cada dia o melhor que sei. E viver os dias o melhor que sei, é passá-los entre crianças e adolescentes. Em casa ou no colégio fazem-me rir, fazem-me chorar, levam-me ao desespero, carregam-me de preocupação e deixam-me a explodir de alegria. Nenhum é meu, contudo todos o são, mais que não seja durante o tempo que com eles estou. Eu e eles, eles e eu somos uma verdadeira montanha russa de emoções. Quantos são? Muitos! Muitos, mesmo. Este ano lectivo, quase cento e cinquenta, se não me falha a matemática. Diz-se por aí que o melhor do mundo são as crianças. E são! – mesmo com as suas dores de crescimento que, actualmente extrapolam muito mais as paredes do lar do que noutros tempos. Se por um lado as vivências são – aparentemente – diferentes, a sociedade – nós! – estamos muito mais atentos e abertos ao que se passa dentro de cada um. Cada criança é um mundo e há miúdos que carregam todos os mundos que os rodeiam sobre os seus, ainda, frágeis ombros. Com excepção dos loops e malabirismo que faço, diariamente, com o Present Simple do verbo “to be” e a exaustiva esquematização de como identificar o Sujeito, o Predicado e os Complementos Directo, Indirecto e Oblíquo numa frase, as minhas horas são tudo menos monótonas. À chegada meço-lhes a temperatura – não a corporal, mas a emocional, pois a cada hora e meia há uma caixinha de surpresas que me bate à porta. Os anos e a experiência ensinaram-me a tomar este tipo de cautela. Preciso saber com o que conto, até ondo posso ir e como lá chegar. Muitos entram sem tirar os olhos do telemóvel, como todos aqueles sobre quem escrevi há dois anos. Às vezes vêm em “modo urso”, que é como quem diz, de birra com o mundo e com eles próprios. Noutros dias são dominados pela euforia de algum acontecimento extraordinário – pelo menos para eles – e tenho dificuldade em acalmar-lhes os ânimos. E é no meio desta euforia e birras próprias da idade que surgem as conversas mais difíceis. Nós, adultos, afirmamos muitas vezes que eles, adolescentes, têm uma vida fácil se a compararmos com a que tivemos. Em certos aspectos sim, já noutros desconfio que não, ou então fui eu e os que me rodeiam, que tivemos uma infância e adolescência muito privilegiadas.
Apesar das precauções sou, por vezes apanhada na rede! E que rede? Aquela que os envolve e com a qual têm de aprender a lidar. Quer-se, em demasia, a maturidade que ainda não têm – ou porque é mesmo assim, ou porque vivem num casulo que não os deixa crescer. São as teias da idade, os dramas existenciais, os pais que não os compreendem e não os deixam “fazer nada”, os professores que são “os piores do mundo”, as notas que são injustas, os primeiros amores, ... Não sabem para onde se virar e deixam-me, igualmente, do avesso.
A armadilha é montada no silêncio: a boca fecha-se e o olhar cai sobre o caderno para logo subir até mim. Aprendi a ler estes sinais e (ainda) tremo de cada vez que acontece. Antevejo uma confissão ou uma pergunta difíceis. Curiosamente, as confissões vêm dos rapazes e as perguntas das raparigas e os temas são, invariavelmente, muito semelhantes: eles porque tramaram alguma, elas porque vivem as emoções dos primeiros amores ou, entre os mais velhos, as dúvidas sobre o futuro. Fito-os num misto de receio e curiosidade. A responsabilidade é gigante e, qualquer coisa que lhes diga, pode assumir proporções dantescas. Eles já sabem que what happens in Vegas, stays in Vegas e isso dá-lhes a abertura necessária para o que se segue.
Colecciono, na memória, uma grande parte destes inquéritos, pois o rol de dúvidas que surge a seguir à primeira pergunta ou confissão é inevitável. É o livro da minha vida escrito por eles. Quem sabe um dia não se transforma em papel, e lá registo os bolos que lhes faço para o lanche e, sem sobra de dúvida, a primeira vez que fui apanhada na rede com um “Margarida, como é que sei que estou apaixonada?”