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Ré em Causa Própria Adelina Barradas de Oliveira
ABRIL SILÊNCIOS E VERDADES MIL
“Eu tenho uma espécie de dever... de dever de sonhar ... de sonhar sempre.... E assim me construo e invento o palco e o cenário entre luzes brancas e luzes invisíveis. Um dever de vencer o inimigo invencível... Voar no limite improvável... tocar o inacessível chão... É minha lei virar esse Mundo cravar esse chão.... Quantas guerras terei de vencer por um pouco de paz? .... e seja lá como for vai ter fim a infinita aflição... e o Mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão.”
RÉ EM CAUSA PRÓPRIA
Adelina Barradas de Oliveira
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.... Quem dera que fosse assim.....
Do que eu gostaria neste texto de Abril era de vos falar do que me vai na alma, porque pela minha alma perpassam coisas simples e a vontade de um desabafo com quem me queira ou possa ouvir e, neste caso, ler.
É um bom exercício de catarse.
E sem queixas, sem dores de alma, sem alegrias excessivas, sem mentiras... um desabafo de silêncio e espera, semelhante ao dos que não temem porque não devem.
Só que eu vivo também dentro dos tribunais e, os tribunais, que são assim uns locais de gente estranha que se queixa, queixa , queixa mas trabalha para além do imaginável e a quem chamam “agentes judiciários”, como se não houvesse neles titulares de um Poder de Estado, não têm silêncios, têm sussurros. Acreditem-me. Acreditem que ao contrário do que se diz por aí, os tribunais não são só uma máquina de fazer justiça na hora, assim como uma empresa de entregar pizzas. O que os Tribunais fazem é não elevar a voz.
O que eu queria mesmo neste Abril que nos cheira a Liberdades conquistadas e a temor de as perder, era dizer-vos que há uns dias que não me preocupo com a vida dos outros, nem com os problemas dos outros, que não me preocupo com a liberdade ou a segurança dos outros até porque, eu sendo juíza, nem sequer sou super juíza.
Há dias em que nem me preocupo com as reações às decisões dos tribunais porque os Juízes não se preocupam, nem com os recursos que são actos legítimos de quem pode reagir às decisões. Os juízes também não se preocupam com as restantes reações, simplesmente decidem em consciência e aguardam o decurso normal do processo.
RÉ EM CAUSA PRÓPRIA
Abril Silêncios e Verdades Mil
Neste Abril com aroma a Liberdades que não queremos perder, que implicam conquistas de muitos Direitos, era dos meus dias de calma aparente que gostaria de vos falar. Aparente porque condicionada aos deveres. E é tão bom não cumprir um dever... .
Espreguiço-me na meia hora de esplanada e fico a observar os poucos turistas que devem ter chegado ao País por terra ou são da terra. Observo os que trabalham, os que passam e os que se sentam a ver, a observar, a imaginar,... como eu, com cheiro a mar ao fundo.
Há tantas vidas nos olhares e nos pés descalços, calçados em sofrimento, em silêncios, em esperas, em medos...
Há anos de trabalho para se conseguir uma semana de liberdade e descoberta. Há mãos cansadas, costas vergadas que passam um ano à secretária, pés quase descalços sentados e balanceantes por cima do rio, que passam o ano em saltos altos... fechados nas regras, nos prazos, no sufoco do parecer o que se não sente.
E eu com um esgotamento de palavras......
Estou mesmo com um esgotamento, não me sai o rio de uma prosa que vos convença e vos faça sentir assim, daquela forma que a gente sente quando a prosa é boa. Quando a prosa é boa a gente sente que só não é nossa porque não nos levantámos de noite para escrevê-la quando bateu aquela vontade de o fazer.
........ Tanta noite que deixo as ideias para de manhã e não acordo com elas, e se acordo, nem concordo. Em que buraco negro caíram entretanto?
Mas mais do que o dever de escrever em Abril, o mês em que se aprende a dizer saudade, Liberdade, e conquista, eu tenho um Dever...
O dever de sonhar sempre. E mais que o dever de sonhar, tenho o dever de realizar e de fazer o impossível possível, e ao inatingível,... a esse, tenho o dever de o tornar em algo logo ali, à mão, ao alcance de todos os homens e mulheres, em nome de Direitos Fundamentais que se escondem em Tratados que ficam amarelecidos no tempo e na lembrança dos homens e das mulheres, e dos meninos....
Eu tenho um dever... O dever de me preocupar com o Outro... e curioso, faço-o incansavelmente por vocação.
Eu tenho o dever de fazer cumprir os Deveres e de impor o respeito pelos Direitos, de fazer os silêncios certos nos momentos certos e erguer a voz quando, e só quando houver
necessidade, contra qualquer Dever de Reserva mal definido, que não pode negar-me, nunca, o Direito a não calar a Verdade.
Se para não ferir a Verdade há alturas em que o silêncio a protege, o silêncio dos que não temem porque não devem, há alturas em que a avalanche de indiferença e de pressa é tão grande que faz falta um grito de Verdade.
Mas ele deve ser tão certeiro que não poderá ser vulgar. Será tão certeiro quanto a demora do silêncio que o prepara.
Meçam, pois, a minha verdade pelo volume do meu silêncio mas não se enganem, porque não a calarei se necessário for.
Abril é quando tiver de ser.
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“Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis.”
Fernando Pessoa PESSOA, F. Livro do Desassossego, por Bernardo Soares.